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|° SEMESTRE DE 2008
Editorial
ARTiGOS
Cristo e os cristãos
Amin A. Rodor, Th.D.
EDITOHAL
A idéia de que Cristo assumiu a natureza humana caída pode ser traçada, no adventismo,
a partir de dois nomes principais: J. E. Waggoner, e A. T. Jones. Como demonstrado por
George Knight - provavelmente o autor que melhor tem estudado a questão -, o tema
da natureza humana pecaminosa de Cristo #Õo foi díscutido na histórica assembléia de
Minneápolis, em 1888. No entanto, os pós-lapsarianos sustentam a tese contrária, na
tentativa de capitalizar o endosso de Ellen G. White à posição dos dois jovens mensageiros
de Minneápolis em relação ao debate sobre justificação pela fé. Knjght observa que foi
apenas ao redor de 1895 que Jones passou a apregoar "a total semelhança de Cristo com
os outros seres humanos como central à sua apresentação do tema dajustificação pela fé".4
Realmente, foí na assembléia da Associação Geral de 1895 que Jones dísse em um dos seus
sermões: "A natureza de Cristo é precisamente a nossa natureza. Em sua natureza humana
não há nem uma partícula de diflerença entre Ele e vós."
Éclaroqueparadefenderateoriapós-lapsariana,representantesdoalegado"adventismo
histórico" omitem completamente a reação de muítos delegados da Assembléia de 1895
contra a teoría de Jones. Este foi confrontado por alguns delegados com um texto claríssimo
de Ellen G. White: "Ele [Cristo] ... é um jrmão em nossas fraquezas, mas não em possuir
idênticas paixões. Sendo sem pecado, sua natureza recuava do mal."6 É quase inacreditável
o fato de que Jones buscou então se evadir à força do argumento apresentando uma resposta
em curva na qual tentou criar uma precária e absurda distinção entre a carne de Cristo e
a sua mente, num tipo de apolinarianismo piorado. Em prejui'zo das pretensões de seu
próprio autor, esse raciocínio leva ironicamente à conclusão de que se Cristo tínha outra
mente, "a mente de Cristo Jesus", então havia mais "que uma partícula de diferença" entre
Ele e nós.7
No final de 1895 ou início de 1896, Ellen G. White escreveu sua hoje famosa carta a
W. L. H. Baker,8 que contém cinco parágrafos cristológicos devastadores para a teoria
pós-lapsariana, expondo sua posíção doutrinária quanto à natureza de Cristo com uma
clareza inegável. Até hoje essa carta tem suscitado no pós-/crpscrrj.cz#í.smo apenas respostas
curvilíneas, quando não completa desconsideração de suas afirmações. 0 curjoso é que, por
mais claras que sejam, tais citações não são suficientes para convencer os pós-lapsarianos
dos movimentos dis'sidentes, tais como o Hartland lnstítute e outros do gênero. Eles não
apenas acabaram canonizando Jones e Waggoner, tomando-os seus padroeiros, mas
6 / PAROusiA -1° SEMESTRE DE 2008
Ellen G. White também não deixa qualquer dúvida quanto à condição de todos os
homens, em solidariedade com o primeiro Adão, e participantes na era da morte: "No
seu âmago, a natureza humana foi corrompida. Desde então, o pecado alcançou todos os
homens." Para ela, o egoísmo, profiindamente arraigado em nosso ser, "nos veio por
herança",[' e, ainda, "com relação ao primeira Adão os homens nada receberam dele, senão
a culpa [conseqüências] e a sentença de morte".'2 Comentando Gênesis 3:15, Ellen G.
White observa: "Não existe, por natureza, nenhuma inimizade entre o homem pecador e o
originador do pecado." De fato, o que existe naturalmente entre os homens e a serpente
é amizade, bem como o instinto de satisfazer os c7ese/.os c7o cor#e. "Mas em Cristo esta
inimizade era em certo sentido natural .... E nunca se desenvolveu a inimizade a ponto tão
notável como quando Cristo se tornou habitante da terra."t4 E, poilanto, "não devemos ter
dúvidas acerca da perfeita ausência de pecado na natureza humana de Cristo".'5
EDITORIAL / 7
Fratemalmente,
Amin A. Rodor
REFERÊNCIAS
' Preparado por um grupo representativo de líderes e acadêmicos adventistas do sétimo dia, Seve#fÁ-c7q;
Ád;e#/!.s!Ís j4#swer 0%csÍ!.o" om Docírí.#e (Washington, DC: Revjew and Herald Association,1957).
2 Jean R. Zurcher, rocczdo Por jvoLsso§ Se#/j.me#Íos, sem indicação de editora ou data de publicação.
3 Para uma síntese da teologia de M. L. Andreasen, veja Roy Admams, 7lúe Na/wre o/CÃrz.s/ (Hagerstown,
MD: Review and Herald Publishing Association, 1994), 37 a 54. É de Andreasen que os ministérios indepen-
dentes derivam grande parte de sua teoria perfeccionjsta, que tem resultado divisivo na igreja. E nisto eles
imítam não a Cristo, mas o caráter contencioso do próprio Andreasen, assím como anteriormente, o tinham
imitado de Jones.
4 George Knight, From /888 /o Áposciíc}s)/, ÍÁe Cc}§e Á. 7: /o#ef (Hagerstown, MD: Review amd Herald
Publishing Association,1987),136. Knight observa que a ênfase na igualdade de Cristo conosco está ausente
nos escritos de Jones anteriores a 1894 (íbídem).
5 Gc#erci/ Co#/e#f.#ce 8%//ef].m, 1895, 231, 233, 436, citado também por Kníght (ibidem).
6 Ellen G. White, res/cmwmÁos pczrc} c} Jg"e/.a (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), 2: 202.
7 Segue reproduzjda a incrível explicação de Jones: "Agora, quanto a Cristo não ter `pajxões semelhantes'
às nossas: Nas Escrituras Ele é como nós, e conosco de acordo com a carne . . . [mas] não vá tão longe. Ele foi
feito em semelhança à came pecaminosa. Mas não prenda sua mente a jsto. Sua came foi como a nossa; mas
sua mente foi `a mente de Cristo Jesus' .... Se Ele tivesse assumido a nossa mente, como então poderíamos ser
objeto da exortação `haja em vÓs a mesma mente que houve em Cristo Jesus' ? ` . . Mas que tipo de mente é a
nossa? Oh, está é corrompida pelo pecado" (Ge#erc]/ Com/ere#ce Bw//cÍz.#, 1895, 312, 327; veja Knight, From
/888 /o ,4poscr/as};, ÍÁc Case J4. r /o#es, 138). Como poderia Cristo ter sido cem por cento igual aos demais,
"sem uma partícula de diferença", se Ele tinha uma mente djferente da nossa, não afetada pelo pecado? É preci-
samente este típo de teimosia e incosistência lógica que constituem o maior legado de Jones aos seus seguidores
atuais, incapazes de ser convencidos mesmo diante dos mais compelentes argumentos. Apolinário, pai de uma
heresia cristológica, foi condenado por fazer diferença entre a mente de Cristo, ocupada pelo £ogos, e o seu
corpo (s'omcr) e alma/sentimentos ®s}Jq#c).
8 / PARousiA -1° SEMESTRE bE 2008
8 Para detalhes sobre a carta a Baker, veja nesta edição de Pczrowsi.cr, o artigo de Amin A. Rodor, "Cristo e
os Cristãos".
0 veja 0 mesmo artigo.
`2 Idem, Or;.e#ÍczÇÕo dc} Crj.cz#Çc[ (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,1992), 475.
'3 Idem, 0 Gra#de Co#/f./o (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001 ), 505.
[4 Idem, Á4c"ogew Esco/Áz.cJcrs (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,1966),1 :254.
i5 ibid., 256.
A encarnação
e o ‘Filho do Homem’
Resumo: Este artigo trata do tema da en- como o fato mais estupendo, em si mesmo
carnação de Jesus Cristo. O autor investi- e em suas conseqüências, na história do
ga inicialmente o significado da expressão homem, e a chave para todas as provisões
“Filho do Homem” usada por Jesus em redentoras de Deus. Tudo antes da encar-
referência a si mesmo, considerando, em nação conduzia a ela; e tudo o que segue
seguida, a natureza e o propósito da união depois resulta disto. Ela reforça a totali-
divino-humana em sua pessoa. Baseando- dade do evangelho, e é absolutamente es-
se em diversas citações de Ellen G. White sencial à fé cristã. Esta união da Divinda-
e de outros escritores, o artigo procura elu- de com a humanidade – do Infinito com
cidar questões importantes tais como a da o finito, do Criador com a criatura, a fim
natureza da expiação, se a humanidade de de que a Divindade pudesse ser revelada à
Cristo tinha ou não tendência pecaminosa, humanidade – supera nossa compreensão
e se Ele podia ou não cair em pecado. humana. Cristo uniu o Céu e a Terra, Deus
Abstract: This article deals with the to- e o homem, e sua própria Pessoa por meio
pic of Jesus Christ’s incarnation. First, the desta provisão.
author investigates the meaning of the ex- Além disso, em sua encarnação Cristo
pression “Son of man” used by Jesus in se tornou o que Ele não era antes. Ele to-
reference to himself, considering, next, mou sobre si uma forma humana corporal
the nature and the purpose of the divi- e aceitou as limitações da vida humana
ne-human union in his person. Based on corporal como o modo de existência en-
many references of Ellen G. White and quanto esteve na Terra entre os homens.
other writers, the article aims to elucida- Desse modo, a Divindade se uniu à huma-
te important issues such as the nature of nidade em uma pessoa ao tornar-se Ele o
expiation, whether or not the humanity único Deus-homem. Isto é básico em nos-
of Christ had a sinful tendency and if he sa fé. A vicária morte expiatória de Cris-
could or not fall into sin. to na cruz foi o inevitável resultado desta
provisão primária.
Introdução Ademais, quando Cristo se identificou
com a raça humana através da encarnação,
A Palavra Inspirada e a Palavra Encar- a eterna Palavra de Deus entrou nas rela-
nada, ou a Palavra que se fez carne, são ções terrestres de tempo. Mas desde en-
colunas gêmeas na fé dos adventistas do tão, desde que o Filho de Deus se tornou
sétimo dia, em comum com todos os ver- homem, Ele não deixou de ser homem.
dadeiros cristãos. Toda a nossa esperan- Adotou a natureza humana, e quando re-
ça de salvação repousa sobre estas duas tornou para seu Pai, não somente levou
imutáveis provisões de Deus. Realmen- consigo a humanidade que havia assumi-
te, consideramos a encarnação de Cristo do na encarnação, mas reteve sua perfei-
10 / Parousia - 1º semestre de 2008
Peregrinou na Terra, foi tentado e Cristo Jesus nosso Senhor foi uma
provado, e foi tocado pelos sentimentos miraculosa união da natureza divina
de nossas fraquezas humanas, todavia com a nossa natureza humana. Ele era
Ele viveu uma vida inteiramente livre de o Filho do homem enquanto esteve aqui
pecado. Possuía uma real e genuína na- na carne, mas era também o Filho de
tureza humana, uma que deve passar pe- Deus. O mistério da Encarnação é ex-
los vários estágios de crescimento, como presso clara e definitivamente nas Sa-
qualquer outro membro da raça. Estava gradas Escrituras.
sujeito a José e Maria, e foi um adorador
na sinagoga e no Templo. Chorou sobre “Grande é o mistério da piedade: Deus
a culpada cidade de Jerusalém e junto à foi manifestado na carne” (1Tm 3:16).
sepultura de um ente querido. Expressou “Deus estava em Cristo” (2Co 5:19). “A
sua dependência de Deus pela oração. Palavra se fez carne, e habitou entre nós”
Contudo, ao mesmo tempo reteve sua (Jo 1:14).
divindade – o único exclusivo Deus-ho- Que maravilhosa verdade! Isto foi men-
mem. Ele era o segundo Adão, vindo na cionado por Ellen G. White como segue:
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 11
Ele revestiu sua divindade com a humani- divina não pode haver dúvida. Que era
dade. Era todo o tempo como Deus, mas assim de sua natureza humana também é
não aparecia como Deus. Velou as demons- verdade. Em seu desafio aos fariseus de
trações da divindade que haviam ordenado seus dias, Ele disse: “Quem dentre vós
a homenagem e provocado a admiração do me convence de pecado?” (Jo 8:46). O
Universo de Deus. Ele era Deus enquanto
apóstolo aos gentios declarou que Ele
esteve sobre a Terra, mas despojou-se da
forma de Deus, e em seu lugar tomou a
“não conheceu pecado” (2Co 5:21); que
forma e o aspecto de um homem. Andou Ele era “santo, inculpável, sem mancha,
na Terra como um homem. Por amor a nós separado dos pecadores” (Hb 7:26). Pe-
tornou-se pobre, para que por meio da sua dro pôde testificar que Ele “não cometeu
pobreza nós pudéssemos enriquecer. Pôs pecado” (1Pe 2:22); e o amado João nos
de lado sua glória e majestade. Ele era assegura que “nele não existe pecado”
Deus, mas das glórias da forma de Deus (1Jo 3:5). Mas não somente seus amigos
por algum tempo abdicou.3 enfatizaram a impecabilidade de sua na-
Quanto mais refletimos sobre Cristo se tureza; seus inimigos também a declara-
tornando um bebê aqui na Terra, mas ma- ram. Pilatos foi forçado a confessar que
ravilhoso isto parece. Como pode ser que o não encontrou nele “nenhuma culpa” (Lc
desajudado bebê na manjedoura de Belém 23:14). A mulher de Pilatos advertiu seu
é ainda o divino Filho de Deus? Embora esposo a não se envolver “com esse jus-
não possamos compreender, podemos crer to” (Mt 27:19). Até mesmo os demônios
que aquele que criou os mundos, por amor foram compelidos a reconhecer sua filia-
a nós tornou-se um indefeso bebê. Apesar ção e portanto sua divindade. Quando fo-
de mais elevado do que qualquer um dos
ram ordenados a sair do homem a quem
anjos, embora tão grande como o Pai no
trono do Céu, Ele se tornou um conosco. haviam possuído, eles retorquiram: “Que
Nele Deus e o homem se tornaram um, e temos nós contigo, ó Filho de Deus!” O
é neste fato que encontramos a esperança evangelho de Marcos diz “o Santo de
de nossa raça caída. Olhando para Cristo Deus!” (Mc 1:24).
na carne, contemplamos a Deus na hu- Ellen G. White escreveu que Ele assu-
manidade, e vemos nele o resplendor da
miu “a natureza, mas não a pecaminosida-
glória divina, a expressa imagem de Deus
o Pai.4 de do homem”6. “Não devemos ter nenhu-
ma dúvida em relação à perfeita impecabi-
O criador dos mundos, em quem habitava lidade da natureza humana de Cristo”.7
corporalmente toda a plenitude da divinda-
de, se manifestou no desajudado bebê na Por que tomou Cristo a natureza huma-
manjedoura. Muito mais elevado do que na? Isto tem sido bem expresso a seguir:
qualquer um dos anjos, igual ao Pai em
dignidade e glória, e todavia usando a ves- Pondo de lado sua veste e coroa reais, Cris-
te da humanidade! A divindade e a huma- to revestiu sua divindade com a humanida-
nidade estavam misteriosamente combina- de, para que os seres humanos pudessem
das, e o homem e Deus se tornaram um. É ser erguidos de sua degradação e coloca-
nesta união que encontramos a esperança dos em posição vantajosa. Cristo não po-
de nossa raça caída. Olhando para Cristo deria ter vindo a este mundo com a glória
na humanidade, contemplamos a Deus, e que Ele tinha nas cortes celestiais. Seres
vemos nele o resplendor de sua glória, a humanos pecaminosos não poderiam ter
expressa imagem de sua pessoa.5 suportado a visão. Ele velou sua divindade
com a veste da humanidade, mas não abriu
mão de sua divindade. Como um Salvador
Em ambas as suas naturezas, a divina divino-humano, Ele veio para estar à fren-
e a humana, Ele era perfeito; era impecá- te da raça caída, para partilhar de sua ex-
vel. Que isto era verdade de sua natureza periência desde a infância à idade adulta.
12 / Parousia - 1º semestre de 2008
Para que os seres humanos pudessem ser Como membro da família humana Ele era
participantes da natureza divina, Ele veio mortal, mas como Deus Ele era a fonte de
a este mundo e viveu uma vida de perfeita vida para o mundo. Ele poderia, em sua
obediência.8 pessoa divina, continuamente ter resisti-
do aos avanços da morte, e recusado cair
Cristo tomou sobre si a humanidade, a fim
sob seu domínio; mas Ele voluntariamen-
de chegar à humanidade... era necessário
te depôs a sua vida, para que fazendo isto
tanto o divino como o humano para trazer
pudesse dar vida e trazer à luz a imorta-
salvação ao mundo.9
lidade... Que humildade foi esta! Isto ma-
Tomando sobre si a humanidade, Cristo ravilhou os anjos. A língua jamais pode
veio para ser um com a humanidade e ao descrevê-la; a imaginação não pode com-
mesmo tempo revelar nosso Pai celestial preendê-la. A Palavra eterna consentiu em
a seres humanos pecaminosos. Ele foi em fazer-se carne! Deus se tornou homem!
todas as coisas feito semelhante aos seus ir- Foi uma maravilhosa humildade.11
mãos. Tornou-se carne, assim como somos.
Sentia fome e sede e cansaço. Era sustido Somente o impecável Filho de Deus
pelo alimento e revigorado pelo sono. Parti- poderia ser nosso substituto. Isto fez o
lhou a sorte do homem, e contudo Ele era o nosso imaculado Redentor; Ele tomou so-
inocente Filho de Deus. Foi um estrangeiro bre si mesmo os pecados de todo o mundo,
e peregrino na Terra – no mundo, mas não mas, fazendo isto, não houve sobre Ele a
do mundo; tentado e provado como homens mais leve mancha de corrupção. A Santa
e mulheres são hoje tentados e provados, to- Bíblia, porém, diz que Deus “o fez peca-
davia vivendo uma vida isenta de pecado.10
do por nós” (2Co 5:21). Esta expressão
paulina tem confundido os teólogos por
Outra vez enfatizamos que em sua na- séculos, mas seja o que for que ela signi-
tureza humana Cristo era perfeito e im- fique, certamente não significa que nosso
pecável. imaculado Senhor se tornou um pecador.
Neste sentido, algo de vital importância O texto declara que Ele foi feito “para ser
deve ser considerado. O Impecável, nosso pecado”. Portanto deve significar que Ele
bendito Senhor, voluntariamente tomou tomou o nosso lugar, que Ele morreu em
sobre si mesmo o fardo e a penalidade de nosso lugar, que Ele “foi contado com os
nossos pecados. Este foi um ato em pleno transgressores” (Is 53:12), e que Ele to-
conselho e cooperação com Deus o Pai. mou o fardo e a penalidade que era nossa.
Todos os verdadeiros cristãos reconhe-
Deus “fez cair sobre ele a iniqüidade
cem este ato redentor de Jesus na cruz do
de nós todos” (Is 53:6).
Calvário. Há uma abundância de testemu-
“Quando der ele a sua alma como nho escriturístico quanto a este fato.
oferta pelo pecado...” (v. 10).
Os escritos de Ellen G. White estão in-
E contudo, este foi um ato voluntário teiramente em harmonia com as Escritu-
de nosso bendito Salvador, porque lemos: ras sobre este ponto:
“As iniqüidades deles levará sobre si” O Filho de Deus suportou a ira divina con-
(v. 11). tra o pecado. Todo o pecado acumulado do
Ele “derramou a sua alma na morte” mundo foi posto sobre o portador de peca-
(v. 12). dos, aquele que era inocente, Aquele que
unicamente poderia ser a propiciação para
“Carregando ele mesmo em seu cor- o pecado, porque Ele mesmo era obedien-
po, sobre o madeiro, os nossos pecados” te. Ele era um com Deus. Nenhuma man-
(1Pe 2:24). cha de corrupção estava sobre Ele.12
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 13
ter nenhuma dúvida com respeito à perfei- coisas como o homem é tentado, contudo
ta impecabilidade da natureza humana de é chamado “o ente santo”. É um mistério
Cristo”35. “Ele assumiu voluntariamente que é deixado inexplicado aos mortais que
a natureza humana. Foi seu próprio ato, e Cristo pudesse ser tentado em todas as coi-
por seu próprio consentimento.”36 sas como nós somos e, contudo, estar sem
pecado. A encarnação de Cristo sempre
Ele sujeitou-se voluntariamente. “a to- tem sido, e sempre permanecerá, um mis-
das as humilhantes condições da natureza tério. O que está revelado é para nós e para
do homem”37, e “assumindo a forma de nossos filhos, mas que cada ser humano
servo” (Fp 2:7); Ele “tomou a descendên- seja advertido do terreno de tornar a Cristo
cia de Abraão” (Hb 2:16, Almeida Revista completamente humano, tal como um de
e Corrigida), para que fosse feito “pecado nós mesmos; porque isto não pode ser.39
por nós” (2Co 5:21), e para que em todas
Que maravilhoso Salvador é Jesus nos-
as coisas se tornasse “semelhante aos ir-
so Senhor!
mãos” (Hb 2:17).
Tudo o que Jesus tomou, tudo o que Poderia Cristo ter pecado?
Ele suportou, quer seja o fardo e a pena-
lidade de nossas iniqüidades, ou as enfer- Sobre este aspecto desta pergunta vital
midades e fraquezas de nossa natureza há diversidade de opinião na igreja cristã
humana – tudo foi assumido e suportado em geral. Alguns acham que era impossív-
vicariamente. Assim como suportar vica- el que Jesus pecasse; outros que era pos-
riamente os pecados de todo o mundo não sível. Concordamos com os últimos em
manchou sua alma perfeita e impecável, nossa compreensão deste assunto e, como
nem levar as enfermidades e fraquezas de em muitas outras fases da doutrina cristã,
nossa natureza caída o manchou no mais eminentes eruditos da igreja ao longo dos
leve grau com as influências corruptoras séculos têm se expressado muito como
do pecado. nós. Nossa posição sobre isto é bem ex-
Sempre nos lembremos de que nosso pressa por Ellen G. White:
bendito Senhor foi impecável.
Pretendem muitos que era impossível Cris-
“Não devemos ter nenhuma dúvida com to ser vencido pela tentação. Neste caso,
respeito è perfeita impecabilidade da natu- não teria sido colocado na posição de
reza humana de Cristo.”38 Adão; não poderia haver obtido a vitória
que aquele deixara de ganhar. Se tivésse-
Em se tratando da humanidade de Cristo, mos, em certo sentido, um mais probante
precisais guardar vigorosamente cada as- conflito do que teve Cristo, então Ele não
serção, para que vossas palavras não se- estaria habilitado para nos socorrer. Mas
jam tomadas como significando mais do nosso Salvador Se revestiu da humanida-
que elas indicam, e deste modo percais ou de com todas as contingências da mesma.
obscureçais as claras percepções de sua Tomou a natureza do homem com a possi-
humanidade conforme combinadas com a bilidade de ceder à tentação. Não temos
divindade. Seu nascimento foi um milagre que suportar coisa nenhuma que Ele não
divino... “O ente santo que há de nascer [de tenha sofrido... Cristo venceu em favor do
ti, Maria] será chamado Filho de Deus”... homem, pela resistência à severíssima pro-
Nunca, de qualquer forma, deixeis a mais
va.40
leve impressão sobre a mente humana de
que uma só mancha de pecado ou inclina-
ção para a corrupção repousou sobre Cris- É evidente que reverenciados e hon-
to, ou que Ele de algum modo se rendeu rados teólogos do passado têm mantido a
à corrupção. Ele foi tentado em todas as mesma opinião. Note o seguinte:
16 / Parousia - 1º semestre de 2008
Tivesse Ele sido dotado desde o início de verdadeiro fato de não pecar, e, o que é in-
absoluta impecabilidade, ou com a im- separável deste fato, em uma natureza livre
possibilidade de pecar, Ele não poderia e racional, a mais elevada perfeição moral
ser um verdadeiro homem, nem nosso e santidade.44
modelo ara imitação: sua santidade, em
vez de ser seu próprio ato adquirido por
si mesmo e mérito inerente, seria um O propósito da encarnação
dom acidental ou exterior, e sua tentação
uma exibição irreal. Como um verdadei-
ro homem, Cristo deve ter sido um agen-
Quanto ao propósito da encarnação, a
te moral livre e responsável: a liberdade resposta aparece nos textos que apóiam
subentende a faculdade da escolha entre os seis pontos seguintes, que resumem os
o bem e o mal, e a capacidade da deso- motivos para sua vinda à Terra em forma
bediência bem como da obediência à lei humana.
de Deus.41
1. Ele veio para revelar Deus ao mun-
Se a verdade – a saber, que a força da do. Veja João 1:14, 18; 3:1-36; 17:6, 26; 1
tentação era forte o suficiente para criar João 1:2; 4:9.
a consciência de uma luta – for descon-
siderada, então todo o currículo da prova 2. Ele veio para unir Deus e o homem.
moral pela qual Jesus passou na Terra Veja João 1:51 (compare com Gênesis
degenera imediatamente em uma mera 28:12); Mateus 1:23; 1 Pedro 3:18.
representação teatral... Nos tempos mod-
ernos, esta opinião docetista não encontra 3. Ele veio para identificar-se com o
nenhuma aceitação; estando os teólogos homem por nome. Ele é chamado “Filho
de todas as escolas de acordo em que a
forças do mal, com as quais o Filho do
do Homem” umas setenta e sete vezes nos
Homem combateu tão nobre combate, não evangelhos, tal como em Lucas 19:10.
eram sombras, mas inimigos substanciais 4. Ele veio para levar os pecados da
e formidáveis.42
raça humana. Veja Isaías 53:6, 11; João
Sempre que atribuímos, de uma maneira 1:29; 1 Pedro 2:24; 1 João 3:5.
adequada e no sentido das Escrituras,
todos os elementos morais do homem a 5. Ele veio para morrer em nosso lu-
Jesus, não devemos separar deles a liber- gar. Veja Isaías 53:5-10; Mateus 26:28;
dade que é a faculdade da escolha entre Atos 20:28; Romanos 4:25; 5:6-10; 1
o bem e o mal; e por este mesmo motivo
devemos admiti-la como concebível, que
Coríntios 15:3; Gálatas 1:4; 1 Timó-
ele poderia, ao mesmo tempo, ter sido in- teo 2:6; Hebreus 2:9; 1 Pedro 1:18, 19;
fluenciado a se afastar da vontade de Deus. 2:24; 3:18.
