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Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica

ISSN: 1516-1498
revistaagoraufrj@gmail.com
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Brasil

Tosto Leite, Julia Cristina


DIMENSÕES DO AMOR. A teoria do amor. Nadiá Paulo Ferreira. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004, 71 p. (Coleção Psicanálise Passo a Passo, v.38)
Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, vol. VIII, núm. 1, enero-junio, 2005, pp. 130-133
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, Brasil

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está na ordem do dia. O desafio funda- DIMENSÕES DO AMOR


mental é o seguinte: deve o analista
abandonar seu procedimento clínico ao A teoria do amor. Nadiá Paulo Ferreira.
pesquisar o método criado por Freud, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, 71 p.
substituindo-o por estatísticas, grupos (Coleção Psicanálise Passo a Passo, v.38)
de controle, comentário teórico, ou será
possível converter em investigação uni- Julia Cristina Tosto Leite
versitária o próprio processo interpre- Psicanalista; mestre em Pesquisa e Clínica em
tativo? Psicanálise pelo IP/Uerj. Associada ao Corpo
Sabemos que pesquisa é algo que os Freudiano do Rio de Janeiro – Escola de
Psicanálise
analistas estão sempre a fazer: bastaria sa-
ber como transformar nosso trabalho
diário em pesquisa comunicável. Neste A proposta de Nadiá Ferreira é apresentar
livro, são apresentados muitos trabalhos as concepções do amor na obra de Freud e
práticos, de diferentes ambições e in- no ensino de Lacan. Psicanalista e pesqui-
serções acadêmicas, e de tamanhos e pro- sadora dedicada ao tema, a autora realiza
fundidades diferentes. E o objetivo do um abrangente mapeamento dos princi-
livro é mostrar como, valendo-se do mé- pais eixos e desdobramentos de uma dis-
todo psicanalítico, os analistas conse- cussão que se impõe desde a aurora da
guem perfazer o caminho que vai da clí- psicanálise: a construção do conceito de
nica à pesquisa, do método às novas su- transferência, um dos pilares da definição
gestões teóricas. Acreditamos que a psi- do novo campo, é derivada do reconhe-
canálise continuará a existir na medida cimento precoce, por Freud, da “estranha
em que puder ser reinventada dentro relação de amor”, surgida na cena analítica
dela mesma. e tomada como um elemento ao mesmo
tempo perturbador e motor de cura. Em
Recebido em 2/3/2005 vez de recuar, Freud assume a posição firme
Aprovado em 4/4/2005 de aprender com o inesperado fenômeno
do amor. Seu percurso teórico articula-se,
naturalmente, com os conceitos centrais
Iliana Horta Warchavchik da psicanálise, particularmente a sexuali-
ilianaw@dialdata.com.br
dade, e culmina na formulação da dualida-
Luciana Saddi de Eros e pulsão de morte, mudança cujas
lucianasaddi@sbpsp.org.br conseqüências éticas Lacan irá destacar.
Magda Guimarães Khouri
Como ponto de partida, a autora ana-
magdakouri@uol.com.br lisa o lugar ocupado pelo amor no discur-
so dos amantes e na poesia. Ao sublinhar a
força do mito do amor, força esta susten-
tada pela promessa de felicidade plena nas
chamadas “histórias de amor”, aponta tam-
bém a estratégia desse mito: manter essa
promessa de felicidade, afastando o impos-
sível, uma das denominações do real para
Lacan, ou transformando-o em proibido.
Freud já observara que o amor tende a

