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S:

|° SEMESTRE DE 2008

Editorial

ARTiGOS

A encamação e o `Filho do Homem'


F orr+e.. Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine

A natureza de Cristo: a questão soteriológica


Kuabena Donkor, Ph.D.

Que natureza humana Jesus assumiu? Não caída


Benj amin Rand (pseudônímo)

Cristo e os cristãos
Amin A. Rodor, Th.D.

Uma avaliação da atitude de alguns ministérios independentes contra a lgreja 75


Divisão Norte-Americana da IASD

Relatório sobre a organização Hope lntemational e grupos associados 91


Comissão Administrativa da Associação Geral da IASD

F+eserLha do tiNro T:ocado por Nossos Sentimentos


Denis Fortin, Ph.D.
EDITORIAL / 5

EDITOHAL

Desde a publicação do livro Seve#Jhc7iq/ ,4dve7?Íz.sÍs ,4#swer 0%es/7.o72s o# Doc#z.7ce,' há


50 anos, os adventistas têm debatido se a natureza assumida por Cristo na encamação era
idênticaàdeAdãoantesdaquedaúre'-/czp§c}rí.cr7%.smo),depoisdaqueda®ós-/c7p§cmJ.c]7?!.smo),
ou mesmo outra posição intermediária. Contrariamente à idéia em geral divulgada por
pós-lapsarianos como Jean Zurcher, em seu rocac7o por Nossos Se#/;.7#e#/os,2 a década de
1950, com o surgimento de 0%cs/z.o77s o/ DocÍ7.j#e, não testemunhou nenhuma mudança na
posição mantida pela lgreja quanto à natureza de Cristo, ou o aparecimento de uma nova
cristologia. Houve, neste período, pela atitude reacionária de alguns estudiosos como M. L.
Andreasen,3 apenas a polarização das duas posições já encontradas no período anterior.

A idéia de que Cristo assumiu a natureza humana caída pode ser traçada, no adventismo,
a partir de dois nomes principais: J. E. Waggoner, e A. T. Jones. Como demonstrado por
George Knight - provavelmente o autor que melhor tem estudado a questão -, o tema
da natureza humana pecaminosa de Cristo #Õo foi díscutido na histórica assembléia de
Minneápolis, em 1888. No entanto, os pós-lapsarianos sustentam a tese contrária, na
tentativa de capitalizar o endosso de Ellen G. White à posição dos dois jovens mensageiros
de Minneápolis em relação ao debate sobre justificação pela fé. Knjght observa que foi
apenas ao redor de 1895 que Jones passou a apregoar "a total semelhança de Cristo com
os outros seres humanos como central à sua apresentação do tema dajustificação pela fé".4
Realmente, foí na assembléia da Associação Geral de 1895 que Jones dísse em um dos seus
sermões: "A natureza de Cristo é precisamente a nossa natureza. Em sua natureza humana
não há nem uma partícula de diflerença entre Ele e vós."
Éclaroqueparadefenderateoriapós-lapsariana,representantesdoalegado"adventismo
histórico" omitem completamente a reação de muítos delegados da Assembléia de 1895
contra a teoría de Jones. Este foi confrontado por alguns delegados com um texto claríssimo
de Ellen G. White: "Ele [Cristo] ... é um jrmão em nossas fraquezas, mas não em possuir
idênticas paixões. Sendo sem pecado, sua natureza recuava do mal."6 É quase inacreditável
o fato de que Jones buscou então se evadir à força do argumento apresentando uma resposta
em curva na qual tentou criar uma precária e absurda distinção entre a carne de Cristo e
a sua mente, num tipo de apolinarianismo piorado. Em prejui'zo das pretensões de seu
próprio autor, esse raciocínio leva ironicamente à conclusão de que se Cristo tínha outra
mente, "a mente de Cristo Jesus", então havia mais "que uma partícula de diferença" entre
Ele e nós.7

No final de 1895 ou início de 1896, Ellen G. White escreveu sua hoje famosa carta a
W. L. H. Baker,8 que contém cinco parágrafos cristológicos devastadores para a teoria
pós-lapsariana, expondo sua posíção doutrinária quanto à natureza de Cristo com uma
clareza inegável. Até hoje essa carta tem suscitado no pós-/crpscrrj.cz#í.smo apenas respostas
curvilíneas, quando não completa desconsideração de suas afirmações. 0 curjoso é que, por
mais claras que sejam, tais citações não são suficientes para convencer os pós-lapsarianos
dos movimentos dis'sidentes, tais como o Hartland lnstítute e outros do gênero. Eles não
apenas acabaram canonizando Jones e Waggoner, tomando-os seus padroeiros, mas
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adotaram o seu espírito evasivo, além de anexarem ao cânon pós-lapsariano a figura de M.


L. Andreasen e sua também precária teoria perfeccionista da última geração.

0 material selecionado para esta edição de Pczrowsj.c7 muito auxiliará o leitor no


esclarecimentodesuasdúvidasquantoaessaquestãofimdamental,quesetornouesfiimaçada
pela grande diversidade de opiniões, várias delas articuladas por mera paixão e com base
apenas em suposições. Alguns dos artigos aqui incluídos chamam a atenção para argumentos
de força extraordinária. Cristo não poderia partilhar da nossa natureza pecaminosa por duas
razões fimdamentais: em primeiro lugar s%c7 z.dc#/z.dcrc7e, e, em segundo, szm mí.ssÕo. Assim,
sendo qg/em Ele era na encamação, um ser santo, exclusivo e único, o mo#oge#es c7e De%5,
gerado pelo Espírito Santo (Lc 1 :35), Jesus é radicalmente diferente de todos os outros, os
quais desde o nascimento foram marcados por um sério c7e/ei./o c7e/ãórj.cc7 (S151 :5). Além
disto, embora fosse %m co#osco, para que pudesse ser nosso Salvador e realizar sua missão
de resgate, Ele #Ôo poc7erz.cz ser %m c7e #ó§. E isto está de- acordo com a própria tipologia
do Antigo Testamento (Lv 22:20), e também é evidente em textos tais como Romanos 8:3
e Hebreus 7:26. Tivesse Cristo vindo com a nossa natureza degenerada, Ele seria parte do
problema do pecado, e não a solução para ele.
Contudo, não é apenas a cristologia -bíblica ou de Ellen G. White -que se ergue no
caminho do pós-/c}psc7rj.cÍ7?z.smo como obstáculo intransponível. A própria antropologia
bíblica, tradicionalmente não explorada, seriamente desacredita a noção de que Cristo
tenha sido absolutamente igual a todos os membros da humanidade caída. Quem
é o homem depois da queda? Não precisamos ir muito longe em nosso estudo das
Escrituras para descobrir a condição de cada descendente de Adão. Somos vítimas de
uma enfermidade maligna e devastadora, que afetou radicalmente a nossa orientação
espiritual e se tornou a natureza primária de todos, desde o nascimento. 0 planeta Terra
tornou-se habitado por uma raça rebelde, de cuja natureza em revolta contra Deus,
Cristo não poderia participar. "Desde a planta do pé até a cabeça não há no Ãomem coisa
sã, senão feridas, contusões, chagas podres..." (Is 1:5, 6). "Todos se extraviaram e se
fizeram inúteis" (Rm 3: 12). Uma verdadeira multidão de textos bíblicos descrevendo
o homem sob o pecado não tratam apenas de peccrc7os-atos, mas de pecoc7o-estado,
condição.9 Poderia Cristo ser descrito por meio destes textos? Deveríamos dizer que
Ele também foi "concebido em pecado" (Sl 51:5)? Dele também seriam exigidos
conversão e novo nascimento, como ocorre com todos os demais (Jo 3:5-7)? Afirmar
que Cristo foi pecaminoso, em qualquer sentido preciso da palavra, é colocá-lo em
linha de colisão com o Pai, o que contraria a ortodoxia bíblica.

Ellen G. White também não deixa qualquer dúvida quanto à condição de todos os
homens, em solidariedade com o primeiro Adão, e participantes na era da morte: "No
seu âmago, a natureza humana foi corrompida. Desde então, o pecado alcançou todos os
homens." Para ela, o egoísmo, profiindamente arraigado em nosso ser, "nos veio por
herança",[' e, ainda, "com relação ao primeira Adão os homens nada receberam dele, senão
a culpa [conseqüências] e a sentença de morte".'2 Comentando Gênesis 3:15, Ellen G.
White observa: "Não existe, por natureza, nenhuma inimizade entre o homem pecador e o
originador do pecado." De fato, o que existe naturalmente entre os homens e a serpente
é amizade, bem como o instinto de satisfazer os c7ese/.os c7o cor#e. "Mas em Cristo esta
inimizade era em certo sentido natural .... E nunca se desenvolveu a inimizade a ponto tão
notável como quando Cristo se tornou habitante da terra."t4 E, poilanto, "não devemos ter
dúvidas acerca da perfeita ausência de pecado na natureza humana de Cristo".'5
EDITORIAL / 7

Incluímos, aínda, nesta edição de Pcrroc/sJ.cz as declarações oficiais da Divisão Norte-


Americana e da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia quanto ao caráter
dissidente de vários dos assim chamados "ministérios independentes". Dentre eles, o
Hartland lnstitute - sediado no estado de Virgínia, EUA, mas hoje presente em algumas
partes do Brasil e do mundo -, usa camuflagem de "parceiro adventista" para desorientar
os desavisados, oferecer "cursos" de catequese às suas teorias, sabotar os esforços do
remanescente, infiltrar seus agentes em congregações adventistas despreparadas para a
nova estratégía, e, finalmente, criar a agitação perfeccionista. Não dizemos estas coisas
usando de malícia contra quem quer que seja, mas para que não incorramos em julgamento
divino por conhecer a verdade e nada dizer sobre ela. Diz-se que os lugares mais quentes
no lago de fogo serão reservados para os que, em situações de crise, falsearam a verdade e
falharam em assumir posição clara.
Desejamos que os nossc>s leítores sejam grandemente abençoados por este número da
revísta teológica do Salt-Unasp, e que a verdade, mas uma vez, tenha impacto libertador.

Fratemalmente,
Amin A. Rodor

REFERÊNCIAS
' Preparado por um grupo representativo de líderes e acadêmicos adventistas do sétimo dia, Seve#fÁ-c7q;
Ád;e#/!.s!Ís j4#swer 0%csÍ!.o" om Docírí.#e (Washington, DC: Revjew and Herald Association,1957).
2 Jean R. Zurcher, rocczdo Por jvoLsso§ Se#/j.me#Íos, sem indicação de editora ou data de publicação.

3 Para uma síntese da teologia de M. L. Andreasen, veja Roy Admams, 7lúe Na/wre o/CÃrz.s/ (Hagerstown,
MD: Review and Herald Publishing Association, 1994), 37 a 54. É de Andreasen que os ministérios indepen-
dentes derivam grande parte de sua teoria perfeccionjsta, que tem resultado divisivo na igreja. E nisto eles
imítam não a Cristo, mas o caráter contencioso do próprio Andreasen, assím como anteriormente, o tinham
imitado de Jones.
4 George Knight, From /888 /o Áposciíc}s)/, ÍÁe Cc}§e Á. 7: /o#ef (Hagerstown, MD: Review amd Herald
Publishing Association,1987),136. Knight observa que a ênfase na igualdade de Cristo conosco está ausente
nos escritos de Jones anteriores a 1894 (íbídem).
5 Gc#erci/ Co#/e#f.#ce 8%//ef].m, 1895, 231, 233, 436, citado também por Kníght (ibidem).

6 Ellen G. White, res/cmwmÁos pczrc} c} Jg"e/.a (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), 2: 202.

7 Segue reproduzjda a incrível explicação de Jones: "Agora, quanto a Cristo não ter `pajxões semelhantes'
às nossas: Nas Escrituras Ele é como nós, e conosco de acordo com a carne . . . [mas] não vá tão longe. Ele foi
feito em semelhança à came pecaminosa. Mas não prenda sua mente a jsto. Sua came foi como a nossa; mas
sua mente foi `a mente de Cristo Jesus' .... Se Ele tivesse assumido a nossa mente, como então poderíamos ser
objeto da exortação `haja em vÓs a mesma mente que houve em Cristo Jesus' ? ` . . Mas que tipo de mente é a
nossa? Oh, está é corrompida pelo pecado" (Ge#erc]/ Com/ere#ce Bw//cÍz.#, 1895, 312, 327; veja Knight, From
/888 /o ,4poscr/as};, ÍÁc Case J4. r /o#es, 138). Como poderia Cristo ter sido cem por cento igual aos demais,
"sem uma partícula de diferença", se Ele tinha uma mente djferente da nossa, não afetada pelo pecado? É preci-
samente este típo de teimosia e incosistência lógica que constituem o maior legado de Jones aos seus seguidores
atuais, incapazes de ser convencidos mesmo diante dos mais compelentes argumentos. Apolinário, pai de uma
heresia cristológica, foi condenado por fazer diferença entre a mente de Cristo, ocupada pelo £ogos, e o seu
corpo (s'omcr) e alma/sentimentos ®s}Jq#c).
8 / PARousiA -1° SEMESTRE bE 2008

8 Para detalhes sobre a carta a Baker, veja nesta edição de Pczrowsi.cr, o artigo de Amin A. Rodor, "Cristo e
os Cristãos".
0 veja 0 mesmo artigo.

[° Ellen G. White, Rev;.ew cr#cÍ fJerc}/d,16 de abril de 1901.

[' Idem, fJz.síorz.ccr/ Skc/cAcs (Basle: Imprimerie Polyglotte,1886),138-139.

`2 Idem, Or;.e#ÍczÇÕo dc} Crj.cz#Çc[ (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,1992), 475.

'3 Idem, 0 Gra#de Co#/f./o (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001 ), 505.

[4 Idem, Á4c"ogew Esco/Áz.cJcrs (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,1966),1 :254.

i5 ibid., 256.
A encarnação
e o ‘Filho do Homem’

Texto extraído da obra Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine1

Resumo: Este artigo trata do tema da en- como o fato mais estupendo, em si mesmo
carnação de Jesus Cristo. O autor investi- e em suas conseqüências, na história do
ga inicialmente o significado da expressão homem, e a chave para todas as provisões
“Filho do Homem” usada por Jesus em redentoras de Deus. Tudo antes da encar-
referência a si mesmo, considerando, em nação conduzia a ela; e tudo o que segue
seguida, a natureza e o propósito da união depois resulta disto. Ela reforça a totali-
divino-humana em sua pessoa. Baseando- dade do evangelho, e é absolutamente es-
se em diversas citações de Ellen G. White sencial à fé cristã. Esta união da Divinda-
e de outros escritores, o artigo procura elu- de com a humanidade – do Infinito com
cidar questões importantes tais como a da o finito, do Criador com a criatura, a fim
natureza da expiação, se a humanidade de de que a Divindade pudesse ser revelada à
Cristo tinha ou não tendência pecaminosa, humanidade – supera nossa compreensão
e se Ele podia ou não cair em pecado. humana. Cristo uniu o Céu e a Terra, Deus
Abstract: This article deals with the to- e o homem, e sua própria Pessoa por meio
pic of Jesus Christ’s incarnation. First, the desta provisão.
author investigates the meaning of the ex- Além disso, em sua encarnação Cristo
pression “Son of man” used by Jesus in se tornou o que Ele não era antes. Ele to-
reference to himself, considering, next, mou sobre si uma forma humana corporal
the nature and the purpose of the divi- e aceitou as limitações da vida humana
ne-human union in his person. Based on corporal como o modo de existência en-
many references of Ellen G. White and quanto esteve na Terra entre os homens.
other writers, the article aims to elucida- Desse modo, a Divindade se uniu à huma-
te important issues such as the nature of nidade em uma pessoa ao tornar-se Ele o
expiation, whether or not the humanity único Deus-homem. Isto é básico em nos-
of Christ had a sinful tendency and if he sa fé. A vicária morte expiatória de Cris-
could or not fall into sin. to na cruz foi o inevitável resultado desta
provisão primária.
Introdução Ademais, quando Cristo se identificou
com a raça humana através da encarnação,
A Palavra Inspirada e a Palavra Encar- a eterna Palavra de Deus entrou nas rela-
nada, ou a Palavra que se fez carne, são ções terrestres de tempo. Mas desde en-
colunas gêmeas na fé dos adventistas do tão, desde que o Filho de Deus se tornou
sétimo dia, em comum com todos os ver- homem, Ele não deixou de ser homem.
dadeiros cristãos. Toda a nossa esperan- Adotou a natureza humana, e quando re-
ça de salvação repousa sobre estas duas tornou para seu Pai, não somente levou
imutáveis provisões de Deus. Realmen- consigo a humanidade que havia assumi-
te, consideramos a encarnação de Cristo do na encarnação, mas reteve sua perfei-
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ta natureza humana para sempre – desde “semelhança” da carne pecaminosa (Rm


então identificando-se eternamente com a 8:3), mas não tendo uma só mancha de
raça que Ele havia redimido. Isto tem sido suas depravadas propensões e paixões.
bem expresso por um dos nossos mais
preeminentes escritores, Ellen G. White: A primeira vez que o título “Filho do
“Ao tomar a nossa natureza, o Salvador Homem” aparece no Novo Testamento
ligou-se à humanidade por um laço que é aplicado a Jesus como um errante sem
jamais se partirá. Ele nos estará ligado por lar, sem um lugar onde reclinar a cabe-
toda a eternidade”.2 ça (Mt 8:20); a última vez como um rei
glorificado que retorna (Ap 14:14). Foi
como o Filho do Homem que veio para
O Filho de Deus torna-se o Filho salvar o perdido (Lc 19:10). Como Filho
do Homem do Homem Ele reivindicou a autoridade
de perdoar pecados (Mt 9:1-8). Como Fi-
Por meio da encarnação, a majestade e lho do Homem Ele semeou a semente da
glória da Palavra Eterna, o Criador e Se- verdade (Mt 13:37), foi traído (Mt 17:22;
nhor do Universo (Jo 1:1-3), foi velado. Lc 22:48), foi crucificado (Mt 26:2), res-
E foi então que o Filho de Deus tornou-se suscitou dos mortos (Mc 9:9), e subiu ao
o Filho do Homem – termo usado mais Céu (Jo 6:62).
de oitenta vezes no Novo Testamento.
Tomando consigo a humanidade, Ele se É igualmente como Filho do Homem
tornou um com a raça humana para que que Ele está agora no Céu (At 7:56) e vigia
pudesse revelar a paternidade de Deus ao sua igreja na Terra (Ap 1:12, 13, 20). Além
homem pecador e para que pudesse redi- disso, é como o Filho do Homem que Ele
mir a humanidade perdida. Em sua encar- voltará nas nuvens do céu (Mt 24:30; 25:3).
nação Ele se tornou carne. Tinha fome, E como Filho do Homem Ele executará
sede e cansaço. Necessitava de alimen- juízo (Jo 5:27) e receberá o seu reino (Dn
to e repouso e era revigorado pelo sono. 7:13, 14). Este é o registro inspirado de seu
Participou da sorte do homem, anelando papel como Filho do Homem.
por simpatia humana e precisando de
assistência divina. Contudo, Ele sempre Miraculosa união do divino e o
permaneceu o inocente Filho de Deus. humano

Peregrinou na Terra, foi tentado e Cristo Jesus nosso Senhor foi uma
provado, e foi tocado pelos sentimentos miraculosa união da natureza divina
de nossas fraquezas humanas, todavia com a nossa natureza humana. Ele era
Ele viveu uma vida inteiramente livre de o Filho do homem enquanto esteve aqui
pecado. Possuía uma real e genuína na- na carne, mas era também o Filho de
tureza humana, uma que deve passar pe- Deus. O mistério da Encarnação é ex-
los vários estágios de crescimento, como presso clara e definitivamente nas Sa-
qualquer outro membro da raça. Estava gradas Escrituras.
sujeito a José e Maria, e foi um adorador
na sinagoga e no Templo. Chorou sobre “Grande é o mistério da piedade: Deus
a culpada cidade de Jerusalém e junto à foi manifestado na carne” (1Tm 3:16).
sepultura de um ente querido. Expressou “Deus estava em Cristo” (2Co 5:19). “A
sua dependência de Deus pela oração. Palavra se fez carne, e habitou entre nós”
Contudo, ao mesmo tempo reteve sua (Jo 1:14).
divindade – o único exclusivo Deus-ho- Que maravilhosa verdade! Isto foi men-
mem. Ele era o segundo Adão, vindo na cionado por Ellen G. White como segue:
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 11