A menos que isto seja admitido, a história
da tentação, embora possa ser explicada, 6. Ele veio para destruir o diabo e suas
não teria nenhum significado; e a expressão obras. Veja João 12:31; 16:33; Hebreus
da epístola aos Hebreus “ele foi tentado em 2:14; 1 João 3:8.
todas as cousas, à nossa semelhança” não
teria significado.
Um mistério insondável
Como Jesus era um homem completo, esta
suscetibilidade e esta possibilidade devem Considerando um assunto de tão trans-
ser admitidas como coexistindo nele. Se cendente e vital importância como a en-
elas desta forma não coexistissem, ele dei-
carnação de Cristo, devemos sempre nos
xaria de ser um exemplo de perfeita mora-
lidade humana.43
lembrar de que há muitos aspectos disto
que jamais poderemos compreender.
Não devemos compreender pelo termo
[impecabilidade de Jesus] uma absoluta Mesmo quando captamos um vis-
impossibilidade de pecar mas somente o lumbre da verdade, a linguagem humana
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 17
Referências 15
Idem, Youth’s Instructor, 25 de abril de 1901
1
Preparado por um grupo representativo de (grifos supridos).
líderes e acadêmicos adventistas do sétimo dia, 16
Idem, Signs of the Times, 5 de dezembro de
Seventh-day Adventists Answer Questions on Doc-
1892 (grifos supridos).
trine (Washington, DC: Review and Herald Asso-
ciation, 1957). Traduzido do original em inglês por 17
Ibid., 9 de junho de 1898 (grifos supridos).
Francisco Alves de Pontes. 18
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP:
2
Ellen G. White, O Desejado de Todas as Casa Publicadora Brasileira, 2001), 2:508.
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 19
Ibid., 202.
1990), 25.
20
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 25.
3
Idem, Review and Herald, 5 de julho de 1887.
Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
21
4
Idem, Youth’s Instructor, 21 de novembro
Commentary, 5:1128.
de 1895.
22
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 117.
5
Idem, Signs of the Times, 30 de julho de
1896. 23
Idem, Medical Ministry (Mountain View, CA:
Pacific Press, 1963), 181.
6
Ibid., 29 de maio de 1901.
24
Idem, Special Instruction Relating to the Re-
7
Don F. Neufeld, ed., Seventh-day Adventist
view and Herald Office, 16 de maio de 1896, 13.
Bible Commentary (Jagerstown, MD: Review and
Herald, 1979), 5:1131. 25
Idem, Signs of the Times, 9 de junho de 1898.
8
Ellen G. White, Review and Herald, 15 de ju- 26
Ibid., 9 de junho de 1898.
nho de 1905 (grifos supridos). 27
Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
9
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 296. Commentary, 5:1131.
10
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: 28
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2006), 8:286. Casa Publicadora Brasileira, 2001), 2:202 (grifos
supridos).
11
Idem, Review and Herald, 5 de julho de 1887
(grifos supridos). 29
Ibid., 508-509 (grifos supridos).
12
Idem, Signs of the Times, 9 de dezembro de Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
30
Commentary, 5:1131. 44
Ibid., 13.
A natureza de Cristo:
a questão soteriológica
Kwabena Donkor, Ph.D.
Biblical Research Institute, Washington, DC.
Resumo: O presente artigo trata da nature- Emanuel, “Deus conosco”.1 Seus seguido-
za de Cristo à luz da doutrina da salvação. res tinham uma crença firme de que nele
O autor avalia as conexões soteriológicas haviam encontrado o próprio Yahweh. A
envolvidas na rejeição pela igreja cristã de reflexão neotestamentária sobre essa ex-
algumas das principais heresias cristoló- periência e suas implicações conduziu à
gicas dos primeiros séculos. Em seguida, opinião de que Ele é tanto Deus quanto
demonstra como a compreensão da obra Salvador (2Pe 1:1). Tão comumente era
salvífica de Cristo ajuda a definir se sua Jesus avaliado como Messias ou Cristo,
natureza era a que Adão possuía antes da que a palavra “Cristo” se tornou um nome
queda (pré-lapsariana) ou depois da mes- pessoal.2 Era a asserção dos escritores do
ma (pós-lapsariana). A conclusão do traba- Novo Testamento de que Jesus de Nazaré
lho emerge da análise de textos bíblicos e de é divino.
Ellen G. White referentes ao assunto, bem
como do significado e implicações de certos A convicção inequívoca dos escrito-
termos e expressões centrais à discussão. res do Novo Testamento no que concer-
ne à divindade de Jesus encontrou um
Abstract: This article deals with the destino diferente entre as mentalidades
nature of Christ in the light of the sal- judaica e grega. Algumas pessoas de
vation doctrine. The author evaluates herança judaica, com uma estrita for-
the soteriological connections involved mação monoteísta, evoluíram em seu
in the rejection by the Christian church pensamento chegando a manter o que
of some of the main Christological her- tem sido chamado de opinião adocio-
esies of the first centuries. Next, it dem- nista. Esta concepção, defendida pelos
onstrates how the understanding of the ebionitas, “compreendia a Jesus como
salvific work of Christ helps to define um mero homem que, por escrupulosa
whether his nature was that of Adam had observância da lei, foi justificado e con-
before the Fall (pre-lapsarian) or after it seqüentemente se tornou o Messias”.3
(post-lapsarian) the conclusion of the Por outro lado, a mentalidade grega,
study emerges of the analysis of bible imbuída de racionalismo, imaginava
texts and references of Ellen G. White o aparente paradoxo divino-humano
on this topic, as well as the meaning and em termos metafísicos. Para eles, era
implications of some central terms and importante decidir sobre a identidade
expressions to the discussion. ontológica de Jesus de Nazaré. Essas
preocupações gregas reforçam as várias
Introdução opiniões docetistas. Segundo o ponto
de vista docético, o Cristo divino não
É muito evidente nas Escrituras que os tinha um corpo humano real; era apenas
seguidores de Jesus o reconheciam como uma aparência, um fantasma; sendo que
20 / Parousia - 1º semestre de 2008
Cristo morreu, então Ele não era Deus, enfatizava a divindade de Jesus a ponto
e se Ele era Deus, então não morreu. de obscurecer a distinção entre a divin-
dade e a humanidade.
Essas objeções judaicas e gregas re-
sultaram em grandes heresias no início
da história do pensamento cristão. De- A controvérsia ariana
sejo examinar brevemente quatro dessas
primitivas heresias para fazer uma obser- A controvérsia ariana, desencadeada
vação significativa: o acompanhamento por Ário, um popular presbítero da igreja
das controvérsias resultou em concepções de Alexandria (falecido em 335 d.C.), cen-
particulares de salvação. Faço esta obser- tralizava-se nas idéias expressas por ele
vação com o objetivo de explorar como que pareciam refletir as opiniões da escola
essas duradouras controvérsias podem antioquina de pensamento. Ário, compro-
animar o debate dentro da comunidade de metido com a idéia grega filosoficamente
fé adventista. A hipótese subjacente ao en- influenciada de que Deus é indiferencia-
foque que estou aqui seguindo é a de que do, argumentava que Jesus, o Filho ou Lo-
a discussão cristológica na comunidade gos, tinha de ser uma criatura e, portanto,
adventista pode ser iluminada prestando- deve ter tido um princípio. Como ele se
se mais atenção aos respectivos pontos de expressa,
vista soteriológicos. o que afirmamos e pensamos e temos en-
sinado e continuamos ensinando; que o
A natureza de Cristo na história Filho não é congênito, nem parte do con-
do pensamento cristão gênito em nenhum sentido, nem é ele deri-
vado de alguma substância [...] e antes que
Tenho observado que as controvérsias fosse gerado, ou criado, ou nomeado, ou
estabelecido, ele não existia, porque não
sobre a natureza de Cristo foram acompa-
era congênito. Somos perseguidos porque
nhadas por opiniões particulares de sal- afirmamos que o Filho tem um princípio,
vação. Realmente podemos afirmar que mas Deus é sem princípio.4
as implicações soteriológicas dos vários
pontos de vista mantidos sobre a natureza Portanto, o ponto de partida de Ário é
de Cristo alimentavam as controvérsias ontológico, significando que termos como
cristológicas. Testarei esta observação o “Filho” não devem ser interpretados
reexaminando as quatro grandes contro- para definir a natureza essencial de Jesus.
vérsias da história cristã. Antes de fazê-
lo, devo observar que as tendências ado- A conexão soteriológica. O principal
cionista e docetista já haviam se consoli- opositor de Ário, o pai da igreja Ataná-
dado em duas escolas de pensamento: as sio, revelou em sua oposição que, embora
cristologias antioquinas e alexandrinas, Ário argumentasse a partir de uma pers-
respectivamente. Essas duas escolas cris- pectiva ontológica, a essência do debate
tológicas dominantes estavam no centro era soteriológica. Atanásio afirmava que
dos debates cristológicos. A escola antio- a salvação só pode ser trazida à humani-
quina, originada em Antioquia, Síria, pa- dade por alguém que é verdadeiramente
rece ter sido influenciada pela mentalida- Deus.5 É verdade que a opinião particular
de judaica, onde a humanidade de Jesus de Atanásio quanto à salvação, em que a
era enfatizada exageradamente a ponto humanidade é participante da natureza di-
de negar a sua divindade. A cristologia vina, estava na essência do seu argumen-
alexandrina, porém, que se originou em to; contudo, a posição central da questão
Alexandria, um centro de cultura grega, da salvação para o debate cristológico é
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 21
inegável. Devemos lembrar-nos de que a curou; é o que está unido à sua divindade
Igreja rejeitou o ponto de vista de Ário no que é salvo.”7 O ponto de vista de Apo-
Primeiro Concílio Ecumênico (325 d.C. linário foi rejeitado no Segundo Concí-
em Nicéia), decidindo que Jesus era gera- lio Ecumênico (em Constantinopla, 381
do do Pai e da mesma substância do Pai. d.C.), confirmando a posição nicena.
O concílio, portanto, reconheceu a divin-
dade de Jesus. A controvérsia de Nestório
qual, por sua vez, não é uma condição do implicações a favor da salvação. Em ou-
ser mas jaz inteiramente na ação humana. tras palavras, embora as controvérsias pa-
Devido a esse dom, o indivíduo poderia recessem centralizar-se no “ser” de Jesus,
teoricamente atingir a perfeição. Nestório em última instância, a questão significati-
viu essa perfectível substância humana re- va era como esse “ser” se relacionava com
velada em Jesus. O homem Jesus empre-
a nossa salvação. Como pode esta conclu-
gou a dotação natural da graça sem falhar.
Este exercício de sua livre vontade efetuou
são trazer algum esclarecimento sobre o
a união voluntária entre Jesus e o Logos.9
problema da natureza de Cristo no atual
pensamento adventista? É possível que,
afinal de contas, o debate cristológico seja
A controvérsia eutiquiana realmente um assunto acerca de opiniões
sobre salvação?
Êutiques, nome pelo qual é conhecida
a controvérsia, acusou Nestório de dividir A natureza de Cristo no pensamento
Jesus em duas naturezas. Sua própria so-
adventista
lução era insistir em que Jesus possuía so-
mente “uma natureza” (donde, monofisis- O debate cristológico entre os adven-
mo), natureza que, afinal, nem era humana tistas tem se dividido nos termos de se
nem divina. O eutiquianismo foi rejeitado Jesus, ao tornar-se homem, assumiu uma
no Quarto Concílio Ecumênico, realizado natureza “caída” ou “não caída”12 [pré
em Calcedônia em 451 d.C., e as duas na- ou pós-lapsariana]. Como nas primeiras
turezas de Jesus foram reconhecidas sem controvérsias da igreja apostólica, o de-
confundir, mudar, dividir ou separar a bate sobre a natureza de Cristo parece
ambas.10 centralizar-se no “ser” de Cristo, que as
A conexão soteriológica. O que é im- opiniões antagônicas esperam estabele-
portante para o propósito deste debate fo- cer baseadas na exegese de textos rele-
ram as repercussões de Calcedônia com vantes. Todavia, ao contrário dos mais
respeito à salvação. Os monotelistas, antigos debates, as posições “caída” e
baseando-se em Calcedônia, concluíram “não caída” do pensamento adventista
que Jesus tinha somente uma vontade, concentram-se na natureza da humanida-
a saber, a vontade do Logos. Em outras de de Jesus, sem tratar explicitamente da
palavras, a obediência de Jesus era o relação entre sua divindade e humanida-
resultado da força impulsora do Logos. de. Minha discussão, portanto, terá este
Aqui, outra vez, como na controvérsia reduzido enfoque. Como nossa compre-
apolinarista, a Igreja primitiva aplicou o ensão da salvação nos ajuda a definir as
teste soteriológico para rejeitar a posição questões “ontológicas”? No restante des-
monotelista, argumentando que “a reden- ta apresentação desejo analisar as posi-
ção completa demanda uma completa en- ções “caída” e “não caída” com respeito
carnação, inclusive a concepção de uma à sua subjacente soteriologia e antropo-
vontade humana”.11 logia (explícitas ou implícitas). Ademais,
procurarei mostrar como os comentários
Conclusão de Ellen G. White podem prestar algum
esclarecimento sobre a análise.
É muito instrutivo notar que nessas
primeiras controvérsias o teste da ortodo- A natureza humana de Jesus: caída?
xia, de qualquer ponto de vista, ontologi-
camente, foi decidido em relação às suas O argumento fundamental para o pon-
implicações soteriológicas, ou seja, suas to de vista da “natureza caída” [ou pós-
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 23
Gage: “Ele tinha a faculdade da escolha Jesus não nasceu com carne pecami-
e a hereditariedade que a enfraquece e nosa por causa da natureza do pecado. A
desencaminha. Ele tinha uma natureza na posição da “natureza não caída” enfatiza
qual as tentações comuns a homens e mu- grandemente o conceito teológico do pe-
lheres podiam encontrar atração. Mas em cado original. Partindo de sua perspectiva,
Jesus o mal não encontrou nenhuma res- todos os seres humanos pós-queda parti-
posta.”21 A vitória de Jesus sobre o pecado cipam do pecado original, que é definido
tem implicações para nós. Gage interpreta primeiramente como a ruptura de um re-
Hebreus 4:15 no contexto do grande con- lacionamento entre o homem e Deus (Rm
flito, concluindo que “porque Jesus não 14:23), o que então leva à perpetração de
pecou, nenhum homem deve pecar”.22 Isto atos iníquos (1Jo 3:4).24
é, sendo que Jesus foi feito como seus ir-
Romanos 5:12-21 é apresentado como
mãos em todos os sentidos e foi tentado
uma passagem-chave na defesa do pecado
como somos, contudo sem pecado, nós
original. Rand conclui desta passagem que
também podemos viver sem pecar.
a morte, ou a condenação não é transmitida
para cada pessoa somente por causa do seu
A natureza humana de Jesus: próprio pecado. Isto também o faz. Mas em
não caída? um sentido profundo, a morte passa a todos
os homens por causa do pecado de Adão, ou
O ponto de vista da “natureza não ca- rompe o relacionamento com Deus (que o
ída” argumenta primariamente a partir da pecado de Adão afeta toda a raça é mencio-
natureza do pecado. Se o pecado fosse nado cinco vezes nos versos 15-19). Sim-
plesmente não é verdade que o pecado não
simplesmente uma questão de atos, en-
está presente até o primeiro ato pecaminoso
tão seria possível a compreensão de Je- da pessoa. Os homens são nascidos peca-
sus como nascido com carne pecaminosa, dores. “A morte reinou” (v. 14) a partir do
sem, contudo, ser um pecador. Mas partin- pecado de Adão. Os bebês morrem antes de
do da perspectiva da posição da “natureza pecarem conscientemente.25
não caída”, “simplesmente não é verdade
que o pecado não está presente até que a Rand desenvolve o argumento a favor
pessoa cometa o primeiro ato pecamino- do pecado original baseado em Salmos
so. Os homens são nascidos pecadores.”23 51:5, e conclui que todo ser humano, ex-
Portanto, Jesus não podia ter nascido com ceto Cristo, é nascido pecador.26 Contudo,
carne pecaminosa. ele distingue este conceito bíblico de pe-
Deve ser observado que, ao contrário cado original do conceito católico roma-
da opinião da “natureza caída”, que argu- no que imputa a culpa a cada ser huma-
menta partindo da ontologia para a sote- no nascido baseando-se na idéia de que
riologia, a posição da “natureza não caí- cada um estava seminalmente presente
da” segue o caminho oposto, operando a em Adão quando ele pecou. Tem-se a im-
partir da hamartiologia/soteriologia para a pressão de que a posição da “natureza não
ontologia. Mas é biblicamente exato afir- caída” também edifica sobre um princípio
mar que o pecado não é consumado ape- de solidariedade ou unidade, embora não
nas em atos? É biblicamente correto dizer ontologicamente, entre Adão e a raça hu-
que Jesus era diferente, ontologicamente, mana pós-queda.
do restante da humanidade no nascimen- A natureza de Jesus foi sem pecado
to? A resposta a estas duas interrogações porque Ele era singular. A posição da
básicas deve habilitar-nos a desenvolver a natureza “não caída” defende a singulari-
posição da “natureza não caída”. dade de Jesus, ontologicamente e de ou-
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 25
gue. Embora o texto basicamente fale de que Jesus “não conheceu pecado” (2Co
Jesus participando da natureza humana, 5:21), não dizer que Jesus veio “em carne
por si mesmo não caracteriza exaustiva- pecaminosa”, sendo que em sua opinião
mente a humanidade de Jesus. Se com- isto “poderia indicar que havia pecado
preendemos a natureza humana de Jesus nele”.34 Paulo pretende apagar tal infe-
como uma exata participação ontológica rência com a frase “em semelhança de
em todos os aspectos da vida humana, carne pecaminosa”.
como faz a posição da natureza caída, en-
tão Ele deve ter experimentado provações Deve ser notado que a posição caída
e enfrentado tentações da maneira como também crê que Jesus nunca pecou. Sen-
todos nós. Falando sobre a tentação es- do este o caso, parece que eles são capa-
creve Tiago: “Cada um é tentado pela sua zes de reter esta crença e dizer, ao mesmo
própria cobiça, quando esta o atrai e se- tempo, que Cristo veio com carne pecami-
duz” (Tg 1:14). Sobre este ponto, Grenz nosa tendo por base sua noção de pecado.
observa que sabemos pelos evangelhos O pecado parece consistir exclusivamente
que Jesus não era atraído para o pecado de ações, sendo que Jesus partilhou de to-
desta maneira. Então ele extrai a implica- das as nossas condições, incluindo o mau
ção ontológica: desejo inerente que atrai a tentação, não
tendo sido, todavia, um pecador.
Neste sentido podemos afirmar a... posição
de que Jesus estava livre da mancha do Ellen G. White sobre a condição do
pecado original, que é proveniente da pro- “ser” de Jesus
pensão para o pecado que todos os seres
humanos herdam de Adão... Jesus não era
atraído para o pecado por um mau desejo
O Espírito de Profecia presta algum
inerente dentro de sua natureza humana.32 esclarecimento sobre a condição ontoló-
gica da natureza humana de Cristo, parti-
A conclusão de Grenz é contrária a cularmente no que se refere à sua alega-
Hebreus 4:15, onde se afirma que Jesus da solidariedade ontológica com os seres
foi tentado em todos os pontos como nós humanos pós-queda? Apenas citarei, sem
somos? Não necessariamente. Hebreus muito comentário, algumas referências
4:15 simplesmente declara que Jesus foi sobre o assunto.
tentado tal como os seres humanos são 1. “A encarnação de Cristo sempre tem
tentados. Tinha Jesus que ter a má pro- sido, e sempre permanecerá um mistério.
pensão em sua natureza humana a fim de O que está revelado é para nós e para nos-
ser tentado como são os seres humanos? sos filhos, mas que cada ser humano seja
Não, Adão foi tentado humanamente, mas advertido o terreno de fazer a Cristo com-
ele não tinha as más propensões quando pletamente humano, tal como um de nós
mesmos, porque isto não pode ser.”35
foi tentado.
2. “Ele é um irmão em nossas fraquezas,
Em terceiro lugar, o que dizer de mas não em possuir idênticas paixões.
Romanos 8:3? Gage citou Nygren com Como o Impecável, sua natureza recuava
aprovação e disse que Jesus partilhou do mal.”36.
de todas as nossas condições. Ostensi- 3. “Por causa do pecado sua [de Adão] pos-
vamente, isto deve incluir nossa propen- teridade nasceu com propensões inerentes
são para o pecado, sendo que “da ‘carne’ de desobediência. Mas Jesus Cristo era o
surgia para Ele as mesmas tentações que unigênito Filho de Deus. Ele tomou sobre
para nós”.33 Aqui Bruce novamente pen- si a natureza humana, e foi tentado em to-
sa que isto estaria incorreto em vista do das as coisas como a natureza humana é
fato de Paulo, que claramente ensinou tentada. Ele poderia ter pecado; Ele pode-
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 27
ria ter caído, mas nem por um momento evidência em seus escritos no que concer-
houve nele uma má propensão.”37 ne à ausência de propensão para o mal na
4. “Ele era um poderoso suplicante, não natureza humana de Cristo? Erwin Gane
possuindo as paixões de nossa natureza argumenta que a menos que estejamos
humana caída, mas cercado de semelhan- dispostos a afirmar que Ellen G. White se
tes fraquezas, tentado em todas as coisas contradiz, somos obrigados a interpretar
como nós somos. Jesus suportou a agonia a passagem de alguma outra maneira. Da
que exigia auxílio e apoio de Seu Pai.”38 sua parte, Gane aplica os efeitos dos 4 mil
Muito claramente, Ellen G. White não anos sobre a humanidade de Jesus à sua
via a natureza humana de Cristo como dimensão física.40
sendo exatamente como a nossa. Ao me- Gane não é inexato nesta sugestão
nos tanto quanto diz respeito à propensão quando consideramos a seguinte declara-
para o pecado Ele não estava em completa ção da Sra. White: “Ele é um irmão em
solidariedade ontológica com nossa peca- nossas fraquezas, mas não em possuir
minosa e depravada natureza. idênticas paixões. Como o Impecável,
A despeito destas claras afirmações já sua natureza recuava do mal.”41 Nesta
citadas, outras passagens parecem dar a passagem, paixão se relaciona com “na-
impressão de que Cristo herdou uma na- tureza”, que em E. G. White, conforme
tureza humana caída e pecaminosa. Con- Gane mostra cuidadosamente, se trata de
sidere, por exemplo, a seguinte: sua natureza espiritual, distinta da natu-
reza física e intelectual do homem.42 Nis-
A história de Belém é inexaurível. Nela so, Cristo é diferente de nós. Por outro
se acham ocultas as “profundidades das lado, Cristo era semelhante a nós em nos-
riquezas, tanto da sabedoria como da sas fraquezas, que, neste caso, devem ser
ciência de Deus” (Rm 11:33). Maravi-
o que fica da natureza humana quando o
lhamo-nos do sacrifício do Salvador em
espiritual é retirado; a saber, as fraquezas
permutar o trono do Céu pela manjedou-
ra, e a companhia dos anjos que o ado- físicas.43
ravam pela dos animais da estrebaria. O
orgulho e presunção humanos ficam re- A conexão soteriológica no ponto de
preendidos em sua presença. Todavia, vista da “natureza caída”
esse passo não era senão o princípio de
sua maravilhosa condescendência. Teria
A avaliação soteriológica da posição
sido uma quase infinita humilhação para
natureza caída deve iniciar-se com sua
o Filho de Deus, revestir-se da natureza
humana mesmo quando Adão permane- opinião de pecado. O ponto de vista de
cia em seu estado de inocência, no Éden. que “possuir carne pecaminosa não torna
Mas Jesus aceitou a humanidade quando necessariamente a pessoa um pecador”
a raça havia sido enfraquecida por quatro já foi examinado e demonstrado como
mil anos de pecado. Como qualquer filho biblicamente incorreto. A noção, porém,
de Adão, aceitou os resultados da opera- incorpora um conceito específico de pe-
ção da grande lei da hereditariedade. O cado, podendo ser justificada somente se
que estes resultados foram, manifesta-se o pecado for definido em termos de ações.
na história de seus ancestrais terrestres. Em poucas palavras, parece que esta é
Veio com essa hereditariedade para par- a opinião de pecado que fundamenta a
tilhar de nossas dores e tentações, e dar-
posição da “natureza caída”, conforme
nos o exemplo de uma vida impecável.39
apresentada por Gage.