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funcionar como modelo de busca da feli- O amor seria, então, uma tentativa de fa-
cidade e reconhecera sua natureza ilusória zer desaparecer a falta original do desejo.
no sentido de consolar e tornar tolerável A situação paradoxal do amor, no entanto,
o mal-estar próprio do desejo humano. também é reconhecida por Freud e por
Como delinear as diferenças e articu- Lacan: se o encontro amoroso proporcio-
lações entre o amor e o desejo sexual, ter- na, por um lado, um certo apaziguamento
mos de uso comum que, na psicanálise, ao alimentar a ilusão da completude per-
ganham contornos originais? Recorrendo dida, por outro lado, implica sempre um
ao texto freudiano e ao ensino de Lacan, efeito de logro, pois basta amar para que o
Nadiá nos leva a considerar como tal ques- sujeito se reencontre com essa hiância es-
tão se revela fundamental à definição da trutural, como diz Lacan, na medida em
especificidade do campo da psicanálise. que o que falta ao sujeito (amante), o
Fazendo sobressair o tema do amor, per- objeto (amado) também não tem.
corre, habilmente, as elaborações destes A diferença entre amor e sexo é a se-
autores, de seu nascimento às suas refor- gunda articulação da autora. Para Freud, o
mulações, destacando o vigor conceitual termo ‘amor’ é reservado para o movi-
ali contido. Sua indicação central é de que mento do eu na direção do objeto para
o lugar do amor deve ser situado a partir além da relação de puro prazer. Ou seja,
do encontro sempre faltoso do sujeito com ainda que portando a marca do pulsional
a sexualidade, conforme Lacan o formula, (sexual), o amor a ultrapassa. Lacan dirá
avançando na direção apontada por Freud. que, quando se trata do amor, o que está
Eis o mote de três articulações iniciais que em jogo é a suposição de um ser no ou-
contextualizam o pensamento de Freud e tro. Iludido pelo significante (que suge-
Lacan sobre o amor, além de introduzir a re que haja ser), o sujeito busca, com o
perspectiva ética da psicanálise. amor, fazer signo, suspendendo, ainda
Em sua primeira articulação – a relação que provisoriamente, o deslizamento
entre amor e castração –, podemos situar infinito do desejo.
o “problema do amor”. A esperança de Finalmente, a autora chama a atenção
completude, facilmente reconhecível para a relação entre amor e gozo, o segun-
quando se trata deste sentimento, tem do apontando, para Lacan, a ordem do
como fundamento uma perda original, excesso, para além do prazer. Aqui, o sofri-
colocada por Freud em termos de objeto mento, embora relativamente comum no
perdido de uma satisfação primeira e ori- campo do amor, particularmente em sua
gem de um profundo e permanente an- vertente de paixão, revela uma possibili-
seio por seu retorno, o qual recebe o nome dade de enlace com o gozo e, portanto,
de ‘desejo’. Freud situa a busca amorosa de manifestar sua face mortífera, pois o
(ou escolha de objeto) em uma perspec- prazer não mais o limita.
tiva distinta, mas não independente da Colocadas as balizas iniciais, Nadiá de-
sexualidade, uma vez que apoiada nos la- fende que, para Freud, o amor está ligado
ços com os primeiros objetos. Tomando o mais à idealização, enquanto para Lacan, à
conceito de objeto pulsional em sua radi- sublimação. Na obra freudiana, o amor é, a
calidade, Lacan define-o como faltoso. Ou princípio, situado do lado da pulsão se-
seja, a falta de objeto seria uma condição xual, enraizando-se no narcisismo primá-
primordial, marca da entrada do sujeito rio. Ou seja, amor e sexo compartilham,
no mundo simbólico, da linguagem. em sua constituição, o prazer parcial