Ele revestiu sua divindade com a humani- divina não pode haver dúvida. Que era
dade. Era todo o tempo como Deus, mas assim de sua natureza humana também é
não aparecia como Deus. Velou as demons- verdade. Em seu desafio aos fariseus de
trações da divindade que haviam ordenado seus dias, Ele disse: “Quem dentre vós
a homenagem e provocado a admiração do me convence de pecado?” (Jo 8:46). O
Universo de Deus. Ele era Deus enquanto
apóstolo aos gentios declarou que Ele
esteve sobre a Terra, mas despojou-se da
forma de Deus, e em seu lugar tomou a
“não conheceu pecado” (2Co 5:21); que
forma e o aspecto de um homem. Andou Ele era “santo, inculpável, sem mancha,
na Terra como um homem. Por amor a nós separado dos pecadores” (Hb 7:26). Pe-
tornou-se pobre, para que por meio da sua dro pôde testificar que Ele “não cometeu
pobreza nós pudéssemos enriquecer. Pôs pecado” (1Pe 2:22); e o amado João nos
de lado sua glória e majestade. Ele era assegura que “nele não existe pecado”
Deus, mas das glórias da forma de Deus (1Jo 3:5). Mas não somente seus amigos
por algum tempo abdicou.3 enfatizaram a impecabilidade de sua na-
Quanto mais refletimos sobre Cristo se tureza; seus inimigos também a declara-
tornando um bebê aqui na Terra, mas ma- ram. Pilatos foi forçado a confessar que
ravilhoso isto parece. Como pode ser que o não encontrou nele “nenhuma culpa” (Lc
desajudado bebê na manjedoura de Belém 23:14). A mulher de Pilatos advertiu seu
é ainda o divino Filho de Deus? Embora esposo a não se envolver “com esse jus-
não possamos compreender, podemos crer to” (Mt 27:19). Até mesmo os demônios
que aquele que criou os mundos, por amor foram compelidos a reconhecer sua filia-
a nós tornou-se um indefeso bebê. Apesar ção e portanto sua divindade. Quando fo-
de mais elevado do que qualquer um dos
ram ordenados a sair do homem a quem
anjos, embora tão grande como o Pai no
trono do Céu, Ele se tornou um conosco. haviam possuído, eles retorquiram: “Que
Nele Deus e o homem se tornaram um, e temos nós contigo, ó Filho de Deus!” O
é neste fato que encontramos a esperança evangelho de Marcos diz “o Santo de
de nossa raça caída. Olhando para Cristo Deus!” (Mc 1:24).
na carne, contemplamos a Deus na hu- Ellen G. White escreveu que Ele assu-
manidade, e vemos nele o resplendor da
miu “a natureza, mas não a pecaminosida-
glória divina, a expressa imagem de Deus
o Pai.4 de do homem”6. “Não devemos ter nenhu-
ma dúvida em relação à perfeita impecabi-
O criador dos mundos, em quem habitava lidade da natureza humana de Cristo”.7
corporalmente toda a plenitude da divinda-
de, se manifestou no desajudado bebê na Por que tomou Cristo a natureza huma-
manjedoura. Muito mais elevado do que na? Isto tem sido bem expresso a seguir:
qualquer um dos anjos, igual ao Pai em
dignidade e glória, e todavia usando a ves- Pondo de lado sua veste e coroa reais, Cris-
te da humanidade! A divindade e a huma- to revestiu sua divindade com a humanida-
nidade estavam misteriosamente combina- de, para que os seres humanos pudessem
das, e o homem e Deus se tornaram um. É ser erguidos de sua degradação e coloca-
nesta união que encontramos a esperança dos em posição vantajosa. Cristo não po-
de nossa raça caída. Olhando para Cristo deria ter vindo a este mundo com a glória
na humanidade, contemplamos a Deus, e que Ele tinha nas cortes celestiais. Seres
vemos nele o resplendor de sua glória, a humanos pecaminosos não poderiam ter
expressa imagem de sua pessoa.5 suportado a visão. Ele velou sua divindade
com a veste da humanidade, mas não abriu
mão de sua divindade. Como um Salvador
Em ambas as suas naturezas, a divina divino-humano, Ele veio para estar à fren-
e a humana, Ele era perfeito; era impecá- te da raça caída, para partilhar de sua ex-
vel. Que isto era verdade de sua natureza periência desde a infância à idade adulta.
12 / Parousia - 1º semestre de 2008

Para que os seres humanos pudessem ser Como membro da família humana Ele era
participantes da natureza divina, Ele veio mortal, mas como Deus Ele era a fonte de
a este mundo e viveu uma vida de perfeita vida para o mundo. Ele poderia, em sua
obediência.8 pessoa divina, continuamente ter resisti-
do aos avanços da morte, e recusado cair
Cristo tomou sobre si a humanidade, a fim
sob seu domínio; mas Ele voluntariamen-
de chegar à humanidade... era necessário
te depôs a sua vida, para que fazendo isto
tanto o divino como o humano para trazer
pudesse dar vida e trazer à luz a imorta-
salvação ao mundo.9
lidade... Que humildade foi esta! Isto ma-
Tomando sobre si a humanidade, Cristo ravilhou os anjos. A língua jamais pode
veio para ser um com a humanidade e ao descrevê-la; a imaginação não pode com-
mesmo tempo revelar nosso Pai celestial preendê-la. A Palavra eterna consentiu em
a seres humanos pecaminosos. Ele foi em fazer-se carne! Deus se tornou homem!
todas as coisas feito semelhante aos seus ir- Foi uma maravilhosa humildade.11
mãos. Tornou-se carne, assim como somos.
Sentia fome e sede e cansaço. Era sustido Somente o impecável Filho de Deus
pelo alimento e revigorado pelo sono. Parti- poderia ser nosso substituto. Isto fez o
lhou a sorte do homem, e contudo Ele era o nosso imaculado Redentor; Ele tomou so-
inocente Filho de Deus. Foi um estrangeiro bre si mesmo os pecados de todo o mundo,
e peregrino na Terra – no mundo, mas não mas, fazendo isto, não houve sobre Ele a
do mundo; tentado e provado como homens mais leve mancha de corrupção. A Santa
e mulheres são hoje tentados e provados, to- Bíblia, porém, diz que Deus “o fez peca-
davia vivendo uma vida isenta de pecado.10
do por nós” (2Co 5:21). Esta expressão
paulina tem confundido os teólogos por
Outra vez enfatizamos que em sua na- séculos, mas seja o que for que ela signi-
tureza humana Cristo era perfeito e im- fique, certamente não significa que nosso
pecável. imaculado Senhor se tornou um pecador.
Neste sentido, algo de vital importância O texto declara que Ele foi feito “para ser
deve ser considerado. O Impecável, nosso pecado”. Portanto deve significar que Ele
bendito Senhor, voluntariamente tomou tomou o nosso lugar, que Ele morreu em
sobre si mesmo o fardo e a penalidade de nosso lugar, que Ele “foi contado com os
nossos pecados. Este foi um ato em pleno transgressores” (Is 53:12), e que Ele to-
conselho e cooperação com Deus o Pai. mou o fardo e a penalidade que era nossa.
Todos os verdadeiros cristãos reconhe-
Deus “fez cair sobre ele a iniqüidade
cem este ato redentor de Jesus na cruz do
de nós todos” (Is 53:6).
Calvário. Há uma abundância de testemu-
“Quando der ele a sua alma como nho escriturístico quanto a este fato.
oferta pelo pecado...” (v. 10).
Os escritos de Ellen G. White estão in-
E contudo, este foi um ato voluntário teiramente em harmonia com as Escritu-
de nosso bendito Salvador, porque lemos: ras sobre este ponto:
“As iniqüidades deles levará sobre si” O Filho de Deus suportou a ira divina con-
(v. 11). tra o pecado. Todo o pecado acumulado do
Ele “derramou a sua alma na morte” mundo foi posto sobre o portador de peca-
(v. 12). dos, aquele que era inocente, Aquele que
unicamente poderia ser a propiciação para
“Carregando ele mesmo em seu cor- o pecado, porque Ele mesmo era obedien-
po, sobre o madeiro, os nossos pecados” te. Ele era um com Deus. Nenhuma man-
(1Pe 2:24). cha de corrupção estava sobre Ele.12
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 13

Como um conosco, cumpria-lhe suportar Mateus se refere a esta passagem:


o fardo de nossa culpa e aflição. O Ino-
cente devia sentir a vergonha do pecado. “Ele mesmo tomou as nossas enfermi-
O amigo da paz tinha que habitar entre a dades e carregou com as nossas doenças”
luta, a verdade com a mentira, a pureza (Mt 8:17).
com a vileza. Todo pecado, toda discór-
dia, toda contaminadora concupiscência Diz a tradução Weymouth:
trazida pela transgressão, lhe era uma “Ele tomou sobre si nossas fraquezas,
tortura para o espírito... Sobre aquele que e suportou o fardo de nossas enfermida-
abrira mão de sua glória, e aceitara a fra- des.”
queza da humanidade, devia repousar a
redenção do mundo.13 E a Twentieth Century apresenta:
O peso dos pecados do mundo estava exer- “Ele tomou nossas debilidades sobre si
cendo pressão sobre sua alma, e o seu mesmo, e suportou o fardo de nossas do-
semblante expressava inexprimível tris- enças.”
teza, uma profundidade de angústia que
o homem caído jamais havia percebido. Como Ele suportou (gr. pherō – LXX)
Ele sentiu a opressiva maré de aflição que nossas iniqüidades (Is 53:11) assim Ele
inundava o mundo. Percebeu a força do suportou (gr. anapherō) nossas fraquezas
apetite condescendido e da paixão profana (Mt 8:17, Weymouth).
que controlavam o mundo.14
Mas observemos também o que está
Inteira justiça foi feita na expiação. Em lu- subentendido nisto. Note as palavras
gar do pecador, o imaculado Filho de Deus usadas para expressar o pensamento,
recebeu a penalidade, e o pecador sai livre tanto em Isaías 53 como em Mateus
enquanto recebe e retém a Cristo como seu
8. Ele suportou nossas aflições, nossas
salvador pessoal. Embora culpado, ele é
considerado inocente. Cristo cumpriu cada tristezas, nossas debilidades, nossas en-
requisito exigido pela justiça.15 fermidades. As palavras originais são
também traduzidas por dores, enfermi-
Inculpável, Ele suportou a punição do dades, e fraquezas.
culpado. Inocente, contudo oferecendo-
se como um substituto para o transgres- Sobre isto note o seguinte nos escritos
sor. A culpa de cada pecado exercia seu de Ellen G. White:
peso sobre a divina alma do Redentor do Ele estava sujeito às debilidades e fra-
mundo.16 quezas pelas quais o homem é assaltado,
“para que pudesse ser cumprido o que foi
Tudo isto Ele suportou vicariamente. proferido pelo profeta Isaías, dizendo: Ele
Tomou-o sobre sua alma impecável e o mesmo tomou as nossas enfermidades e
suportou na cruel cruz. carregou as nossas doenças.” Ele foi toca-
do pelo sentimento de nossas debilidades,
Há outro aspecto deste assunto que e foi em todas as coisas tentado como nós
precisa ser enfatizado: Jesus não apenas somos. E, todavia, Ele “não conheceu pe-
assumiu e suportou as “iniqüidades de nós cado.” Ele era o Cordeiro “sem mácula e
todos”, Ele assumiu e suportou algo mais; sem mancha”... Não devemos ter nenhuma
algo, porém, que estava intimamente asso- dúvida com respeito à perfeita impecabili-
ciado com nossos pecados. dade da natureza humana de Cristo.17
Ele era sem mancha de corrupção, um es-
“Certamente, ele tomou sobre si as tranho ao pecado; contudo orava, e isto
nossas enfermidades e as nossas dores le- freqüentemente com fortes clamores e lá-
vou sobre si” (Is 53:4). “Homem de dores grimas. Orava por Seus discípulos e por Si
e que sabe o que é padecer” (v. 3). mesmo, deste modo identificando-se com
14 / Parousia - 1º semestre de 2008

nossas necessidades, nossas fraquezas, e tureza humana”21; Ele “tomou a natureza


nossas falhas, que são tão comuns à hu- do homem22; Ele tomou “nossa natureza
manidade. Ele era um poderoso suplicante, pecaminosa”23; Ele tomou “nossa nature-
não possuindo as paixões de nossa nature- za caída”24; Ele tomou “a natureza do ho-
za humana caída, mas assaltado por idên- mem em sua condição caída”25.
ticas fraquezas, tentado em todas as coisas
como nós somos, Jesus suportou a agonia Todas estas são declarações fortes e
que exigia auxílio e apoio de Seu Pai.18 convincentes, mas certamente ninguém de
propósito anexaria a elas um significado
Ele é um irmão em nossas debilidades,
mas não em possuir idênticas paixões. que contrariasse o que a mesma escritora
Como o impecável, sua natureza recua- tem dado em outros lugares em suas obras.
va do mal. Ele suportou lutas e tortura de Note o ambiente em que estas expressões
alma em um mundo de pecado. Sua hu- são usadas:
manidade tornou a oração uma necessida- Ele tomou “a natureza mas não a pecami-
de e privilégio. Ele reclamava todo o mais nosidade do homem”.26
forte apoio divino e conforto que seu Pai
estava pronto a comunicar-lhe, a Ele que Ele tomou “a natureza do homem em sua
havia, em benefício do homem, deixado condição caída”, mas “Cristo não partici-
as alegrias do Céu e escolhido seu lar em pou no mínimo em seu pecado”.27
um mundo frio e ingrato.19 “Ele é um irmão em nossas debilidades,
mas não em possuir idênticas paixões”.28
Dificilmente poderia ser interpretado,
“Identificando-se com nossas necessida-
porém, do relato tanto de Isaías como de des, nossas fraquezas, e nossos sentimen-
Mateus, que Jesus era enfermo ou que tos... Ele era um poderoso suplicante, não
Ele experimentou as fragilidades que são possuindo as paixões de nossa natureza
herança da nossa natureza humana peca- humana caída.”29
minosa. Mas Ele suportou tudo isso. Não
poderia ser que Ele suportasse isto tam- “Não devemos ter nenhuma dúvida com
respeito à perfeita impecabilidade da na-
bém vicariamente, assim como suportou
tureza humana de Cristo.”30
os pecados do mundo inteiro?
O Filho de Deus “tornou-se como um de
Essas fraquezas, fragilidades, debilida- nós, exceto no pecado.”31
des, falhas são coisas que nós, com nossa
natureza caída e pecaminosa, temos de “Nem uma mancha de corrupção estava
suportar. Para nós elas são naturais, ine- sobre Ele.”32
rentes, mas quando Ele as suportou, Ele as Deve ser notado nas declarações já
tomou não como algo inerentemente seu, citadas que embora a escritora mencione
mas Ele as suportou como nosso substitu- que Jesus assumiu a nossa natureza, Ele
to. Ele as suportou em Sua natureza per- mesmo não era pecaminoso, mas impecá-
feita e impecável. Outra vez observamos: vel.
“Cristo suportou tudo isto vicariamente,
Seja o que for que Jesus tomou não era
da mesma forma que vicariamente Ele su-
seu intrinsecamente ou inerentemente. As-
portou as iniqüidades de todos nós.
sumindo o fardo de nossas fraquezas e de-
É neste sentido que devemos compre- ficiências herdadas, mesmo depois de qua-
ender os escritos de Ellen G. White quan- tro mil anos de acumuladas debilidades e
do ela se refere ocasionalmente à natureza degenerescência33, nem no mais leve grau
humana pecaminosa, caída e deteriorada. mancharam sua natureza humana. “Ele to-
Lemos que Jesus tomou a “nossa nature- mou sobre sua natureza impecável nossa
za”20; Ele “tomou sobre si mesmo a na- pecaminosa natureza”34. “Não devemos
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 15

ter nenhuma dúvida com respeito à perfei- coisas como o homem é tentado, contudo
ta impecabilidade da natureza humana de é chamado “o ente santo”. É um mistério
Cristo”35. “Ele assumiu voluntariamente que é deixado inexplicado aos mortais que
a natureza humana. Foi seu próprio ato, e Cristo pudesse ser tentado em todas as coi-
por seu próprio consentimento.”36 sas como nós somos e, contudo, estar sem
pecado. A encarnação de Cristo sempre
Ele sujeitou-se voluntariamente. “a to- tem sido, e sempre permanecerá, um mis-
das as humilhantes condições da natureza tério. O que está revelado é para nós e para
do homem”37, e “assumindo a forma de nossos filhos, mas que cada ser humano
servo” (Fp 2:7); Ele “tomou a descendên- seja advertido do terreno de tornar a Cristo
cia de Abraão” (Hb 2:16, Almeida Revista completamente humano, tal como um de
e Corrigida), para que fosse feito “pecado nós mesmos; porque isto não pode ser.39
por nós” (2Co 5:21), e para que em todas
Que maravilhoso Salvador é Jesus nos-
as coisas se tornasse “semelhante aos ir-
so Senhor!
mãos” (Hb 2:17).
Tudo o que Jesus tomou, tudo o que Poderia Cristo ter pecado?
Ele suportou, quer seja o fardo e a pena-
lidade de nossas iniqüidades, ou as enfer- Sobre este aspecto desta pergunta vital
midades e fraquezas de nossa natureza há diversidade de opinião na igreja cristã
humana – tudo foi assumido e suportado em geral. Alguns acham que era impossív-
vicariamente. Assim como suportar vica- el que Jesus pecasse; outros que era pos-
riamente os pecados de todo o mundo não sível. Concordamos com os últimos em
manchou sua alma perfeita e impecável, nossa compreensão deste assunto e, como
nem levar as enfermidades e fraquezas de em muitas outras fases da doutrina cristã,
nossa natureza caída o manchou no mais eminentes eruditos da igreja ao longo dos
leve grau com as influências corruptoras séculos têm se expressado muito como
do pecado. nós. Nossa posição sobre isto é bem ex-
Sempre nos lembremos de que nosso pressa por Ellen G. White:
bendito Senhor foi impecável.
Pretendem muitos que era impossível Cris-
“Não devemos ter nenhuma dúvida com to ser vencido pela tentação. Neste caso,
respeito è perfeita impecabilidade da natu- não teria sido colocado na posição de
reza humana de Cristo.”38 Adão; não poderia haver obtido a vitória
que aquele deixara de ganhar. Se tivésse-
Em se tratando da humanidade de Cristo, mos, em certo sentido, um mais probante
precisais guardar vigorosamente cada as- conflito do que teve Cristo, então Ele não
serção, para que vossas palavras não se- estaria habilitado para nos socorrer. Mas
jam tomadas como significando mais do nosso Salvador Se revestiu da humanida-
que elas indicam, e deste modo percais ou de com todas as contingências da mesma.
obscureçais as claras percepções de sua Tomou a natureza do homem com a possi-
humanidade conforme combinadas com a bilidade de ceder à tentação. Não temos
divindade. Seu nascimento foi um milagre que suportar coisa nenhuma que Ele não
divino... “O ente santo que há de nascer [de tenha sofrido... Cristo venceu em favor do
ti, Maria] será chamado Filho de Deus”... homem, pela resistência à severíssima pro-
Nunca, de qualquer forma, deixeis a mais
va.40
leve impressão sobre a mente humana de
que uma só mancha de pecado ou inclina-
ção para a corrupção repousou sobre Cris- É evidente que reverenciados e hon-
to, ou que Ele de algum modo se rendeu rados teólogos do passado têm mantido a
à corrupção. Ele foi tentado em todas as mesma opinião. Note o seguinte:
16 / Parousia - 1º semestre de 2008