Como devemos lidar com tal declara- Uma ação que focalize a hamartiologia
ção em face do que parece ser esmagadora [estudo do pecado] tende a conduzir a uma
28 / Parousia - 1º semestre de 2008
Referências 3
Stanley J. Grenz, Theology for the Community
of God (Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing
1
Artigo traduzido do original em inglês por Company, 1994): 247.
Francisco Alves de Pontes.
4
Veja “A Carta de Ário a Eusébio” em Docu-
2
Raymond E. Brown, An Introduction to the mentos da Igreja Cristã.
New Testament Christology (Paulist Press, New
York, 1994): 3. 5
Grenz, 248.
30 / Parousia - 1º semestre de 2008
6
Ibid., 274. (Philadelphia: The Westminster Press, 1975), 80.
7
Gregório de Nazianzo, “An Examination of 32
Grenz, 276.
Apollinarius,” em Bettenson, 45. 33
Gage, 4 (ênfase minha).
8
Justo L. Gonzalez, A History of Christian Thou- 34
Bruce, 152.
ght, Vol. 1. (Nashville: Abingdon Press, 1970): 363.
9
Grenz, 296.
35
Ellen G. White, em Don F. Neufeld, ed.,
Seventh-day Adventist Bible Commentary (Jagers-
10
John H. Leith, ed., Creeds of the Churches town, MD: Review and Herald, 1979), 5:1129.
(Atlanta: John Knox, 1982), 36.
36
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP:
11
Grenz, 298. Casa Publicadora Brasileira, 2002), 2:202.
12
Duas dissertações tratando das respectivas
Idem, em Don F. Neufeld, ed., Seventh-day
37
posições estão publicadas no Website do Instituto
Adventist Bible Commentary, 5:1129.
de Pesquisas Bíblicas [www.adventistbiblicalre-
search.org]: Kenneth Gage (pseudônimo), “What 38
Idem, Testemunhos para a Igreja, 2:202.
Human Nature Did Jesus Take? Fallen”; Benjamin 39
Idem, O Desejado de Todas as Nações (Ta-
Rand (pseudônimo), “What Human Nature Did
tuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), 25.
Jesus Take? Unfallen” [esta última publicada nes-
ta edição de Parousia com o título “Que natureza 40
Erwin R. Gane, “Christ and Human Per-
humana Jesus assumiu? Não caída”]. Estas decla- fection”, Ministry, outubro de 1970, Suplemento
rações de posturas oficiais cristalizam os pensa- Reimpresso de Ministry, agosto de 2003, 16. Veja
mentos sobre lados opostos e serão inseparáveis em Gane, 15-16 para o que ele considera ser outras in-
minha análise. satisfatórias, mas possíveis maneiras de interpretar
a passagem.
13
Gage, 3.
41
Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja,
14
Ibidem. 2:202.
15
Ibidem. 42
Erwin R. Gane, “Christ and Human Perfec-
16
Ibidem. tion”, 6.
17
Ibidem.
43
Embora E. G. White use a palavra fraqueza tam-
bém no sentido de fraqueza espiritual, o uso prepon-
18
Ibid., 6. derante da palavra parece ser em um sentido físico e
19
Ibid., 4. material (Atos dos Apóstolos, 208; Testemunhos para
a Igreja, 2:434; Testemunhos para Igreja, 4:30; Ciên-
20
Ibidem. cia do Bom Viver, 226; Mensagens Escolhidas, 2:231;
21
Ibid., 6 (ênfase minha). Testemunhos para a Igreja, 1:306; Santificação, 25).
22
Ibidem.
44
Gage, 6.
23
Benjamin Rand, “Que natureza humana Jesus
45
Ibid., 5.
assumiu? Não caída”, nesta edição de Parousia, 34. 46
Ibid., 6 (ênfase minha).
24
Ibidem. Donald Guthrie, Tyndale New Testament
47
25
Ibidem. Commentaries, Hebrews (Grand Rapids, MI: Eerd-
mans Publishing Company, 1989): 88-89.
26
Ibidem. 48
Gage, 6.
27
Ibid., 35. 49
Grenz, 184.
28
Ibid., 33. 50
Dale Moody, “God’s Only Son”, Journal of
29
F. F. Bruce, Tyndale New Testament Commen- Biblical Literature, 72 (1953): 4.
taries, Romans (Grand Rapids, MI: Eerdmans Pu-
blishing Company, 1988), 118-123.
51
Rand, 39.
52
George E. Ladd, A Theology of the New Tes-
30
Ibid., 123.
tament (Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing
31
William Barclay, The Letter to the Romans, Company, 1991): 188.
Que natureza humana Jesus assumiu?
Não caída
Benjamin Rand (pseudônimo)
Resumo: Este artigo provê argumenta- passages which points out Christ as
ção para a defesa de que Jesus assumiu “descendent from Abraham” and “from
em sua encarnação uma natureza huma- David”. Besides that, it also discusses
na moral e espiritualmente impecável, Christ’s primary mission and the limits
embora Ele tenha se tornado semelhante it has imposed upon his human nature.
aos outros homens do ponto de vista físi-
co. O autor também esclarece porque es- Introdução
tas condições fizeram dele um compas-
sivo sumo sacerdote, não tendo repre- A teologia adventista do sétimo dia
sentado uma “vantagem injusta” sobre considera dois pontos de vista alternati-
os pecadores, mas antes intensificando vos no que concerne à natureza humana
suas tentações. Entre outros tópicos, o de Jesus Cristo.1 Ele possuía uma natureza
artigo lida com o significado lingüísti- pecaminosa porque Ele tinha uma mãe pe-
co e teológico das palavras gregas sarx, caminosa como o restante de nós, ou Ele
hamartia, isos, homoiōma, monogenēs tinha uma natureza impecável porque, ao
e prōtotokos, e sua harmoniosa relação contrário de nós, Ele tinha a Deus por seu
com as passagens que apontam Cristo Pai.2 O primeiro ponto de vista enfatiza
como sendo “descendência de Abraão” sua identidade com o ser humano; o se-
e “descendência de Davi”. O trabalho gundo concentra-se em sua singularidade
também discute a missão primária de como homem. Alguns tentam combinar
Cristo e os limites que ela impôs sobre os dois afirmando que Jesus tinha uma
sua natureza humana. natureza física pecaminosa, mas o seu
Abstract: This article argues that Jesus nascimento humano foi como nosso novo
assumed in his incarnation a human na- nascimento – nascido do Espírito. Dizem
ture , morally and spiritually not sinful, que Jesus começou em Belém, onde co-
although he had become like the other meçamos quando nascemos de novo. Ou-
man under the physical point of view. tros sugerem que o paralelismo não resiste
The author also clarifies why those con- à investigação. Acreditam que Jesus era
ditions made him a compassionate high tanto pecaminoso quanto impecável em
priest, having not presented an “unfair sua natureza humana; pecaminoso somen-
advantage” over the sinners, but only te no sentido em que Ele tomou a natureza
intensifying his temptations. Among física enfraquecida pelo pecado, mas im-
other topics, the article deals with the pecável em que Ele nunca se tornou peca-
linguistic and theological meaning of do no nascimento.
the Greek words: sarx, hamartia, isos, Somos simplesmente deixados a deci-
homoiōma, monogenēs e prōtotokos, dir? Realmente importa que opinião es-
and their harmonious relation with the colhemos? É isto meramente bizantinice
32 / Parousia - 1º semestre de 2008
grega para “corpo” é sōma, contudo a pa- Por que apenas ‘semelhante’,
lavra “corpo” (NIV) em 1 Timóteo 3:16 não o mesmo?
não é sōma mas sarx. Meramente significa
“encarnação”, não “pecaminoso”. Do material bíblico provêm dois prin-
Como, então, compreendemos estas cípios que nos guiam em nossa investi-
palavras: “Deus enviando o seu próprio gação. O primeiro é: quem é Jesus Cristo
Filho em semelhança de carne pecamino- determinou a extensão de sua identidade
sa e... condenou Deus, na carne, o peca- com nossa natureza humana. Em outras
do” (Rm 8:3)? Primeiro, considere o que palavras, Ele era mais do que o bebê de
Paulo poderia ter dito. Ele poderia ter es- Maria. Ele era Deus. Tornando-se ho-
crito: (1) Deus enviou seu Filho em carne mem Ele não deixou de ser Deus.14 Isto
pecaminosa ou (2) na semelhança de car- significa que sua eterna e contínua relação
ne. O primeiro significaria que sua carne com Deus não foi rompida quando Ele se
era pecaminosa, e o segundo diria que tornou homem. A encarnação não foi ape-
Ele apenas parecia estar na carne mas era nas outro nascimento humano. Era Deus
realmente algum ser extraterrestre (cf. transpondo o abismo cavado pelo pecado
1Jo 4:1-3, um texto mal-compreendido e, dentro do seu próprio ser, construindo a
por alguns).11 ponte de Deus para o homem. Deus traba-
lhou criativamente outra vez no planeta,
Paulo não disse nem uma coisa nem
como no Éden. Quer usando o pó da ter-
outra. Ele concentrou-se em Cristo vindo
ra ou o ventre de Maria, a vida veio dEle.
na semelhança de carne pecaminosa. A
Ambos constituíram milagres jamais co-
palavra-chave é “semelhança”. Duas pala-
nhecidos antes ou repetidos desde então.
vras gregas são traduzidas por “semelhan-
O absoluto caráter divino desses eventos
te” em português: isos, significando “mes-
não deve ser perdido em comparações
mo”, como em Atos 11:17, onde “Deus
superficiais com outros seres humanos.
lhes concedeu o mesmo [isos] dom”; e
Todos os outros têm dois pais humanos.
homoiōma, usada em Romanos 8:3, sig-
Mas não Adão e Cristo. O homem vem ao
nificando “semelhante” (porque humano),
mundo em uma das três formas: criação,
mas não “mesmo” (porque não pecamino-
nascimento, ou encarnação.
so). As Escrituras são totalmente coerentes
sobre este ponto. Desse modo, Filipenses O segundo princípio é: a missão de
2:7 afirma que Jesus “tornando-se em se- Cristo deve determinar a extensão de sua
melhança [homoiōma] de homens”.12 Diz identidade com nossa humanidade. Para
Hebreus 2:17: “Convinha que, em todas as ser nosso salvador, Jesus deveria se tor-
coisas, se tornasse semelhante (homoioō) nar um conosco. Mas Ele poderia não ir
aos irmãos, para ser misericordioso e fiel além das exigências de sua missão, Ele
sumo sacerdote.” mesmo poderia não se tornar um pecador
Sugerem estas palavras gregas e es- (em natureza ou atos). Como no sistema
tas passagens que Jesus era apenas se- sacrifical, a missão de Cristo poderia ser
melhante a outros seres humanos em ter realizada somente por um cordeiro sem
um corpo humano físico afetado pelo mancha, ruga ou coisa semelhante.
pecado, mas não o mesmo que outros
seres humanos, porque somente Ele era O pecado original
impecável em sua relação espiritual com
Deus? Assim pensava Ellen G. White.13 A Nesta discussão devemos levar a sério
evidência bíblica que temos examinado a natureza devastadora do pecado. Todo
até aqui apóia tal conclusão. bebê é egocêntrico antes de conhecer o
34 / Parousia - 1º semestre de 2008
que constitui o pecado. Como o bebê Je- Romanos 5:12-14 é considerada “uma
sus era diferente se nasceu com uma natu- das passagens mais difíceis das Escritu-
reza pecaminosa? ras”,16 e “os detalhes da exegese de Ro-
manos 5:12-21 são controvertidos”,17 mas
A Bíblia dá duas definições de pecado,
creio que a analogia entre Adão e Cristo é
uma em termos de comportamento, outra
a mais clara encontrada na Bíblia. Lenski
do ponto de vista de relacionamento. As-
está certo em declarar: “Ela é tão vital
sim, “pecado é a transgressão da lei [ile-
porque vai a fundo tanto no pecado como
galidade]” (1Jo 3:4), e “tudo o que não
no livramento do pecado. Tudo o mais que
provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Am-
é dito nas Escrituras no que concerne a
bos estavam presentes no pecado original
qualquer um dos dois ou a ambos, repou-
no Éden. Adão e Eva desobedeceram à
sa sobre o que está aqui revelado como o
ordem de Deus de não comer o fruto da
fundamento absoluto.”18 Note o que diz a
árvore proibida (Gn 3:2-6), e duvidaram
passagem:
da palavra de Deus. Ele tinha dito: “Não
comam dela ou morrerão.” Eva pensou Portanto, por um só homem entrou o pecado
que ela parecia boa para alimento e de- no mundo, e pelo pecado a morte, assim
sejável para obter sabedoria. Assim eles também a morte passou a todos os homens,
deram um passo decisivo e comeram. Por porque todos pecaram. Pois assim como, por
quê? O duvidar de Deus os levou a deso- uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os
bedecê-lo. Duvidar de alguém é a cessa- homens para condenação, assim também,
ção de confiança ou fé nele – um relacio- por um só ato de justiça, veio a graça sobre
namento rompido. O tentador os levou todos os homens, para a justificação que dá
a crer nele e em seus sentidos mais do vida. Porque, como pela desobediência de
que em Deus. A partir do relacionamen- um só homem, muitos se tornaram pecado-
res, assim também, por meio da obediência
to rompido, ele os levou a transgredir o
de um só, muitos se tornarão justos” (Rm
mandamento de Deus. O pecado original 5:12-19).
foi primeiramente uma relação interrom-
pida. Definir o pecado meramente como
Note as analogias três vezes repeti-
“violação da lei ou atos maus” é olhar
das entre o primeiro e o segundo Adão.
apenas para sua manifestação exterior.
A morte ou condenação, não passa a cada
Em sua raiz, pecado é uma relação rom-
pessoa apenas por causa do seu próprio
pida entre o pecador e Deus.15
pecado. Também faz isto, mas em um sen-
Cristo veio ao mundo para restaurar tido mais profundo, a morte passa a todos
o relacionamento, não para continuar na os homens por causa do pecado de Adão,
separação. Portanto, Ele veio semelhante ou do relacionamento rompido com Deus
a nós (como um ser humano, fisicamente (que o pecado de Adão afeta toda a raça
falando), mas não o mesmo que nós (em é mencionado cinco vezes nos versos 15-
relacionamento rompido com Deus, espi- 19). Simplesmente não é verdade que o
ritualmente falando). Emanuel ou “Deus pecado não está presente até o primeiro
conosco” significa que Ele transpôs o abis- ato pecaminoso da pessoa. Os homens são
mo entre Deus e o homem. Ele aniquilou nascidos pecadores. “A morte reinou” (v.
a alienação, vindo do lado de Deus para 14) a partir do pecado de Adão. Os bebês
o nosso. Mas Ele estabeleceu a conexão morrem antes de pecarem conscientemen-
mais uma vez somente porque ao longo te. Separados do Doador da vida, a morte,
da encarnação Ele permaneceu em rela- não a culpa, passou de Adão para a raça.19
cionamento ininterrupto com Deus – Ele Eis por que Cristo veio para restaurar a
permaneceu espiritualmente impecável. conexão, para trazer vida eterna. O para-
Que natureza humana Jesus assumiu? / 35
lelismo em Romanos 5:12-14 é decisivo te sair do ventre” (Sl 22:9, NIV). “Pois tu
quanto ao seu significado. “Como o pe- formaste o meu interior, tu me teceste no
cado termina em morte, assim a justiça, seio de minha mãe” (Sl 139:13). São estas
em vida.”20 Se o único pecado de Adão é afirmações contraditórias? Nasceu Davi
a fonte de morte para todos os homens, um pecador ou não? Elas falam de dois
“desde o momento em que foi cometido lados de uma verdade, ambas igualmente
antes que qualquer homem houvesse nas- bíblicas. Enquanto a primeira fala da con-
cido”21, então a impecabilidade de Cristo é dição de Davi como pecador ao nascer, as
a fonte de toda justiça. Ele foi semelhante outras falam do amor salvífico de Deus
a nós, conforme nascido dentro das limi- para ele nessa condição.
tações físicas humanas, mas não o mesmo
Então, como interpretamos o texto: “O
que nós, porque não nasceu um pecador
filho não sofrerá pela iniqüidade do pai,
em relacionamento rompido com Deus.
nem o pai sofrerá pela iniqüidade do fi-
O fato bíblico de que o pecado é trans- lho” (Ez 18:20, RSV)? A Bíblia também
mitido de Adão para cada bebê nascido diz: “Visito a iniqüidade dos pais nos
(não a culpa de Adão, mas a morte, o filhos até à terceira e quarta geração da-
resultado do seu pecado) significa que o queles que me aborrecem” (Êx 20:5; cf.
pecado não pode ser definido meramente cap. 34:7; Nm 14:18; 1Rs 21:29). São
como “ato”.22 Esta é uma definição dema- estas passagens também contraditórias?
siado superficial. Embora o pecado inclua Outrossim, elas constituem dois lados de
más escolhas e, portanto, atos e mesmo uma verdade, ambas bíblicas. A primeira
pensamentos (veja Mt 5:28), também in- diz que o comportamento de alguém re-
clui natureza.23 Se não fôssemos nascidos sulta em vida ou morte, ao passo que a se-
pecadores, não precisaríamos de um salva- gunda também declara os efeitos do peca-
dor até o nosso primeiro ato ou pensamen- do de uma pessoa sobre sua posteridade.
to pecaminoso. Tal idéia presta terrível Eis por que a Bíblia afirma: “Desviam-se
desserviço às trágicas conseqüências do os ímpios desde a sua concepção; nascem
pecado e à missão de Cristo como o único e já se desencaminham” (Sl 58:3).
salvador para cada ser humano (Jo 14:6,
At 4:12). Também significa que se Jesus “Rebelde desde o nascimento” (Is
viesse com uma natureza pecaminosa mas 48:8, NIV) e “cheio do Espírito Santo, já
resistisse, então talvez outra pessoa faria o do ventre materno” (Lc 1:15); outra vez
mesmo, e tal pessoa não precisaria de Je- olhe para os dois lados: a condição huma-
sus para salvá-la. Devemos compreender na ao nascer e a misericórdia divina para
que ambos os aspectos do efeito do pe- alguém nessa condição. Contrastando, Je-
cado – morte corporativa e culpa pessoal sus não foi apenas cheio do Espírito San-
– necessitam de um salvador. Precisamos to desde o nascimento mas, diferente de
de Jesus como substituto para toda a nossa qualquer outra pessoa, nasceu do Espírito
vida, e não apenas a partir da primeira vez Santo. Ao contrário dos outros, Ele era
em que conscientemente nos rebelamos. também Deus. Significa isto que Ele tem
uma imaculada concepção?
Pecadores ao nascer A teologia católica desde Agostinho
acredita que todos nascem com o pecado
Cada ser humano, exceto Cristo, é nas- original.24 Isto é, cada um vem ao mundo
cido pecador. Disse Davi: “Eu nasci na ini- com a culpa do pecado de Adão, porque
qüidade, e em pecado me concebeu minha cada um estava seminalmente presente
mãe” (Sl 51:5). Contudo, Davi também em Adão, participando, portanto, da sua
pôde dizer acerca de Deus: “Tu me fizes- culpa. Assim, semelhantemente, Jesus
36 / Parousia - 1º semestre de 2008
viria ao mundo com a culpa do peca- realmente significa “único de uma espé-
do original. Para contornar esta difícil cie”. Monogenēs vem de monos, “um,
situação, a teologia católica inventou único”, e genos, “espécie” ou “tipo”.
a imaculada concepção. Esta doutrina Monogenēs não deve ser confundido com
postula que Maria nasceu sem a mancha monogennaō, que deriva de monos, “um,
do pecado. Mas se Deus pôde realizar único”, e gennaō, “gerado”. Monogennaō
tal ato salvífico por um ser humano, por significa “único gerado”.
que não por todos? Teria salvo a Cristo
Monogenēs é usado nove vezes no gre-
de todo o sofrimento de se tornar huma-
go do Novo Testamento, cinco vezes para
no. Além disso, se Maria se tornou ima-
Jesus (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1Jo 4:9). Seu
culada sem Cristo, isto põe em dúvida a
emprego nas outras quatro referências
missão de Cristo.
lança luz sobre o que a palavra significa
A Bíblia nada sabe de uma imaculada quando usada para Jesus. Primeira: o filho
concepção, mas proclama uma miraculo- morto da viúva de Naim era tudo o que
sa concepção. Jesus era singular. Foi de- ela possuía (Lc 7:12). Segunda: Jairo pode
vido à sua singularidade como Deus que ter tido filhos, mas foi sua única filha que
seu nascimento foi impecável. A esta al- morreu (cap. 8:42). Terceira: o endemoni-
tura, a teologia católica passa por alto o nhado era o único filho de seu pai nesta
que Jesus era. Não é necessário encontrar condição (cap. 9:38). Nestas três passa-
em Maria o motivo para a singularidade gens monogenēs não significa “único ge-
de Cristo. Esta singularidade procede da rado”, mas somente “um de sua espécie”.
própria individualidade dEle como Deus. Este fato é ainda mais claro no quarto
Recorremos agora às informações bíblicas exemplo, em Hebreus 11:17. Ali Isaque
no que concerne à sua singularidade. é chamado monogenēs, quando, de fato,
ele era o segundo nascido (sendo Ismael
Jesus como homem singular o primeiro filho de Abraão). Contudo, ele
foi único de uma espécie, singular porque
Jesus era diferente de outros seres hu- somente ele era o filho da promessa.
manos no centro de sua consciência. Isto Quando usada para Jesus, monogenēs
determinava tudo o mais. Nenhum outro sempre tem esta conotação de singular,
ser humano viveu antes do seu nascimen- único de uma espécie. Ele era o Filho da
to e tomou uma decisão de nascer para promessa – singular em missão e nasci-
agradar ao Pai. A consciência de Cristo mento, bem como em sua vida. Seu nas-
esteve sempre concentrada em Deus. Ele cimento singular consistiu não somente
veio para fazer a vontade de Seu Pai (Hb em como Ele nasceu (sem pai humano),
10:9), glorificá-lo ao longo da vida, e con- mas em que natureza Ele nasceu (sem pe-
sumar a obra que Ele lhe deu para fazer cado humano).
(Jo 17:4). Nenhum outro bebê, criança, ou
adulto viveu em tão completa abnegação Ele era único de uma espécie em que
para com Deus e o homem. Tanto seus foi o único homem que também era Deus.
atos impecáveis como sua natureza espiri- Ele foi o único homem gerado pelo Espí-
tual imaculada procedia de sua orientação rito, sem um pai humano. Ele foi o úni-
ininterrupta concentrada em Deus. Sua co homem que existiu eternamente como
união com Deus determinou a extensão de Deus antes de tornar-se também homem, e
sua união com o homem. assim foi singularmente independente de
pais quanto à vida. E Ele foi o único ho-
A palavra grega monogenēs, traduzi- mem que era semelhante, mas não o mes-
da por “unigênito” na Versão Almeida, mo que outros seres humanos.
Que natureza humana Jesus assumiu? / 37
mana somente até onde sua união com o caminosa. Urge a pergunta: Então Ele re-
Pai não fosse afetada. Em outras palavras, almente nos compreende? Ou é Ele um ser
Ele não poderia ser de natureza pecami- remoto que tinha uma injusta vantagem
nosa, porque por definição tal natureza é sobre nós? Pode Ele realmente ser um
o resultado da separação de Deus. A união compassivo sumo sacerdote? Em suma,
com Deus e a natureza espiritual pecami- foi Ele realmente tentado em todas as coi-
nosa se acham tão afastadas uma da outra sas como nós somos?
como estão o Céu e o inferno. Afirmar que
Nossa cristologia afeta nossa compre-
Ele se identificou conosco mas permane-
ensão das tentações de Cristo. Durante
ceu leal a Deus é compreender mal a ter-
centenas de anos, a cristologia clássica
rível natureza do pecado. Pecado signifi-
considerou que Jesus viveu na Terra como
ca separação de Deus. Ou Jesus manteve
Deus. Ele tinha poderes que não estão na-
uma relação ininterrupta com o Pai ou Ele
turalmente disponíveis aos outros homens.
desistiu e mergulhou em nossa alienação.
Não é de admirar que a tentação fosse con-
Jesus foi tanto nosso substituto como siderada como nenhuma provação difícil
nosso exemplo, e nesta ordem. Há uma para Ele. Embora Anselmo (l033-1109)
prioridade de substituto sobre exemplo fosse o primeiro erudito significativo a fo-
como há de Deus sobre o homem e do calizar a vida de Cristo sobre a Terra como
Salvador sobre os salvos. Isto é importan- homem (ele escreveu Cur Deus Homo),
te notar. A cristologia nunca deve come- outros subseqüentemente continuaram es-
çar com exemplo e esperar fazer justiça à quecendo a realidade de sua difícil prova-
sua substituição. Deve seguir o caminho ção. Desse modo, a crença de Calvino de
que leva da substituição ao exemplo. Pre- que Jesus permaneceu no trono celestial
cisamos de sua substituição por todo o enquanto vivia na Terra (extra calvinis-
caminho. Necessitamos de sua eterna di- ticum), a mistura das naturezas divina e
vindade, seu nascimento impecável, sua humana por Lutero (communicatio idio-
vida inocente, sua morte perfeita, sua res- matum) e, segundo a opinião de Barth, o
surreição, sua intercessão sumo sacerdotal revestimento da assumida natureza huma-
e sua segunda vinda. Também precisamos na dentro de uma impenetrável divindade
dele como um homem que exemplifica to- (ganz anderer), tudo tornava as tentações
tal dependência de Deus. de Cristo irreais sendo-lhe impossível pe-
car. E. J. Waggoner, à semelhança de Bar-
O fato de que Ele nasceu impecável de
th, acreditava que Jesus assumiu a carne
maneira nenhuma sugere que a observân-
pecaminosa, mas não podia pecar porque
cia da lei não é importante para o restan-
era divino.33 Qual é a vantagem de uma
te de nós que somos nascidos pecadores.
natureza pecaminosa como a nossa se Ele
Não é verdade que a crença na natureza
tinha uma natureza divina diferente da
impecável de Cristo significa que nin-
nossa? Uma elimina a outra, removendo
guém mais pode ou nem mesmo deveria
dele a realidade da tentação.
tentar guardar a lei. Jesus não é o nosso
substituto para que possamos viver como Contrastando, a Bíblia declara que Ele
nos apraz. “foi tentado em todas as coisas, à nossa
semelhança, mas sem pecado” (Hb 4:15).