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ligado, de início, à boca. Amar como sinô- seu interesse na formulação de sua estru-
nimo de devorar seria, então, a primeira tura. Ressaltando a dificuldade de se dizer,
configuração do amor. Além disso, o amor sobre o amor, algo que se sustente, Lacan
seria independente do ódio (forma mais circunscreve uma primeira distinção fun-
primitiva de relação com o objeto), opon- damental: o amor como paixão imaginá-
do-se a este apenas sob a regência do prin- ria e o amor em sua face simbólica. O amor-
cípio de prazer. Mais tarde, com a intro- paixão se dirige ao outro como objeto,
dução do conceito de narcisismo, impli- buscando complementaridade e revelan-
cando em que o eu é também objeto da do sua raiz narcísica, já indicada por Freud.
pulsão sexual, Freud distingue duas for- Ou seja, o sujeito ama para ser amado. Acres-
mas de amar, mas não se descuida de dis- centa que a paixão (além do amor, o ódio
cutir os destinos pulsionais. A escolha amo- e a ignorância) é, justamente, a alienação
rosa seria marcada, então, pela divisão da do desejo no objeto. Em sua face simbóli-
libido entre o eu e o objeto, implicando ca, diferentemente, o eixo do amor é si-
uma supervalorização do eu ou do objeto tuado, não no objeto, mas naquilo que o
e sendo denominada, respectivamente, objeto não tem. Como dom ativo, o amor
narcisista e anaclítica (mais tarde, ligada à visa o ser, para além da captura imaginária,
identificação e à idealização). O amor, sustentando-se e equivocando-se na tra-
modelado pelas primeiras experiências, e ma significante. O que Lacan sublinha é,
as pulsões sexuais, com seus pontos de sobretudo, a falta de harmonia fundamental
fixação, são considerados dois campos dis- entre sujeito e objeto. Como a linguagem,
tintos, ambos funcionando como se o o amor, em sua vertente simbólica, revela
tempo houvesse parado. É, especialmen- um esforço, sempre precário, de fazer fren-
te, em sua vertente de idealização, na qual te ao real da falta.
o objeto é tomado como fonte de todo Lacan destacará, também, do amor como
bem, que Freud destaca a tendência a uma recusa do dom, articulando-o com a pulsão
relação de submissão neurótica a este. Há de morte e com a sublimação, pois, em
uma preciosa indicação da autora sobre a seu centro, habita o vazio e não o objeto.
aproximação, realizada por Freud, entre o O amor cortês é um entre os exemplos
amor e os destinos da pulsão sexual, que trabalhados pela autora para explicitar os
devemos destacar. Não obstante a distin- meandros desta modalidade de amor, que
ção estrutural, os dois campos mantêm se apóia na renúncia ao objeto. A elabo-
pontos de conexão, que podem ser en- ração teórica encaminhada por Lacan tem
trevistos na ampliação da oposição amor e como um de seus pontos fundamentais
ódio (que passa a incluir a indiferença e o as diferentes posições subjetivas diante
ser amado). Finalmente, com a formula- do objeto amoroso e dupla possibilida-
ção da pulsão de morte, Freud volta a reu- de do amor de manter ou apagar a falta
nir amor e sexo sob a denominação de viva do desejo.
Eros, agora tomado em seu poder de opo- A relação entre amor e saber, na trans-
sição frente à morte. ferência, constitui um importante desdo-
As contribuições de Lacan sobre o tema bramento realizado por Lacan: o amor de
do amor atravessam seu ensino, avançan- transferência, em sua essência amor-pai-
do em caminhos abertos por Freud. Tam- xão, seria acompanhado da ignorância,
bém ele se deixa instigar por Eros, usando paixão sustentada, simultaneamente, por
a expressão “teoria do amor” para afirmar um “não-querer-saber” e pela suposição

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de um saber no analista. Se, na entrada em


análise, o analisando ama para ser amado,
em seu desfecho entraria em jogo a “me-
táfora do amor”: uma transformação do
amado em amante como sujeito da falta,
sujeito desejante.
Efeito da estruturação do desejo, in-
venção humana paradoxal, o amor é, tam-
bém, um tema caro à delimitação ética do
campo da psicanálise, realizada por Lacan,
mas germinada por Freud. Retomando, de
forma cuidadosa, as contribuições destes
autores, o texto de Nadiá cumpre seu des-
tino na transmissão da psicanálise, parti-
lhando com o leitor caminhos possíveis
de discussão que se abrem à possibilidade
de novas articulações.
Recebido em 1/12/2004
Aprovado em 12/1/2005

Julia Cristina Tosto Leite


julia.leite@ig.com.br

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