Tivesse Ele sido dotado desde o início de verdadeiro fato de não pecar, e, o que é in-
absoluta impecabilidade, ou com a im- separável deste fato, em uma natureza livre
possibilidade de pecar, Ele não poderia e racional, a mais elevada perfeição moral
ser um verdadeiro homem, nem nosso e santidade.44
modelo ara imitação: sua santidade, em
vez de ser seu próprio ato adquirido por
si mesmo e mérito inerente, seria um O propósito da encarnação
dom acidental ou exterior, e sua tentação
uma exibição irreal. Como um verdadei-
ro homem, Cristo deve ter sido um agen-
Quanto ao propósito da encarnação, a
te moral livre e responsável: a liberdade resposta aparece nos textos que apóiam
subentende a faculdade da escolha entre os seis pontos seguintes, que resumem os
o bem e o mal, e a capacidade da deso- motivos para sua vinda à Terra em forma
bediência bem como da obediência à lei humana.
de Deus.41
1. Ele veio para revelar Deus ao mun-
Se a verdade – a saber, que a força da do. Veja João 1:14, 18; 3:1-36; 17:6, 26; 1
tentação era forte o suficiente para criar João 1:2; 4:9.
a consciência de uma luta – for descon-
siderada, então todo o currículo da prova 2. Ele veio para unir Deus e o homem.
moral pela qual Jesus passou na Terra Veja João 1:51 (compare com Gênesis
degenera imediatamente em uma mera 28:12); Mateus 1:23; 1 Pedro 3:18.
representação teatral... Nos tempos mod-
ernos, esta opinião docetista não encontra 3. Ele veio para identificar-se com o
nenhuma aceitação; estando os teólogos homem por nome. Ele é chamado “Filho
de todas as escolas de acordo em que a
forças do mal, com as quais o Filho do
do Homem” umas setenta e sete vezes nos
Homem combateu tão nobre combate, não evangelhos, tal como em Lucas 19:10.
eram sombras, mas inimigos substanciais 4. Ele veio para levar os pecados da
e formidáveis.42
raça humana. Veja Isaías 53:6, 11; João
Sempre que atribuímos, de uma maneira 1:29; 1 Pedro 2:24; 1 João 3:5.
adequada e no sentido das Escrituras,
todos os elementos morais do homem a 5. Ele veio para morrer em nosso lu-
Jesus, não devemos separar deles a liber- gar. Veja Isaías 53:5-10; Mateus 26:28;
dade que é a faculdade da escolha entre Atos 20:28; Romanos 4:25; 5:6-10; 1
o bem e o mal; e por este mesmo motivo
devemos admiti-la como concebível, que
Coríntios 15:3; Gálatas 1:4; 1 Timó-
ele poderia, ao mesmo tempo, ter sido in- teo 2:6; Hebreus 2:9; 1 Pedro 1:18, 19;
fluenciado a se afastar da vontade de Deus. 2:24; 3:18.
A menos que isto seja admitido, a história
da tentação, embora possa ser explicada, 6. Ele veio para destruir o diabo e suas
não teria nenhum significado; e a expressão obras. Veja João 12:31; 16:33; Hebreus
da epístola aos Hebreus “ele foi tentado em 2:14; 1 João 3:8.
todas as cousas, à nossa semelhança” não
teria significado.
Um mistério insondável
Como Jesus era um homem completo, esta
suscetibilidade e esta possibilidade devem Considerando um assunto de tão trans-
ser admitidas como coexistindo nele. Se cendente e vital importância como a en-
elas desta forma não coexistissem, ele dei-
carnação de Cristo, devemos sempre nos
xaria de ser um exemplo de perfeita mora-
lidade humana.43
lembrar de que há muitos aspectos disto
que jamais poderemos compreender.
Não devemos compreender pelo termo
[impecabilidade de Jesus] uma absoluta Mesmo quando captamos um vis-
impossibilidade de pecar mas somente o lumbre da verdade, a linguagem humana
A encarnação e o ‘Filho do Homem’ / 17

parece completamente inadequada para Embora isto seja verdadeiro, existem,


expressar as maravilhas e as belezas do graças a Deus, algumas fases da verdade
incomparável e inimitável mistério da que tem sido reveladas. E o que se tem
encarnação de Jesus Cristo. Escreveu El- feito conhecer na Palavra de Deus é para
len G. White: o nosso estudo.

Contemplando a encarnação de Cristo na A mesma autora escreveu o seguinte


humanidade, ficamos perplexos diante de sobre este ponto: “Quando quisermos um
um insondável mistério, que a mente hu- problema profundo para estudar, que fi-
mana não pode compreender. Quanto mais xemos a mente no fato mais maravilhoso
refletimos sobre isto, mais impressionante que já ocorreu na Terra ou no Céu – a
ele parece.45 encarnação do Filho de Deus.46

Referências 15
Idem, Youth’s Instructor, 25 de abril de 1901
1
Preparado por um grupo representativo de (grifos supridos).
líderes e acadêmicos adventistas do sétimo dia, 16
Idem, Signs of the Times, 5 de dezembro de
Seventh-day Adventists Answer Questions on Doc-
1892 (grifos supridos).
trine (Washington, DC: Review and Herald Asso-
ciation, 1957). Traduzido do original em inglês por 17
Ibid., 9 de junho de 1898 (grifos supridos).
Francisco Alves de Pontes. 18
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP:
2
Ellen G. White, O Desejado de Todas as Casa Publicadora Brasileira, 2001), 2:508.
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 19
Ibid., 202.
1990), 25.
20
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 25.
3
Idem, Review and Herald, 5 de julho de 1887.
Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
21
4
Idem, Youth’s Instructor, 21 de novembro
Commentary, 5:1128.
de 1895.
22
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 117.
5
Idem, Signs of the Times, 30 de julho de
1896. 23
Idem, Medical Ministry (Mountain View, CA:
Pacific Press, 1963), 181.
6
Ibid., 29 de maio de 1901.
24
Idem, Special Instruction Relating to the Re-
7
Don F. Neufeld, ed., Seventh-day Adventist
view and Herald Office, 16 de maio de 1896, 13.
Bible Commentary (Jagerstown, MD: Review and
Herald, 1979), 5:1131. 25
Idem, Signs of the Times, 9 de junho de 1898.
8
Ellen G. White, Review and Herald, 15 de ju- 26
Ibid., 9 de junho de 1898.
nho de 1905 (grifos supridos). 27
Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
9
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 296. Commentary, 5:1131.
10
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: 28
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2006), 8:286. Casa Publicadora Brasileira, 2001), 2:202 (grifos
supridos).
11
Idem, Review and Herald, 5 de julho de 1887
(grifos supridos). 29
Ibid., 508-509 (grifos supridos).
12
Idem, Signs of the Times, 9 de dezembro de Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
30

1897 (grifos supridos). Commentary, 5:1131 (grifos supridos).


13
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 111 31
Idem, Youth’s Instructor, 20 de outubro de
(grifos supridos). 1886 (grifos supridos).
14
Idem, Review and Herald, 4 de agosto de 32
Idem, Signs of the Times, 9 de dezembro de
1874 (grifos supridos). 1897.
18 / Parousia - 1º semestre de 2007
33
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 49 39
Ibid., 1128 e 1129.
e 117. 40
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 117.
34
Idem, Medical Ministry, 181. 41
Philip Schaff, The Person of Christ (London:
Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
35
Nisbet, 1880), 35 e 36.
Commentary, 5:1131. 42
Alexander B. Bruce, The Humiliation of
36
Idem, Review and Herald, 5 de julho de Christ (Whitefish, MT: Kessinger Publishing,
1887. 2006), 268.
37
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: 43
Karl Ullmann, An Apologetic View of the Sin-
Casa Publicadora Brasileira, 2003), 4:458. less Character of Jesus (Edimburgo: Thomas Cla-
rk, 1841), 11.
Idem, em Don F. Neufeld, ed., SDA Bible
38

Commentary, 5:1131. 44
Ibid., 13.
A natureza de Cristo:
a questão soteriológica
Kwabena Donkor, Ph.D.
Biblical Research Institute, Washington, DC.

Resumo: O presente artigo trata da nature- Emanuel, “Deus conosco”.1 Seus seguido-
za de Cristo à luz da doutrina da salvação. res tinham uma crença firme de que nele
O autor avalia as conexões soteriológicas haviam encontrado o próprio Yahweh. A
envolvidas na rejeição pela igreja cristã de reflexão neotestamentária sobre essa ex-
algumas das principais heresias cristoló- periência e suas implicações conduziu à
gicas dos primeiros séculos. Em seguida, opinião de que Ele é tanto Deus quanto
demonstra como a compreensão da obra Salvador (2Pe 1:1). Tão comumente era
salvífica de Cristo ajuda a definir se sua Jesus avaliado como Messias ou Cristo,
natureza era a que Adão possuía antes da que a palavra “Cristo” se tornou um nome
queda (pré-lapsariana) ou depois da mes- pessoal.2 Era a asserção dos escritores do
ma (pós-lapsariana). A conclusão do traba- Novo Testamento de que Jesus de Nazaré
lho emerge da análise de textos bíblicos e de é divino.
Ellen G. White referentes ao assunto, bem
como do significado e implicações de certos A convicção inequívoca dos escrito-
termos e expressões centrais à discussão. res do Novo Testamento no que concer-
ne à divindade de Jesus encontrou um
Abstract: This article deals with the destino diferente entre as mentalidades
nature of Christ in the light of the sal- judaica e grega. Algumas pessoas de
vation doctrine. The author evaluates herança judaica, com uma estrita for-
the soteriological connections involved mação monoteísta, evoluíram em seu
in the rejection by the Christian church pensamento chegando a manter o que
of some of the main Christological her- tem sido chamado de opinião adocio-
esies of the first centuries. Next, it dem- nista. Esta concepção, defendida pelos
onstrates how the understanding of the ebionitas, “compreendia a Jesus como
salvific work of Christ helps to define um mero homem que, por escrupulosa
whether his nature was that of Adam had observância da lei, foi justificado e con-
before the Fall (pre-lapsarian) or after it seqüentemente se tornou o Messias”.3
(post-lapsarian) the conclusion of the Por outro lado, a mentalidade grega,
study emerges of the analysis of bible imbuída de racionalismo, imaginava
texts and references of Ellen G. White o aparente paradoxo divino-humano
on this topic, as well as the meaning and em termos metafísicos. Para eles, era
implications of some central terms and importante decidir sobre a identidade
expressions to the discussion. ontológica de Jesus de Nazaré. Essas
preocupações gregas reforçam as várias
Introdução opiniões docetistas. Segundo o ponto
de vista docético, o Cristo divino não
É muito evidente nas Escrituras que os tinha um corpo humano real; era apenas
seguidores de Jesus o reconheciam como uma aparência, um fantasma; sendo que
20 / Parousia - 1º semestre de 2008

Cristo morreu, então Ele não era Deus, enfatizava a divindade de Jesus a ponto
e se Ele era Deus, então não morreu. de obscurecer a distinção entre a divin-
dade e a humanidade.
Essas objeções judaicas e gregas re-
sultaram em grandes heresias no início
da história do pensamento cristão. De- A controvérsia ariana
sejo examinar brevemente quatro dessas
primitivas heresias para fazer uma obser- A controvérsia ariana, desencadeada
vação significativa: o acompanhamento por Ário, um popular presbítero da igreja
das controvérsias resultou em concepções de Alexandria (falecido em 335 d.C.), cen-
particulares de salvação. Faço esta obser- tralizava-se nas idéias expressas por ele
vação com o objetivo de explorar como que pareciam refletir as opiniões da escola
essas duradouras controvérsias podem antioquina de pensamento. Ário, compro-
animar o debate dentro da comunidade de metido com a idéia grega filosoficamente
fé adventista. A hipótese subjacente ao en- influenciada de que Deus é indiferencia-
foque que estou aqui seguindo é a de que do, argumentava que Jesus, o Filho ou Lo-
a discussão cristológica na comunidade gos, tinha de ser uma criatura e, portanto,
adventista pode ser iluminada prestando- deve ter tido um princípio. Como ele se
se mais atenção aos respectivos pontos de expressa,
vista soteriológicos. o que afirmamos e pensamos e temos en-
sinado e continuamos ensinando; que o
A natureza de Cristo na história Filho não é congênito, nem parte do con-
do pensamento cristão gênito em nenhum sentido, nem é ele deri-
vado de alguma substância [...] e antes que
Tenho observado que as controvérsias fosse gerado, ou criado, ou nomeado, ou
estabelecido, ele não existia, porque não
sobre a natureza de Cristo foram acompa-
era congênito. Somos perseguidos porque
nhadas por opiniões particulares de sal- afirmamos que o Filho tem um princípio,
vação. Realmente podemos afirmar que mas Deus é sem princípio.4
as implicações soteriológicas dos vários
pontos de vista mantidos sobre a natureza Portanto, o ponto de partida de Ário é
de Cristo alimentavam as controvérsias ontológico, significando que termos como
cristológicas. Testarei esta observação o “Filho” não devem ser interpretados
reexaminando as quatro grandes contro- para definir a natureza essencial de Jesus.
vérsias da história cristã. Antes de fazê-
lo, devo observar que as tendências ado- A conexão soteriológica. O principal
cionista e docetista já haviam se consoli- opositor de Ário, o pai da igreja Ataná-
dado em duas escolas de pensamento: as sio, revelou em sua oposição que, embora
cristologias antioquinas e alexandrinas, Ário argumentasse a partir de uma pers-
respectivamente. Essas duas escolas cris- pectiva ontológica, a essência do debate
tológicas dominantes estavam no centro era soteriológica. Atanásio afirmava que
dos debates cristológicos. A escola antio- a salvação só pode ser trazida à humani-
quina, originada em Antioquia, Síria, pa- dade por alguém que é verdadeiramente
rece ter sido influenciada pela mentalida- Deus.5 É verdade que a opinião particular
de judaica, onde a humanidade de Jesus de Atanásio quanto à salvação, em que a
era enfatizada exageradamente a ponto humanidade é participante da natureza di-
de negar a sua divindade. A cristologia vina, estava na essência do seu argumen-
alexandrina, porém, que se originou em to; contudo, a posição central da questão
Alexandria, um centro de cultura grega, da salvação para o debate cristológico é
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 21

inegável. Devemos lembrar-nos de que a curou; é o que está unido à sua divindade
Igreja rejeitou o ponto de vista de Ário no que é salvo.”7 O ponto de vista de Apo-
Primeiro Concílio Ecumênico (325 d.C. linário foi rejeitado no Segundo Concí-
em Nicéia), decidindo que Jesus era gera- lio Ecumênico (em Constantinopla, 381
do do Pai e da mesma substância do Pai. d.C.), confirmando a posição nicena.
O concílio, portanto, reconheceu a divin-
dade de Jesus. A controvérsia de Nestório

Apolinarismo Deve-se lembrar que sustentando o


ponto de vista niceno, consistentemente
A declaração nicena da divindade de reconhecido nas controvérsias, estava a
Jesus deixou sem resposta a indagação cristologia alexandrina. Ao contrário da
de como sua unidade como o Pai seria cristologia antioquena, que tendia a criar
mantida. Apolinário estava preocupado duas pessoas, a tendência da alexandrina
em confirmar o ponto de vista niceno e era a de obscurecer a distinção entre o di-
desenvolver uma solução que preservasse vino e o humano. A cristologia alexandri-
a integridade de Jesus, isto é, integrasse na insistia em uma verdadeira comunica-
realmente o divino e o humano contra a ção peculiar de duas naturezas, doutrina
escola antioquina, que tendia a criar duas que Nestório não podia aceitar, uma vez
pessoas. que para ele esta fundia as naturezas divi-
na e humana. Nestório procurou corrigir a
Apolinário formulou sua solução com
percepção antecedente; daí sua oposição
base na antropologia platônica, que com-
ao título de “Portadora de Deus” [ou Mãe
preendia a pessoa humana como consis-
de Deus] conforme aplicado a Maria. Para
tindo de três entidades substanciais: cor-
ele, tal caracterização não enfatizava sufi-
po, alma e espírito. Sua proposição era a
cientemente a integridade das duas natu-
de que na encarnação o corpo e a alma de
rezas. Nestório procurou manter a integri-
Jesus eram de natureza humana, enquanto
dade das naturezas afirmando que a união
que o Logos ocupava seu espírito.
entre a divindade e a humanidade era uma
A conexão soteriológica. Conquanto a união voluntária. A união é voluntária em
solução ontológica de Apolinário pareces- dois sentidos: a união resulta da livre von-
se resolver a questão acerca da identidade tade de Deus; a vontade da natureza hu-
de Jesus, como na controvérsia ariana o mana concorda com a vontade divina.8
problema soteriológico se tornou o teste
para sua aceitação. Além de sua tendência A conexão soteriológica. O ponto de
docetista, a opinião apolinarista foi tam- vista de Nestório foi rejeitado no Terceiro
bém criticada por não refletir corretamen- Concílio Ecumênico reunido em Éfeso em
te o ponto de vista cristão de que Jesus é 431 d.C. como dividindo Jesus em duas
o portador da salvação.6 A idéia era a de pessoas. Todavia, a subentendida dimen-
que aquilo que o Logos não assumiu na são soteriológica é significativamente no-
encarnação, neste caso o “espírito”, o Lo- tada por Grenz:
gos não podia redimir. O ponto de vista No fundamento da posição nestoriana jaz
foi explicitamente declarado por Gregó- outra heresia, a antropologia desenvolvida
rio de Nazianzo como segue: “Se alguém por Pelágio. Segundo a opinião teológica
pôs nele a sua confiança como um homem antagônica de Agostinho, a pessoa huma-
sem uma mente humana, ele mesmo está na é dotada por ocasião do nascimento de
desprovido de mente e indigno da salva- graça suficiente para reforçar a vontade
ção. Porque o que ele não assumiu ele não humana em sua batalha contra o pecado, o
22 / Parousia - 1º semestre de 2008