Tentado como nós “Em todas as coisas” não significa as
mesmas tentações (plural), mas a mesma
Temos visto que as informações bíbli- tentação (singular). Por exemplo, Jesus
cas apresentam um Jesus humano singular nunca foi tentado a assistir a um progra-
que não poderia ter tido uma natureza pe- ma de televisão, fumar maconha, ou ul-
40 / Parousia - 1º semestre de 2008
trapassar o limite de velocidade. Mas Ele que Jesus tinha não foi para si mesmo. Sua
foi tentado a desistir de sua dependência missão salvadora determinou a extensão
de Deus. Satanás empregava meios dife- de sua identidade conosco.
rentes para o mesmo fim. Porque a ênfase
Todavia dizer isto nos leva a um para-
de toda tentação é o rompimento da rela-
doxo. O fato de permanecer Ele diferente
ção com Deus.
de nós não lhe deu uma vantagem; foi real-
As tentações de Cristo foram maio- mente desvantajoso para Ele. Porque se a
res do que as nossas, porque somente força da tentação é levar alguém a confiar
alguém que nunca cedeu poderia sentir em si mesmo em vez de em Deus, quem
sua plena força.34 Assim se expressou B. teria a maior tentação: Jesus, que tinha sua
F. Westcott: “A simpatia com o pecador própria divindade em que confiar, ou nós,
em sua provação não depende da expe- que não temos nada comparável?
riência do pecado mas da experiência da
A desvantagem de Cristo na tentação
força da tentação ao pecado, que somente
procedia de sua singularidade. E nesta
o impecável pode conhecer em sua plena
singularidade repousa nossa salvação.
intensidade. Aquele que cai se rende an-
Somente Jesus sentiu a plena força do
tes da última pressão.”35
ódio satânico, porque o conflito de Sata-
Mas “em todas as coisas” inclui “da nás é contra Cristo e não contra qualquer
mesma forma”?36 Escreve Tiago: “Cada ser humano. Todo o inferno soltou-se
um é tentado pela sua própria cobiça, quan- contra esse homem dependente, Jesus; e
do esta o atrai e seduz” (Tg 1:14). As más além disso, Jesus não poderia obter per-
propensões (uma inclinação para o peca- dão se fosse derrotado. Imagine a pressão
do) são adquiridas de duas maneiras: por quando a cada momento, cada ato tinha
meio do pecado e por ter nascido um peca- tais conseqüências sobre si mesmo e o
dor. Cristo não tinha nem uma nem outra. mundo inteiro!
Ele foi nascido “o ente santo” (Lc 1:35), e
Se Jesus deveria ser carne pecaminosa
Satanás não encontrou nele absolutamen-
para compreender nossas lutas por expe-
te nenhum mal (veja Jo 14:30). “Ser ten-
riência, então como poderia Ele demons-
tado em todas as coisas como nós” deve
trar empatia pela escória da raça? Como
ser compreendido à luz das informações
poderia salvar a geração mergulhada
bíblicas já consideradas. Indica que Ele,
mais de dois mil anos em degeneração
como um ser humano singular, foi tentado
genética? Se assumir a nossa natureza
em todas as coisas como nós. Além disso,
pecaminosa fosse pré-requisito para Ele
a tentação basicamente envolve o esforço
ser tentado como nós, então Ele deveria
de Satanás de fazer alguém romper o rela-
ter vindo na mesma época que o último
cionamento com Deus.
homem nascido. Contudo, mesmo se Je-
É inconcebível que Jesus imergisse na sus fosse uma pessoa da última geração,
separação de seu Pai no próprio ato de vir Seus contemporâneos ainda seriam mais
fazer a sua vontade. Os dois são mutua- degradados por causa do seu próprio pe-
mente exclusivos. Sua singularidade no cado. Se a natureza pecaminosa é um ele-
nascimento não é causa para o protesto: mento necessário para ser tentado como
“Jogo sujo! Tu não Te tornaste realmente nós, então Cristo não foi tentado como
um de nós. Para Ti era mais fácil do que nossa geração e aqueles que são degra-
para nós! Quem não poderia resistir às dados pelo pecado pessoal. Mas se sua
tentações se tivesse uma natureza impe- singularidade tornou sua tentação maior,
cável como a Tua!” Como poderia ser de então Ele não precisava de nossa nature-
outra forma? Qualquer suposta vantagem za caída para ser tentado como nós.
Que natureza humana Jesus assumiu? / 41
Não até a sua morte aquele “que não Como poderia Jesus ser meu exemplo
conheceu pecado” se tornou “pecado por em tudo isto? Como poderia eu copiá-lo?
nós” (2Co 5:21). Nunca antes daquele Como poderia eu ser eterno, ser Deus,
momento o pecado trouxe uma separação ser impecável no nascimento, impecá-
de seu Pai, que o levou a clamar: “Deus vel como bebê, e impecável ao longo da
meu, Deus meu, porque me desamparas- vida? Como poderia eu vencer tudo o que
te?” (Mt 27:46). O homem Jesus tornou- Ele venceu? E quando Ele finalmente
se pecado por nós em missão na morte e venceu Satanás por sua morte no Calvá-
não em natureza no nascimento. rio – o que tem conseqüências cósmicas
e salvíficas – como poderia eu imitar?
Doxologia Sim, eu anseio ser semelhante a Ele, mas
admito que Ele é para sempre singular.
A teologia é uma investigação humana Confesso com Pedro: “Senhor, retira-te
para compreender a auto-revelação divi- de mim, porque sou pecador” (Lc 5:8).
na. A Cristologia é o centro e o âmago da Todavia, Ele em misericórdia diz: “Vinde
teologia, porque Jesus Cristo é a maior re- a mim” (Mt 11:28). Ele me atrai por sua
velação de Deus ao homem. Ele é também singularidade. Desesperadamente preciso
a melhor revelação do homem autêntico daquilo que o faz diferente de mim.
ao homem. Jesus Cristo era singular não
somente como Deus conosco mas como O cristianismo não é apenas ser seme-
homem conosco. Ele era divinamente im- lhante a Ele. O cristianismo é vida nele.
pecável unido com a carne humana enfra- Somos justos somente em Cristo, nunca
quecida pelo pecado, mas foi igualmente em nós mesmos. As boas novas são mais
impecável em ambas as naturezas. Ele era do que “copie-me.” São sempre, em pri-
Deus conosco, mas viveu como homem meiro lugar, “apegue-se a mim”, “perma-
conosco em um completo esvaziamento necei em mim” (Jo 15:4), “Cristo em vós,
de si mesmo (veja Fl 2:7). Embora per- a esperança da glória” (Cl 1:27), e “vós
manecesse Deus, Ele pôs de lado o uso de sois aceitos no Amado” (veja Ef 1:6).
seus atributos divinos, vivendo como ho- A verdadeira cristologia termina não
mem autêntico totalmente dependente de em debate, mas em grata adoração e ju-
seu Pai celestial. bilosa obediência. Contemplando-o nós
Maravilhai-vos, habitantes do vasto não somente o louvamos mas nos torna-
cosmos! Assombrai-vos, anjos do Céu! mos semelhantes a Ele (veja 2Co 3:18).
Oh! adorai-o, vós pecadores sobre a Ter- A visão do seu amor por nós, seu amor
ra! Pois que outro ser humano, nascido singular como um homem singular, gal-
de mulher, pode ser a Ele comparado em vaniza-nos; anelamos mais ser repletos
natureza e feitos? Quem mais renunciou a dele do que ser semelhantes a Ele. Este
tanto por tão poucos? Quem mais se tor- enfoque é decisivo. É sobre Ele e suas
nou limitado a um corpo humano sendo obras, e distante de nós mesmos e nossas
que antes existia por toda parte? Quem obras. Não apenas seguimos, comunga-
mais escolheu permanecer tão limitado mos. Não consiste apenas em regras, mas
para sempre? Quem mais mergulhou no relacionamento. Não somente uma práti-
câncer terminal e inoperante do pecado ca, mas uma Pessoa. Porque cristianismo
para trazer cura completa e Ele mesmo é Cristo inteiramente. Dessa comunhão
não ficar contaminado? Quem mais po- provém um maravilhoso portento – tor-
deria se tornar um médico humano ao namo-nos como aquele a quem mais ad-
mesmo tempo em que se distancia do fla- miramos! É um subproduto natural do
gelo humano? anseio de tê-lo habitando dentro de nós.
42 / Parousia - 1º semestre de 2008
A cristologia chega ao ponto culminante mente nesta dependente união pode Jesus
na exclamação “Já não sou eu quem vive, ser nosso homem modelo – jamais em
mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20). So- sua natureza ao nascer.
da Igreja Adventista do Sétimo Dia precisam usar todas as coisas foi tentado como nós somos. E, con-
termos como carne, pecado, mesmo, semelhante, tudo, Ele ‘não conheceu o pecado.’... Não devemos
singular, imaculada concepção, pecado original, ter nenhuma dúvida em relação à perfeita impeca-
semente de Abraão, e semente de Davi como são bilidade da natureza humana de Cristo” (Ellen G.
usados pelos escritores bíblicos ou são explicados White, em Signs of the Times, 9 de junho de 1898
neste artigo. Se isto fosse feito, então a verdadei- [citado em The SDA Bible Commentary, 5:1131]).
ra comunicação entre eles seria estabelecida (eles “Ele devia tomar sua posição à frente da humanida-
falariam acerca das mesmas coisas), e muitas das de assumindo a natureza mas não a pecaminosidade
diferenças entre eles seriam dissipadas. do homem” (Ellen G. White, em Signs of the Times,
19 de maio de 190l [citado em The SDA Bible Com-
5
Greek Concordance of the New Testament de
mentary, 7:912]).
Englishman (Londres: S. Bagster e Filhos, 1903),
680, 681. 14
Ele preservou sua divindade ao longo da en-
carnação. Isto era tranqüilo dentro das auto-escolhi-
6
Reinhold Niebuhr acreditava incorretamente
das limitações da humilhação (Fp 2:6-8).
que sarx, nos escritos de Paulo, é o “princípio do
pecado” (The Nature and Destiny of Man [New 15
“A opinião veterotestamentária de pecado é
York: Charles Scribner’s Sons, 1949], 152). o lado inverso negativo da idéia da aliança, donde
é freqüentemente expresso em termos legais” (The
7
Hamartia e seus cognatos são encontrados
New International Dictionary of New Testament
174 vezes no Novo Testamento, mais de 50 vezes
Theology, 3:578). “Hamartia é sempre usada no
nos escritos paulinos. Adikia é uma palavra mais
Novo Testamento para o pecado do homem, que é
especializada, legal, que significa “não justo” (o
essencialmente dirigido contra Deus” (Ibid., 579).
oposto de “justiça”, dikaiosunē). Paraptōma vem
“No quarto evangelho hamartia designa ... um ato
de parapiptō, “cair ao lado de, desmoronar, proster-
pecaminoso específico, uma condição, ou mesmo
nar-se, não ser bem-sucedido, fracassar”. Veja ed.,
um poder que empurra o homem, e o mundo como
Colin Brown, The New International Dictionary of
um todo, para longe de Deus” (S. Lyonnet e L. Sa-
New Testament Theology (Grand Rapids: Zonder-
barin, Sin, Redemption, and Sacrifice: A Biblical
van, 1978), 7:573. Para informação geral sobre ha-
and Patristic Study, vol. 48 de Analecta Bíblica
martia e seus empregos, veja Theological Diction-
[Roma: Biblical Institute Press], 39).
ary of the New Testament de Kittel (Grand Rapids:
Eerdmans, 1964), 1:308-311; W. E. Vine, Exposi- 16
R. Govett, Govett on Romans (Flórida: Con-
tory Dictionary of New Testament Words (Londres: ley e Schoettle Pub. Co. 1981), 134.
Oliphants, 1946), 4:32-43. 17
E. F. Harrison, ed., Baker’s Dictionary of
8
G. W. Bromiley, trad. (Grand Rapids: Eerd- Theology (Grand Rapids: Baker Book House, 969),
mans, 1971), 126. Para todo o artigo veja páginas 488.
124-144. 18
R.C.H. Lenski, Interpretation of Romans
9
Ibid., 130. (Columbus, Ohio: Wartburg Press, 1945), 366.
10
Ibid., 134. 19
John Murray, The Epistle to the Romans, em
The New International Commentary on the New Tes-
11
1 João 4:1-3 não fala acerca de que espécie de
tament (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), 1:183. Leia
natureza humana (pecaminosa ou impecável) Jesus
também pp. 178-209 sobre “The Analogy”.
assumiu, mas a natureza humana em si. Os gnós-
ticos, e posteriormente os docetistas, acreditavam 20
Govett, op. cit., 142.
que Ele não se tornou de fato um ser humano, mas 21
Lenski, op. cit., 364.
meramente apareceu como humano. Esta passa-
gem rotula tal negação de sua genuína humanidade 22
Várias palavras gregas terminam em ma
como anticristo. em Romanos 5. A desinência ma significa “resul-
tado”. Duas dessas palavras são queda e graça, e
12
Aqui similarmente não significa um outro ser
comparam os resultados do pecado de Adão com
além de humano (extraterrestre). Pelo contrário,
a salvação de Cristo. Ambos os resultados foram
como humano Ele foi apenas semelhante a todos os
transmitidos à raça humana a partir do primeiro e
outros seres humanos.
do segundo Adão, igualmente sem levar em conta
13
“Tomando sobre si a natureza humana em sua as obras do homem, que é o tema central da epístola
condição caída, Cristo não participou no mínimo de Paulo.
em seu pecado. Estava sujeito às fraquezas e de- 23
Há onze palavras no hebraico que conotam
bilidades pelas quais o homem é assediado... Era
diferentes nuanças de pecado (veja referência 24).
tocado pelo sentimento de nossas fraquezas, e em
44 / Parousia - 1º semestre de 2008
24
Para um estudo detalhado sobre o pecado,
pt. 1, 69, 88, 90, 93-95, 98, 100, 203.
veja B. C. Berkouwer, Sin (Grand Rapids: Ee-
rdmans, 1971), e Piet Schoonenberg, S.J., Man
31
Ibid., vol. 1, pt. 2, 158-ss., 191; vol. 3, pt. 2, 51.
and Sin: A Theological View (South Bend, Ind.: 32
Os evangelhos revelam o contexto da alian-
University of Notre Dame Press, 1965). E sobre ça em que Jesus e seus contemporâneos viveram.
o “pecado original” católico veja R. C. Broderick, Abraão foi o pai dos filhos fiéis de Israel, que aguar-
The Catholic Encyclopedia (Nashville: Thomas davam a vinda do Messias como o “filho de Davi”,
Nelson Pub. Co., 1976), 440; Baker’s Dictionary ou da linhagem davídica. O cântico de Maria re-
of Theology, 486-489; George Vandervelde, Orig- conhece isto (Lc 1:55) como o de Zacarias. Ele
inal Sin: “Two Major Trends in Contemporary mencionou que a salvação tinha vindo para a casa
Roman Catholic Reinterpretation” (Lanham, Md.: de Davi (v. 69), porque Deus havia se lembrado de
University Press of America, 1982); e John Mur- sua aliança com Abraão (v. 73). O cego clamou a
ray, The Imputation of Adam’s Sin (Grand Rapids: Jesus como “filho de Davi” (Mt 9:27; 12:22, 23;
Eerdmans, 1959). 20:30-ss.; Mc 10:46, 47). Os escribas o chamaram
25
Tanto o panteísmo como o movimento da de “Filho de Davi” (Mc 12:35). Durante sua entrada
carne santa deixaram de dar a Jesus o devido lugar triunfal em Jerusalém, a multidão clamou hosanas
como monogenēs. O panteísmo identifica excessi- ao “filho de Davi” (Mt 21:9). Jesus chamou a mu-
vamente a Deus com o homem, removendo a pos- lher encurvada de “filha de Abraão” (Lc 13:16). Na
sibilidade de singularidade. O movimento da carne parábola do rico e Lázaro, o mendigo foi levado de-
santa de tal forma se concentrou em tornar-se seme- pois da morte para o seio de Abraão (Lc 16:22), e a
lhante ao impecável Jesus que, igualmente, não foi vida eterna é retratada por Cristo como participação
dado o devido lugar à sua singularidade. na festa do reino com Abraão (Mt 8:11). Enquanto
os judeus reivindicavam Abraão como seu pai (Jo
26
Albert Schweitzer, The Quest of the Histori- 8:33-39), Jesus foi além dessa linhagem da alian-
cal Jesus (Londres: Adam e Charles Black, 1954), ça, declarando: “Antes que Abraão existisse, Eu
254, 358, 368-ss. sou” (v. 58). Duas coisas devem ser mantidas em
equilíbrio: Jesus foi além dessa linhagem da alian-
27
Karl Barth, Church Dogmatics, 4 vols. ça, declarando: “Antes que Abraão existisse, Eu
(Edimburgo: T. & T. Clark, 1936-1969), vol. 1, pt. sou” (v. 58). Duas coisas devem ser mantidas em
2, p. 50; vol. 2, pt. 1, p. 63; The Humanity of God equilíbrio: de Jesus é dito ser procedente de Abraão
(Londres: Collins, 1961), 44-ss. apenas porque Ele era o Messias prometido, cum-
28
Friedrich Schleiermacher, The Christian prindo todas as promessas da aliança. Dele também
Faith (Edimburgo: T. e T. Clark, 1928). é dito ser antes de Abraão porque antecedentemente
e eternamente Ele é Deus.
29
“O que Deus é em sua revelação, Ele é an-
tecedentemente, e eternamente em seu próprio ser
33
E. J. Waggoner, em Signs of the Times, 21
intertrinitariano” é a pressuposição básica da “reve- de jan. de 1889; cf. Christ and His Righteousness
lação” por trás da teologia de Barth. Neste contexto (Oakland, Calif.: Pacific, 1890), 28-ss.
seu logos ensarkos, seguindo a cristologia enipos-
F. F. Bruce, Commentary on the Epistle to the
34
tática [substancial], considera que a humanidade de
Hebrews (Londres: Marshall, Morgan and Scott,
Jesus tem existência somente na eterna divindade de
1974), 87-ss.
Cristo. Isto às vezes chega perto de apresentar uma
eterna humanidade de Jesus. (Veja Church Dogma- 35
Citado em Commentary on the Epistle to the
tics, vol. 3, pt. 2, 484-ss., 493.) Ele também sugere Hebrews, 88.
que Jesus não é um homem (homo) mas a espécie
humana (humanum) (ibid., vol. 4, pt. 2, 48ss.).
36
Dietrich Bonhoeffer evidentemente pensava
assim. Veja Temptation (New York: Macmillan,
30
Ibid., vol. 1, pt. 1, 191; vol. 3, pt. 2, 51; vol. 4, 1955), 16.
45
Cristo
e os cristãos
Amin A. Rodor, Th.D.
Professor de Teologia Sistemática e diretor da Faculdade Adventista de Teologia, Unasp Campus
Engenheiro Coelho
Resumo: Este artigo busca demonstrar as biblical notion of sin. The sin doctrine is
contradições internas da teoria pós-lap- also underscored in the light of the teach-
sariana. Além das questões relacionadas ing of Ellen G. White. The author also
à exclusiva identidade e missão de Jesus takes time to discuss topics such as the
Cristo, que o tornam absolutamente sepa- controversial letter to W. L. H. Baker and
rado de nossa natureza pecaminosa, o autor its five paragraphs dealing with the nature
trata demoradamente da noção bíblica do of Christ, what makes clear the Ellen G.
pecado, insistindo que Jesus não poderia White´s doctrine of the human nature of
ser infectado pela natureza caída dos des- Christ. The so called notion of the “his-
cendentes de Adão. A doutrina do pecado torical adventism” is exposed as a con-
é também discutida à luz dos ensinos de tradiction of terms. The texts in apparent
Ellen G. White. O autor também toma contradiction in the Christology of Ellen
tempo para discutir questões tais como a G. White are placed in the broad context
controversa carta a W. L. H. Baker, com of her teaching about the human nature of
seus cinco parágrafos cristológicos que ex- Jesus Christ. In essence this article argues
põem a posição doutrinária Ellen G. White that Christ is infinitely set apart from all
quanto ao tópico. A alegada noção do assim human beings in relation to the problem
chamado “adventismo histórico” é exposta of sin, including the Christians, that even
como uma contradição de termos. Os textos after the new birth, although not governed
em aparente conflito na cristologia de Ellen by sin, will remain with the fallen nature,
G. White são colocados no amplo contexto until the final glorification.
dos seus ensinos sobre a natureza humana
de Jesus Cristo. Em essência, este artigo ar- Introdução
gumenta que Cristo está infinitamente sepa-
rado de todos os seres humanos quanto ao A encarnação de Cristo é a doutrina-
problema do pecado, inclusive dos cristãos, chave do cristianismo. O ensino central da
que, mesmo depois do novo nascimento, fé cristã. Sem ela, todo o cânon bíblico se
embora não estejam mais sob o domínio do tornaria um documento incompreensível,
pecado, ainda permanecem com a natureza um verdadeiro non sense. Em função desta
caída até a glorificação final. percepção, através dos séculos, a doutrina
Abstract: This article highlights the in- de Cristo tem preservado seu lugar de im-
ternal contradictions of the postlapsarian portância vital. A posição da igreja cristã
theory. Besides pointing out the questions quanto à cristologia, freqüentemente, tem
related to the exclusive Identify and Mis- sido considerada como um indicador de sua
sion of Jesus Christ, what makes Him ab- ortodoxia ou de tendência herética. Karl
solutely separated from our sinful nature, Barth está correto ao afirmar que a cris-
the author deals, at some length, with the tologia é um tipo de aferidor da teologia.