qual, por sua vez, não é uma condição do implicações a favor da salvação. Em ou-
ser mas jaz inteiramente na ação humana. tras palavras, embora as controvérsias pa-
Devido a esse dom, o indivíduo poderia recessem centralizar-se no “ser” de Jesus,
teoricamente atingir a perfeição. Nestório em última instância, a questão significati-
viu essa perfectível substância humana re- va era como esse “ser” se relacionava com
velada em Jesus. O homem Jesus empre-
a nossa salvação. Como pode esta conclu-
gou a dotação natural da graça sem falhar.
Este exercício de sua livre vontade efetuou
são trazer algum esclarecimento sobre o
a união voluntária entre Jesus e o Logos.9
problema da natureza de Cristo no atual
pensamento adventista? É possível que,
afinal de contas, o debate cristológico seja
A controvérsia eutiquiana realmente um assunto acerca de opiniões
sobre salvação?
Êutiques, nome pelo qual é conhecida
a controvérsia, acusou Nestório de dividir A natureza de Cristo no pensamento
Jesus em duas naturezas. Sua própria so-
adventista
lução era insistir em que Jesus possuía so-
mente “uma natureza” (donde, monofisis- O debate cristológico entre os adven-
mo), natureza que, afinal, nem era humana tistas tem se dividido nos termos de se
nem divina. O eutiquianismo foi rejeitado Jesus, ao tornar-se homem, assumiu uma
no Quarto Concílio Ecumênico, realizado natureza “caída” ou “não caída”12 [pré
em Calcedônia em 451 d.C., e as duas na- ou pós-lapsariana]. Como nas primeiras
turezas de Jesus foram reconhecidas sem controvérsias da igreja apostólica, o de-
confundir, mudar, dividir ou separar a bate sobre a natureza de Cristo parece
ambas.10 centralizar-se no “ser” de Cristo, que as
A conexão soteriológica. O que é im- opiniões antagônicas esperam estabele-
portante para o propósito deste debate fo- cer baseadas na exegese de textos rele-
ram as repercussões de Calcedônia com vantes. Todavia, ao contrário dos mais
respeito à salvação. Os monotelistas, antigos debates, as posições “caída” e
baseando-se em Calcedônia, concluíram “não caída” do pensamento adventista
que Jesus tinha somente uma vontade, concentram-se na natureza da humanida-
a saber, a vontade do Logos. Em outras de de Jesus, sem tratar explicitamente da
palavras, a obediência de Jesus era o relação entre sua divindade e humanida-
resultado da força impulsora do Logos. de. Minha discussão, portanto, terá este
Aqui, outra vez, como na controvérsia reduzido enfoque. Como nossa compre-
apolinarista, a Igreja primitiva aplicou o ensão da salvação nos ajuda a definir as
teste soteriológico para rejeitar a posição questões “ontológicas”? No restante des-
monotelista, argumentando que “a reden- ta apresentação desejo analisar as posi-
ção completa demanda uma completa en- ções “caída” e “não caída” com respeito
carnação, inclusive a concepção de uma à sua subjacente soteriologia e antropo-
vontade humana”.11 logia (explícitas ou implícitas). Ademais,
procurarei mostrar como os comentários
Conclusão de Ellen G. White podem prestar algum
esclarecimento sobre a análise.
É muito instrutivo notar que nessas
primeiras controvérsias o teste da ortodo- A natureza humana de Jesus: caída?
xia, de qualquer ponto de vista, ontologi-
camente, foi decidido em relação às suas O argumento fundamental para o pon-
implicações soteriológicas, ou seja, suas to de vista da “natureza caída” [ou pós-
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 23

lapsariana] é o de que Jesus de alguma é interpretada ontologicamente; portan-


forma assumiu a carne pecaminosa caída to, a noção de hereditariedade se destaca
sem ser um pecador. Esta opinião baseia- nestes argumentos. Desse modo, no que
se na premissa de que “uma pessoa nasci- concerne ao nascimento virginal, obser-
da com carne pecaminosa não precisa ser va Gage: “Nenhuma evidência bíblica
um pecador”.13 Por carne pecaminosa se sugere que a corrente de hereditariedade
quer dizer “a condição humana em todos humana foi interrompida entre Maria e
os seus aspectos, conforme afetada pela Jesus”16; além disso, o segundo Adão “é
queda de Adão e Eva”.14 O grande prin- um descendente hereditário, nascido de
cípio que serve de base para a posição mulher”.17 Semelhantemente, passagens-
“caída” é o de que o testemunho dos es- chaves de Hebreus 2 são tratadas nos
critores do Novo Testamento sugere que termos da solidariedade ou unidade on-
Jesus não tinha nenhuma vantagem físi- tológica entre Jesus e os seres humanos
ca, emocional ou moral sobre seus con- pós-queda. Assim, “todos vêm de um...”
temporâneos.15 Parece aceitável concluir, (v. 11) significa hereditariedade humana
partindo da perspectiva dos defensores comum; “carne e sangue” (v. 14) signi-
da “natureza caída”, que tanto quanto fica a mesma natureza; e “em seu mais
diz respeito à humanidade de Jesus, Ele imediato e óbvio sentido, os versos 16-
era exatamente semelhante a qualquer 18 parecem afirmar que Cristo assumiu a
ser humano depois de Adão e Eva. Es- natureza humana comum a toda a huma-
tas convicções fundamentais da posição nidade pós-Queda”.18
da “natureza caída” são de natureza on-
A próxima série de argumentos em
tológica. Mas que possível visão de sal-
apoio da opinião de que Jesus nasceu com
vação confere tal ontologia? Explorarei
carne pecaminosa é um exame de textos
estes assuntos. O motivo pelo qual estou
que especificamente usam as palavras
escolhendo enfatizar o problema soterio-
“pecaminosa” e “carne” em relação a Ele.
lógico, em vez de ontológico, é o de que,
Primeiramente, argumenta-se que em al-
em minha opinião, o primeiro é menos
guns empregos paulinos da palavra sarx,
inviável na Bíblia.
particularmente Romanos 8:3, embora a
Duas interrogações básicas podem palavra seja moralmente neutra, “provê
ser feitas à posição da “natureza caída”. o alicerce e material em que o mal pode
Primeira: é biblicamente exato argumen- operar”.19 Sarx, portanto, segundo este
tar que a carne pecaminosa não pode ser ponto de vista, é a condição humana ca-
igualada ao pecado? Segunda: é correto ída dada a todos os homens e mulheres
afirmar que Jesus em sua humanidade era em seu nascimento, embora ninguém seja
exatamente como nós depois da queda? considerado culpado ou responsável pela
condição. Gage cita Anders Nygren com
Nascido com carne pecaminosa mas
aprovação. Com referência a Romanos
não um pecador. Várias passagens escri-
8:3, observa Nygren: “Ele partilhou de
turísticas são reunidas em apoio à idéia
todas as nossas limitações. Estava sob os
de que Jesus nasceu com carne pecami-
mesmos poderes de destruição. Por meio
nosa. O nascimento virginal de Jesus (Mt
da ‘carne’ surgiam para ele as mesmas
1:16, 18-25; Lc 1:26-38; 3:23); sua au-
tentações que para nós.”20
todescrição como Filho do homem (Mt
8:20; 24:27); e a analogia Adão/Cristo de Apesar do fato de que Jesus tinha as
Paulo (Rm 5) são usados para apoiar a mesmas tendências e desvantagens co-
solidariedade ou unidade de Jesus com a muns a toda a espécie humana, Ele não
raça humana. Esta solidariedade, porém, pecou. Referindo-se a Jesus, escreve
24 / Parousia - 1º semestre de 2008

Gage: “Ele tinha a faculdade da escolha Jesus não nasceu com carne pecami-
e a hereditariedade que a enfraquece e nosa por causa da natureza do pecado. A
desencaminha. Ele tinha uma natureza na posição da “natureza não caída” enfatiza
qual as tentações comuns a homens e mu- grandemente o conceito teológico do pe-
lheres podiam encontrar atração. Mas em cado original. Partindo de sua perspectiva,
Jesus o mal não encontrou nenhuma res- todos os seres humanos pós-queda parti-
posta.”21 A vitória de Jesus sobre o pecado cipam do pecado original, que é definido
tem implicações para nós. Gage interpreta primeiramente como a ruptura de um re-
Hebreus 4:15 no contexto do grande con- lacionamento entre o homem e Deus (Rm
flito, concluindo que “porque Jesus não 14:23), o que então leva à perpetração de
pecou, nenhum homem deve pecar”.22 Isto atos iníquos (1Jo 3:4).24
é, sendo que Jesus foi feito como seus ir-
Romanos 5:12-21 é apresentado como
mãos em todos os sentidos e foi tentado
uma passagem-chave na defesa do pecado
como somos, contudo sem pecado, nós
original. Rand conclui desta passagem que
também podemos viver sem pecar.
a morte, ou a condenação não é transmitida
para cada pessoa somente por causa do seu
A natureza humana de Jesus: próprio pecado. Isto também o faz. Mas em
não caída? um sentido profundo, a morte passa a todos
os homens por causa do pecado de Adão, ou
O ponto de vista da “natureza não ca- rompe o relacionamento com Deus (que o
ída” argumenta primariamente a partir da pecado de Adão afeta toda a raça é mencio-
natureza do pecado. Se o pecado fosse nado cinco vezes nos versos 15-19). Sim-
plesmente não é verdade que o pecado não
simplesmente uma questão de atos, en-
está presente até o primeiro ato pecaminoso
tão seria possível a compreensão de Je- da pessoa. Os homens são nascidos peca-
sus como nascido com carne pecaminosa, dores. “A morte reinou” (v. 14) a partir do
sem, contudo, ser um pecador. Mas partin- pecado de Adão. Os bebês morrem antes de
do da perspectiva da posição da “natureza pecarem conscientemente.25
não caída”, “simplesmente não é verdade
que o pecado não está presente até que a Rand desenvolve o argumento a favor
pessoa cometa o primeiro ato pecamino- do pecado original baseado em Salmos
so. Os homens são nascidos pecadores.”23 51:5, e conclui que todo ser humano, ex-
Portanto, Jesus não podia ter nascido com ceto Cristo, é nascido pecador.26 Contudo,
carne pecaminosa. ele distingue este conceito bíblico de pe-
Deve ser observado que, ao contrário cado original do conceito católico roma-
da opinião da “natureza caída”, que argu- no que imputa a culpa a cada ser huma-
menta partindo da ontologia para a sote- no nascido baseando-se na idéia de que
riologia, a posição da “natureza não caí- cada um estava seminalmente presente
da” segue o caminho oposto, operando a em Adão quando ele pecou. Tem-se a im-
partir da hamartiologia/soteriologia para a pressão de que a posição da “natureza não
ontologia. Mas é biblicamente exato afir- caída” também edifica sobre um princípio
mar que o pecado não é consumado ape- de solidariedade ou unidade, embora não
nas em atos? É biblicamente correto dizer ontologicamente, entre Adão e a raça hu-
que Jesus era diferente, ontologicamente, mana pós-queda.
do restante da humanidade no nascimen- A natureza de Jesus foi sem pecado
to? A resposta a estas duas interrogações porque Ele era singular. A posição da
básicas deve habilitar-nos a desenvolver a natureza “não caída” defende a singulari-
posição da “natureza não caída”. dade de Jesus, ontologicamente e de ou-
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 25

tra forma, por um exame de dois impor- A posição da “natureza caída”


tantes termos gregos aplicados a Jesus:
monogenēs e prōtotokos. Primeiro, todos Em minha visão geral da posição da
os nove empregos do termo monogenēs natureza caída chamei a atenção para dois
no Novo Testamento são examinados importantes argumentos escriturísticos:
para mostrar que em suas cinco aplica- aqueles que se relacionam com a unidade
ções a Jesus (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1Jo ontológica de Jesus conosco e os textos so-
4:9) ele significa “singular”, e “um de bre “carne” ou “carne pecaminosa”. O que
uma espécie”. Esta singularidade é inter- pode ser dito acerca da interpretação destes
pretada cristologicamente significando textos pela posição da natureza caída?
que “sua singularidade consistia não so-
Primeiro, a analogia Adão/Cristo. No
mente na maneira como ele nasceu (sem
mínimo, podemos dizer que a unidade on-
pai humano) mas com que natureza ele
tológica talvez não seja a melhor ou a úni-
nasceu (sem pecado humano).27 Segundo,
ca interpretação possível. F. F. Bruce, por
os empregos da palavra prōtotokos com
exemplo, compreende o conceito hebraico
referência a Cristo (Hb 1:6; Rm 8:29; Cl
de personalidade corporativa para destacar
1:15, 18; Ap 1:5) produzem os mesmos
o argumento de Paulo em Romanos 5:12-
resultados de singularidade com especial
21. Em outras palavras, para Paulo, Adão
referência à missão.
era mais do que um personagem histórico.
Jesus não veio em carne pecaminosa Sim, ele foi o primeiro homem, mas ele
mas na semelhança de carne pecaminosa. foi também a “humanidade”.29 Contrário
Como acontece com a posição da “natu- à hereditariedade da posição da natureza
reza caída”, o ponto de vista da “nature- caída, a solidariedade ontológica, observa
za não caída” examina Romanos 8:3 mas Bruce: “Não é simplesmente porque Adão
chega à conclusão oposta. Rand mostra é o ancestral da espécie humana que se diz
que não somente em Romanos 8:3, mas que todos pecaram em seu pecado (doutra
também em Filipenses 2:7 e Hebreus 2:7, forma poder-se-ia argumentar que porque
o uso do grego homoiōma ou homoioō Abraão creu em Deus todos os seus des-
(semelhança) em vez de isos (mesmo) cendentes foram necessariamente envol-
sugere que “Jesus era apenas semelhante vidos em sua crença); é porque Adão é a
a outros seres humanos em ter um corpo raça humana.”30
humano físico afetado pelo pecado, mas William Barclay concorda com a in-
não o mesmo que outros seres humanos, terpretação de Bruce. Embora ele admita
porque somente Ele era impecável em sua a plausibilidade da interpretação de que o
relação espiritual com Deus”.28 que herdamos de Adão é a tendência para
o pecado (uma idéia ontológica), Barclay
Avaliando os dois pontos de vista insiste que isto não é o que Paulo queria
dizer aqui. Na opinião de Barclay, deve-
A avaliação dos dois pontos de vista ria ser dada à passagem o que ele chama
sobre a natureza de Cristo será empreen- de interpretação realista, “a saber, que por
dida, em primeiro lugar, dando uma se- causa da unidade da raça humana, toda a
gunda olhada para os textos escriturísticos humanidade realmente pecou em Adão.
fundamentais que servem como seus res- Esta idéia não era estranha para um ju-
pectivos pontos de partida, e, em segundo, deu; era a crença real dos pensadores ju-
avaliando suas opiniões sobre salvação. deus.”31
Nesta avaliação serão empregadas passa- Em segundo lugar, Hebreus 2:14 de-
gens relevantes do Espírito de Profecia. clara que Jesus participou de carne e san-
26 / Parousia - 1º semestre de 2008

gue. Embora o texto basicamente fale de que Jesus “não conheceu pecado” (2Co
Jesus participando da natureza humana, 5:21), não dizer que Jesus veio “em carne
por si mesmo não caracteriza exaustiva- pecaminosa”, sendo que em sua opinião
mente a humanidade de Jesus. Se com- isto “poderia indicar que havia pecado
preendemos a natureza humana de Jesus nele”.34 Paulo pretende apagar tal infe-
como uma exata participação ontológica rência com a frase “em semelhança de
em todos os aspectos da vida humana, carne pecaminosa”.
como faz a posição da natureza caída, en-
tão Ele deve ter experimentado provações Deve ser notado que a posição caída
e enfrentado tentações da maneira como também crê que Jesus nunca pecou. Sen-
todos nós. Falando sobre a tentação es- do este o caso, parece que eles são capa-
creve Tiago: “Cada um é tentado pela sua zes de reter esta crença e dizer, ao mesmo
própria cobiça, quando esta o atrai e se- tempo, que Cristo veio com carne pecami-
duz” (Tg 1:14). Sobre este ponto, Grenz nosa tendo por base sua noção de pecado.
observa que sabemos pelos evangelhos O pecado parece consistir exclusivamente
que Jesus não era atraído para o pecado de ações, sendo que Jesus partilhou de to-
desta maneira. Então ele extrai a implica- das as nossas condições, incluindo o mau
ção ontológica: desejo inerente que atrai a tentação, não
tendo sido, todavia, um pecador.
Neste sentido podemos afirmar a... posição
de que Jesus estava livre da mancha do Ellen G. White sobre a condição do
pecado original, que é proveniente da pro- “ser” de Jesus
pensão para o pecado que todos os seres
humanos herdam de Adão... Jesus não era
atraído para o pecado por um mau desejo
O Espírito de Profecia presta algum
inerente dentro de sua natureza humana.32 esclarecimento sobre a condição ontoló-
gica da natureza humana de Cristo, parti-
A conclusão de Grenz é contrária a cularmente no que se refere à sua alega-
Hebreus 4:15, onde se afirma que Jesus da solidariedade ontológica com os seres
foi tentado em todos os pontos como nós humanos pós-queda? Apenas citarei, sem
somos? Não necessariamente. Hebreus muito comentário, algumas referências
4:15 simplesmente declara que Jesus foi sobre o assunto.
tentado tal como os seres humanos são 1. “A encarnação de Cristo sempre tem
tentados. Tinha Jesus que ter a má pro- sido, e sempre permanecerá um mistério.
pensão em sua natureza humana a fim de O que está revelado é para nós e para nos-
ser tentado como são os seres humanos? sos filhos, mas que cada ser humano seja
Não, Adão foi tentado humanamente, mas advertido o terreno de fazer a Cristo com-
ele não tinha as más propensões quando pletamente humano, tal como um de nós
mesmos, porque isto não pode ser.”35
foi tentado.
2. “Ele é um irmão em nossas fraquezas,
Em terceiro lugar, o que dizer de mas não em possuir idênticas paixões.
Romanos 8:3? Gage citou Nygren com Como o Impecável, sua natureza recuava
aprovação e disse que Jesus partilhou do mal.”36.
de todas as nossas condições. Ostensi- 3. “Por causa do pecado sua [de Adão] pos-
vamente, isto deve incluir nossa propen- teridade nasceu com propensões inerentes
são para o pecado, sendo que “da ‘carne’ de desobediência. Mas Jesus Cristo era o
surgia para Ele as mesmas tentações que unigênito Filho de Deus. Ele tomou sobre
para nós”.33 Aqui Bruce novamente pen- si a natureza humana, e foi tentado em to-
sa que isto estaria incorreto em vista do das as coisas como a natureza humana é
fato de Paulo, que claramente ensinou tentada. Ele poderia ter pecado; Ele pode-
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 27

ria ter caído, mas nem por um momento evidência em seus escritos no que concer-
houve nele uma má propensão.”37 ne à ausência de propensão para o mal na
4. “Ele era um poderoso suplicante, não natureza humana de Cristo? Erwin Gane
possuindo as paixões de nossa natureza argumenta que a menos que estejamos
humana caída, mas cercado de semelhan- dispostos a afirmar que Ellen G. White se
tes fraquezas, tentado em todas as coisas contradiz, somos obrigados a interpretar
como nós somos. Jesus suportou a agonia a passagem de alguma outra maneira. Da
que exigia auxílio e apoio de Seu Pai.”38 sua parte, Gane aplica os efeitos dos 4 mil
Muito claramente, Ellen G. White não anos sobre a humanidade de Jesus à sua
via a natureza humana de Cristo como dimensão física.40
sendo exatamente como a nossa. Ao me- Gane não é inexato nesta sugestão
nos tanto quanto diz respeito à propensão quando consideramos a seguinte declara-
para o pecado Ele não estava em completa ção da Sra. White: “Ele é um irmão em
solidariedade ontológica com nossa peca- nossas fraquezas, mas não em possuir
minosa e depravada natureza. idênticas paixões. Como o Impecável,
A despeito destas claras afirmações já sua natureza recuava do mal.”41 Nesta
citadas, outras passagens parecem dar a passagem, paixão se relaciona com “na-
impressão de que Cristo herdou uma na- tureza”, que em E. G. White, conforme
tureza humana caída e pecaminosa. Con- Gane mostra cuidadosamente, se trata de
sidere, por exemplo, a seguinte: sua natureza espiritual, distinta da natu-
reza física e intelectual do homem.42 Nis-
A história de Belém é inexaurível. Nela so, Cristo é diferente de nós. Por outro
se acham ocultas as “profundidades das lado, Cristo era semelhante a nós em nos-
riquezas, tanto da sabedoria como da sas fraquezas, que, neste caso, devem ser
ciência de Deus” (Rm 11:33). Maravi-
o que fica da natureza humana quando o
lhamo-nos do sacrifício do Salvador em
espiritual é retirado; a saber, as fraquezas
permutar o trono do Céu pela manjedou-
ra, e a companhia dos anjos que o ado- físicas.43
ravam pela dos animais da estrebaria. O
orgulho e presunção humanos ficam re- A conexão soteriológica no ponto de
preendidos em sua presença. Todavia, vista da “natureza caída”
esse passo não era senão o princípio de
sua maravilhosa condescendência. Teria
A avaliação soteriológica da posição
sido uma quase infinita humilhação para
natureza caída deve iniciar-se com sua
o Filho de Deus, revestir-se da natureza
humana mesmo quando Adão permane- opinião de pecado. O ponto de vista de
cia em seu estado de inocência, no Éden. que “possuir carne pecaminosa não torna
Mas Jesus aceitou a humanidade quando necessariamente a pessoa um pecador”
a raça havia sido enfraquecida por quatro já foi examinado e demonstrado como
mil anos de pecado. Como qualquer filho biblicamente incorreto. A noção, porém,
de Adão, aceitou os resultados da opera- incorpora um conceito específico de pe-
ção da grande lei da hereditariedade. O cado, podendo ser justificada somente se
que estes resultados foram, manifesta-se o pecado for definido em termos de ações.
na história de seus ancestrais terrestres. Em poucas palavras, parece que esta é
Veio com essa hereditariedade para par- a opinião de pecado que fundamenta a
tilhar de nossas dores e tentações, e dar-
posição da “natureza caída”, conforme
nos o exemplo de uma vida impecável.39
apresentada por Gage.
Como devemos lidar com tal declara- Uma ação que focalize a hamartiologia
ção em face do que parece ser esmagadora [estudo do pecado] tende a conduzir a uma
28 / Parousia - 1º semestre de 2008

soteriologia perfeccionista que, no míni- a sedução das tentações quer de dentro ou de


mo, parece ser sugerida em alguns lugares fora (cf. a ênfase sobre o papel da vontade
na dissertação de Gage. Tal é o caso, por com a união voluntária de Nestório)48.
exemplo, quando ele diz: “porque Jesus
não pecou, nenhum homem deve pecar”.44 À semelhança do nestorianismo, e re-
Semelhantemente, sua citação de C. E. B. almente como a escola antioquina, a po-
Cranfield sobre o método de Cristo em sição da “natureza caída”, tecnicamente
vencer parece chegar muito perto de uma mascara uma antropologia pelagiana. É
opinião de salvação perfeccionista e lega- nesta antropologia e sua concomitante so-
lista. Escreve Cranfield: teriologia que eles parecem dar forma à
sua cristologia da “natureza caída”.
A vida de Cristo antes do seu ministério
e morte reais não foi apenas uma posi-
ção onde estivera o Adão não caído, sem A posição da “natureza não caída”
se render à tentação diante da qual Adão
sucumbiu, mas uma questão de começar Analisando a posição da “natureza não
de onde nós começamos, sujeito a todas caída”, conforme apresentada por Rand,
as más pressões que herdamos, e usar o notei três pontos-chaves escriturísticos. O
completamente inflexível e inadequado que pode ser dito acerca destes pontos ao
material de nossa natureza corrupta para avaliarmos esta opinião?
desenvolver uma perfeita e impecável obe-
diência (ênfase minha).45 Primeiro, a opinião da natureza do pe-
cado. Parece muito exato, biblicamente,
A interpretação de Gage de Hebreus definir o pecado além de ações para incluir
2:10 tem o mesmo tom perfeccionista. também a natureza humana pós-queda, de
Para ele, as expressões “pioneiro da sal- sorte que possuir natureza pecaminosa é
vação” humana e “aperfeiçoado por meio ser um pecador. Grenz pesquisa os vários
do sofrimento” significam que Jesus “er- termos usados para pecado na Bíblia, e
gueu-se triunfante na mesma arena em que depois de concluir que o mais vastamente
seus homólogos humanos têm caído, não usado no Novo Testamento é hamartia ele
empregando nenhuma outra arma que ho- observa:
mens e mulheres caídos não tenham à sua O uso de hamartia no Novo Testamento
disposição.”46 Donald Guthrie, porém, in- descreve a difícil situação humana como
terpreta a frase pioneiro da salvação como uma situação complexa. [...] Hamartia
uma figura de linguagem. “O pioneiro, pode se referir ao pecado como um ato
neste sentido, é mais do que um exemplo específico. Mas, além disso, os autores do
para outros seguirem. Sua missão é pro- Novo Testamento falam de um poder ou
ver a base sobre a qual a salvação pode ser força operante na esfera humana. Como
oferecida a outros.”47 Parece, contudo, que uma estranha realidade que nos mantém
em sua soteriologia Gage apresenta Cristo em seu controle, o pecado exerce domí-
mais como um modelo ou exemplo do que nio sobre os indivíduos não apenas exter-
namente, mas também internamente. Por
como a fonte de nossa salvação. Note, por
conseguinte, hamartia também denota a
exemplo, a seguinte citação: dimensão imperfeita e interna da pessoa
Seu [de Jesus] desenvolvimento moral era humana.49
um exemplo de como todos os homens e
mulheres desenvolveriam um caráter como o Segundo, a singularidade de Jesus. O
seu. Eles seriam aperfeiçoados, aprendendo que é de importância em nossa avaliação
a obediência no meio de difíceis decisões. não é simplesmente a correção técnica
Devem escolher a vontade de Deus e rejeitar de definir monogenēs como um de uma
A natureza de Cristo: a questão soteriológica / 29

espécie. O que tem relevância para nós é A conexão soteriológica no ponto de


a conexão cristológica. O estudo de Dale vista da “natureza não caída”
Moody da tradução de João 3:16 na Re-
vised Standard Version permanece muito A soteriologia da posição da “natureza
conclusivo. Moody nota que “o significa- não caída” é coerente com sua ontologia.
do de monogenēs nos escritos joaninos é o Os defensores dessa posição não têm de
epítome da Cristologia”.50 Ele observa que insistir sobre identidade ontológica entre
dois aspectos de monogenēs declarados em Cristo e nós porque para eles a salvação
1 João e expandidos no Evangelho de João não é obtida por meio do seguimento exa-
são: como revelador (1Jo 4:8/cf. Jo 1:14) e to do exemplo de alguém que em todos os
como redentor (1Jo 4:10/cf. Jo 3:16). aspectos foi semelhante a eles, mas lutou
Terceiro, sobre a interpretação de “se- e saiu vitorioso.
melhança de carne pecaminosa”, a crítica Para eles, como observa Rand: “Je-
já avançada contra a posição da “natureza sus foi tanto nosso substituto como nosso
caída” em Romanos 8:3 nos leva a con- exemplo, e nesta ordem. Há uma priori-
cluir que a posição da “natureza não caí- dade de substituto sobre exemplo como
da” sobre o assunto representa muito acer- há de Deus sobre o homem e do Salvador
tadamente o ponto de vista bíblico. sobre os salvos.”51 George Ladd parece
concordar com o equilíbrio da posição
Ellen G. White sobre a condição do da “natureza não caída”. Escreve ele: “A
“ser” de Jesus morte de Jesus não é apenas redentora; a
expiação é efetuada por substituição.”52
Todas as citações de Ellen G. White
apresentadas anteriormente podem ser
lembradas para dar crédito ao ponto de Conclusão
vista da “posição não caída”, ou seja, a
de que Jesus não assumiu nossa carne pe- Tentei mostrar neste artigo que sote-
caminosa; apenas a semelhança da carne riologia e cristologia são dois lados da
pecaminosa, um ponto que o torna sin- mesma moeda. Foi este o caso nos deba-
gular em sua humanidade. Esta singula- tes cristológicos do início da Era Cristã,
ridade é expressa nos termos monogenēs e este é o caso no atual debate que ocor-
e prōtotokos. Ao aceitarmos esta opinião, re no pensamento adventista sobre a na-
porém, surge imediatamente a interroga- tureza humana de Cristo. Em cristologia
ção soteriológica: se Jesus não era exata- faríamos bem se seguíssemos o método
mente como nós, poderia Ele nos salvar? de Paulo de esclarecer o fato da salvação
A resposta depende da opinião que se no Cristo singular em vez de explorar sua
tem de salvação. condição ontológica.

Referências 3
Stanley J. Grenz, Theology for the Community
of God (Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing
1
Artigo traduzido do original em inglês por Company, 1994): 247.
Francisco Alves de Pontes.
4
Veja “A Carta de Ário a Eusébio” em Docu-
2
Raymond E. Brown, An Introduction to the mentos da Igreja Cristã.
New Testament Christology (Paulist Press, New
York, 1994): 3. 5
Grenz, 248.
30 / Parousia - 1º semestre de 2008
6
Ibid., 274. (Philadelphia: The Westminster Press, 1975), 80.
7
Gregório de Nazianzo, “An Examination of 32
Grenz, 276.
Apollinarius,” em Bettenson, 45. 33
Gage, 4 (ênfase minha).
8
Justo L. Gonzalez, A History of Christian Thou- 34
Bruce, 152.
ght, Vol. 1. (Nashville: Abingdon Press, 1970): 363.
9
Grenz, 296.
35
Ellen G. White, em Don F. Neufeld, ed.,
Seventh-day Adventist Bible Commentary (Jagers-
10
John H. Leith, ed., Creeds of the Churches town, MD: Review and Herald, 1979), 5:1129.
(Atlanta: John Knox, 1982), 36.
36
Idem, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP:
11
Grenz, 298. Casa Publicadora Brasileira, 2002), 2:202.
12
Duas dissertações tratando das respectivas
Idem, em Don F. Neufeld, ed., Seventh-day
37
posições estão publicadas no Website do Instituto
Adventist Bible Commentary, 5:1129.
de Pesquisas Bíblicas [www.adventistbiblicalre-
search.org]: Kenneth Gage (pseudônimo), “What 38
Idem, Testemunhos para a Igreja, 2:202.
Human Nature Did Jesus Take? Fallen”; Benjamin 39
Idem, O Desejado de Todas as Nações (Ta-
Rand (pseudônimo), “What Human Nature Did
tuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), 25.
Jesus Take? Unfallen” [esta última publicada nes-
ta edição de Parousia com o título “Que natureza 40
Erwin R. Gane, “Christ and Human Per-
humana Jesus assumiu? Não caída”]. Estas decla- fection”, Ministry, outubro de 1970, Suplemento
rações de posturas oficiais cristalizam os pensa- Reimpresso de Ministry, agosto de 2003, 16. Veja
mentos sobre lados opostos e serão inseparáveis em Gane, 15-16 para o que ele considera ser outras in-
minha análise. satisfatórias, mas possíveis maneiras de interpretar
a passagem.
13
Gage, 3.
41
Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja,
14
Ibidem. 2:202.
15
Ibidem. 42
Erwin R. Gane, “Christ and Human Perfec-
16
Ibidem. tion”, 6.
17
Ibidem.
43
Embora E. G. White use a palavra fraqueza tam-
bém no sentido de fraqueza espiritual, o uso prepon-
18
Ibid., 6. derante da palavra parece ser em um sentido físico e
19
Ibid., 4. material (Atos dos Apóstolos, 208; Testemunhos para
a Igreja, 2:434; Testemunhos para Igreja, 4:30; Ciên-
20
Ibidem. cia do Bom Viver, 226; Mensagens Escolhidas, 2:231;
21
Ibid., 6 (ênfase minha). Testemunhos para a Igreja, 1:306; Santificação, 25).
22
Ibidem.
44
Gage, 6.
23
Benjamin Rand, “Que natureza humana Jesus
45
Ibid., 5.
assumiu? Não caída”, nesta edição de Parousia, 34. 46
Ibid., 6 (ênfase minha).
24
Ibidem. Donald Guthrie, Tyndale New Testament
47

25
Ibidem. Commentaries, Hebrews (Grand Rapids, MI: Eerd-
mans Publishing Company, 1989): 88-89.
26
Ibidem. 48
Gage, 6.
27
Ibid., 35. 49
Grenz, 184.
28
Ibid., 33. 50
Dale Moody, “God’s Only Son”, Journal of
29
F. F. Bruce, Tyndale New Testament Commen- Biblical Literature, 72 (1953): 4.
taries, Romans (Grand Rapids, MI: Eerdmans Pu-
blishing Company, 1988), 118-123.
51
Rand, 39.
52
George E. Ladd, A Theology of the New Tes-
30
Ibid., 123.
tament (Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing
31
William Barclay, The Letter to the Romans, Company, 1991): 188.
Que natureza humana Jesus assumiu?
Não caída
Benjamin Rand (pseudônimo)

Resumo: Este artigo provê argumenta- passages which points out Christ as
ção para a defesa de que Jesus assumiu “descendent from Abraham” and “from
em sua encarnação uma natureza huma- David”. Besides that, it also discusses
na moral e espiritualmente impecável, Christ’s primary mission and the limits
embora Ele tenha se tornado semelhante it has imposed upon his human nature.
aos outros homens do ponto de vista físi-
co. O autor também esclarece porque es- Introdução
tas condições fizeram dele um compas-
sivo sumo sacerdote, não tendo repre- A teologia adventista do sétimo dia
sentado uma “vantagem injusta” sobre considera dois pontos de vista alternati-
os pecadores, mas antes intensificando vos no que concerne à natureza humana
suas tentações. Entre outros tópicos, o de Jesus Cristo.1 Ele possuía uma natureza
artigo lida com o significado lingüísti- pecaminosa porque Ele tinha uma mãe pe-
co e teológico das palavras gregas sarx, caminosa como o restante de nós, ou Ele
hamartia, isos, homoiōma, monogenēs tinha uma natureza impecável porque, ao
e prōtotokos, e sua harmoniosa relação contrário de nós, Ele tinha a Deus por seu
com as passagens que apontam Cristo Pai.2 O primeiro ponto de vista enfatiza
como sendo “descendência de Abraão” sua identidade com o ser humano; o se-
e “descendência de Davi”. O trabalho gundo concentra-se em sua singularidade
também discute a missão primária de como homem. Alguns tentam combinar
Cristo e os limites que ela impôs sobre os dois afirmando que Jesus tinha uma
sua natureza humana. natureza física pecaminosa, mas o seu
Abstract: This article argues that Jesus nascimento humano foi como nosso novo
assumed in his incarnation a human na- nascimento – nascido do Espírito. Dizem
ture , morally and spiritually not sinful, que Jesus começou em Belém, onde co-
although he had become like the other meçamos quando nascemos de novo. Ou-
man under the physical point of view. tros sugerem que o paralelismo não resiste
The author also clarifies why those con- à investigação. Acreditam que Jesus era
ditions made him a compassionate high tanto pecaminoso quanto impecável em
priest, having not presented an “unfair sua natureza humana; pecaminoso somen-
advantage” over the sinners, but only te no sentido em que Ele tomou a natureza
intensifying his temptations. Among física enfraquecida pelo pecado, mas im-
other topics, the article deals with the pecável em que Ele nunca se tornou peca-
linguistic and theological meaning of do no nascimento.
the Greek words: sarx, hamartia, isos, Somos simplesmente deixados a deci-
homoiōma, monogenēs e prōtotokos, dir? Realmente importa que opinião es-
and their harmonious relation with the colhemos? É isto meramente bizantinice
32 / Parousia - 1º semestre de 2008

acadêmica, sem nenhum significado prá- A Palavra se fez carne


tico? Creio que devemos compreender a
natureza humana de Cristo para realmente Diz a Bíblia: “A Palavra [Cristo] se
apreciar o que Ele suportou, como somen- fez carne” (João 1:14). O que significa a
te Ele pode ser nosso Salvador, como Ele palavra grega para “carne”? Ela nos diz
pode ser nosso exemplo, nossa absoluta se a natureza humana de Cristo foi pe-
necessidade de sua substituição em todo o caminosa ou impecável? A palavra sarx
caminho para o reino, e nossa urgente ne- aparece 151 vezes no Novo Testamento.5
cessidade de uma perspectiva cristocêntri- A obra A Greek-English Lexicon de Arn-
ca, não antropocêntrica. Estas implicações dt e Gingrich dá-lhe oito significados:
práticas se tornarão óbvias ao explorarmos (1) o material que cobre um corpo [1Co
a evidência bíblica. 15:39]; (2) o próprio corpo como uma
substância [cap. 6:16]; (3) “um homem
Primeiramente, uma ampla visão ge- de carne e sangue” [Jo 1:13]; (4) “a na-
ral. (1) Limitar-nos-emos às informações tureza humana ou mortal, descendência
bíblicas, agindo a partir da premissa de terrestre” [Rm 4:1]; (5) “corporalidade,
que toda verdade doutrinal procede das limitações físicas, a vida aqui na Terra”
Escrituras.3 (2) Lidaremos com o signifi- [Cl 1:24]; (6) “o lado externo ou exterior
cado lingüístico e teológico das palavras da vida” [2Co 11:18]; (7) “o instrumento
gregas sarx, hamartia, isos, homoiōma, voluntário do pecado” [Rm 7:18]; e (8) a
monogenēs e prōtotokos. (3) Permitindo fonte da sexualidade [Jo 1:13]. Somente
que passagem interprete passagem, pe- um destes (número 7) tem a ver com pe-
netraremos no real significado da huma- cado. Portanto, sarx não significa neces-
nidade de Cristo como “a descendência sariamente “pecaminoso”.6
de Abraão” (Hb 2:16) e a “descendência
Em grego, a palavra usual para “peca-
de Davi” (Rm 1:3). Perceberemos a har-
do” é hamartia7 e não sarx. O dicionário
monia entre estas passagens e os termos
teológico de Schweitzer observa que sarx
gregos que estudamos. (4) Daremos en-
pode designar uma esfera terrestre (veja
tão uma olhada para a missão de Cristo
1Co 1:27), não necessariamente “pecami-
a fim de salvar o homem. Ao longo da
nosa e hostil a Deus, mas simplesmente
investigação documentaremos a esmaga-
... limitada e temporária”.8 Também diz
dora evidência bíblica de que Jesus as-
que sarx pode significar um objeto de
sumiu de fato uma natureza impecável
confiança (veja Rm 2:28). Aqui “o que é
no nascimento (espiritualmente), embora
pecaminoso não é a sarx, mas a confiança
possuísse uma natureza física semelhante
nela”.9 Conclui Schweitzer: “Onde sarx é
a outros de seus dias. (5) Isto nos imporá
compreendida em um pleno sentido teo-
a interrogação: então Ele realmente nos
lógico, como em Gálatas 5:24, denota o
compreende? Ou, em outras palavras,
ser do homem que é determinado, não por
Ele é um remoto ser extraterrestre que
sua substância física, mas por sua relação
possuía uma vantagem injusta sobre nós?
com Deus.”10
Foi Ele deveras tentado em todas as coi-
sas como nós somos? Pode Ele realmen- Deus se tornando carne meramente
te ser um compassivo sumo sacerdote? significa que Ele recebeu um corpo hu-
A fim de que o debate cristológico seja mano? Disse Cristo de sua encarnação:
proveitoso e edificante para a fé, ele deve “Sacrifício e oferta não quiseste; antes,
primeiro definir claramente os termos de um corpo me formaste” (Hb 10:5). Con-
uma maneira que seja tanto informada cordando, Paulo escreveu: “Ele apareceu
pelas Escrituras como fiel a elas.4 em um corpo” (1Tm 3:16, NIV). Apalavra
Que natureza humana Jesus assumiu? / 33