46 / Parousia - 1º semestre de 2008
Em suas próprias palavras, “cristologia é nascem. Embora, e isto deve ser observado,
a pedra de toque de todo conhecimento de se afirme que sua humanidade teria sido
Deus, em sentido cristão, a pedra de toque afetada pelas conseqüencias da queda,
de toda teologia”.1 Não é por acaso, portan- partilhando, assim, das marcas benignas
to, que o cristianismo durante mais de três do pecado, ou da humanidade física, en-
séculos, se debateu com sérias distorções fraquecida pela queda. Cristo, portanto,
deste tema central. Ebionismo, docetismo, experimentou as deficiências físicas (fome,
monarquianismo, arianismo, apolinaria- sede, fadiga, cansaço, tristeza, e a própria
nismo, nestorianismo, eutiquianismo e morte), que caracterizam os seres humanos,
outros “ismos”, relacionados à cristologia, sem, contudo, partilhar da natureza peca-
foram desvios, que, com diferentes graus minosa de todos os demais descendentes
de apelo, representaram ameaças ao ensino de Adão.
bíblico a respeito de Cristo, e à própria
Por outro lado, a segunda posição (pós-
sobrevivência da fé cristã. É importante
lapsariana), como observa Norman R.
observar que estas heresias representaram
Gulley, “procura preservar o fato de que Ele
desvios de duas verdades fundamentais:
[Jesus] tornou-se o filho de Maria. A ênfase é
primeiro, que Jesus era pleno Deus e pleno
colocada na identificação de Jesus com a na-
homem; e, segundo, que Ele era uma pessoa
tureza humana caída”.3 Assim, se a primeira
e não duas.
posição, em relação ao problema do pecado,
Como seria de se esperar, cristologia busca distanciar Cristo da humanidade pós-
tem sido de fundamental importância para queda, sublinhando o significado dEle como
a vida e missão dos Adventistas do Sétimo nosso imaculado substituto, a segunda, na
Dia. Para Ellen G. White, “a humanidade preocupação de torná-lo nosso exemplo,
do Filho de Deus é tudo para nós. Ela é busca, precisamente o oposto, estreitando,
a cadeia de ouro que une nossas almas a ou mesmo obscurecendo a brecha entre
Cristo, e através de Cristo a Deus. Este é o Cristo e a humanidade pecaminosa. Desta
tema do nosso estudo”.2 A discussão cristo- forma, desconsidera fundamentalmente o
lógica entre os adventistas, particularmente caráter único de sua identidade e missão,
nos últimos 50 anos, tem-se centralizado no como veremos.
tipo de natureza humana que Jesus Cristo Este artigo trata primariamente com as
assumiu na encarnação. Basicamente a contradições teológicas da teoria pós-lap-
questão é esta: Onde Jesus Cristo iniciou a sariana, em confronto com os ensinos das
vida na encarnação? Exatamente na mesma Escrituras e os escritos de Ellen G. White.
condição de todos os homens, ou, há entre
Cristo e todos os outros uma diferença fun- A posição pós-lapsariana
damental? Em essência, como geralmente
indicado, duas posições, se dividem, em
O argumento básico dos defensores da
ênfases opostas.
teoria pós-queda insiste que na encarnação
A primeira vertente, buscando preservar Jesus assumiu a natureza humana pecami-
a singularidade de Cristo, como o segundo nosa, tanto física quanto moral e espiritual,
Adão, defende que, na encarnação, Ele, do com todas as características da humanidade
ponto de vista moral e espiritual, assumiu a caída. Pós-lapsariana significa depois do
natureza de Adão antes da queda (posição lapso, depois da queda, posterior à entrada
pré-lapsariana, ou anterior à queda), não do pecado registrada em Gênesis 3. Assim,
sendo, portanto, infectado pelas propen- nesta formulação, Jesus, em termos de sua
sões do pecado e tendências corruptas com completa natureza humana, foi exatamente
as quais todos os demais seres humanos como qualquer um de nós – cem por cento
Cristo e os cristãos / 47
cado reside, e que ele será vencido quando bem, mas, como Leon Morris indica, eles
nos abstivermos de determinadas práticas. se tornaram “inimigos ... colocando seus
Nesse caso, temos de admitir que completa esforços na direção oposta a Deus”15.
perfeição (impecaminosidade), como advo-
gada pelo pós-lapsarianismo adventista, Desde a queda, o homem natural não
se torna um alvo plenamente alcançável pode pensar direito, sentir direito, ver
em nossa condição atual, porque a noção direito ou agir direito. Cada parte do seu
de pecado é reclassificada, e a norma se ser foi radicalmente afetada. Em relação
torna consideravelmente simplificada. Tal a Deus, o homem está em rebelião, em re-
teoria termina desenvolvendo a arrogância lação a si mesmo, está dividido. O pecado
humana, espírito acusador e complexo de perverteu e desorganizou sua natureza.
superioridade espiritual.13 Provavelmente Do ponto de vista humano, esta doença
esta é uma das mais fortes razões porque se é incurável, sobretudo porque é o único
exige que Cristo seja “cem por cento igual tipo de enfermidade que leva a vítima a
a nós” para que Ele se torne um modelo fugir do Médico. Pecado e morte mantêm
imitável. A vida cristã, nesse caso, passa domínio sobre o homem caído. O pecado
a ser vista como um tipo de “competição” produziu uma insanidade radical na na-
com Cristo, como se estivéssemos em tureza humana, a tal ponto que o homem
uma maratona, e assim, como em geral tornou-se como um navio cujo leme está
argumentado, Ele não poderia ter nenhuma fixo, amarrado no ângulo errado. Como
“vantagem” sobre nós descrito pelo puritano Thomas Gataker, o
coração natural “é como um livro estraga-
Se a primeira verdade que aprendemos do por erros e enganos de impressão”.16
nas Escrituras a respeito do homem é que
ele é um ser criado por Deus (Gn 1:26-28), Esta desordem moral e espiritual cobre
a segunda verdade fundamental acerca do toda a história humana, perpetuada em cada
ser criado por Deus, é que ele, pela entrada geração, desde a queda do primeiro Adão.
do pecado, alienou-se do Criador (Gn 3: 5). Não importa quão ignorantes as pessoas
Pela queda, o homem destronou Deus de possam ser, J. C. Ryle indica, “elas sempre
sua vida, e colocou-se a si mesmo em seu sabem como pecar”.17 E isto, porque os
lugar. Sua natureza foi assim depravada homens, universalmente, “são filhos da
e corrompida. Em conseqüência, toda a ira” (Ef 2:3); “filhos da desobediência” (Ef
posteridade de Adão herdou os resultados 5:6); naturalmente “andando nos desejos da
e a inclinação de seu [de Adão] pecado, nossa carne, fazendo a vontade da carne e
sendo a maior delas a separação de Deus, dos pensamentos”, por natureza “mortos
e desta decorrem todos os outros tipos de em delitos” (Ef 2:3, 5). Através da ofensa
desvios. Tal ruptura entre o homem e Deus de Adão sobreveio a todos “juízo e conde-
não é uma ilusão ou mito, que pode ser nação” (Rm 5:18); pela desobediência de
desconsiderada por qualquer “ginástica” Adão todos foram infectados com o vírus
humana. Como Edward Heppenstall obser- do mal (Rm 5:15-16); em Adão todos foram
va, “a queda envolveu todos os homens. Os expulsos do Éden, e morreram. De fato, no
efeitos desta catástrofe histórica levaram capítulo 5:12-21 da carta aos Romanos,
este planeta a ser habitado por uma raça Adão é descrito como o cabeça da velha
de pecadores, cuja mente carnal está em era, a era da morte. Adão não é meramente
inimizade contra Deus (Rm 8:7, 8)”14. A um indivíduo que viveu muito tempo atrás.
humanidade tornou-se como um rio po- Adão tem significado corporativo, como o
luído na sua fonte. Os pecadores não são cabeça da “velha humanidade”, da mesma
um mero “terreno neutro.” Eles não são forma que é o cabeça da era presente, ex-
meramente pessoas que deixam de fazer o cluindo-se a Cristo. Aquilo que aconteceu
Cristo e os cristãos / 49
à cabeça envolveu também todo o corpo, e, Jesus definiu o pecado em termos que si-
em Adão, a sorte da humanidade foi estabe- lenciam qualquer noção simplista, superfi-
lecida. Portanto, desde Adão o destino da cial e farisaica da doença: “Pois do interior
raça humana foi determinado a permanecer do coração dos homens saem os maus pen-
em escravidão aos poderes da destruição. samentos, os adultérios, as prostituições,
A morte tornou-se soberana, e reina sobre os homicídios...” (Mc 7:21), e o catálogo
toda a existência. Esta é a sorte comum é considerável. A questão, devemos notar
desde Adão. Paulo usa dois verbos acer- cuidadosamente, é que para Jesus, pecado
ca do pecado, que devem ser percebidos não é uma questão, meramente, de atos
claramente. Segundo o apóstolo, o pecado pecaminosos, mas de uma condição, na
“entrou” (eisnlten) e a morte “passou” qual o homem natural é nascido. Não é que
(dielten) a todos os homens, e assumiu somos pecadores porque cometemos peca-
pleno controle, pois todos, naturalmente, dos A, B, C, D, etc., antes, porque somos
nascem em cumplicidade com Adão. pecadores é que cometemos tal sorte de de-
litos. Os atos são apenas o sintoma de uma
Criado à imagem de Deus (Gn 1:26,27),
mal mais grave, arraigado nos porões de
depois da queda, Adão gerou filhos “à sua
nossa natureza. “O mais lindo bebê”, Ryle
imagem” (Gn 5:2), o que indica a heredi-
descreve com realismo quase cruel, “não
tariedade moral corrompida, que o pai da
é como sua mãe carinhosamente o chama,
raça legou à sua descendência. Assim, não
um pequeno anjo... mas um pequeno peca-
se poderia exagerar na ênfase de que “ori-
dor”.21 Não que ele conscientemente peque,
ginal” não se refere ao caráter original do
mas pecador no sentido de que nasceu com
homem, como criado por Deus, mas ao seu
a tendência natural para escolher o pecado,
caráter original como descendente de Adão.
tão logo tenha a idade para fazê-lo.
Ellen G. White concorre com tal ênfase,
ao afirmar que “com relação ao primeiro Só no Antigo Testamento encontramos
Adão, os homens nada recebem dele, senão 11 termos hebraicos para descrever o peca-
a culpa [as conseqüências da queda], e a do, e não são meramente sinônimos, como
sentença de morte”,18 ou ainda, segundo poderíamos pensar.22 Cada um deles ilumina
ela, o egoísmo, profundamente arraigado um aspecto desta enfermidade maligna,
em nosso ser, “nos veio por herança”.19 que infecta a todos. As Escrituras falam
A queda de Adão afetou a orientação das trevas, apostasia e rebelião do homem,
espiritual de sua posteridade. Para Ellen e da oposição humana a tudo que Deus
G. White, “o coração do homem é, por intencionou ao criá-lo à sua imagem. Ca-
natureza frio, escuro e desagradável”.20 E tegoricamente a revelação divina enfatiza a
se alguém reivindicar não ter sido infectado depravação e a profundidade a que o pecado
pelo vírus do pecado, tal noção contradiz arrastou o homem. A expressão depravação
tanto a revelação como a observação e o total, em teologia, é utilizada para descrever
senso comum. Embora as Escrituras não o pecador em seu estado caído. A palavra
usem a expressão “pecado original”, a total refere-se aqui à totalidade do homem,
noção, quando despida de suas conotações como um ser infectado pelo pecado. Isto é,
histórico-dogmáticas, é claramente bíblica: nem uma parte dele, absolutamente nada,
em primeiro lugar porque ela é derivada da ficou sem receber o sinistro impacto da
raiz original da raça; em segundo, porque queda. O homem completo foi atingido e
ela está presente em cada indivíduo desde o deteriorado no nível de sua vontade, sen-
momento do seu nascimento; e, em terceiro timentos e razão. A doutrina de Pelágio de
lugar, porque ela é a raiz interior de todos que a queda de Adão não afetou sua poste-
os atos pecaminosos que mancham a vida ridade, e que o pecado não é um problema
do homem. da natureza, mas apenas da vontade humana,
50 / Parousia - 1º semestre de 2008
genos = o único de seu tipo), Jesus foi um ser realizada apenas por um cordeiro sem
ser único, exclusivo, irrepetível. Deus em mácula ou mancha”.40 Na tipologia do
carne. Ellen G. White, em seus artigos na Antigo Testamento, aquele que oferecia
Review and Herald, entre 1872 a 1914, cen- um cordeiro, afirmando sua fé no redentor
to e vinte cinco vezes observa que Cristo futuro, fora advertido, “nenhuma coisa em
“vestiu sua divindade com a humanidade”, que haja defeito oferecereis, porque não
ou que Ele “velou sua divindade com a seria aceita a vosso favor”(Lv 22:20). Não
humanidade”.36 Nestes textos, ela diz o é de surpreender que para Ellen G. White,
que Jesus sacrificou ao tornar-se homem: “o homem não pode fazer expiação pelo
“sua glória”, “sua coroa e trono”, “as cortes homem,” uma vez que, “sua condição caída
reais”, “seu alto comando”, “seu lar celes- constituiria uma oferta imperfeita”.41 As-
tial”, “seu glorioso diadema”.37 Contudo, sim, ela afirma, “por um lado Cristo é um
ela nunca diz que Cristo tenha abandonado representante perfeito de Deus; por outro,
sua divindade essencial, ao adotar a huma- Ele é um espécime perfeito da humanidade
nidade. Numa passagem reveladora, ela sem pecado”.42 E a conclusão lógica é ine-
diz: “Cristo não tinha trocado a divindade vitável: “Ele [Jesus Cristo] não necessitou
pela humanidade, mas Ele tinha vestido de expiação.”43
sua divindade na humanidade”. 38 Isto
Em conexão com a exigência básica de
deveria servir de advertência para aqueles
sua missão, podemos referir a Romanos
que querem tornar Cristo completamente
8:3: “Pois o que era impossível à lei, vis-
humano. Ao afirmar que Ele era filho de
to que estava enferma pela carne, Deus,
Maria, não se deve perder de vista o que é
enviando seu Filho em semelhança (ho-
dito dEle como gerado pelo Espírito Santo.
moioma), da carne do pecado, pelo pecado
Assim, em seu próprio nascimento já temos
condenou o pecado na carne.” Como Rand
a confirmação de que Ele era radicalmente
observa, o texto não diz que que Jesus
diferente de nós.
veio “em carne pecaminosa”, e o texto
também não diz que Jesus tivesse vindo
Sua missão em “semelhança de carne”.44 No primeiro
caso, Paulo estaria afirmando que sua carne
Em segundo lugar, a extensão da iden- foi pecaminosa, e no segundo que Ele não
tificação de Cristo com a humanidade foi foi um ser humano real, Ele apenas teria
também determinada por sua missão. Com aparentado carne, confirmando então a
que natureza teria Jesus nascido? A nossa teoria docética. Contudo, Jesus, segundo
natureza caída ou a natureza de Adão antes as Escrituras, veio em semelhança (e esta
da queda? A resposta é consideravelmente é a palavra-chave) de carne pecaminosa.45
simples: se Ele tivesse vindo com a nature- Nesse texto, Paulo enfatiza quão vital foi a
za de todos os demais membros da espécie vinda de Cristo para quebrar o círculo sem
humana, Ele seria parte do problema do esperança de nossa condição no pecado.
pecado, e não a solução para o mesmo. O que a lei era incapaz de fazer, visto que
Em outras palavras, sua missão como o havia sido enfraquecida pela natureza pe-
Redentor do mundo teria sido fundamen- caminosa, Deus fez, enviando seu Filho em
talmente alterada. Para ser nosso Salvador, semelhança do homem pecaminoso, para
Jesus deveria tornar-se um conosco, mas tal ser a oferta pelo pecado. E, claro, se Jesus
identificaçao não poderia ir além dos reque- tivesse vindo em carne pecaminosa, cem
rimentos de sua missão. Ele não poderia por cento como nós, como exige a teoria
tornar-se, em si mesmo um pecador (em pós-lapsariana, então o “justo preceito da
natureza e ato).39 Portanto, como Benjamin lei” permaneceria sem ser cumprido, como
Rand observa, “a missão de Cristo poderia sempre, frustrado por sua natureza carnal.
Cristo e os cristãos / 53
exemplo, que “Cristo é chamado o segundo gar”, ela afirma em outro contexto, “a pena
Adão. Em pureza e santidade, conectado e os mais altos poderes mentais dos homens
com Deus e amado por Deus, Ele começou mais sábios, desde agora, até quando Cristo
onde o primeiro Adão havia começado. for revelado nas nuvens do céu, em poder
Ele passou pelo mesmo terreno onde e grande glória”.57 Somos, por outro lado,
Adão caiu, e redimiu a falha de Adão.”50 entretanto, advertidos a depender do Espí-
Observe-se cuidadosamente a frase em rito Santo, em nossa busca e conhecimento:
destaque, claramente indicando precisa- “Que Deus seja assim, manifesto em carne
mente, onde Cristo iniciou na encarnação é de fato um mistério; e sem a ajuda do
(“onde Adão havia começado”). Ellen G. Espírito Santo não podemos compreender
White, enfatiza ainda, que “Ele [Cristo] este tema. A mais humilhante lição que
venceu satanás, na mesma natureza sobre o homem deve aprender é a inutilidade
a qual, no Éden, Satanás, havia obtido da sabedoria humana, e a tolice de tentar,
a vitória”.51 A comparação não é entre em seus esforços desajudados, descobrir
Cristo e os demais seres humanos, depois Deus.”58 Diante de tal mistério não pode-
da queda, como alguns supõem, mas entre mos senão confessar que “o poço é fundo, e
Ele e o primeiro Adão, na mesma nature- não temos com o que tirar a água” (Jo 4:11),
za, como originalmente criado por Deus. se dependermos de nossos métodos.
“Ele [Cristo] deveria tomar sua posição
como o cabeça da humanidade, tomando Em uma enorme quantidade de tex-
a natureza, mas não a pecaminosidade do tos, Ellen G. White mantém em perfeito
homem.”52 A seguinte declaração de Ellen equilíbrio a divindade e a humanidade
G. White, apropriadamente sumariza esta em Cristo. Ela ensina que, na encarnação,
sessão de nossa discussão: “Por causa do Cristo reteve sua divindade. Segundo ela,
seu [de Adão] pecado, sua posteridade Jesus não foi apenas parcialmente divino.
nasce com inerente propensão para a deso- Ele era pleno Deus, enquanto na Terra.
bediência. Mas Jesus Cristo foi o unigênito Como mencionado anteriormente, ela de
[monogenes] de Deus. Ele tomou sobre forma clara indica que a divindade foi
si a natureza humana, ele foi tentado em “velada na”, ou “revestiu-se da” “huma-
todos os pontos como a natureza humana é nidade”, e que os plenos poderes de sua
tentada. Ele poderia ter pecado. Ele poderia divindade, não deveriam ser utilizados.
ter caído, mas nem por um momento houve Contudo, como ela indica, em determinadas
nEle uma propensão maligna.”53 ocasiões cruciais, sua divindade irrompe
através da humanidade. Eric C. Webster,
em seu minucioso estudo da cristologia de
Ellen G. White e a natureza de Ellen G. White observa que “a intenção de
Cristo na encarnação Ellen G. White” é instruir “que Cristo não
desejou que os homens cressem que Ele
Para Ellen G. White, a encarnação de foi simplesmente um homem muito bom,
Cristo é o “mistério de todos os misté- dependendo completamente de seu Pai
rios”.54 E isto deveria servir de precaução celestial, mas que Ele era o divino Filho
a todo estudante deste tópico. Para ela, “a de Deus, em relacionamento dependente
encarnação de Cristo tem sido e permane- com o Pai”.59
cerá para sempre um mistério”.55 Assim,
por um lado ela estimula o estudo do tema: Além disto, Ellen G. White nutria forte
“O estudo da encarnação de Cristo, seu compreensão quanto a importância da hu-
sacrifício expiatório e mediador, empregará manidade de Cristo. De fato, a realidade
a mente do estudante diligente, enquanto o de sua humanidade é vista por ela como
tempo durar.”56 Tal mistério “pode empre- vital para o plano da salvação. Era impor-
Cristo e os cristãos / 55
recua à sua entrada no mundo, isto só pode que Cristo foi como as outras crianças.”80
significar que ela não está se referindo a Conhecemos alguma outra criança que
desempenho em termos de ações. venha ao mundo com a “inclinação para
o que justo”? Aqui, como Woodrow W.
Em lugar de oferecer o segredo do
Whidden observa, encontramos uma das
vitorioso poder de Cristo, como, por
mais fortes e inequívocas declarações de
exemplo, fé e dependência no Pai, o que
Ellen G. White quanto à impecaminosi-
o pós-lapsarianismo adventista poderia
dade da exclusiva natureza de Cristo.81 E
esperar, ela sublinha que o segredo de sua
claro, “nascido sem uma mancha de peca-
absoluta incontaminação está diretamente
do”, não é uma referência à sua história de
relacionado com a divindade de sua pessoa,
impecável desempenho posterior.
desde o momento inicial de sua entrada no
planeta Terra. Ellen G. White claramente Em outro contexto, falando a respeito
indica que Cristo “nasceu sem uma man- de Sete, nascido relativamente próximo do
cha de pecado, embora Ele tenha vindo ao estado original de Adão (Gn 5:3), mas, ago-
mundo de maneira semelhante à família ra não mais à imagem de Deus, em sentido
humana”.78 Esta é uma poderosa declaração comparativo com Adão, seu pai (Gn 1:27),
dialética, demonstrando o pensamento de mas à semelhança dele depois da queda,
Ellen G. White quanto ao nascimento de Ellen G. White observa que embora tivesse
Cristo. Novamente, é evidente que ela não caráter nobre, e devesse tomar o lugar de
está falando aqui de atos, mas de um estado. Abel, não obstante “ele tinha a natureza de
Para ela, Cristo não foi maculado com o Adão [depois da queda], tão destituído de
pecado original, que, segundo a Bíblia, é bondade natural como Caim. Ele foi nasci-
a marca característica de todos os demais do em pecado”.82 Contrariamente a Pelágio
seres humanos. e todos os que tentam negar os resultados
da queda, Ellen G. White não trivializa tais
À luz da última citação, em compara-
efeitos sobre a família humana. Entretanto,
ção com raciocínio da noção pós-lapsaria-
de Cristo, nascido quatro mil anos depois, e
na, estamos justificados em perguntar: se
tendo aceito “os resultados da operação da
Ellen G. White afirma que Cristo entrou
grande lei da hereditariedade”,83 ela afirma
no mundo sem a corrupção ou a mancha
no capítulo “Em Criança” do seu livro O
do pecado, incontaminado quanto à sua
Desejado de Todas as Nações: “Nenhum
poluição, e se entre Ele e nós, como de-
traço de pecado desfigurava nEle a ima-
fendido pelos seguidores modernos de
gem divina”,84 e mais adiante: “Cristo foi
A. T. Jones, “não existe uma partícula de
o único ser livre de pecado que já existiu
diferença”, estaria então ela ensinando que
na terra.”85 Assim, o contraste entre Cristo
todos os outros homens também vêm ao
e Sete, não poderia ser mais evidente: Um
mundo no mesmo estado incontaminado?
nasceu em pecado, enquanto o outro “nas-
Qualquer pessoa sensata seria capaz de
ceu sem qualquer mancha do pecado”.
perceber a precariedade lógica desta teo-
ria. Observando a questão de outro ângulo,
lemos ainda da pena de Ellen G. White, A Carta a Baker
com ênfase na singularidade de Cristo na
encarnação, em sua infância: “Ele [Cris- Na carta escrita em 1895/686 a W. L.
to] não era como as demais crianças.”79 H. Baker,87 um ministro adventista tra-
Um pouco depois, no mesmo parágrafo, balhando na ilha da Tasmânia, Ellen G.
ela fala da “sua inclinação para o que é White dedica cinco parágrafos à questão
justo”, ou, no parágrafo seguinte: “Nin- da humanidade de Cristo. A importância do
guém, olhando para Ele ... poderia dizer tratamento dado ao tópico, neste contexto,
Cristo e os cristãos / 57
ser humano, exceto ao Filho do Deus Infi- sugeridos antes. E, finalmente, o quinto
nito.”91 Desta forma, ela elucida como foi parágrafo cristológico da carta a Baker
possível Cristo superar a infecção universal continua a comparação e contraste entre o
do pecado. O que é claro neste texto é que, primeiro e o segundo Adão, concluindo que
embora Jesus seja “um conosco”, Ele não “Satanás não encontrou nada nEle [Cristo]
é “um de nós”. que pudesse encorajar seus assédios”.94 O
que se torna evidente nestes parágrafos, é
Ellen G. White, então, continua o tercei- que Jesus, segundo o pensamentto de Ellen
ro parágrafo, com uma solene advertência: G. White, era um ser único, exclusivo, e
“Nunca, de nenhuma forma, deixeis a mais isso porque Ele não veio apenas para ser um
leve impressão sobre as mentes humanas, exemplo, mas sobretudo, para ser o nosso
de que a mancha, ou inclinação para a cor- Salvador. E, como Roy Adams corretamen-
rupção repousou sobre Cristo, ou que Ele, te observa, “se Ele fosse completamente
sob qualquer circunstância, tenha cedido à como nós – 100% – se Ele tivesse partilha-
corrupção.”92 Poderia Baker estar dando, do exatamente da mesma forma a herança
em suas apresentações, a impressão falsa, do pecado e culpa que todos recebemos de
desaconselhada na advertência? É possível! Adão, então, Ele teria sido limitado como
Ellen G. White neste texto, nega tanto que Salvador. Mais do que isto, Ele próprio
tenha havido em Cristo “mancha ou incli- necessitaria de um Salvador”.95
nação” para o pecado, o que tem que ver
com a sua natureza, bem como que Ele A carta a Baker constituiu-se num dos
tivesse “cedido à corrupção”, o que trata maiores obstáculos à teoria pós-lapsariana
com atos exteriores do comportamento. E de alguns adventistas contemporâneos. E
isto ela explica: “É um mistério deixado não nos surpreendem as tentativas ridículas
não explicado para os mortais.” Ainda neste de se evadir às evidências, ou de “explicá-
parágrafo, Ellen G. White, cita parcialmen- las”, obscurecendo a clareza da cristolo-
te o clássico texto de Deuteronômio 29:29: gia de Ellen G. White, aí expressa. Jean
“Aquilo que é revelado é para nós e nossos Zurcher, além de outros como Wieland e
filhos”, e inclui a mais séria advertência Larson, oferece um exemplo desta atitude,
da carta: “mas que cada ser humano seja como indicado por Denis Fortin, em sua
advertido do perigo de tornar Cristo com- avaliação crítica do livro Tocado pelos
pletamente humano, tal como um de nós”, Nossos Sentimentos, distribuído no Brasil
arrematando, então: “pois isto não pode de maneira não solicitada, pelos publicado-
ser”.93 A linguagem dificilmente poderia res da edição em português. “Zurcher não
ser mais clara. Ellen G. White não apenas apenas evita uma exposição clara da carta
indica por comparação, o contraste entre a Baker, mas também a cita de forma dis-
Ele e nós, mas seriamente adverte contra torcida e fora do contexto.” Fortin sugere
o perigo de torná-lo “completamente hu- que “para provar o seu ponto de vista, Zur-
mano”, pois, creiamos ou não, “isto não cher cita apenas parte da mesma carta [de
pode ser”! Em que sentido Cristo poderia Baker], e deixa de fora duas importantes
ser tornado “completamente humano”? sentenças curtas, nas quais Ellen G. White
Neste contexto, só podemos pensar em estabelece um contraste marcante entre a
uma única possibilidade: rebaixando-o à natureza de Cristo e a nossa”.96 Fortin se-
condição da pecaminosidade essencial dos gue indicando as formas em que Zurcher
demais seres humanos. distorce, nega ou omite as evidências. Esta
atitude de teimosia diante das evidências
No quarto parágrafo, ela continua a é, provavelmente, o aspecto mais negativo
ênfase sobre os perigos de se tratar com do legado dos pioneiros originais da idéia,
o tópico da natureza humana do Filho, já como veremos a seguir.