grega para “corpo” é sōma, contudo a pa- Por que apenas ‘semelhante’,
lavra “corpo” (NIV) em 1 Timóteo 3:16 não o mesmo?
não é sōma mas sarx. Meramente significa
“encarnação”, não “pecaminoso”. Do material bíblico provêm dois prin-
Como, então, compreendemos estas cípios que nos guiam em nossa investi-
palavras: “Deus enviando o seu próprio gação. O primeiro é: quem é Jesus Cristo
Filho em semelhança de carne pecamino- determinou a extensão de sua identidade
sa e... condenou Deus, na carne, o peca- com nossa natureza humana. Em outras
do” (Rm 8:3)? Primeiro, considere o que palavras, Ele era mais do que o bebê de
Paulo poderia ter dito. Ele poderia ter es- Maria. Ele era Deus. Tornando-se ho-
crito: (1) Deus enviou seu Filho em carne mem Ele não deixou de ser Deus.14 Isto
pecaminosa ou (2) na semelhança de car- significa que sua eterna e contínua relação
ne. O primeiro significaria que sua carne com Deus não foi rompida quando Ele se
era pecaminosa, e o segundo diria que tornou homem. A encarnação não foi ape-
Ele apenas parecia estar na carne mas era nas outro nascimento humano. Era Deus
realmente algum ser extraterrestre (cf. transpondo o abismo cavado pelo pecado
1Jo 4:1-3, um texto mal-compreendido e, dentro do seu próprio ser, construindo a
por alguns).11 ponte de Deus para o homem. Deus traba-
lhou criativamente outra vez no planeta,
Paulo não disse nem uma coisa nem
como no Éden. Quer usando o pó da ter-
outra. Ele concentrou-se em Cristo vindo
ra ou o ventre de Maria, a vida veio dEle.
na semelhança de carne pecaminosa. A
Ambos constituíram milagres jamais co-
palavra-chave é “semelhança”. Duas pala-
nhecidos antes ou repetidos desde então.
vras gregas são traduzidas por “semelhan-
O absoluto caráter divino desses eventos
te” em português: isos, significando “mes-
não deve ser perdido em comparações
mo”, como em Atos 11:17, onde “Deus
superficiais com outros seres humanos.
lhes concedeu o mesmo [isos] dom”; e
Todos os outros têm dois pais humanos.
homoiōma, usada em Romanos 8:3, sig-
Mas não Adão e Cristo. O homem vem ao
nificando “semelhante” (porque humano),
mundo em uma das três formas: criação,
mas não “mesmo” (porque não pecamino-
nascimento, ou encarnação.
so). As Escrituras são totalmente coerentes
sobre este ponto. Desse modo, Filipenses O segundo princípio é: a missão de
2:7 afirma que Jesus “tornando-se em se- Cristo deve determinar a extensão de sua
melhança [homoiōma] de homens”.12 Diz identidade com nossa humanidade. Para
Hebreus 2:17: “Convinha que, em todas as ser nosso salvador, Jesus deveria se tor-
coisas, se tornasse semelhante (homoioō) nar um conosco. Mas Ele poderia não ir
aos irmãos, para ser misericordioso e fiel além das exigências de sua missão, Ele
sumo sacerdote.” mesmo poderia não se tornar um pecador
Sugerem estas palavras gregas e es- (em natureza ou atos). Como no sistema
tas passagens que Jesus era apenas se- sacrifical, a missão de Cristo poderia ser
melhante a outros seres humanos em ter realizada somente por um cordeiro sem
um corpo humano físico afetado pelo mancha, ruga ou coisa semelhante.
pecado, mas não o mesmo que outros
seres humanos, porque somente Ele era O pecado original
impecável em sua relação espiritual com
Deus? Assim pensava Ellen G. White.13 A Nesta discussão devemos levar a sério
evidência bíblica que temos examinado a natureza devastadora do pecado. Todo
até aqui apóia tal conclusão. bebê é egocêntrico antes de conhecer o
34 / Parousia - 1º semestre de 2008

que constitui o pecado. Como o bebê Je- Romanos 5:12-14 é considerada “uma
sus era diferente se nasceu com uma natu- das passagens mais difíceis das Escritu-
reza pecaminosa? ras”,16 e “os detalhes da exegese de Ro-
manos 5:12-21 são controvertidos”,17 mas
A Bíblia dá duas definições de pecado,
creio que a analogia entre Adão e Cristo é
uma em termos de comportamento, outra
a mais clara encontrada na Bíblia. Lenski
do ponto de vista de relacionamento. As-
está certo em declarar: “Ela é tão vital
sim, “pecado é a transgressão da lei [ile-
porque vai a fundo tanto no pecado como
galidade]” (1Jo 3:4), e “tudo o que não
no livramento do pecado. Tudo o mais que
provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Am-
é dito nas Escrituras no que concerne a
bos estavam presentes no pecado original
qualquer um dos dois ou a ambos, repou-
no Éden. Adão e Eva desobedeceram à
sa sobre o que está aqui revelado como o
ordem de Deus de não comer o fruto da
fundamento absoluto.”18 Note o que diz a
árvore proibida (Gn 3:2-6), e duvidaram
passagem:
da palavra de Deus. Ele tinha dito: “Não
comam dela ou morrerão.” Eva pensou Portanto, por um só homem entrou o pecado
que ela parecia boa para alimento e de- no mundo, e pelo pecado a morte, assim
sejável para obter sabedoria. Assim eles também a morte passou a todos os homens,
deram um passo decisivo e comeram. Por porque todos pecaram. Pois assim como, por
quê? O duvidar de Deus os levou a deso- uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os
bedecê-lo. Duvidar de alguém é a cessa- homens para condenação, assim também,
ção de confiança ou fé nele – um relacio- por um só ato de justiça, veio a graça sobre
namento rompido. O tentador os levou todos os homens, para a justificação que dá
a crer nele e em seus sentidos mais do vida. Porque, como pela desobediência de
que em Deus. A partir do relacionamen- um só homem, muitos se tornaram pecado-
res, assim também, por meio da obediência
to rompido, ele os levou a transgredir o
de um só, muitos se tornarão justos” (Rm
mandamento de Deus. O pecado original 5:12-19).
foi primeiramente uma relação interrom-
pida. Definir o pecado meramente como
Note as analogias três vezes repeti-
“violação da lei ou atos maus” é olhar
das entre o primeiro e o segundo Adão.
apenas para sua manifestação exterior.
A morte ou condenação, não passa a cada
Em sua raiz, pecado é uma relação rom-
pessoa apenas por causa do seu próprio
pida entre o pecador e Deus.15
pecado. Também faz isto, mas em um sen-
Cristo veio ao mundo para restaurar tido mais profundo, a morte passa a todos
o relacionamento, não para continuar na os homens por causa do pecado de Adão,
separação. Portanto, Ele veio semelhante ou do relacionamento rompido com Deus
a nós (como um ser humano, fisicamente (que o pecado de Adão afeta toda a raça
falando), mas não o mesmo que nós (em é mencionado cinco vezes nos versos 15-
relacionamento rompido com Deus, espi- 19). Simplesmente não é verdade que o
ritualmente falando). Emanuel ou “Deus pecado não está presente até o primeiro
conosco” significa que Ele transpôs o abis- ato pecaminoso da pessoa. Os homens são
mo entre Deus e o homem. Ele aniquilou nascidos pecadores. “A morte reinou” (v.
a alienação, vindo do lado de Deus para 14) a partir do pecado de Adão. Os bebês
o nosso. Mas Ele estabeleceu a conexão morrem antes de pecarem conscientemen-
mais uma vez somente porque ao longo te. Separados do Doador da vida, a morte,
da encarnação Ele permaneceu em rela- não a culpa, passou de Adão para a raça.19
cionamento ininterrupto com Deus – Ele Eis por que Cristo veio para restaurar a
permaneceu espiritualmente impecável. conexão, para trazer vida eterna. O para-
Que natureza humana Jesus assumiu? / 35

lelismo em Romanos 5:12-14 é decisivo te sair do ventre” (Sl 22:9, NIV). “Pois tu
quanto ao seu significado. “Como o pe- formaste o meu interior, tu me teceste no
cado termina em morte, assim a justiça, seio de minha mãe” (Sl 139:13). São estas
em vida.”20 Se o único pecado de Adão é afirmações contraditórias? Nasceu Davi
a fonte de morte para todos os homens, um pecador ou não? Elas falam de dois
“desde o momento em que foi cometido lados de uma verdade, ambas igualmente
antes que qualquer homem houvesse nas- bíblicas. Enquanto a primeira fala da con-
cido”21, então a impecabilidade de Cristo é dição de Davi como pecador ao nascer, as
a fonte de toda justiça. Ele foi semelhante outras falam do amor salvífico de Deus
a nós, conforme nascido dentro das limi- para ele nessa condição.
tações físicas humanas, mas não o mesmo
Então, como interpretamos o texto: “O
que nós, porque não nasceu um pecador
filho não sofrerá pela iniqüidade do pai,
em relacionamento rompido com Deus.
nem o pai sofrerá pela iniqüidade do fi-
O fato bíblico de que o pecado é trans- lho” (Ez 18:20, RSV)? A Bíblia também
mitido de Adão para cada bebê nascido diz: “Visito a iniqüidade dos pais nos
(não a culpa de Adão, mas a morte, o filhos até à terceira e quarta geração da-
resultado do seu pecado) significa que o queles que me aborrecem” (Êx 20:5; cf.
pecado não pode ser definido meramente cap. 34:7; Nm 14:18; 1Rs 21:29). São
como “ato”.22 Esta é uma definição dema- estas passagens também contraditórias?
siado superficial. Embora o pecado inclua Outrossim, elas constituem dois lados de
más escolhas e, portanto, atos e mesmo uma verdade, ambas bíblicas. A primeira
pensamentos (veja Mt 5:28), também in- diz que o comportamento de alguém re-
clui natureza.23 Se não fôssemos nascidos sulta em vida ou morte, ao passo que a se-
pecadores, não precisaríamos de um salva- gunda também declara os efeitos do peca-
dor até o nosso primeiro ato ou pensamen- do de uma pessoa sobre sua posteridade.
to pecaminoso. Tal idéia presta terrível Eis por que a Bíblia afirma: “Desviam-se
desserviço às trágicas conseqüências do os ímpios desde a sua concepção; nascem
pecado e à missão de Cristo como o único e já se desencaminham” (Sl 58:3).
salvador para cada ser humano (Jo 14:6,
At 4:12). Também significa que se Jesus “Rebelde desde o nascimento” (Is
viesse com uma natureza pecaminosa mas 48:8, NIV) e “cheio do Espírito Santo, já
resistisse, então talvez outra pessoa faria o do ventre materno” (Lc 1:15); outra vez
mesmo, e tal pessoa não precisaria de Je- olhe para os dois lados: a condição huma-
sus para salvá-la. Devemos compreender na ao nascer e a misericórdia divina para
que ambos os aspectos do efeito do pe- alguém nessa condição. Contrastando, Je-
cado – morte corporativa e culpa pessoal sus não foi apenas cheio do Espírito San-
– necessitam de um salvador. Precisamos to desde o nascimento mas, diferente de
de Jesus como substituto para toda a nossa qualquer outra pessoa, nasceu do Espírito
vida, e não apenas a partir da primeira vez Santo. Ao contrário dos outros, Ele era
em que conscientemente nos rebelamos. também Deus. Significa isto que Ele tem
uma imaculada concepção?
Pecadores ao nascer A teologia católica desde Agostinho
acredita que todos nascem com o pecado
Cada ser humano, exceto Cristo, é nas- original.24 Isto é, cada um vem ao mundo
cido pecador. Disse Davi: “Eu nasci na ini- com a culpa do pecado de Adão, porque
qüidade, e em pecado me concebeu minha cada um estava seminalmente presente
mãe” (Sl 51:5). Contudo, Davi também em Adão, participando, portanto, da sua
pôde dizer acerca de Deus: “Tu me fizes- culpa. Assim, semelhantemente, Jesus
36 / Parousia - 1º semestre de 2008

viria ao mundo com a culpa do peca- realmente significa “único de uma espé-
do original. Para contornar esta difícil cie”. Monogenēs vem de monos, “um,
situação, a teologia católica inventou único”, e genos, “espécie” ou “tipo”.
a imaculada concepção. Esta doutrina Monogenēs não deve ser confundido com
postula que Maria nasceu sem a mancha monogennaō, que deriva de monos, “um,
do pecado. Mas se Deus pôde realizar único”, e gennaō, “gerado”. Monogennaō
tal ato salvífico por um ser humano, por significa “único gerado”.
que não por todos? Teria salvo a Cristo
Monogenēs é usado nove vezes no gre-
de todo o sofrimento de se tornar huma-
go do Novo Testamento, cinco vezes para
no. Além disso, se Maria se tornou ima-
Jesus (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1Jo 4:9). Seu
culada sem Cristo, isto põe em dúvida a
emprego nas outras quatro referências
missão de Cristo.
lança luz sobre o que a palavra significa
A Bíblia nada sabe de uma imaculada quando usada para Jesus. Primeira: o filho
concepção, mas proclama uma miraculo- morto da viúva de Naim era tudo o que
sa concepção. Jesus era singular. Foi de- ela possuía (Lc 7:12). Segunda: Jairo pode
vido à sua singularidade como Deus que ter tido filhos, mas foi sua única filha que
seu nascimento foi impecável. A esta al- morreu (cap. 8:42). Terceira: o endemoni-
tura, a teologia católica passa por alto o nhado era o único filho de seu pai nesta
que Jesus era. Não é necessário encontrar condição (cap. 9:38). Nestas três passa-
em Maria o motivo para a singularidade gens monogenēs não significa “único ge-
de Cristo. Esta singularidade procede da rado”, mas somente “um de sua espécie”.
própria individualidade dEle como Deus. Este fato é ainda mais claro no quarto
Recorremos agora às informações bíblicas exemplo, em Hebreus 11:17. Ali Isaque
no que concerne à sua singularidade. é chamado monogenēs, quando, de fato,
ele era o segundo nascido (sendo Ismael
Jesus como homem singular o primeiro filho de Abraão). Contudo, ele
foi único de uma espécie, singular porque
Jesus era diferente de outros seres hu- somente ele era o filho da promessa.
manos no centro de sua consciência. Isto Quando usada para Jesus, monogenēs
determinava tudo o mais. Nenhum outro sempre tem esta conotação de singular,
ser humano viveu antes do seu nascimen- único de uma espécie. Ele era o Filho da
to e tomou uma decisão de nascer para promessa – singular em missão e nasci-
agradar ao Pai. A consciência de Cristo mento, bem como em sua vida. Seu nas-
esteve sempre concentrada em Deus. Ele cimento singular consistiu não somente
veio para fazer a vontade de Seu Pai (Hb em como Ele nasceu (sem pai humano),
10:9), glorificá-lo ao longo da vida, e con- mas em que natureza Ele nasceu (sem pe-
sumar a obra que Ele lhe deu para fazer cado humano).
(Jo 17:4). Nenhum outro bebê, criança, ou
adulto viveu em tão completa abnegação Ele era único de uma espécie em que
para com Deus e o homem. Tanto seus foi o único homem que também era Deus.
atos impecáveis como sua natureza espiri- Ele foi o único homem gerado pelo Espí-
tual imaculada procedia de sua orientação rito, sem um pai humano. Ele foi o úni-
ininterrupta concentrada em Deus. Sua co homem que existiu eternamente como
união com Deus determinou a extensão de Deus antes de tornar-se também homem, e
sua união com o homem. assim foi singularmente independente de
pais quanto à vida. E Ele foi o único ho-
A palavra grega monogenēs, traduzi- mem que era semelhante, mas não o mes-
da por “unigênito” na Versão Almeida, mo que outros seres humanos.
Que natureza humana Jesus assumiu? / 37

Sua singularidade procedia de quem O pensamento cristológico precisa co-


Ele era. Quem Ele era fez o seu nascimento meçar com a singularidade de Cristo como
diferente daqueles de todos os outros seres Filho de Deus em vez de com sua seme-
humanos. Possuindo a natureza humana lhança com os seres humanos como Filho
física de seu tempo, enfraquecida pelo pe- do homem. Além disso, epistemologica-
cado, Ele veio com um eterno e impecável mente, não podemos nos mudar do huma-
relacionamento com Deus. A contempla- no para o divino, mas podemos do divino
ção de Cristo como monogenēs teria salvo para o humano. Ao determinar a nature-
muitos do panteísmo (Kellogg, Jones, Wa- za humana do homem Jesus, monogenēs
ggoner) e o movimento da “carne santa” deve ser o ponto de partida e o centro da
(Donnell, Associação de Indiana).25 cristologia.
A Bíblia requer que a singularidade Prōtotokos ou “primogênito”, é usa-
de Jesus seja nosso ponto de partida em do sete vezes para Jesus (veja especial-
cristologia. Ele não é apenas outro ho- mente Hb 1:6; Rm 8:29; Cl 1:15, 18; Ap
mem, mas Deus feito homem. “A Palavra 1:5). “Primogênito” se refere não tanto
se tornou carne” (Jo 1:14, NIV). Este mo- ao tempo mas à importância. Como na
vimento em direção do homem é o con- cultura hebraica o primogênito recebia
texto do qual esclarecer o significado do os privilégios da família, assim Jesus, o
Deus-homem. Alguns negligenciam isto, “primogênito” entre os homens, recupe-
escolhendo de preferência iniciar com a rou todos os privilégios que o homem
geração final e sua demonstração após o perdeu após a queda. Portanto, “unigêni-
fechamento da porta da graça. Racioci- to” e “primogênito” não devem ser inter-
nam que se aquela geração não mais pra- pretados literalmente quando aplicados a
ticará atos pecaminosos enquanto ainda Jesus. De preferência, eles denotam que
possui natureza pecaminosa, então Cristo Ele era único de uma espécie, singular.
também deve ter sido impecável em uma Sua missão era tornar-se o novo Adão,
natureza pecaminosa. Como aquela gera- o novo primogênito, ou cabeça, da raça.
ção final fará melhor do que Cristo? Isto Isto o qualificava para ser nosso repre-
é cristologia escatológica, ou uma leitura sentante, sumo sacerdote, e intercessor
de volta partindo do futuro para a natu- no grande conflito.
reza humana de Cristo. Toma a realidade
Jesus é o nosso exemplo em vida, mas
fora de Cristo para nos informar acerca de
não em nascimento. Se Ele fosse o nosso
Cristo. Mas Cristo, e não a escatologia,
exemplo em nascimento, talvez algum ou-
deve ser o ponto de partida. Precisamos
tro ser humano pudesse atingir uma vida
de uma escatologia cristológica em vez de
perfeita e não precisar do Salvador. Este
uma cristologia escatológica.
pensamento jaz no âmago da teologia de
Os erros teológicos de Schweitzer e Friedrich Schleiermacher. Ele acreditava
Barth deveriam aqui nos servir de adver- que Jesus era apenas quantitativamente
tência. Schweitzer e Barth (em seu primei- e não qualitativamente diferente dos ou-
ro escrito) começaram com a escatologia e tros seres humanos. Não nasceu Ele como
se voltaram para a cristologia, com resul- todos os demais? Não era a consciência
tados devastadores. O Jesus de Schweitzer mais plena da presença divina e o seu sen-
terminou como um homem iludido,26 e o timento de absoluta dependência de Deus
Cristo de Barth como um Deus “comple- que o fazia diferente dos outros? Contudo,
tamente diferente”27 – duas ênfases exage- alguém virá no futuro que o transcende-
radas e opostas, nenhuma das duas fazen- rá.28 Tal pensamento nos adverte de que é
do justiça a Jesus Cristo. perigoso não perceber a plena distinção
38 / Parousia - 1º semestre de 2008