Cristo e os cristãos / 59
Knight observa, afinal “Jones demonstrou ser questionadas? Ou que não possam estar
que houve mais do que ‘uma partícula’ de em erro? Digo eu isto? Não, eu não digo tal
diferença entre Cristo e os demais seres hu- coisa. ... Mas eu digo que Deus nos enviou
manos”.128 Não é nossa mente parte integral luz”.132 Assim, apesar destas claras delimi-
da nossa natureza? Não é precisamente aí tações, há ainda aqueles que tratam Jones e
que se trava o grande conflito entre carne Waggoner como infalíveis, e assim sendo,
e espírito? Como Cristo poderia, então, ser diria Sócrates, “são mais amigos dos seus
precisamente igual a nós, e diferente nesse amigos, do que amigos da verdade”.
aspecto crucial? A precariedade de tal teo-
Ainda nesta conexão encontramos a
logia não poderia ser mais flagrante.
idéia fixa do pós-lapsarianismo dos mi-
Qual o interesse dos pós-lapsarianos nistérios independentes, de se julgarem os
adventistas em incluir o tópico da natureza representantes exclusivos do “adventismo
humana nas discussões da Assembléia de histórico”. E, claro, a palavra “histórico”
Minneápolis, em 1888? Evidentemente, é utilizada como sinônimo de “ortodo-
para capitalizar o endosso de Ellen G. xia”, ou “tradicional”, algo que a Igreja
White às afirmações de Jones e Waggoner Adventista do Sétimo Dia sempre creu, e
em Minneápolis. Contudo, além do fato de que hoje é reivindicado por estas versões
que Minneápolis (1888), como já discutido, separatistas e polêmicas da fé do advento
não ter tratado com o tópico da humanidade de forma exclusiva. Algo que se observa
de Cristo. na superfície é que a noção de “adventismo
histórico”, quase que se restringe à teoria
Um outro aspecto crucial a ser obser-
pós-lapsariana quanto à natureza de Cristo,
vado é que, mesmo supondo que Jones e
e noções relacionadas a este tópico (como
Waggoner já defendessem, então, qual-
o perfeccionismo, além de algumas noções
quer idéia pós-lapsariana, o endosso da
escatológicas também associadas a ele).
profetiza não foi um cheque em branco.
Por outro lado, nestes últimas 50 anos,
Como Knight observa, Ellen G. White,
como Whidden observa, “os assim cha-
“livremente disse aos delegados reunidos,
mados adventistas históricos tem desejado
em primeiro de novembro de 1888, que ‘al-
elevar os seus pontos de vistas distintivos
gumas interpretações das Escrituras, dadas
quanto à humanidade de Cristo ao nível de
pelo Dr. Waggoner, eu não considero como
um ‘pilar’ ou fundamento, na plataforma
corretas’”.129 Além disto, ela discordou de
da verdade presente”.133
dois aspectos fundamentais da cristologia
de Waggoner. Primeiro, Ellen G. White Enquanto Ralph Larson tenta demons-
frontalmente discordou da idéia de Waggo- trar que “houve consenso” sobre a noção
ner de que Cristo não pudesse pecar.130 E, pós-queda da natureza de Cristo, no período
segundo, ela discordou da idéia ariana de anterior a 1950, tal teoria é desacreditada
Waggoner, isto é, que Cristo tivesse tido pelo fato de que já em 1895, Jones foi
um começo.131 Uma objeção à pretenção confrontado com a citação de Ellen G.
de que Ellen G. White tenha oferecido White, em Testemunhos para a Igreja,
endosso não qualificado às teorias de Jones volume 2, página 202 (“Ele é um irmão
e Waggoner, é oferecida nas próprias pa- em nossas fraquezas, mas não em possuir
lavras da profetiza: “Eu creio, sem dúvida idênticas paixões”), já mencionada acima,
que Deus nos enviou preciosa verdade, no em oposição à sua idéia. Além disto, os
tempo certo, pelo irmão Jones e pelo irmão parágrafos da Carta a Baker, também já
Waggoner. [Mas] Eu os considero, então, mencionados, erguem forte objeção à teoria
como infalíveis? Digo eu que eles não farão dos “adventistas históricos”. Assim, para
declarações ou terão idéias que não possam serem os “históricos”, o que eles preten-
Cristo e os cristãos / 63
dem ser, isto deixaria Ellen G. White fora também incluído dentro do “adventismo
deste círculo. É verdade que Waggoner e histórico”? É claro que o bom senso su-
Jones, na década de 1890, foram fortes pro- gere a resposta. Necessitamos orar mais,
ponentes da teoria pós-queda da natureza estudar mais, e submeter-nos à direção
de Cristo, e posteriormente outros, como do Espírito Santo, que progressivamente
Albion Fox Ballanger e M. L. Andreasen, expurgou do adventismo muitos destes
também advogaram tal idéia, e sob a influ- tópicos estranhos, além de completamente
ência deles, outros nomes ilustres podem equivocados. Os ministérios independentes
ser acrescentados à lista. Mas isso prova e seus simpatizantes devem entender que
apenas que alguns decidiram seguir suas o compromisso primário dos Adventistas
próprias idéias, ou as idéias dos seus men- do Sétimo Dia, não é manifestar lealdade
tores espirituais. a qualquer pioneiro do movimento, seja
Jones, Waggoner, ou qualquer outro.
Além do mais, ao ler toda a ênfase pós-
Nossa consciência está cativa à Palavra
lapsariana do auto-proclamado “adventis-
da revelação, e é diante da revelação, que
mo histórico”, somos forçados a perguntar,
nos curvamos em lealdade, compromisso
quão genuína e autenticamente adventistas
e obediência.
são algumas das idéias encontradas no “ad-
ventismo histórico?” O que dizer das idéias
anti-trinitarianas de alguns pioneiros? E Conclusão
das noções arianas ou semi-arianas quanto
à divindade de Cristo?134 Ou das noções er- Um dos problemas mais complexos da
radas quanto guarda à do sábado, ou do sis- cristologia é a questão do relacionamento
tema de benevolência sistemática, ou ainda da divindade e humanidade em Cristo,
conceitos completamente equivocados e este artigo tratou com algumas facetas
sobre os princípios de saúde? Isto para não deste tópico e seus desdobramentos na
se falar das objeções de alguns pioneiros à comunidade Adventista do Sétimo Dia,
organização da Igreja, por exemplo. O que focalizando em particular a teoria defen-
dizer, ainda, das idéias dos próprios heróis, dida por alguns segmentos do adventismo
Jones e Waggoner, quanto ao panteísmo, contemporâneo.
assimilado de Kellog,135 da idéia da “afini-
dade espiritual” de Waggoner,136 as noções Tratamos primeiramente com a noção
de Jones, quanto à “nova voz profética”, bíblica de pecado, conceito básico para a
manifestada, segundo ele, na Srta. Anna compreensão do tema. Como discutido,
Philips?137 O que dizer a teoria extremista pecado, na visão das Escrituras, trans-
de Jones quanto à “cidadania”,138 vista por cende qualquer noção superficial que
Ellen G. White como “fogo estranho”, ou transforma esta enfermidade sistêmica em
de sua idéia de violação provocativa das manifestações exteriores da conduta. É a
leis dominicais?139 O que dizer ainda das natureza humana que foi profundamente
idéias convergentes de Jones, com o movi- afetada e infectada pela queda original,
mento da “carne santa”?140 Ou o que dizer produzindo uma atitude fundamental de
das noções materialísticas de santidade, rebelião. Todos, por nascimento, partilham
mantidas por grupos adventistas, que criam de propensões malignas, que nos colocam
que seus cabelos brancos seriam restaura- alienados de Deus, e em linha de colisão
dos à sua cor natural, ou mesmo da idéia com sua vontade. Os seres humanos sofrem
de Waggoner, ensinando que se alguém de um mal muito mais grave e profundo do
realmente tivesse a justiça de Cristo, nunca que os sintomas manifestos na superfície.
ficaria enfermo?141 Deveria todo este peso Pecado, mais que ações pecaminosas, é um
morto da dogmática destes pioneiros ser estado de degeneração moral e espiritual,
64 / Parousia - 1º semestre de 2008
com o qual todos os seres humanos entram de tornar Cristo um de nós desconsidera
no planeta Terra, e que coloca a todos, dois aspectos fundamentais, na resposta a
sem excessão, em imediata necessidade de estas questões: Primeiro, sua identidade,
salvação. Houvessem os pioneiros do pós- isto é, quem Ele era, como o monogenes
lapsarianismo, Waggoner e Jones e outros, de Deus, o único do Seu tipo, exclusivo,
entendido o ensino paulino de pecado, e singular, um “ser santo” (Lc 1:35), que, em
não apenas isolado alguns textos joaninos, relação ao pecado, está separado e distinto
adequados à sua teoria, e certamente a de todos membros da espécie humana. Esta
história das idéias que eles desencadearam verdade funciona como uma salvaguarda,
seria outra. estabelecendo os limites de sua identifi-
cação conosco, não permitindo que tais
O tópico do pecado foi também explora-
fronteiras sejam violados, no interesse de
do do ponto de vista dos escritos de Ellen G.
qualquer teoria, por melhor intencionada
White. Explicitamente, a escritora afirma
que seja. E, segundo lugar, a extensão de
a realidade da depravação pecaminosa e
sua identificação conosco, não pode des-
corrupção humana, como um estado. Ela
considerar sua missão, também exclusiva
fala de pecado em termos de uma condição
e única. Para ser nosso Salvador e oferta
natural de todos os humanos. Devemos
pelo pecado, Cristo deveria ser, como afir-
lembrar, sumariza ela, “que nosso coração
ma Hebreus 7:26, “puro, santo, imaculado,
é naturalmente depravado, e somos inca-
separado dos pecadores”. Ellen G. White,
pazes em nós mesmos de seguir a direção
entendeu claramente este binômio da cris-
certa”.142 Ou “como resultado da desobedi-
tologia bíblica e numa multidão de textos
ência de Adão, cada ser humano é um trans-
deixa a questão absolutamente clara.
gressor da lei, vendido sob o pecado”.143 “O
egoísmo”, diz ela, “está integrado em nossa A íntima união de Cristo com a humani-
essência”, “e isto nos vem por herança”.144 dade caída não significa que Ele tenha tido
Curiosamente, Ellen G. White utiliza a a mínima ou a mais remota participação em
expressão pecado original uma única vez, nossa condição pecaminosa. Em termos de
e aí ela afirma nossa direta relação com as lógica bíblica, afirmar que Cristo assumiu
conseqüências da queda: “A própria fonte a natureza caída e pecaminosa em qual-
da natureza humana foi corrompida. E quer sentido preciso, equivale a dizer que
desde então, cada pecado tem continuado sua vontade esteve em contradição com a
sua obra odiosa, passando de mente para vontade de seu Pai, e isto coloca o pós-lap-
mente. Cada pecado cometido, desperta sarianismo numa posição de insustentável
ecos do pecado original.”145 conflito com a ortodoxia cristã, com a
qual eles dizem estar comprometidos. Um
O aspecto crítico da nossa discussão,
conosco, mas não um de nós, e é precisa-
portanto, centraliza-se na questão: Poderia
mente aí que residia o poder de sua vitória
Jesus ter nascido com a mesma natureza
em nosso favor. Certamente gostaríamos
que recebemos de Adão? No mesmo
de ter maior compreensão sobre como tal
estado em que todos os demais seres hu-
união de divindade e humanidade em Cris-
manos nascem, e ainda assim ser o nosso
to, foi possível. O mistério é como Cristo
Salvador? Poderia Ele ser o Salvador, o
pôde combinar, de um lado a realidade
substituto sacrificial, a oferta pelo pecado,
de não ser infectado pela humanidade
e, ao mesmo tempo, ser chamado de “de-
caída, em termos morais e espirituais,
pravado”, “corrupto”, e ser caracterizado
enquanto afetado por ela, assumido as
como tendo as “propensões e tendências
conseqüências físicas da queda. Contudo,
malignas do pecado” ou “inclinações para o
não somos chamados a explicar, mas a
mal”? Como discutido, qualquer tentativa
aceitar o mistério. Nas palavras de Ellen
Cristo e os cristãos / 65
G. White: “A missão de Cristo não foi histórico” deveriam repensar tal convicção,
explicar a complexidade de sua natureza, porque afinal, como discutido, nem tudo no
mas dar abundante luz para aqueles que a “adventismo histórico” é essencialmente
receberiam em fé.”146 Não temos revelação adventista.
absoluta, apenas revelação necessária. O
Finalmente, aos que querem tornar
que realmente necessitamos é aceitar e
Cristo tão identificado conosco a ponto
crer naquilo que nos está disponível, sem
de obscurecer sua identidade essencial e
permitir que nossa lógica e opiniões cir-
natureza de sua missão, relembramos, nas
culares, interfiram na revelação.
palavras da voz profética aos crentes ad-
ventistas: “Não ver o marcante contraste
Substancialmente, a cristologia de Ellen
entre Cristo e nós, significa não nos co-
G. White é doutrinariamente explícita nos
nhecermos a nós mesmos. Aquele que não
cinco parágrafos da famosa Carta a Baker,
aborrece a si mesmo, não pode entender o
tratando com o tópico, conhecidos de
signficado da redenção”.148 Mesmo entre
memória por qualquer estudante sério do
Cristo e os cristãos – e estes deveriam
tema. Pós-lapsarianos podem tentar toda
ser os primeiros a reconhecerem isso
sorte de contorcionismo e malabarismo
– permanece uma distância incalculável,
interpretativos, para “explicar” tais textos.
porque a conversão e o novo nascimento
Mas o que aí está claramente expresso tem
não eliminam completamente nossa dis-
caráter devastador para a teoria: “Nem
torcida natureza básica, que, embora não
por um momento houve nEle propensão
mais reine, subsiste até a redenção final
maligna.” Ou: “Não o apresenteis como
do “nosso corpo abatido”, no segundo
um homem com as propensões para o pe-
advento. Talvez o aspecto mais deplo-
cado.” “Seu nascimento foi um milagre de
rável da cristologia pós-lapsariana, não
Deus. ... Nunca de nenhuma forma, deixeis
entendido por seus defensores, é a tenta-
a mais leve impressão sobre as mentes hu-
tiva de explicar a humanidade de Cristo a
manas que a mancha ou a inclinação para
partir de nossa humanidade. Jesus assumiu
a corrupção permaneceu sobre Cristo.” E
“verdadeira humanidade”, mas no sentido
mais: “Que cada ser humano seja adverti-
intencionado por Deus. Assim, “verdadei-
do acerca de tornar Cristo completamente
ra humanidade” não pode ser definida em
humano, tal como um de nós, pois isto não
termos da natureza humana como nós a
pode ser.”147
conhecemos em nós próprios, mas apenas
Além disso, os textos que poderiam em termos da humanidade assumida pela
sugerir qualquer contradição nos escritos Palavra, e estas duas, de nenhuma maneira,
de Ellen G. White, devem ser entendidos significam a mesma coisa. O grande erro,
à luz da totalidade de seu ensino, e inter- portanto, é nos apresentarmos como a nor-
pretados à luz de quem Cristo é, não ao ma da humanidade, e então perguntarmos
contrário, isto é, definir quem Ele é, apartir quanto Cristo deve se conformar com esta
de nossa interpretação pré-concebida destes norma. Mas se a fé cristã é verdadeira, nós
textos. Ellen G. White, tornar claro que somos pobres espécimes de humanidade,
a humanidade de Cristo, embora afetada mesmo os melhores de nós, não somos
pelo pecado, não é uma exata duplicação apenas imperfeitos, mas corrompidos pelo
de nossa natureza. Do ponto de vista empí- pecado. A Palavra, portanto, assumiu um
rico do homem pecaminoso, sua natureza tipo especial de natureza, semelhante,
humana é vista por Ellen G. White, como mas não completamente igual à daqueles
exclusiva e única. Finalmente, os auto-pro- a quem Ele “não se envergonha de chamar
clamados representantes do “adventismo irmãos” (Hb 2:11).
66 / Parousia - 1º semestre de 2008
reda correta” (Ellen G. White, In Heavenly Places “compreensão vívida e quase física/biológica do
[Washington, DC: Review and Herald, 1967], 195; primeiro pecado. Para Oakes, tal doutrina está em
veja também Conselhos aos Pais Professores e Es- crise, mesmo entre os católicos. Veja “Original
tudantes, 544). Sin: A Disputation”, First Things, 16 de novem-
bro de 1998, 16.
27
Joe Crews, Christ’s Human Nature (Amazing
Facts, s.d.), 6, 47). 32
Veja nesta edição de Parousia, o artigo de
Benjamin Rand.
28
Robert Wieland e Donald K. Short, 1888 Re-
examined: The Story of a Century of Confrontation
33
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, 312.
Between God and His People (Mountain View, CA: 34
Gulley, “Behold the Man”, 5.
1888 Message Study Committee, 1987), iii.
Ellen G. White, Manuscript 165, 1899, (cita-
35
29
Veja Roy Adams, The Nature of Christ (Ha- do em The Faith I Live Bay, 48).
gerstown, MD, Review an Herald, 1994), 25.
36
Para uma lista destas ocorrências, veja Eric
30
Se a posição pré-lapsariana depende do dog- Claude Webster, Crosscurrents in Adventist Chris-
ma católico do pecado original – como sustenta a tology, (Berrien Springs, MI: Andrews University
acusação dos defensores da noção pós-queda –, Press, 1984), 74-80.
podemos dizer que o pós-lapsarianismo, com sua 37
Ibid., 75-76
insistência de que Jesus é um homem como qual-
quer outro, é dependente do liberalismo teológico Ellen G. White, Review and Herald, 29 de
38
humanidade pecaminosa. ... Cristo assumiu a se- necessidade e um privilégio” (Review and Herald,
melhança da carne pecaminosa para que Deus, em 8 de dezembro de 1904).
Cristo, pudesse realizar a libertação da humanidade 63
Idem, Signs of the Times, 10 de Maio, 1899,
do pecado” (p. 196).
no SDA Bible Commnentary, 5:1082-3; veja tam-
46
Adams, The Nature of Christ, 63. bém 4:1116; e, ainda, Review and Herald, 10 de
junho de 1890.
47
Para Raymond E. Brown, o contexto de João
8:46 é Isaías 53:9: “nele não houve engano”. Bro- 64
Ellen G. White não obscurece o fato de que
wn indica ainda, por associação, Hebreus 4:15: Cristo, além de substituto do homem, foi também
“Pois não temos um sumo sacerdote que não possa seu exemplo. Portanto, se Ele “não tivesse a nature-
compadecer-se de nossas fraquezas, porém um que, za do homem, Ele não poderia ser o nosso exemplo.
como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” Se Ele não fosse um participante de nossa nature-
(The Gospel According to John [Garden City, NY, za, Ele não poderia ser tentado como o homem tem
Doubleday & Company, 1981], 358). sido. Ele não poderia ser nosso ajudador. Foi uma
48
Ellen G. White, “Humility Before Honor”, solene realidade que Cristo veio lutar as batalhas
Review and Herald, 8 de novembro de 1887. como homem, em favor do homem” (“How to Meet
a Controverted Point of Doctrine”, Review and He-
49
Veja Gulley, “Behold the Man”, 5. rald, 18 de fevereiro de 1890. Contudo, tal identifi-
50
Ellen G. White, The Youth Instructor, 2 de cação não poderia, por outro lado, estender-se além
junho de 1898. dos limites determinados por sua identidade única e
missão exclusiva.
51
Idem, 5 de abril de 1901.
65
Ellen G. White, Manuscrito 44, 1898, citado
52
Idem, Signs of the Times, 29 de maio de
no SDA Bible Commentary, 7:907.
1901.
66
Idem, Review and Herald, 5 de abril de
53
Idem, SDA Bible Commentary, 5:1128.
1898.
54
Idem, Carta 276/1904, SDA Bible Commen-
Idem, “Aggressive Work to be Done”, Review
67
tary, 6:1082.
and Herald, 2 de agosto de 1906.
55
Idem, SDA Bible Commentary, 5:1129.
Idem, “Principle Never to be Sacrificed for
68
56
Idem, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Peace”, Review and Herald, 24 de julho de 1894.
Publicadora Brasileira, 1998), 251. Ellen G. White, 69
Idem, “Contemplate Christ’s Perfection, not
em outro contexto afirma que “o estudo da encar-
Man’s Imperfection”, Review and Herald, 8 de
nação é um campo frutífero que recompensará ao
agosto de 1893. Tal ênfase é destacada em uma
investigador sincero que cava fundo pela verdade
enorme variedade de contextos: Cristo tinha “um
escondida” (Manuscrito 67, 1898).
caráter sem mancha” (Review and Herald, 20 de se-
57
Ellen G. White, Carta 280, 1904, citada no tembro de 1909); uma “justiça imaculada” (Review
SDA Bible Commentary, 6:1082. and Herald, 9 de janeiro de 1883); “uma pureza
sem mancha” (Review and Herald, 28 de agosto de
58
Idem, Review and Herald, 5 de abril de 1883); uma “vida sem mancha” (Review and He-
1906. rald, 20 de janeiro de 1885). O que está em foco
59
Webester, Crosscurrents in Adventist Cristo- aqui não são atos, mas natureza.
logy, 88. Em muitos textos, Ellen G. White coloca 70
Idem, “Sacrificial Offerings”, The Signs of
Cristo em pé de igualdade com o Yahweh do Antigo the Times, 15 de julho de 1880.
Testamento, e faz as mais altas reivindicações em
favor da divindade de Cristo. 71
Idem, Review and Herald, 17 de dezembro
de 1872.
60
Ellen G. White, Review and Herald, 5 de abril
de 1906. Para ela, “Cristo possuía todo o organis- 72
Idem, O Grande Conflito, 505.
mo humano” (Carta 32, 1899, citada no SDA Bible 73
Idem, Mensagens Escolhidas, vol. 1, 254.
Commentary, 5:1130. Tinha um corpo como o nos-
so (Review and Herald, 5 de fevereiro de 1895). 74
Ibid., 256
61
Idem, “Notes on Travel”, Review and Herald, 75
Idem, “An Appeal to Ministers”, Review and
10 de fevereiro de 1885. Herald, 19 de maio de 1885.
62
Idem, Review and Herald, 11 de dezembro 76
Idem, “How to Deal With the Erring”, Review
de 1888. Para Jesus, a oração era vista como “uma and Herald, 19 de maio de 1885.
70 / Parousia - 1º semestre de 2008
77
Idem, Manuscrito 16, 1890, citado no SDA 1985: An Historical Contextual and Analytical Stu-
Bible Commentary, 7:907. dy”, argumenta que Baker, com muita probabilidade
recebera suas noções quanto a natureza de Cristo de
78
Idem, Carta 95, 1898, citada no SDA Bible
proeminentes escritores adventistas contemporâne-
Commentary, 7:952. Contrastando a lepra do pe-
os, tais como A. T. Jones, E. J. Waggoner e W. W.
cado com a pura vida de Cristo, Ellen G. White
Prescott (8 a 20).
escreve: “Mas vindo habitar na humanidade, não
recebeu poluição” (ibidem). 89
Ellen G. White, Carta 8, 1895, citada no SDA
Bible Commentary, 5:1128. Curiosamente, Wie-
79
Idem, Youth Instructor, 8 de setembro de
land tenta confundir a clareza desta declaração. Em
1898.
seu The 1888 Message, ele trata com esta carta nas
80
Ibidem. páginas 59-63. Em duas colunas ele tenta oferecer
uma comparação entre a citação de Ellen G. White
81
Woodrow W. Whidden, Ellen White on the
mencionada acima, e a seleção de um artigo de E.
Humanity of Christ (Berrien Springs, MI, Adventist
J. Waggoner, publicado na Signs of the Times, em
Institute for Theological Advancement, 2006), 54.
21 de Janeiro de 1889. Contudo, enquanto Waggo-
82
Ellen G. White, The Signs of the Times, 20 de ner trata com a natureza divina de Cristo, Wieland
fevereiro, de 1879. obscurece aquilo que Ellen G. White diz, dando a
impressão de que ela está afirmando o mesmo que
83
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 33. Waggoner. Uma cuidadosa análise dos cinco pará-
84
Ibid., 49. grafos da carta em questão, que tratam da sua cris-
85
Ibidem. tologia, revela que ela está discutindo a humanida-
de de Cristo, não sua natureza divina (veja Webster,
86
O Ellen White Estate indexou este documento Crosscurrents, 130).
como a Carta 8, de 1895, e ela aparece no SDA Bible
Comentary , 5: 1128-1129. Embora datada de 1895,
90
O que se entende por “propensão maligna”?
Lyell Heise, em The Christology of Ellen G. White Os defensores da teoria pós-lapsariana, como
Letter 8 (Andrews University Monographs, 1895) Wieland, fazem um extraordinário esforço para fu-
apresenta evidências de que a carta foi realmente gir à clareza de significado da expressão, que, se
escrita em 1896. aceita na intenção de Ellen G. White, tem caráter
devastador para a teoria deles. Para Wieland, a pa-
87
W. L. H. Baker tivera uma considerável car- lavra propensão significaria apenas “participação
reira editorial, na Pacific Press, na Califórnia. Pos- em atos pecaminosos” (Veja Wieland, The 1888
teriormente, uniu-se à então recém fundada Echo Message, 62). Assim, ele nega que “propensão
Publishing House, na Austrália. Mas ao tempo em para o pecado”, “propensão maligna”, ou, ainda,
que recebeu a carta de encorajamento e conselho, “inclinação para a corrupção”, significam, natural,
de Ellen G. White, ele estava envolvido em ativida- pura e simplesmente “inclinação para o pecado”. A
des pastorais e evangelísticas na Tasmânia. evidência mais clara contra Wieland, além do dicio-
nário, é o próprio contexto literário da carta, onde
88
A carta não deriva sua importância da proemi-
Ellen G. White descreve a posteridade de Adão, que
nência de Baker no ministério adventista, ou mesmo
“nasce com inerente propensão para a desobediên-
da extensão do documento (17 páginas, no original).
cia”. Portanto, é o uso que Ellen G. White faz da
Seu significado básico emerge dos cinco parágra-
palavra “propensão”, no mesmo contexto, que deve
fos discutindo a humanidade de Cristo. Esta carta,
determinar o seu significado. Portanto, a questão é
descoberta e publicada inicialmente em meados da
simples: se alguém nasce com a propensão para o
década de 1950, é vista como a principal causa para
pecado, como pode essa propensão ser identificada
os debates entre as posições pré e pós-queda no ad-
como a participação posterior no pecado?
ventismo. Whidden considera mesmo que sua desco-
berta foi um “wake-up call” à discussão cristológica. 91
SDA Bible Commentary, 5:1128.