bíblica entre o nascimento de Cristo e o (Hb 2:16, Almeida antiga) e “segundo a


de todos os outros seres humanos. carne, veio da descendência de Davi” (Rm
1:3; cf. Jo 7:42; 2Tm 2:8)? Declaram es-
A teologia de Karl Barth também con-
tas passagens que Jesus assumiu uma na-
tém problemas no que concerne à nature-
tureza pecaminosa procedente de Abraão
za de Cristo no nascimento.29 Embora ele
e Davi? À luz do vasto contexto bíblico,
acreditasse que Jesus era realmente Deus,
estes textos não estão considerando a na-
não permitia que as conseqüências bíbli-
tureza, mas a missão de Cristo. Não es-
cas disto controlasse sua compreensão da
tão preocupados com o tipo de carne em
encarnação. Afirmava que o bebê Jesus
que Ele nasceu (impecável ou pecamino-
nasceu com carne pecaminosa.30 A única
sa). Antes, eles mantêm que, como judeu
maneira pela qual Barth podia se esqui-
(Hb 2:16) e como seu verdadeiro rei (Rm
var das conseqüências disto era afirmar
1:3), Jesus veio como o cumprimento da
que Cristo assumiu essa carne pecami-
aliança. Deus chamou Abraão para formar
nosa dentro de sua natureza divina, de tal
um povo por meio de quem Ele pudesse
maneira que as tentações e o pecado eram
abençoar a todas as nações (Gn 22:18).
uma impossibilidade.31
Semelhantemente, Jesus veio por meio
As informações bíblicas levam na de Maria para salvar as nações (Mt 1:18,
direção oposta do pensamento de Sch- 21; cf. Jo 3:16). Missão e não natureza é
leiermacher e de Barth. O homem Jesus é o contexto.
singular. Ele é o nosso substituto na vida.
Ele cobre o nosso caráter imperfeito com Israel, no período do Antigo Testamen-
o seu perfeito caráter humano. Seu ca- to, e os cristãos judeus, nos dias do Novo
ráter é a nossa veste de justiça, a veste Testamento, relembravam Abraão como o
nupcial sem a qual não podemos entrar “pai” da igreja de Deus em sua primeira
no reino. Ele é o nosso substituto na mor- forma (veja Is 51:2; Rm 4:12; Tg 2:21 e
te. Morreu para pagar o preço do pecado seus contextos). De sorte que Mateus,
em nosso lugar para que possamos ter escrevendo para os judeus, começa a ge-
vida eterna. Mas Ele é também o nosso nealogia de Jesus com Abraão (Mt 1:1).
substituto no nascimento. Nasceu sem E o autor de Hebreus, também escreven-
pecado a fim de satisfazer nossa primeira do para os judeus, diz que Jesus “tomou
necessidade dele como salvador, quando sobre si a descendência de Abraão” (Hb
somos nascidos pecadores. 2:16). O fato de estar Jesus colocado na
linhagem da aliança abraâmica não anu-
A Bíblia não atribui nenhum valor sal- la a sua realização do próprio propósito
vífico ao nosso primeiro nascimento. De daquela linhagem da aliança tornando-se
fato, ela afirma claramente: “Se alguém o segundo Adão. De fato, o mesmo livro
não nascer de novo, não pode ver o reino que menciona a conexão de Cristo com
de Deus” (João 3:3). Somente o homem Davi também o apresenta como o segundo
Jesus não precisava do novo nascimento. Adão (veja Rm 5:12-21).
Isto o tornava único por si mesmo.
A substituição inclui que Ele deveria
Cristo da linhagem abraâmica, se tornar exatamente como um de nós no
davídica32 nascimento? Poderia Jesus realmente nos
salvar se Ele não tivesse de fato se tornado
Das informações bíblicas estudadas um de nós em natureza pecaminosa? Ele
até aqui, o que podemos concluir quanto realmente desceu ao fundo do poço onde
ao significado das seguintes expressões: estamos a fim de nos tirar? Estando dentro
“[Ele] tomou a descendência de Abraão” do poço Ele se revestiu da real carne hu-
Que natureza humana Jesus assumiu? / 39

mana somente até onde sua união com o caminosa. Urge a pergunta: Então Ele re-
Pai não fosse afetada. Em outras palavras, almente nos compreende? Ou é Ele um ser
Ele não poderia ser de natureza pecami- remoto que tinha uma injusta vantagem
nosa, porque por definição tal natureza é sobre nós? Pode Ele realmente ser um
o resultado da separação de Deus. A união compassivo sumo sacerdote? Em suma,
com Deus e a natureza espiritual pecami- foi Ele realmente tentado em todas as coi-
nosa se acham tão afastadas uma da outra sas como nós somos?
como estão o Céu e o inferno. Afirmar que
Nossa cristologia afeta nossa compre-
Ele se identificou conosco mas permane-
ensão das tentações de Cristo. Durante
ceu leal a Deus é compreender mal a ter-
centenas de anos, a cristologia clássica
rível natureza do pecado. Pecado signifi-
considerou que Jesus viveu na Terra como
ca separação de Deus. Ou Jesus manteve
Deus. Ele tinha poderes que não estão na-
uma relação ininterrupta com o Pai ou Ele
turalmente disponíveis aos outros homens.
desistiu e mergulhou em nossa alienação.
Não é de admirar que a tentação fosse con-
Jesus foi tanto nosso substituto como siderada como nenhuma provação difícil
nosso exemplo, e nesta ordem. Há uma para Ele. Embora Anselmo (l033-1109)
prioridade de substituto sobre exemplo fosse o primeiro erudito significativo a fo-
como há de Deus sobre o homem e do calizar a vida de Cristo sobre a Terra como
Salvador sobre os salvos. Isto é importan- homem (ele escreveu Cur Deus Homo),
te notar. A cristologia nunca deve come- outros subseqüentemente continuaram es-
çar com exemplo e esperar fazer justiça à quecendo a realidade de sua difícil prova-
sua substituição. Deve seguir o caminho ção. Desse modo, a crença de Calvino de
que leva da substituição ao exemplo. Pre- que Jesus permaneceu no trono celestial
cisamos de sua substituição por todo o enquanto vivia na Terra (extra calvinis-
caminho. Necessitamos de sua eterna di- ticum), a mistura das naturezas divina e
vindade, seu nascimento impecável, sua humana por Lutero (communicatio idio-
vida inocente, sua morte perfeita, sua res- matum) e, segundo a opinião de Barth, o
surreição, sua intercessão sumo sacerdotal revestimento da assumida natureza huma-
e sua segunda vinda. Também precisamos na dentro de uma impenetrável divindade
dele como um homem que exemplifica to- (ganz anderer), tudo tornava as tentações
tal dependência de Deus. de Cristo irreais sendo-lhe impossível pe-
car. E. J. Waggoner, à semelhança de Bar-
O fato de que Ele nasceu impecável de
th, acreditava que Jesus assumiu a carne
maneira nenhuma sugere que a observân-
pecaminosa, mas não podia pecar porque
cia da lei não é importante para o restan-
era divino.33 Qual é a vantagem de uma
te de nós que somos nascidos pecadores.
natureza pecaminosa como a nossa se Ele
Não é verdade que a crença na natureza
tinha uma natureza divina diferente da
impecável de Cristo significa que nin-
nossa? Uma elimina a outra, removendo
guém mais pode ou nem mesmo deveria
dele a realidade da tentação.
tentar guardar a lei. Jesus não é o nosso
substituto para que possamos viver como Contrastando, a Bíblia declara que Ele
nos apraz. “foi tentado em todas as coisas, à nossa
semelhança, mas sem pecado” (Hb 4:15).
Tentado como nós “Em todas as coisas” não significa as
mesmas tentações (plural), mas a mesma
Temos visto que as informações bíbli- tentação (singular). Por exemplo, Jesus
cas apresentam um Jesus humano singular nunca foi tentado a assistir a um progra-
que não poderia ter tido uma natureza pe- ma de televisão, fumar maconha, ou ul-
40 / Parousia - 1º semestre de 2008

trapassar o limite de velocidade. Mas Ele que Jesus tinha não foi para si mesmo. Sua
foi tentado a desistir de sua dependência missão salvadora determinou a extensão
de Deus. Satanás empregava meios dife- de sua identidade conosco.
rentes para o mesmo fim. Porque a ênfase
Todavia dizer isto nos leva a um para-
de toda tentação é o rompimento da rela-
doxo. O fato de permanecer Ele diferente
ção com Deus.
de nós não lhe deu uma vantagem; foi real-
As tentações de Cristo foram maio- mente desvantajoso para Ele. Porque se a
res do que as nossas, porque somente força da tentação é levar alguém a confiar
alguém que nunca cedeu poderia sentir em si mesmo em vez de em Deus, quem
sua plena força.34 Assim se expressou B. teria a maior tentação: Jesus, que tinha sua
F. Westcott: “A simpatia com o pecador própria divindade em que confiar, ou nós,
em sua provação não depende da expe- que não temos nada comparável?
riência do pecado mas da experiência da
A desvantagem de Cristo na tentação
força da tentação ao pecado, que somente
procedia de sua singularidade. E nesta
o impecável pode conhecer em sua plena
singularidade repousa nossa salvação.
intensidade. Aquele que cai se rende an-
Somente Jesus sentiu a plena força do
tes da última pressão.”35
ódio satânico, porque o conflito de Sata-
Mas “em todas as coisas” inclui “da nás é contra Cristo e não contra qualquer
mesma forma”?36 Escreve Tiago: “Cada ser humano. Todo o inferno soltou-se
um é tentado pela sua própria cobiça, quan- contra esse homem dependente, Jesus; e
do esta o atrai e seduz” (Tg 1:14). As más além disso, Jesus não poderia obter per-
propensões (uma inclinação para o peca- dão se fosse derrotado. Imagine a pressão
do) são adquiridas de duas maneiras: por quando a cada momento, cada ato tinha
meio do pecado e por ter nascido um peca- tais conseqüências sobre si mesmo e o
dor. Cristo não tinha nem uma nem outra. mundo inteiro!
Ele foi nascido “o ente santo” (Lc 1:35), e
Se Jesus deveria ser carne pecaminosa
Satanás não encontrou nele absolutamen-
para compreender nossas lutas por expe-
te nenhum mal (veja Jo 14:30). “Ser ten-
riência, então como poderia Ele demons-
tado em todas as coisas como nós” deve
trar empatia pela escória da raça? Como
ser compreendido à luz das informações
poderia salvar a geração mergulhada
bíblicas já consideradas. Indica que Ele,
mais de dois mil anos em degeneração
como um ser humano singular, foi tentado
genética? Se assumir a nossa natureza
em todas as coisas como nós. Além disso,
pecaminosa fosse pré-requisito para Ele
a tentação basicamente envolve o esforço
ser tentado como nós, então Ele deveria
de Satanás de fazer alguém romper o rela-
ter vindo na mesma época que o último
cionamento com Deus.
homem nascido. Contudo, mesmo se Je-
É inconcebível que Jesus imergisse na sus fosse uma pessoa da última geração,
separação de seu Pai no próprio ato de vir Seus contemporâneos ainda seriam mais
fazer a sua vontade. Os dois são mutua- degradados por causa do seu próprio pe-
mente exclusivos. Sua singularidade no cado. Se a natureza pecaminosa é um ele-
nascimento não é causa para o protesto: mento necessário para ser tentado como
“Jogo sujo! Tu não Te tornaste realmente nós, então Cristo não foi tentado como
um de nós. Para Ti era mais fácil do que nossa geração e aqueles que são degra-
para nós! Quem não poderia resistir às dados pelo pecado pessoal. Mas se sua
tentações se tivesse uma natureza impe- singularidade tornou sua tentação maior,
cável como a Tua!” Como poderia ser de então Ele não precisava de nossa nature-
outra forma? Qualquer suposta vantagem za caída para ser tentado como nós.
Que natureza humana Jesus assumiu? / 41

Não até a sua morte aquele “que não Como poderia Jesus ser meu exemplo
conheceu pecado” se tornou “pecado por em tudo isto? Como poderia eu copiá-lo?
nós” (2Co 5:21). Nunca antes daquele Como poderia eu ser eterno, ser Deus,
momento o pecado trouxe uma separação ser impecável no nascimento, impecá-
de seu Pai, que o levou a clamar: “Deus vel como bebê, e impecável ao longo da
meu, Deus meu, porque me desamparas- vida? Como poderia eu vencer tudo o que
te?” (Mt 27:46). O homem Jesus tornou- Ele venceu? E quando Ele finalmente
se pecado por nós em missão na morte e venceu Satanás por sua morte no Calvá-
não em natureza no nascimento. rio – o que tem conseqüências cósmicas
e salvíficas – como poderia eu imitar?
Doxologia Sim, eu anseio ser semelhante a Ele, mas
admito que Ele é para sempre singular.
A teologia é uma investigação humana Confesso com Pedro: “Senhor, retira-te
para compreender a auto-revelação divi- de mim, porque sou pecador” (Lc 5:8).
na. A Cristologia é o centro e o âmago da Todavia, Ele em misericórdia diz: “Vinde
teologia, porque Jesus Cristo é a maior re- a mim” (Mt 11:28). Ele me atrai por sua
velação de Deus ao homem. Ele é também singularidade. Desesperadamente preciso
a melhor revelação do homem autêntico daquilo que o faz diferente de mim.
ao homem. Jesus Cristo era singular não
somente como Deus conosco mas como O cristianismo não é apenas ser seme-
homem conosco. Ele era divinamente im- lhante a Ele. O cristianismo é vida nele.
pecável unido com a carne humana enfra- Somos justos somente em Cristo, nunca
quecida pelo pecado, mas foi igualmente em nós mesmos. As boas novas são mais
impecável em ambas as naturezas. Ele era do que “copie-me.” São sempre, em pri-
Deus conosco, mas viveu como homem meiro lugar, “apegue-se a mim”, “perma-
conosco em um completo esvaziamento necei em mim” (Jo 15:4), “Cristo em vós,
de si mesmo (veja Fl 2:7). Embora per- a esperança da glória” (Cl 1:27), e “vós
manecesse Deus, Ele pôs de lado o uso de sois aceitos no Amado” (veja Ef 1:6).
seus atributos divinos, vivendo como ho- A verdadeira cristologia termina não
mem autêntico totalmente dependente de em debate, mas em grata adoração e ju-
seu Pai celestial. bilosa obediência. Contemplando-o nós
Maravilhai-vos, habitantes do vasto não somente o louvamos mas nos torna-
cosmos! Assombrai-vos, anjos do Céu! mos semelhantes a Ele (veja 2Co 3:18).
Oh! adorai-o, vós pecadores sobre a Ter- A visão do seu amor por nós, seu amor
ra! Pois que outro ser humano, nascido singular como um homem singular, gal-
de mulher, pode ser a Ele comparado em vaniza-nos; anelamos mais ser repletos
natureza e feitos? Quem mais renunciou a dele do que ser semelhantes a Ele. Este
tanto por tão poucos? Quem mais se tor- enfoque é decisivo. É sobre Ele e suas
nou limitado a um corpo humano sendo obras, e distante de nós mesmos e nossas
que antes existia por toda parte? Quem obras. Não apenas seguimos, comunga-
mais escolheu permanecer tão limitado mos. Não consiste apenas em regras, mas
para sempre? Quem mais mergulhou no relacionamento. Não somente uma práti-
câncer terminal e inoperante do pecado ca, mas uma Pessoa. Porque cristianismo
para trazer cura completa e Ele mesmo é Cristo inteiramente. Dessa comunhão
não ficar contaminado? Quem mais po- provém um maravilhoso portento – tor-
deria se tornar um médico humano ao namo-nos como aquele a quem mais ad-
mesmo tempo em que se distancia do fla- miramos! É um subproduto natural do
gelo humano? anseio de tê-lo habitando dentro de nós.
42 / Parousia - 1º semestre de 2008

A cristologia chega ao ponto culminante mente nesta dependente união pode Jesus
na exclamação “Já não sou eu quem vive, ser nosso homem modelo – jamais em
mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20). So- sua natureza ao nascer.

Referências “The Nature and Extent of Ellen White’s Endorse-


ment of Waggoner and Jones” [trabalho de pesqui-
1
Artigo publicado originalmente em Ministry, sa, Biblioteca da Universidade Andrews, 1978]). O
junho de 1985, 8-21. Traduzido do original em in- fato de que a cristologia de Jones e Waggoner se
glês por Francisco Alves de Pontes. tornou cada vez mais panteísta também deve ser
conservado em mente. O panteísmo é uma exagera-
2
Veja E. C. Webster, Crosscurrents in Adven- da identificação de Deus com a criação, que poderia
tist Christology (Berna, Suíça, Peter Lang Pub., ser considerada a conclusão lógica de tentar tornar
Inc. 1984) para uma avaliação comparativa da o homem Jesus, quanto à natureza, totalmente se-
cristologia de H. E. Douglass, E. Heppenstall, E. melhante a outros homens. O emprego de Ellen G.
J. Waggoner e E. G. White. Aqueles que focalizam White do termo “natureza pecaminosa”, e seus si-
a natureza pecaminosa de Cristo incluem (alfabeti- nônimos, precisa ser definido no contexto do uso
camente): T. H. Davis, Was Jesus Really Like Us? em seu tempo, bem como dentro do contexto his-
(Washington, DC: Review and Herald Publishing tórico de cada ocorrência em manuscrito, carta ou
Assn., 1979); H. E. Douglass e Leo Van Dolson, artigo. As compilações extraídas de uma multiplici-
Jesus: The Benchmark of Humanity (Nashville: dade de fontes geralmente deixam de dar o devido
Southern Pub. Assn., 1977). Aqueles que abordam lugar ao ambiente histórico. É óbvio que muitas
a natureza impecável de Cristo incluem (alfabetica- dissertações doutorais poderiam ser aqui úteis. Um
mente): N. R. Gulley, Christ Our Substitute (Wash- fato é seguro: O estudo da cristologia deve começar
ington, DC: Review and Herald Pub. Assn., 1982); com as informações bíblicas, e, então, alguém pode
E. Heppenstall, The Man Who is God (Washington, prosseguir lendo os escritos de Ellen G. White. Ela
DC: Review and Herald Pub. Assn., 1977); H. K. jamais pretendeu que o procedimento inverso fosse
LaRondelle, Christ Our Salvation (Mountain View, seguido, nem é verdade para a pressuposição ad-
Calif.: Pacific Press Pub. Assn., 1980). A cristolo- ventista do sétimo dia de que a Bíblia é a base de
gia clássica tem três importantes ênfases exage- todas as doutrinas adventistas.
radas: Jesus como (1) excessivamente divino, a
principal opinião durante centenas de anos vista no
4
A definição de termos é decisiva neste deba-
atanasiano-calvinista Extra Calvinisticum, em que te. Das informações bíblicas a serem consideradas,
a divindade de Cristo permaneceu no trono celes- notaremos: (1) Cristo era singular como homem
tial enquanto sua humanidade vivia na Terra; (2) (similar, não idêntico). Portanto, eu defino sua
demasiado humano, arianos; ou (3) uma mistura natureza humana como, no máximo, fisicamente
divino-humana, tal como o communicatio idioma- afetada pelo pecado mas absolutamente impecável
tum de Lutero. Os dois principais pontos de vista no sentido espiritual. Ele tinha a altura de um ho-
no adventismo consideram a cristologia um do ou- mem do seu tempo, tornava-se cansado e faminto e
tro como tornando Cristo ou demasiado humano ou sentia dor. Mas espiritualmente Ele mantinha uma
demasiado divino. Isto tem óbvia influência sobre comunhão ininterrupta com Deus como tinha Adão
como Ele é considerado como nosso exemplo em antes da queda. (2) Seu nascimento pelo Espírito foi
vencer as tentações. singular. Não pode ser comparado com nosso novo
nascimento pelo Espírito, porque pecamos antes do
3
Para um estudo nos escritos de Ellen G. Whi- nosso novo nascimento, ao passo que Ele era santo
te, veja Norman R. Gulley, “Behold the Man”, Ad- antes do seu nascimento. Nosso novo nascimento
ventist Review, 30 de junho de 1983. Há uma séria procede do contexto do corruptível. Seu nascimen-
necessidade de um estudo teológico e hermenêutico to vinha dentro do contexto do santo. (3) A doutrina
dos escritos de Ellen G. White em geral, e de sua do pecado (hamartiologia) está por trás do debate
cristologia em particular. Mais pesquisa também sobre a natureza de Cristo (cristologia). O pecado
precisa ser feita para ver se o endosso de Ellen G. quando compreendido como um relacionamento
White da teologia de Jones e Waggoner era parti- rompido torna impossível uma natureza pecamino-
cularmente de apoio de sua nova ênfase, longe do sa para Jesus ao nascer. Porque não poderia haver
homem para Cristo, e não necessariamente um en- maior demonstração da união com Deus do que ir ao
dosso de cada detalhe de sua cristologia, tal como ponto em que Cristo foi para fazer a vontade do Pai
a natureza humana de Jesus (veja Age Rendalen, (Hb 10:7-9). Ambas as escolas de cristologia dentro
Que natureza humana Jesus assumiu? / 43