Segundo ele, o seu surgimento marcou o desperta-
mento da consciência acerca das muitas declarações
92
Ellen G. White, Carta 8, 1895, citada no SDA
de Ellen G. White enfatizando a singularidade impe- Bible Commentary, 5:1128.
caminosa de Cristo (Woodrow Whidden, Ellen Whi- 93
Ibidem. Curiosamente, Wieland, seguindo o
te on the Humanity of Christ, 59). Da carta infere-se hábito das “elipses”, verificado em autores pós-lap-
que a natureza de Cristo, na compreensão de Baker, sarianos, omite completamente esta seção da carta.
sofria de desequilíbrio básico. Aparentemente, ele Jean Zurcher, em seu Tocado pelos Nossos Senti-
estivera pregando que Cristo tinha “inclinação para mentos, segue também a mesma prática de omitir
a corrupção”. Lyell Vernon Heise, em uma mono- o que não sustenta a sua teoria quanto a natureza
grafia preparada para a Andrews University sob o de Cristo. Denis Fortin, em sua análise do livro de
título “The Christology of Ellen G. White Letter 8, Zurquer, observa: “Zurcher não apenas evita uma
Cristo e os cristãos / 71
exposição clara da carta a Baker, mas também a cita de maio de 1901, citado no SDA Bible Comentary,
de forma distorcida e fora do contexto” (veja Denis 7:912.
Fortin, Andrews University Studies, vol. 38, Nº 2, 111
Webster, Crosscurrents, 124. Devemos en-
outono de 2000, 343).
tender que para Ellen G. White, Cristo “possui a
94
Ibid., 1129. nossa natureza, embora não contaminado pelo pe-
cado” (Review and Herald, 7 de Maio de 1901).
95
Admans, The Nature of Christ, 71.
Ellen G. White, Manuscrito 50, 1900, citado
112
96
Fortin, Andrews University Studies, vol. 38,
no SDA Bible Commentary, 6:1078.
Nº 2, outono de 2000, 344.
113
Ibidem.
Ellen G. White, Review and Herald, 17 de
97
Resumo: Este documento é o resumo adap- ting the deviation of tithes and offerings
tado de um estudo feito por solicitação da and, eventually, creating a “church inside
Divisão Norte Americana da Igreja Ad- the church”. The document evaluates the
ventista do Sétimo Dia com o propósito de charges of heresy against the Seventh-day
esclarecer o relacionamento da igreja com Adventist Church under the perspective of
algumas organizações (ministérios) parti- the right concept of the “historical Adven-
culares. Algumas dessas organizações se tism.” It deal also with some characteris-
apresentam como guardiãs da verdadeira te- tics of those organizations and makes an
ologia bíblica e adventista, da qual a igreja, appeal to their members.
em sua opinião, teria se afastado em apos-
tasia. Assumem, então, uma atitude crítica Introdução
destrutiva em relação à liderança da igreja,
abalando a confiança dos membros em sua Desde o seu surgimento, os adventistas
direção, incentivando o desvio de dízimos do sétimo dia se consideram um movimen-
e ofertas e, finalmente, criando uma “igre- to chamado por Deus, que emergiu a fim
ja dentro da igreja”. O documento avalia as de proclamar as boas novas da segunda
acusações de heresia contra a IASD da pers- vinda de Cristo e ensinar ao mundo como
pectiva do correto conceito de “adventismo se preparar para aquele glorioso evento.1
histórico”, comenta algumas características
A Igreja Adventista do Sétimo Dia
das organizações acusadoras, e dirige um
exerce sua missão geralmente através de
apelo aos membros afastados por tomarem
uma estrutura organizada de igrejas, asso-
parte em suas atividades.
ciações locais, uniões, divisões e a Asso-
Abstract: This document is the adapted ciação Geral. Incorporada nessas entida-
summary of a study developed by request des estão várias instituições e ministérios,
of the North American Division of the Se- mantidos pela igreja relacionados com
venth-day Adventist Church, with the pur- áreas como educação, publicação, saúde
pose of clarifying the relationship of the e a mídia.
church with some private organizations
(ministries). Some of these organizations Ministérios de apoio
claim to be guardians of true biblical the-
ology, from which the church, in their opi- Além disso, de tempos em tempos,
nion, had moved away in apostasy. They surgiram vários ministérios “particula-
assume, then, a destructive critical attitu- res”, “independentes” ou “de apoio” com
de towards the church leadership, affec- o propósito de auxiliar no cumprimento
ting membership confidence in it, motiva- da missão da Igreja Adventista do Sétimo
76 / Parousia - 1º semestre de 2008
Dia, mas o fazem funcionando fora da es- sas organizações. Em 1980 a igreja exa-
trutura regular denominacional. minou e então rejeitou as crescentes posi-
ções dissidentes relativas ao santuário e à
A denominação tem sido ricamente interpretação profética. Da mesma forma
abençoada pela maioria desses ministé- como a igreja continua a dissociar-se da
rios particulares. Eles realizam tarefas que organização Good News Unlimited, ela
a igreja organizada não poderia executar, deve continuar a expressar suas sérias pre-
devido às suas limitações financeiras. A ocupações com respeito a grupos que cor-
maioria deles tem trabalhado em harmonia roem a doutrina ou a estrutura da igreja.
com a organização oficial, geralmente ten-
do líderes denominacionais ou membros Seguindo o modelo de Atos 15, os lí-
leigos nas comissões de diretores. A igre- deres da igreja devem alertar os membros
ja é agradecida aos homens e às mulheres da igreja contra tais dissidentes, que cau-
dedicados que dão tão altruísticamente do sam desavenças ou corroem nossas cren-
seu tempo e recursos para o funcionamen- ças fundamentais. No entanto, questões
to desses ministérios particulares. relacionadas com membros individuais da
igreja são tratadas pela congregação local
Organizações particulares e não pertencem à jurisdição dos níveis
organizacionais acima da igreja local.
Em alguns casos, no entanto, as orga- A Divisão Norte-Americana da Asso-
nizações particulares têm trabalhado con- ciação Geral dos Adventistas do Sétimo
tra os propósitos da denominação, tornan- Dia sente a necessidade de responder a esse
do-se críticos destrutivos da liderança da sério desafio por meio desse ponderado do-
igreja, abalando a confiança dos membros cumento. Ele examina várias organizações
a respeito da organização, desviando re- particulares e mostra como suas atividades
cursos que poderiam ter sido usados no separatistas são prejudiciais e em desarmo-
cumprimento da missão da igreja, preju- nia com o desejo e o plano de Deus para a
dicando, assim, os esforços evangelísticos união e de sua igreja estabelecida.
da mesma. Tal comportamento apresenta Estas informações não são apresenta-
um sério desafio à saúde espiritual do cor- das com espírito de contenda ou hostilida-
po da igreja. de. A denominação não possui nenhuma
Líderes denominacionais têm passado má vontade para com os líderes ou segui-
muito tempo em oração, estudo e repetidas dores dessas organizações particulares.
discussões minuciosas com os líderes das A liderança da igreja ficaria feliz em ver
seguintes instituições: Hope International, essas organizações particulares se unirem
Hartland Institute; Prophecy Countdown; a ela, e usarem suas energias e influências
a igreja Steps to Life em Wichita, Kansas; para ajudar a igreja no cumprimento de
a congregação de Rolling Hills, Flórida; sua missão, como a maioria dos ministé-
e Good News Unlimited. Tornou-se apa- rios de apoio fizeram e estão fazendo.
rente à igreja que essas organizações par- Esse documento foi preparado relutan-
ticulares têm demonstrado má vontade de temente e somente porque a igreja sente
trabalhar em harmonia com o protocolo e o perigo para a vida espiritual de seus
os processos denominacionais. Isso se tem membros e para com os recursos neces-
evidenciado pelo material que produzem e sários para manter a harmonia e unidade
das palestras que apresentam. da igreja. Se os membros perderem a con-
Face a essa situação, a Igreja Adventis- fiança na igreja e em seus líderes, eles po-
ta do Sétimo Dia tem a responsabilidade derão facilmente desanimar e abandonar
de clarificar seu relacionamento com es- a igreja, provavelmente para a sua perdi-
Ministérios independentes / 77
dos apóiem a Igreja Adventista do Sétimo Jesus”. Essa concessão (a primeira here-
Dia de todas as maneiras possíveis, con- sia, segundo Larson) era a de que “o nosso
tanto que esteja em conformidade com os Senhor veio a essa Terra com a natureza
princípios do governo de Deus e da orien- humana não caída de Adão”, e não com
tação do Espírito Santo no coração.2 a nossa natureza caída, sendo esse novo
ensinamento propagado no livro Ques-
Portanto, já em sua fase inicial da re- tions on Doctrine (Washington, D.C.: Re-
vista, revelou a perspectiva de que leal- view and Herald Publishing Association,
dade a Deus – conforme entendida pelos 1957). “As heresias, como preditas”, se-
associados à Hope International – poderia gundo Larson, “começaram sua resoluta
forçar os membros a retirar seu apoio à infiltração na igreja”.
Igreja Adventista do Sétimo Dia. A base
foi posta para um movimento separatista, A segunda heresia, escreveu Larson,
ou, pelo menos, para uma igreja menor e foi “a doutrina do pecado original, defi-
mais pura dentro da organização maior. nido como culpa hereditária”. Ele então
Esse conceito estava aqui presente apenas menciona o que considera como outras
de forma embrionária, mas como se per- três heresias:
ceberá, cresceu rapidamente. A terceira heresia, que sucedeu as duas pri-
meiras na igreja, foi uma perversão da nos-
Acusações de heresia na igreja sa doutrina histórica de justificação pela fé
(fazer o bem por meio do poder recebido
Embora as diferenças que Hope Inter- de Deus) pela satânica doutrina da injusti-
national e Hartland Institute têm em rela- ça pela presunção (fazer o mal presumindo
que não haverá punição).
ção à igreja incluam certas práticas, essas
diferenças se fundamentam na teologia. A A quarta heresia, que sucedeu as três pri-
fim de entender o caminho que levou es- meiras, foi a negação da nossa doutrina do
ses membros anteriormente fiéis à discór- santuário... Como foi dito no nosso primei-
dia, ser-nos-á útil examinar alguns artigos ro artigo concernente à grande apostasia
adventista, uma pesquisa feita na maior
de Our Firm Foundation.
associação da América do Norte, revelou
De especial relevância é um artigo de que uma significativa porcentagem dos
1991, intitulado “Heresias se Infiltrarão”3, pastores daquela associação estão agora
de autoria de Ralph Larson, um pastor e rejeitando a nossa doutrina do santuário.
professor de teologia aposentado. Larson, A quinta heresia que se segue na reação em
que passou sua vida profissional traba- cadeia é a rejeição do Espírito de Profe-
lhando na Obra, tem-se tornado cada vez cia... Com a retirada de cinco importantes
mais crítico dela. Ele parece funcionar pilares, por quanto tempo a estrutura per-
como o “teólogo residente” para a Hope manecerá, e qual será a próxima doutrina
International. a ser demolida e substituída por uma falsa
doutrina calvinista? Pode até ser a doutri-
Larson começa observando que os na do sábado.
pioneiros adventistas do sétimo dia es-
tabeleceram uma firme “plataforma da Larson acusa, portanto, a igreja de ha-
verdade”, de seu diligente estudo da Bí- ver permitido a entrada de heresia e apos-
blia. Ele afirma que essa plataforma per- tasia em seu meio, que muitos ministros
maneceu inabalável até a década de 1950, adventistas aceitaram e pregam falsas
“quando o teólogo calvinista Walter Mar- doutrinas, e que “a maioria dos nossos
tin conseguiu uma concessão de alguns administradores parecem estar observan-
de nossos líderes sobre a humanidade de do indiferente ou benignamente”. Assim,
Ministérios independentes / 79
“uma heresia é seguida de outra, de ma- Sétimo Dia foi fundada em uma teologia
neira resoluta, para dentro da igreja... na baseada na Bíblia, mas que, com o passar
grande apostasia adventista”. Larson es- do tempo, a organização abandonou algu-
creveu: mas de suas crenças, e agora mantém, em
alguns aspectos, uma teologia que não é
Isto, criou obviamente, divisões, porque
bíblica e que reflete, antes, a das igrejas
nem todos os nossos membros têm estado
dispostos a aceitar essas mudanças e a par-
protestantes decaídas.
ticipar dessa apostasia. E quem é acusado A fim de responder adequadamente a
de ser responsável por haver provocado essas acusações, é necessário determinar
essa divisão? Aqueles que continuam fiéis o que constitui “adventismo histórico”. Se
à nossa pura fé histórica... Lembrem-se pudermos primeiro estabelecer que cren-
de que são as heresias que separam e não
ças compunham a doutrina adventista do
a verdade.
sétimo dia nos seus primórdios, então será
possível determinar se a Igreja Adventista
Não é o propósito desta declaração do Sétimo Dia alterou a sua posição.
prover uma refutação teológica às opini-
ões mantidas pelos membros da Hope In- No período formativo do Adventismo,
ternational. As questões do conflito sobre os “marcos” da fé eram poucos e diretos.
a natureza de Cristo e a justificação pela Apesar de os anos subseqüentes presen-
fé não são tão diretas quanto os aderen- ciarem controvérsias provocadas por vo-
tes da Hope International gostariam que zes argumentando a favor de mais estru-
aparentassem. Tanto as Escrituras quanto turas e especificidade, ainda assim era um
Ellen White contém declarações que pare- simples concerto que unia os adventistas
cem apoiar vários pontos de vista, e estes do sétimo dia, quando a primeira associa-
devem ser mantidos em tensão entre si. ção local (Michigan) foi organizada em
Eles provêm oportunidade para um perí- 1861: “Nós, os abaixo assinados, pelo
odo vitalício de estudo e meditação com presente nos associamos como uma igre-
oração, mas não espaço para dogmatismo ja, assumindo o nome de Adventistas do
(para estudos mais detalhados, ver Nor- Sétimo Dia, comprometendo-nos a guar-
man Gulley, “Model or Substitute? Does dar os mandamentos de Deus e a fé em
It Matter How We See Jesus?”, Adventist Jesus Cristo”.4
Review, 18 e 25 de janeiro; 1, 8, 15 e 22 Em 1872, os adventistas do séti-
de fevereiro de 1990; e “Crenças Funda- mo dia publicaram uma declaração de
mentais dos Adventistas do Sétimo Dia”, crenças anônimas e sem comprometi-
Manual da Igreja Adventista do Sétimo mento. Esta declaração não mencionou
Dia, rev. 1990). nenhum dos ensinamentos considerados
importantes por Our Firm Foundation.
Adventismo histórico Na introdução, o autor não mencionado
(Uriah Smith) empenhou-se em enfati-
Uma das freqüentes acusações feitas zar a natureza não oficial e sem caráter
por essas organizações particulares é a de credo do documento:
de que a Igreja Adventista do Sétimo Dia
Ao apresentar ao público essa sinopse da
apostatou, e por isso não é mais digna de nossa fé, desejamos que seja claramente
apoio. “Apostasia”, nesse contexto, se re- entendido que não temos nenhum artigo
fere ao abandono de doutrinas mantidas de fé, credo ou disciplina além da Bíblia.
pelos adventistas do sétimo dia nos seus Não apresentamos isso como tendo qual-
primórdios. Em outras palavras, os crí- quer autoridade sobre nosso povo, nem é
ticos frisam que a Igreja Adventista do designado para assegurar uniformidade
80 / Parousia - 1º semestre de 2008
entre eles como um sistema de fé, mas é mente cada ponto da administração e das
uma curta declaração do que é e tem sido ordenanças da igreja.6
mantido por eles com grande unanimida-
de. Freqüentemente achamos necessário Em 1889, quando o assunto dos funda-
responder perguntas sobre o assunto e, às mentos estava sendo cogitado por aqueles
vezes, corrigir falsas declarações que cir-
que queriam uma lista mais longa, Ellen
culam contra nós, e remover impressões
White descreveu a experiência dos anos
errôneas formadas por pessoas que não
tiveram a oportunidade de se familiarizar formativos do remanescente, e resumiu os
com nossa fé e prática. Nosso único objeti- marcos de forma mais concisa. Seu obje-
vo é suprir essa necessidade”.5 tivo era mostrar quão curta era a lista de
fundamentos:
A sessão da Conferência Geral de
O passar do tempo em 1844 foi um perío-
1882 designou um comitê para preparar
do de grandes eventos, abrindo aos nossos
o manual da igreja, sugerindo que fosse olhos atônitos a purificação do santuário no
primeiramente publicado em série para céu, e tendo decisivo relacionamento com
discussão e crítica. Como resultado, 18 o povo de Deus na terra, [também] a pri-
artigos apareceram na Review and He- meira e a segunda mensagens angélicas e
rald, de 5 de junho a 9 de outubro de a terceira, desfraldando a bandeira na qual
1883. A sessão da Conferência de 1883 estava escrito: “os mandamentos de Deus
votou contra a adoção, reconhecendo, no e a fé em Jesus”. Um dos fundamentos sob
entanto, a irrefutabilidade do seguinte re- essa mensagem era o templo de Deus, visto
latório do mesmo comitê designado para por seu amado e verdadeiro povo no céu,
preparar o manual: e a arca contendo a lei de Deus. A luz do
sábado do quarto mandamento refletia seus
É o consenso unânime do comitê que não fortes raios no caminho dos transgressores
é aconselhável ter um manual da igreja. da lei de Deus. A não-imortalidade dos ím-
Consideramos desnecessário porque já pios é um antigo fundamento. Não me vem
temos superado sem ele, as maiores difi- à mente nada mais que possa ser incluído
culdades relacionadas com a organização sob os antigos fundamentos”.7
da igreja; e perfeita harmonia existe entre
nós sobre esse assunto. Pareceria para mui- Se uma declaração oficial de crenças
tos como um passo em direção à forma- tivesse que ser adotada, a igreja insistiu
ção de um credo ou uma disciplina além que ela deveria ser discutida e votada por
da Bíblia, algo que sempre nos opusemos direito pela sessão da Conferência Geral
como denominação. Se tivéssemos um dos Adventistas do Sétimo Dia. Isso acon-
credo, temeríamos que muitos pregadores, teceu em 1980, quando a igreja adotou sua
especialmente os que estão começando a
declaração atual de 27 crenças fundamen-
pregar, o estudariam para obter uma orien-
tais (Manual da Igreja, rev. 1990).
tação sobre assuntos religiosos, em vez de
procurá-las na Bíblia e nas impressões do Semelhante à declaração de 1872, um
Espírito de Deus, o que os impediria de ter preâmbulo aparece com duas notáveis
uma genuína experiência religiosa e conhe- características: (1) uma referência explí-
cer a mente do Espírito. Foi desta maneira cita ao credo (“os adventista do sétimo
que outros cristãos começaram a perder
dia aceitam a Bíblia como seu único cre-
sua simplicidade e se tornaram formais e
do”) e (2) a menção da possibilidade de
espiritualmente sem vida. Por que devería-
mos imitá-los? Resumindo, o comitê sente modificações posteriores (“Revisão des-
que nossa tendência deve ser na direção sas declarações são previstas na sessão
da simplicidade e íntima conformidade da Conferência Geral [dos Adventistas
com a Bíblia, em vez de definir elaborada- do Sétimo Dia] quando...”). A segunda
Ministérios independentes / 81
provisão foi designada como uma salva- dos deles sejam uma evidência de apos-
guarda adicional contra a possibilidade tasia na igreja. Essa posição gera sérias
de a declaração receber o status de credo críticas aos líderes da igreja por aceitar
no sentido clássico. posições teológicas diferentes das deles,
ou críticas por não evitar e disciplinar os
O ponto importante aqui é: os adven-
que mantém tais posições.
tistas do sétimo dia nunca adotaram “for-
malmente” uma posição sobre a questão Os líderes da Hope International estão
de como exatamente a natureza de Jesus cientes de que suas opiniões não estão re-
se compara com a de Adão e a nossa. Do presentadas nas 27 crenças fundamentais
mesmo modo, a igreja também nunca ado- dos adventistas do sétimo dia, mas eles
tou “formalmente” uma posição sobre consideram essa declaração de fé como
perfeição e a natureza precisa da obedi- demasiadamente branda e susceptível à
ência humana. interpretação para ser autoritativa.
Por contraste, todos os adventistas do A declaração oficial de crenças dos adven-
sétimo dia sempre afirmaram que Deus tistas do sétimo dia é expressa de tal ma-
chamou seus filhos para guardarem os neira que doutrinas básicas, como a vida
mandamentos de Deus e a fé em Jesus. To- cristã vitoriosa, a natureza de Cristo e a ex-
dos os adventistas do sétimo dia têm enal- piação são deixadas de forma generalizada
tecido o sábado e a bendita mensagem do para que somente os professores cegos da
advento. Todos os adventistas do sétimo Nova Teologia possam dar-lhes sua con-
fiante aprovação.8
dia têm sempre afirmado que Jesus viveu
sem pecado, foi nosso exemplo e morreu
por nossos pecados. Essa é exatamente a questão. A igreja
unida em sessão escolheu deliberadamen-
Sob o leque do compromisso com as te deixar alguns pontos em aberto, porque
doutrinas básicas da fé, ministros e mem- consenso geral em pontos específicos não
bros mantém uma variedade de opiniões existe. Ao insistirem em que a igreja acei-
sobre temas como natureza humana de te suas posições a fim de ser “purificada”,
Cristo, e a relação entre a justificação e a Hope International e o Hartland Institute
santificação, à medida que cada um busca criariam, em realidade, um novo padrão
entender e viver seu relacionamento pes- de adventismo diferente do que a Igreja
soal com Deus. Embora possamos discutir Adventista do Sétimo Dia julgou apro-
nossas interpretações pessoais, e mesmo priado adotar. Mas nenhum membro ou
tentar persuadir outros de sua validade, líder tem o direito de fazer isso. O padrão
não temos nenhuma autoridade para exi- de adventismo deve ser uma decisão da
gir que outros as vejam exatamente como Igreja Adventista do Sétimo Dia unida em
nós, ou rotular de hereges ou apóstatas os uma sessão da Conferência Geral.
que discordam de nós.
É óbvio que Hope International/Our
O problema, então, não é que Hope Firm Foundation, Hartland Institute, Pro-
International e Hartland Institute man- phecy Coutdown, a igreja Steps to Life
têm posições teológicas que parecem em Wichita, Kansas, a congregação de
extremas ou unilaterais para muitos ou- Rollings Hills, Flórida, Good News Un-
tros adventistas do sétimo dia. A essência limited, ou qualquer outro grupo, podem
do problema é a sua insistência de que achar que eles estão certos e a igreja er-
a liderança, membros e ministros devam rada. É um direito deles. Nesse caso, eles
concordar com eles ou ser acusados de deveriam tentar persuadir a igreja a rees-
heresia, e que pontos de vista diferentes tudar o assunto e, talvez, a mudar de dire-
82 / Parousia - 1º semestre de 2008
ção, ou poderiam escolher deixar a igreja, ventistas do Sétimo Dia [na época da re-
uma vez que não se encontram em plena dação deste documento], tem bem menos
harmonia com ela. Mas eles não têm o di- autoridade e credibilidade nesse grupo do
reito de insistir em como a igreja deve ser, que Spear e Standish. Os conversos de
e se colocarem como o padrão que todos Our Firm Foundation buscam orientação
devem seguir. espiritual e integridade doutrinária nesses
dois homens e não nos pastores e líderes
Uma igreja dentro da igreja? denominacionais da Igreja Adventista do
Sétimo Dia.
As evidências atuais não sugerem que Organização de congregações locais
estas organizações particulares ou quais- – Os apóstolos do tempo do Novo Tes-
quer outras igrejas ou grupos a elas asso- tamento estabeleciam congregações en-
ciados, ou outras organizações particula- quanto viajavam de um lugar para outro
res que promovem semelhantes idéias se- (Atos 14:21-25). Em algumas ocasiões a
paratistas, procuram se desligar da Igreja Hope International organizou suas pró-
Adventista do Sétimo Dia e estabelecer prias congregações locais não-adventistas.
suas próprias denominações. Mas estão Exemplos são em encontrados em Derby
organizando cada vez mais seus seguido- e Winfield, Kansas. Em outros casos, se-
res em uma comunidade com caracterís- guidores da Hope International tentaram
ticas de igreja, dentro da denominação, unir-se a congregações já existentes, em
mas dela separada. Isso pode se denomi- número suficiente para controlar a igreja.
nar “uma igreja dentro da igreja”. A idéia Um exemplo disso é Yelm, em Washing-
aparenta ser que esse pequeno grupo é o ton.
“verdadeiro remanescente” no meio do
grupo maior, que abandonou a fé histórica Reuniões Campais – A Hope Inter-
tanto na teologia como na prática. Quando national e o Hartland Institute realizam
o “tempo da sacudidura” chegar, a maioria reuniões para as quais seus seguidores
apóstata será excluída, deixando para trás são convidados pelas páginas de Our
o núcleo dos genuínos seguidores, que es- Firm Foundation e também de outras
tarão prontos para encontrar a Jesus, por- publicações.
que aperfeiçoaram sua vida por sua graça. PS. Não esqueçam de fazer planos de vir à
Sugerem que o núcleo genuíno é compos- quinta reunião campal anual de estudo da
to daqueles que aceitaram a mensagem Bíblia à moda antiga, em Hartland, de 29 de
dessas organizações particulares e de ou- julho a 02 de agosto. Palestrantes incluem
tras vozes semelhantes de reforma. Joe Crews, Ron Spear, John Grosboll, Col-
lin Standish, Hal Mayer, Ron Goss, Ray
Observe alguns elementos que sugerem DeCarlo e outros. Estamos orando para
o conceito de “igreja dentro da igreja”.9 que o Espírito Santo esteja aqui em abun-
Liderança autoritária – A igreja do dância, e oramos para que vocês também
Novo Testamento seguiu líderes chama- estejam aqui.
dos e capacitados por Deus (At 6:1-4; Ef
4:11-13). Ron Spear, um líder da Hope Essas reuniões competem freqüente-
International e editor de Our Firm Foun- mente com as reuniões dirigidas pelas as-
dation, e Colin Standish, presidente do sociações da denominação.
Hartland Intistitute, procuram demonstrar Pastores ordenados – Jesus ordenou os
que atingiram esse status de liderança en- doze discípulos ao ministério (Mc 3:14).
tre seus seguidores. Robert Folkenberg, A fim de proteger a igreja de “falsos pro-
presidente da Associação Geral dos Ad- fetas” (Mt 7:15), os adventistas do sétimo
Ministérios independentes / 83
com a definição deles) na Igreja Adven- Igreja Adventista do Sétimo Dia como es-
tista do Sétimo Dia. tando numa situação de apostasia por não
aceitar suas opiniões em alguns assuntos
Admissão de uma igreja teológicos debatíveis. E os pecados e as
dentro da igreja falhas da Igreja Adventista do Sétimo Dia
são também vistos como derivados dessa
Evidências vêm sendo apresentadas de condição.
que a Hope International, com o apoio de
outros ministérios, tem tentado estabele- Hartland Institute
cer uma igreja rival ou competitiva dentro
da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Como Colin Standish, presidente do Hartland
a Hope International responde a essa acu- Institute, uniu-se a Ron Spear e seus se-
sação? guidores em suas críticas à igreja. Porque
a Hope International publica Our Firm
Um recente artigo em Our Firm Foun-
Foundation, é mais fácil demonstrar sua
dation abordou o motivo do surgimento
tendência separatista do que no caso do
dos ministérios independentes na igreja:
Hartland Institute. No entanto, vale a pena
A razão principal é que alguns de nós salientar algumas evidências.
querem ver o progresso da terceira men-
Recentemente, Outposts Centers Inter-
sagem angélica. Estamos estagnados por
national, uma altamente respeitada associa-
anos... Outro motivo para o surgimento
desses ministérios é a nossa atual apostasia ção de instituições adventistas de sustento
como igreja, e questões envolvidas nessa próprio, julgou necessário excluir o Har-
apostasia. Essa triste situação causou um tland Institute de sua relação de membros
retrocesso independente... Mais uma vez, (4-5 de março de 1992) devido à sua fal-
os ministérios independentes são uma rea- ta de genuíno apoio à igreja. Então, a Ad-
ção à direção para a qual a igreja como um ventist Laymen´s Services and Industries,
todo tem ido nos últimos 40 anos.11 a principal organização leiga adventista,
É bem evidente que existem agora duas também excluiu o Hartland Institute (4 de
igrejas sob o nome de uma. Tentar manter agosto de 1992) pelas mesmas razões.
ambas as partes satisfeitas causará eventu- Alguns anos atrás, o Hartland Institute
almente a queda de toda a estrutura deno-
possuía um comitê de diretores compos-
minacional, espiritual e fisicamente.12
to de uma grande diversidade de proemi-
nentes líderes leigos da igreja. O comitê
Em um número posterior, John Gros- requisitou oficialmente três coisas aos
boll explica: “Quando digo independente, administradores do Hartland Institute: (1)
quero dizer independente do controle da Eles não deveriam receber dízimos dos
denominação”.13 membros da igreja. (2) Eles não deveriam
O âmago do problema entre a Igreja associar-se a organizações em dificulda-
Adventista do Sétimo Dia e essas orga- des com a igreja. (3) Eles não deveriam
nizações particulares não é o fato de elas realizar seminários em igrejas ou comuni-
chamarem a atenção para os pecados e dades onde a igreja local ou a associação
falhas da igreja. Nenhum verdadeiro lei- lhes pedissem que não o fizessem. Assim,
go ou líder adventista do sétimo dia apro- o comitê do Hartland Institute encorajou
va os pecados e as falhas que aparecem, uma cooperação com a Igreja Adventis-
por vezes, dentro do corpo da igreja. O ta do Sétimo Dia. Entretanto, na eleição
verdadeiro problema é que esses grupos seguinte do comitê de Hartland Institute,
dissidentes sentem-se levados a acusar a todas as pessoas que apoiavam esses três
86 / Parousia - 1º semestre de 2008
requisitos foram removidas do comitê. A nheiro para apoiar um tão grande minis-
partir de então, houve pouca ou nenhuma tério de televisão como Osborne queria.
cooperação entre o Hartland Institute e a Osborne deixou o ministério organizado
Igreja Adventista do Sétimo Dia. em 31 de dezembro de 1984, para conti-
nuar sua luta por um ministério nacional
Prophecy Countdown de televisão antes de se qualificar para a
ordenação. Não recebeu uma autorização
Prophecy Countdown, uma organização ou credenciais ministeriais da Associação
de televisão independente localizada na da Flórida desde aquela data.
Flórida, é liderada por John Osborne, que Em 24 de junho de 1990, a mesa admi-
foi formalmente (e por um curto período) nistrativa da Associação da Flórida votou
um pastor não ordenado da Associação da retirar Osborne da posição de líder leigo
Flórida, mas se independeu em 1985. da congregação em Prophecy Countdown
Osborne procurou algumas supostas (Rolling Hills, Flórida):
falhas e erros em vários líderes e institui- Devido a recentes atividades públicas de
ções da igreja, e as propagou largamente John Osborne que julgamos não represen-
por meio de fitas de vídeo. Algumas das tar corretamente a Associação dos Adven-
acusações parecem não ter fundamento. tistas do Sétimo Dia da Flórida nem seus
Outras, embora se baseiem em fatos, são obreiros, foi VOTADO remover a nome-
narradas de forma exagerada. No entanto, ação de John Osborne como líder leigo do
o ponto principal é o uso que Osborne faz grupo de Rolling Hills.14
desse material para voltar os adventistas
do sétimo dia contra a igreja e ganhar Quando os membros do grupo de
apoio para si próprio. Rolling Hills, Flórida, recusaram aceitar a
decisão da mesa executiva da Associação
Em vez de seguir o conselho de Ma-
da Flórida, e todas as negociações subse-
teus 18 e procurar corrigir os que erram
qüentes falharam, a associação dissolveu
com espírito de preocupação e amor cris-
o grupo em 29 de novembro de 1990. So-
tãos, Osborne tem sido um crítico destru-
mente após quase um ano, a liderança da
tivo da obra – propagando amplamente as
Associação começou a tratar da exclusão
supostas faltas de pastores, professores e
de Osborne. Prophecy Countdown con-
líderes, muitas vezes sem nem ao menos
tinuou a se tornar mais ousado e irres-
se preocuparem em verificar pessoalmen-
ponsável em suas exposições sobre “ce-
te a confiabilidade de suas informações.
lebration” e outras questões. Nenhuma
Ele aparentemente descobriu que, quanto
mudança em sua atitude foi percebida. A
mais sensacionais forem suas acusações,
comissão administrativa da Associação
mais fácil é ganhar o apoio dos elementos
da Flórida (responsável pelos trabalhos
descontentes da igreja.
diários da associação) votou, em 16 de
John Osborne entrou no ministério setembro de 1991, recomendar ao comi-
como pastor interino na Associação da tê executivo da Associação da Flórida,
Flórida, em 1º de setembro de 1980. Du- que o nome de Osborne fosse levado ao
rante seu período como pastor das igre- comitê para discussão e possível medida
jas de Naples e Bonita Springs, começou administrativa. Quando Osborne recu-
um ministério local de televisão. Parecia sou-se a comparecer, alegando estar se
dar certo, e um ministério nacional e até mudando para uma casa pastoral, o co-
mesmo internacional foi imaginado. No mitê executivo votou, em 29 de setembro
entanto, os líderes da associação sentiram de 1991, excluí-lo da igreja por motivo
que não tinham nem autoridade e nem di- de apostasia.
Ministérios independentes / 87
A igreja é depositária das abundantes ri- provavelmente, terá seus desafios até a
quezas da graça de Cristo, e pela igreja volta do Senhor. Esperamos que o leitor
será finalmente exibida a última e plena possa usar esse material para entender e
manifestação do amor de Deus ao mundo, responder a qualquer grupo “de reforma”
que deve ser iluminado por Sua glória.16 que procura trabalhar prejudicando líderes
e dividindo congregações.
Visto que a Igreja Adventista do Sétimo
Dia é composta de seres humanos falíveis, Em princípio, pode ser observado que
tanto líderes como membros, ela não atin- este documento foi preparado com espí-
giu ainda a perfeição. Mas apesar de suas rito de amor e preocupação – não de hos-
falhas, Deus a ama e continua a trabalhar tilidade ou vingança. Parece apropriado
por meio dela para cumprir seus misericor- terminar com uma mensagem de apelo a
diosos planos para com os seres humanos. esses grupos.
“A igreja, débil e defeituosa, precisando ser
repreendida, advertida e aconselhada, é o Apelo
único objeto na Terra ao qual Cristo con-
fere sua suprema consideração”.17 Quando
os membros percebem fraqueza na igreja, Queridos irmãos e irmãs afastados:
deveriam se lembrar de que a igreja de La-
Não nos ataquem. No final todos quere-
odicéia é a manifestação final do corpo de
mos a mesma coisa – o término da procla-
Cristo, e tornar-se-á a igreja vitoriosa.
mação do evangelho, o retorno de Jesus e
Essas organizações dissidentes causam uma gloriosa eternidade junto com Ele e
divisões na igreja quando insistem que uns com os outros. Preguem e publiquem
suas interpretações da Bíblia e do Espírito o seu chamado a um padrão mais elevado
de Profecia são as únicas verdadeiras. Eles de santidade.
formaram a sua própria versão do “adven-
Expliquem suas compreensões teoló-
tismo histórico”. Eles corroem a confian-
gicas particulares, mas permitam que ou-
ça na igreja quando acusam de “aposta-
tros membros igualmente sinceros tenham
sia” pastores e líderes que não concordam
também suas opiniões e ainda sejam con-
com eles. Eles ameaçam a viabilidade da
tados como seus irmãos e irmãs em Cristo.
igreja quando encorajam os membros a
Em outras palavras, sejam tolerantes nos
desviarem seus recursos financeiros da
pontos que a igreja deixou em aberto.
obra organizada para as suas tesourarias
particulares. Assim, eles espalham a se- Nunca procurem destruir a confiança
mente da desunião. Embora cada adven- no ministério ou na liderança da igreja,
tista do sétimo dia deva consultar sua pró- pois isso poderia causar aos membros
pria consciência para decidir o que fazer “fracos” a perda total da fé e o afasta-
quanto à mensagem, a igreja produziu este mento da igreja de Deus. Se vocês virem
documento para que todos possam ver os erros em indivíduos, sigam o conselho
fatos sob a verdadeira luz, e ter uma base de Cristo em Mateus 18, mas nunca di-
adequada para tomar suas decisões. vulguem o assunto. E nunca encorajem
os membros a se desviarem do tesouro
As organizações particulares mencio-
de Deus e enviarem a vocês seus dízimos,
nadas neste documento representam as
pois isso não é o plano de Deus. Vamos
preocupações mais prementes. Porém os
trabalhar juntos – em unidade, mas não
princípios aqui declarados são aplicáveis
necessariamente em uniformidade – para
em uma escala bem mais ampla. A Igreja
concluirmos nossa missão.
Adventista do Sétimo Dia tem tido seus
difamadores ao longo de sua história, e, Nós os amamos. Sua igreja.
Ministérios independentes / 89
ser incluídas nesse documento devido à limitação pendent] Ministries”, Our Firm Foundation 5, Nº 3
de espaço. Traduzido do original em inglês por (março 1990), 12, 13.
Telma Witzig e Débora Siqueira, com revisão de 12
Ibid., 14. Itálicos acrescentados.
Alberto R. Timm.
13
John Grosboll, “Has God Ordained Indepen-
2
Our Firm Foundation 3, Nº 9 (setembro 1988): dent Self-Supporting Work?”, Our Firm Founda-
3. Itálicos acrescentados. tion 7, Nº 2 (1992), 8.
3
As citações que seguem são de Ralph Lar- 14
Comissão Executiva da Associação da Flóri-
son, “Heresies Will Come In”, Our Firm Foun- da, voto 90-55.
dation 6, Nº 2 (fevereiro 1991), 16-20. Itálicos
acrescentados.
15
Associação Geral dos Adventistas do Sétimo
Dia, Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia,
4
Review and Herald, 8 outubro 1861; citado de (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, rev. 2001),
M. E. Olsen, The Origin and Progress of Seventh- 186.
day Adventists (Washington, DC: Review and Her-
ald, 1925), 251; também citado na SDA Encyclope-
16
Ellen G. White, Testemunhos para Ministros
dia, rev. ed. (Washington, DC: Review and Herald, e Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP, Casa Publicado-
1976), 358. ra Brasileira, 1993), 50.
5
Citado aqui do Apêndice A de Gary Land, ed.,
17
Ibid., 49.
91
obreiro auto-sustentado, foi, após sua con- se unir à igreja: que “Jesus tomou sobre si
versão, levado pelo Senhor a uma ligação nossa natureza pecaminosa”. Tal declara-
permanente com a igreja. Nesse contexto ção nunca fez parte do voto batismal ad-
lemos o seguinte: ventista do sétimo dia ou de declarações
oficiais de crenças fundamentais. Tal mu-
Deus fez de sua igreja na Terra um dança ilustra uma independência da igreja
conduto de luz, e, por intermédio dela,
comunica seus desígnios e sua vonta- em questões doutrinárias ao eles constitu-
de. Ele não dá a um de seus servos uma írem seus próprios conceitos a respeito de
experiência independente da experiên- testes de fé, independentemente do restan-
cia da própria igreja, ou a ela contrária. te da igreja.
Nem dá a um homem um conhecimen- 2. O voto que trata do dízimo não iden-
to de sua vontade para toda a igreja, tifica a igreja como o repositório do dízi-
enquanto esta – corpo de Cristo – é
mo, como no voto batismal oficial.
deixada em trevas. [...]
3. Nesse voto batismal reformulado, a
Tem havido sempre na igreja os que IASD não é mencionada. É mencionada a
estão constantemente inclinados à inde- igreja remanescente, mas esta nunca é iden-
pendência individual. Parecem incapazes tificada com a IASD. A questão fundamen-
de compreender que a independência de tal aqui é sobre a natureza e autoridade da
espírito é susceptível de levar o instrumen- igreja e onde tal autoridade reside. Aqueles
to humano a ter demasiada confiança em que promovem o uso desse voto batismal
si mesmo e em seu próprio discernimento, reformulado demonstram não reconhecer a
de preferência a respeitar o conselho e esti- autoridade da IASD organizada.
mar altamente a maneira de julgar de seus
irmãos, especialmente os que se acham d) Redefinição do termo “casa do
nos cargos designados por Deus para guia tesouro”
de seu povo. Deus investiu sua igreja de
O sustento financeiro dessas organi-
especial autoridade e poder, por cuja des-
zações provém, não de seus próprios re-
consideração e desprezo ninguém se pode
cursos, nem de ofertas de membros da
justificar; pois aquele que assim procede,
igreja, mas dos dízimos. Algumas de suas
despreza a voz de Deus.
publicações redefinem a “casa do tesou-
Os que são inclinados a considerar ro” como sendo qualquer instrumento de
como supremo seu critério individual, Deus que proclame “a verdade presente
acham-se em grave perigo (Atos dos Após- sem adulterações”. Se intencionalmente
tolos, 163, 164). ou não, a influência de tais literaturas en-
coraja os membros a redirecionar seus dí-
c) Reformulação do voto batismal zimos da “casa do tesouro”, que é a igreja,
para investir nesses ministérios indepen-
Colin Standish, utilizando o Manual
dentes ao invés de na igreja.
da Igreja de 1932, além de outras fontes,
escreveu um voto batismal. O exame des- e) Promoção de reuniões campais
se voto batismal revela que ele é signifi- próprias
cativamente diferente do que é encontra- Todo ano eles promovem suas próprias
do no atual Manual da Igreja, e aprovado campais, freqüentemente sem o assentimen-
pela igreja mundial. Entre as diferenças to da administração da Associação. Eles ex-
estão as seguintes: pressam que a necessidade de tais campais
1. Uma nova crença fundamental foi surge de sua percepção de que a IASD está
acrescentada como algo obrigatório para em apostasia, e, dessa forma, é incapaz de
Relatório sobre a Hope International / 95
Referência
1
Traduzido do original em inglês por Rita C.
Timóteo Soares.
97
Resenha:
Tocado por Nossos Sentimentos
Denis Fortin, Ph.D.
Professor de Teologia Histórica do Seminário Teológico Adventista
da Andrews University, EUA.
Zurcher, Jean R. Tocado Por Nossos reza divina de Cristo e afirma que muitos
Sentimentos: Uma pesquisa histórica do dos primeiros teólogos adventistas, com
conceito adventista sobre a natureza hu- exceção de Ellen G. White, tinham uma
mana de Cristo. Trad. César Luís Pagani visão semi-ariana da divindade de Cris-
(Medianeira, PR: 1888 GEM Grupo de to. Na segunda parte, Zurcher examina a
Estudos de Mensagem da Justiça de Cris- cristologia de pioneiros adventistas como
to, 2002), 250 páginas, brochura, sem in- Ellen G. White, Ellet J. Waggoner, Alon-
dicação de publicadora. zo T. Jones, e William W. Prescott. A ter-
ceira parte apresenta extratos das publica-
Poucos assuntos têm gerado mais polê- ções da igreja sobre a natureza humana de
mica no meio adventista do que as discus- Cristo de 1895 a 1952. A quarta parte é
sões sobre a natureza humana de Cristo. a mais ampla e trata da controvérsia pro-
Por décadas os adventistas têm debatido vocada pelo livro Questions on Doctrine
se a natureza de Cristo era idêntica à de (1957), reações à sua publicação e as po-
Adão antes da queda (pré-lapsarianismo), sições teológicas atuais. A última seção é
ou à de Adão após a queda (pós-lapsa- o apelo de Zurcher por um retorno ao que
rianismo), ou mesmo alguma forma de ele considera ser a “autêntica” cristologia
posição intermediária. Embora muitos [pós-lapsariana], como, ainda segundo
fatores teológicos influenciem esse deba- ele, ensinada antes da década de 1950.
te, a questão em jogo é se Cristo pode ser Deixando de lado algumas traduções
verdadeiramente um exemplo moral para inadequadas de expressões da língua fran-
a humanidade. O livro mais recente nesse cesa, o livro de Zurcher é uma significa-
debate é a obra do experiente teólogo Jean tiva pesquisa histórica e busca apresentar
R. Zurcher traduzida do francês para o in- aquilo que ele entende ser o desenvolvi-
glês sob o título Touched With Our Fee- mento do pensamento adventista sobre a
lings [e do inglês para o português como natureza humana de Cristo. Sua pesquisa
Tocado Por Nossos Sentimentos]. Em sua em numerosas publicações apresenta um
análise histórica do pensamento adven- quadro impressionante ao leitor contem-
tista sobre a natureza humana de Cristo, porâneo, não familiarizado com os escritos
Zurcher procura resolver a questão argu- sobre a natureza de Cristo. Suas compara-
mentando que o pensamento adventista ções de diferentes edições de documen-
evoluiu, durante o último século e meio, tos e livros adventistas, como os Estudos
de uma posição estritamente pós-lapsaria- Bíblicos (p. 112-114), ilustram alegadas
na para as concepções atuais. mudanças no pensamento adventista a
Os dezesseis capítulos do seu livro es- respeito da natureza de Cristo. As evidên-
tão agrupados em cinco partes. A primeira cias histórias e teológicas apresentadas
analisa a discussão teológica sobre a natu- pelo autor são consideráveis. Embora o
98 / Parousia - 1º semestre de 2008
autor pareça apresentar uma solução au- entanto, ele deixa de reconhecer que na
toritativa ao debate, demonstrando como carta a Baker ela se opõe categoricamente
teólogos adventistas nas décadas de 1950 a uma completa semelhança entre Cristo
e 1960 “abandonaram” a compreensão e os seres humanos pecaminosos, mesmo
tradicional da natureza humana de Cristo, na maneira pela qual Ele foi tentado. En-
a referida obra está longe de ser neutra e quanto os primeiros adventistas inseriam
imparcial. A maneira como ele aborda as suas discussões cristológicas no contexto
posições de vários teólogos é claramente das doutrinas da salvação e da escatologia
polêmica. Mesmo o prefácio escrito por (como eles podiam seguir o exemplo de
Kenneth Wood, ex-editor Adventist Re- Cristo para vencer as tentações e o peca-
view, define o teor da abordagem: a obra do em preparação para o segundo advento
apóia a posição pós-lapsariana. de Cristo), as discussões após a década de
Embora Zurcher deva ser congratulado 1950 têm-se situado freqüentemente no
por sua pesquisa do assunto, sua obra, no contexto da doutrina do homem e de como
entanto, é fraca em algumas áreas impor- o pecado nos afeta, e até que ponto a natu-
tantes. A maior fraqueza é a sua aborda- reza de Cristo foi ou não afetada pelo pe-
gem das declarações de Ellen White sobre cado. Zurcher comenta essa “significativa
a natureza humana de Cristo, que são o mudança teológica”, causada em grande
ponto focal dessa controvérsia adventista. medida pela redescoberta da carta de El-
No seu capítulo sobre a Cristologia de El- len G. White a Baker, mas não consegue
len G. White (p. 35-47), Zurcher apresen- reconciliar essa mudança, e a considera
ta uma síntese do pensamento dela, des- antitética à posição adventista inicial.
tacando as semelhanças entre a natureza Zurcher não apenas evita uma exposi-
humana de Cristo e a nossa. Mas ele evita ção clara da carta a Baker, mas também
qualquer menção de outras declarações a cita de forma distorcida e fora do con-
que enfatizam as diferenças entre a natu- texto. Em sua “Avaliação e Crítica”, ele
reza de Cristo e a nossa. Além do mais, discute o atual hibridismo teológico de
entre várias declarações explícitas apoian- que Cristo tinha uma natureza física pós-
do a posição adventista pré-lapsariana, lapsariana e uma natureza moral pré-lap-
claramente assumida desde a década de sariana. Duas vezes Zurcher cita a carta
1950, a carta de Ellen G. White de 1895 a Baker em apoio ao seu conceito de que
a W. H. L. Baker é aqui completamente tal posição é historicamente inválida e que
ignorada. Zurcher algumas vezes discute Ellen G. White não cria em uma natureza
o conteúdo e as implicações dessa carta moral pré-lapsariana. Ele argumenta que
em outros lugares ao longo do livro, mas LeRoy Froom distorceu o pensamento de
nunca de forma clara e sistemática. Isto, Ellen G. White ao citar a carta a Baker (p.
creio eu, é uma grande omissão. 212-213). Mas, para provar o seu ponto de
Á semelhança de muitos outros teó- vista, Zurcher cita apenas parte da mesma
logos pós-lapsarianos, Zurcher deixa de carta e deixa fora duas importantes sen-
considerar como Ellen G. White apre- tenças curtas nas quais Ellen G. White
senta uma tensão entre as semelhanças e estabelece um contraste marcante entre
as diferenças entre a natureza de Cristo a natureza de Cristo e a nossa. O mes-
e a nossa. A maioria de suas declarações mo ocorre também nas páginas 215-216.
destacando as semelhanças com a nossa Aqui o autor procura distinguir, entre as
natureza foi feita no contexto das discus- expressões de Ellen G. White, “propen-
sões sobre como Cristo foi tentado a pecar sões herdadas” e “más propensões”, ar-
exatamente como nós o somos. O autor gumentando que “‘propensões herdadas’
dá um bom exemplo na página 232. No tornam-se ‘más propensões’ apenas após
Resenha do livro Tocado por Nossos Sentimentos / 99
cessão à tentação”. Então ele cita a car- pós-lapsariana. Mas como muitos ou-
ta a Baker, deixando de incluir uma sen- tros livros, ele deixa de ser convincente,
tença na qual Ellen G. White conecta as pelo fato de abordar o assunto de forma
tentações de Cristo no deserto com as de tendenciosa. O livro está tão preocupado
Adão no Éden. A distinção entre “propen- em fazer da nossa natureza humana peca-
sões herdadas” e “más propensões” não é minosa o padrão para medir a natureza de
apoiada por Ellen G. White nessa carta. Cristo que deixa de mostrar como a huma-
Pelo contrário, ela usa as duas expressões nidade de Cristo é o padrão verdadeiro e
como sinônimos ao argumentar que Cristo não adulterado pelo qual nós devemos ser
não possuía essas propensões. Em ambos medidos.
os casos, Zurcher viola o contexto para
manter seus próprios pontos de vista. Fonte: Andrews University Seminary
Este livro certamente será tido como Studies, vol. 38, n°. 2 (outono de 2000),
uma das melhores apologias à posição 342-344.