da Igreja Adventista do Sétimo Dia precisam usar todas as coisas foi tentado como nós somos. E, con-
termos como carne, pecado, mesmo, semelhante, tudo, Ele ‘não conheceu o pecado.’... Não devemos
singular, imaculada concepção, pecado original, ter nenhuma dúvida em relação à perfeita impeca-
semente de Abraão, e semente de Davi como são bilidade da natureza humana de Cristo” (Ellen G.
usados pelos escritores bíblicos ou são explicados White, em Signs of the Times, 9 de junho de 1898
neste artigo. Se isto fosse feito, então a verdadei- [citado em The SDA Bible Commentary, 5:1131]).
ra comunicação entre eles seria estabelecida (eles “Ele devia tomar sua posição à frente da humanida-
falariam acerca das mesmas coisas), e muitas das de assumindo a natureza mas não a pecaminosidade
diferenças entre eles seriam dissipadas. do homem” (Ellen G. White, em Signs of the Times,
19 de maio de 190l [citado em The SDA Bible Com-
5
Greek Concordance of the New Testament de
mentary, 7:912]).
Englishman (Londres: S. Bagster e Filhos, 1903),
680, 681. 14
Ele preservou sua divindade ao longo da en-
carnação. Isto era tranqüilo dentro das auto-escolhi-
6
Reinhold Niebuhr acreditava incorretamente
das limitações da humilhação (Fp 2:6-8).
que sarx, nos escritos de Paulo, é o “princípio do
pecado” (The Nature and Destiny of Man [New 15
“A opinião veterotestamentária de pecado é
York: Charles Scribner’s Sons, 1949], 152). o lado inverso negativo da idéia da aliança, donde
é freqüentemente expresso em termos legais” (The
7
Hamartia e seus cognatos são encontrados
New International Dictionary of New Testament
174 vezes no Novo Testamento, mais de 50 vezes
Theology, 3:578). “Hamartia é sempre usada no
nos escritos paulinos. Adikia é uma palavra mais
Novo Testamento para o pecado do homem, que é
especializada, legal, que significa “não justo” (o
essencialmente dirigido contra Deus” (Ibid., 579).
oposto de “justiça”, dikaiosunē). Paraptōma vem
“No quarto evangelho hamartia designa ... um ato
de parapiptō, “cair ao lado de, desmoronar, proster-
pecaminoso específico, uma condição, ou mesmo
nar-se, não ser bem-sucedido, fracassar”. Veja ed.,
um poder que empurra o homem, e o mundo como
Colin Brown, The New International Dictionary of
um todo, para longe de Deus” (S. Lyonnet e L. Sa-
New Testament Theology (Grand Rapids: Zonder-
barin, Sin, Redemption, and Sacrifice: A Biblical
van, 1978), 7:573. Para informação geral sobre ha-
and Patristic Study, vol. 48 de Analecta Bíblica
martia e seus empregos, veja Theological Diction-
[Roma: Biblical Institute Press], 39).
ary of the New Testament de Kittel (Grand Rapids:
Eerdmans, 1964), 1:308-311; W. E. Vine, Exposi- 16
R. Govett, Govett on Romans (Flórida: Con-
tory Dictionary of New Testament Words (Londres: ley e Schoettle Pub. Co. 1981), 134.
Oliphants, 1946), 4:32-43. 17
E. F. Harrison, ed., Baker’s Dictionary of
8
G. W. Bromiley, trad. (Grand Rapids: Eerd- Theology (Grand Rapids: Baker Book House, 969),
mans, 1971), 126. Para todo o artigo veja páginas 488.
124-144. 18
R.C.H. Lenski, Interpretation of Romans
9
Ibid., 130. (Columbus, Ohio: Wartburg Press, 1945), 366.
10
Ibid., 134. 19
John Murray, The Epistle to the Romans, em
The New International Commentary on the New Tes-
11
1 João 4:1-3 não fala acerca de que espécie de
tament (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), 1:183. Leia
natureza humana (pecaminosa ou impecável) Jesus
também pp. 178-209 sobre “The Analogy”.
assumiu, mas a natureza humana em si. Os gnós-
ticos, e posteriormente os docetistas, acreditavam 20
Govett, op. cit., 142.
que Ele não se tornou de fato um ser humano, mas 21
Lenski, op. cit., 364.
meramente apareceu como humano. Esta passa-
gem rotula tal negação de sua genuína humanidade 22
Várias palavras gregas terminam em ma
como anticristo. em Romanos 5. A desinência ma significa “resul-
tado”. Duas dessas palavras são queda e graça, e
12
Aqui similarmente não significa um outro ser
comparam os resultados do pecado de Adão com
além de humano (extraterrestre). Pelo contrário,
a salvação de Cristo. Ambos os resultados foram
como humano Ele foi apenas semelhante a todos os
transmitidos à raça humana a partir do primeiro e
outros seres humanos.
do segundo Adão, igualmente sem levar em conta
13
“Tomando sobre si a natureza humana em sua as obras do homem, que é o tema central da epístola
condição caída, Cristo não participou no mínimo de Paulo.
em seu pecado. Estava sujeito às fraquezas e de- 23
Há onze palavras no hebraico que conotam
bilidades pelas quais o homem é assediado... Era
diferentes nuanças de pecado (veja referência 24).
tocado pelo sentimento de nossas fraquezas, e em
44 / Parousia - 1º semestre de 2008
24
Para um estudo detalhado sobre o pecado,
pt. 1, 69, 88, 90, 93-95, 98, 100, 203.
veja B. C. Berkouwer, Sin (Grand Rapids: Ee-
rdmans, 1971), e Piet Schoonenberg, S.J., Man
31
Ibid., vol. 1, pt. 2, 158-ss., 191; vol. 3, pt. 2, 51.
and Sin: A Theological View (South Bend, Ind.: 32
Os evangelhos revelam o contexto da alian-
University of Notre Dame Press, 1965). E sobre ça em que Jesus e seus contemporâneos viveram.
o “pecado original” católico veja R. C. Broderick, Abraão foi o pai dos filhos fiéis de Israel, que aguar-
The Catholic Encyclopedia (Nashville: Thomas davam a vinda do Messias como o “filho de Davi”,
Nelson Pub. Co., 1976), 440; Baker’s Dictionary ou da linhagem davídica. O cântico de Maria re-
of Theology, 486-489; George Vandervelde, Orig- conhece isto (Lc 1:55) como o de Zacarias. Ele
inal Sin: “Two Major Trends in Contemporary mencionou que a salvação tinha vindo para a casa
Roman Catholic Reinterpretation” (Lanham, Md.: de Davi (v. 69), porque Deus havia se lembrado de
University Press of America, 1982); e John Mur- sua aliança com Abraão (v. 73). O cego clamou a
ray, The Imputation of Adam’s Sin (Grand Rapids: Jesus como “filho de Davi” (Mt 9:27; 12:22, 23;
Eerdmans, 1959). 20:30-ss.; Mc 10:46, 47). Os escribas o chamaram
25
Tanto o panteísmo como o movimento da de “Filho de Davi” (Mc 12:35). Durante sua entrada
carne santa deixaram de dar a Jesus o devido lugar triunfal em Jerusalém, a multidão clamou hosanas
como monogenēs. O panteísmo identifica excessi- ao “filho de Davi” (Mt 21:9). Jesus chamou a mu-
vamente a Deus com o homem, removendo a pos- lher encurvada de “filha de Abraão” (Lc 13:16). Na
sibilidade de singularidade. O movimento da carne parábola do rico e Lázaro, o mendigo foi levado de-
santa de tal forma se concentrou em tornar-se seme- pois da morte para o seio de Abraão (Lc 16:22), e a
lhante ao impecável Jesus que, igualmente, não foi vida eterna é retratada por Cristo como participação
dado o devido lugar à sua singularidade. na festa do reino com Abraão (Mt 8:11). Enquanto
os judeus reivindicavam Abraão como seu pai (Jo
26
Albert Schweitzer, The Quest of the Histori- 8:33-39), Jesus foi além dessa linhagem da alian-
cal Jesus (Londres: Adam e Charles Black, 1954), ça, declarando: “Antes que Abraão existisse, Eu
254, 358, 368-ss. sou” (v. 58). Duas coisas devem ser mantidas em
equilíbrio: Jesus foi além dessa linhagem da alian-
27
Karl Barth, Church Dogmatics, 4 vols. ça, declarando: “Antes que Abraão existisse, Eu
(Edimburgo: T. & T. Clark, 1936-1969), vol. 1, pt. sou” (v. 58). Duas coisas devem ser mantidas em
2, p. 50; vol. 2, pt. 1, p. 63; The Humanity of God equilíbrio: de Jesus é dito ser procedente de Abraão
(Londres: Collins, 1961), 44-ss. apenas porque Ele era o Messias prometido, cum-
28
Friedrich Schleiermacher, The Christian prindo todas as promessas da aliança. Dele também
Faith (Edimburgo: T. e T. Clark, 1928). é dito ser antes de Abraão porque antecedentemente
e eternamente Ele é Deus.
29
“O que Deus é em sua revelação, Ele é an-
tecedentemente, e eternamente em seu próprio ser
33
E. J. Waggoner, em Signs of the Times, 21
intertrinitariano” é a pressuposição básica da “reve- de jan. de 1889; cf. Christ and His Righteousness
lação” por trás da teologia de Barth. Neste contexto (Oakland, Calif.: Pacific, 1890), 28-ss.
seu logos ensarkos, seguindo a cristologia enipos-
F. F. Bruce, Commentary on the Epistle to the
34
tática [substancial], considera que a humanidade de
Hebrews (Londres: Marshall, Morgan and Scott,
Jesus tem existência somente na eterna divindade de
1974), 87-ss.
Cristo. Isto às vezes chega perto de apresentar uma
eterna humanidade de Jesus. (Veja Church Dogma- 35
Citado em Commentary on the Epistle to the
tics, vol. 3, pt. 2, 484-ss., 493.) Ele também sugere Hebrews, 88.
que Jesus não é um homem (homo) mas a espécie
humana (humanum) (ibid., vol. 4, pt. 2, 48ss.).
36
Dietrich Bonhoeffer evidentemente pensava
assim. Veja Temptation (New York: Macmillan,
30
Ibid., vol. 1, pt. 1, 191; vol. 3, pt. 2, 51; vol. 4, 1955), 16.
45

Cristo
e os cristãos
Amin A. Rodor, Th.D.
Professor de Teologia Sistemática e diretor da Faculdade Adventista de Teologia, Unasp Campus
Engenheiro Coelho

Resumo: Este artigo busca demonstrar as biblical notion of sin. The sin doctrine is
contradições internas da teoria pós-lap- also underscored in the light of the teach-
sariana. Além das questões relacionadas ing of Ellen G. White. The author also
à exclusiva identidade e missão de Jesus takes time to discuss topics such as the
Cristo, que o tornam absolutamente sepa- controversial letter to W. L. H. Baker and
rado de nossa natureza pecaminosa, o autor its five paragraphs dealing with the nature
trata demoradamente da noção bíblica do of Christ, what makes clear the Ellen G.
pecado, insistindo que Jesus não poderia White´s doctrine of the human nature of
ser infectado pela natureza caída dos des- Christ. The so called notion of the “his-
cendentes de Adão. A doutrina do pecado torical adventism” is exposed as a con-
é também discutida à luz dos ensinos de tradiction of terms. The texts in apparent
Ellen G. White. O autor também toma contradiction in the Christology of Ellen
tempo para discutir questões tais como a G. White are placed in the broad context
controversa carta a W. L. H. Baker, com of her teaching about the human nature of
seus cinco parágrafos cristológicos que ex- Jesus Christ. In essence this article argues
põem a posição doutrinária Ellen G. White that Christ is infinitely set apart from all
quanto ao tópico. A alegada noção do assim human beings in relation to the problem
chamado “adventismo histórico” é exposta of sin, including the Christians, that even
como uma contradição de termos. Os textos after the new birth, although not governed
em aparente conflito na cristologia de Ellen by sin, will remain with the fallen nature,
G. White são colocados no amplo contexto until the final glorification.
dos seus ensinos sobre a natureza humana
de Jesus Cristo. Em essência, este artigo ar- Introdução
gumenta que Cristo está infinitamente sepa-
rado de todos os seres humanos quanto ao A encarnação de Cristo é a doutrina-
problema do pecado, inclusive dos cristãos, chave do cristianismo. O ensino central da
que, mesmo depois do novo nascimento, fé cristã. Sem ela, todo o cânon bíblico se
embora não estejam mais sob o domínio do tornaria um documento incompreensível,
pecado, ainda permanecem com a natureza um verdadeiro non sense. Em função desta
caída até a glorificação final. percepção, através dos séculos, a doutrina
Abstract: This article highlights the in- de Cristo tem preservado seu lugar de im-
ternal contradictions of the postlapsarian portância vital. A posição da igreja cristã
theory. Besides pointing out the questions quanto à cristologia, freqüentemente, tem
related to the exclusive Identify and Mis- sido considerada como um indicador de sua
sion of Jesus Christ, what makes Him ab- ortodoxia ou de tendência herética. Karl
solutely separated from our sinful nature, Barth está correto ao afirmar que a cris-
the author deals, at some length, with the tologia é um tipo de aferidor da teologia.
46 / Parousia - 1º semestre de 2008

Em suas próprias palavras, “cristologia é nascem. Embora, e isto deve ser observado,
a pedra de toque de todo conhecimento de se afirme que sua humanidade teria sido
Deus, em sentido cristão, a pedra de toque afetada pelas conseqüencias da queda,
de toda teologia”.1 Não é por acaso, portan- partilhando, assim, das marcas benignas
to, que o cristianismo durante mais de três do pecado, ou da humanidade física, en-
séculos, se debateu com sérias distorções fraquecida pela queda. Cristo, portanto,
deste tema central. Ebionismo, docetismo, experimentou as deficiências físicas (fome,
monarquianismo, arianismo, apolinaria- sede, fadiga, cansaço, tristeza, e a própria
nismo, nestorianismo, eutiquianismo e morte), que caracterizam os seres humanos,
outros “ismos”, relacionados à cristologia, sem, contudo, partilhar da natureza peca-
foram desvios, que, com diferentes graus minosa de todos os demais descendentes
de apelo, representaram ameaças ao ensino de Adão.
bíblico a respeito de Cristo, e à própria
Por outro lado, a segunda posição (pós-
sobrevivência da fé cristã. É importante
lapsariana), como observa Norman R.
observar que estas heresias representaram
Gulley, “procura preservar o fato de que Ele
desvios de duas verdades fundamentais:
[Jesus] tornou-se o filho de Maria. A ênfase é
primeiro, que Jesus era pleno Deus e pleno
colocada na identificação de Jesus com a na-
homem; e, segundo, que Ele era uma pessoa
tureza humana caída”.3 Assim, se a primeira
e não duas.
posição, em relação ao problema do pecado,
Como seria de se esperar, cristologia busca distanciar Cristo da humanidade pós-
tem sido de fundamental importância para queda, sublinhando o significado dEle como
a vida e missão dos Adventistas do Sétimo nosso imaculado substituto, a segunda, na
Dia. Para Ellen G. White, “a humanidade preocupação de torná-lo nosso exemplo,
do Filho de Deus é tudo para nós. Ela é busca, precisamente o oposto, estreitando,
a cadeia de ouro que une nossas almas a ou mesmo obscurecendo a brecha entre
Cristo, e através de Cristo a Deus. Este é o Cristo e a humanidade pecaminosa. Desta
tema do nosso estudo”.2 A discussão cristo- forma, desconsidera fundamentalmente o
lógica entre os adventistas, particularmente caráter único de sua identidade e missão,
nos últimos 50 anos, tem-se centralizado no como veremos.
tipo de natureza humana que Jesus Cristo Este artigo trata primariamente com as
assumiu na encarnação. Basicamente a contradições teológicas da teoria pós-lap-
questão é esta: Onde Jesus Cristo iniciou a sariana, em confronto com os ensinos das
vida na encarnação? Exatamente na mesma Escrituras e os escritos de Ellen G. White.
condição de todos os homens, ou, há entre
Cristo e todos os outros uma diferença fun- A posição pós-lapsariana
damental? Em essência, como geralmente
indicado, duas posições, se dividem, em
O argumento básico dos defensores da
ênfases opostas.
teoria pós-queda insiste que na encarnação
A primeira vertente, buscando preservar Jesus assumiu a natureza humana pecami-
a singularidade de Cristo, como o segundo nosa, tanto física quanto moral e espiritual,
Adão, defende que, na encarnação, Ele, do com todas as características da humanidade
ponto de vista moral e espiritual, assumiu a caída. Pós-lapsariana significa depois do
natureza de Adão antes da queda (posição lapso, depois da queda, posterior à entrada
pré-lapsariana, ou anterior à queda), não do pecado registrada em Gênesis 3. Assim,
sendo, portanto, infectado pelas propen- nesta formulação, Jesus, em termos de sua
sões do pecado e tendências corruptas com completa natureza humana, foi exatamente
as quais todos os demais seres humanos como qualquer um de nós – cem por cento
Cristo e os cristãos / 47

igual. Absolutamente em nada diferente de profunda noção bíblica de pecado, e aca-


qualquer outra criatura nascida no planeta ba passando por alto a compreensão do
Terra. Como A. T. Jones, um dos pioneiros pecado original,9 expressa na Palavra de
desta noção, afirmou na sessão da Assem- Deus. Pecado (o estado, a condição), nas
bléia da Associação Geral de 1895, “em sua Escrituras, é muito mais do que pecados (os
natureza humana não há uma partícula de atos externos). Um é a doença, os outros
diferença entre Ele [Jesus] e vós”.4 são apenas os sintomas de sua presença, ou
as suas conseqüências naturais. A sombria
Esta posição está sustentada na ambígua
verdade é que podemos estar em pecado,
compreensão de que uma pessoa nascida
independente de cometer os atos pecami-
em “carne pecaminosa não necessita ser um
nosos. Pecado é um estado que escraviza
pecador”.5 Assim, na tentativa de evitar o
a vontade, um poder destrutivo, enterrado
que consideram o dogma católico romano
nas profundezas da natureza humana.
do pecado original,6 os proponentes da
teoria pós-lapsariana acabam negando ou
minimizando e distorcendo o ensino bíblico Os efeitos do pecado
da corrupção universal como claramente
testemunhado nas páginas das Escrituras. James Stalker está correto ao afirmar
É evidente que se o pecado fosse simples- que “todas as heresias resultam de um
mente uma questão de atos pecaminosos, inadequado senso de pecado”,10 e, cer-
seria possível conceber a encarnação de tamente, como Gerhard C. Berkouwer
Jesus em “carne pecaminosa” e, ao mesmo indica, “qualquer tentativa de minimizar
tempo, sem pecado. Contudo, não é verdade o pecado está radicalmente em oposição à
que o pecado não está presente, até que ele totalidade da mensagem das Escrituras”.11
se manifeste em atos. Por outro lado, não é Errar no diagnóstico, como sabemos, é o
de surpreender que, com sua compreensão primeiro passo para se errar no tratamento
superficial de pecado, o pós-lapsarianismo de uma enfermidade. Aqueles que, como
chegue fatalmente à teoria perfeccionista: os fariseus dos dias de Cristo, externali-
“Jesus foi como nós, e nós podemos ser zam o pecado, compreendendo-o apenas
como Ele”, é o raciocínio decorrente.7 em termos de ações do comportamento, e
não como uma doença maligna, sistêmica,
A vitória de Cristo em “carne peca- nas palavras de Ellen G. White, uma “le-
minosa” é, para eles, a garantia de que pra... profundamente enraizada, mortal, e
nós também podemos “vencer como Ele impossível de ser purificada pelo poder
venceu”.8 A idéia, contudo, pode ser bem humano”,12 estão destinados a enganos
intencionada, mas deixa de entender que grosseiros. É desta má compreensão que
nós não somos chamados para duplicar a emergem, tanto o legalismo como o perfec-
vitória de Cristo. De fato, os cristãos não cionismo. O primeiro buscando justificação
vencem como Jesus venceu, antes, vence- perante Deus através de atos meritórios de
mos porque Ele venceu. Nesta teoria, como justiça humana, o que, comparativamente,
indicado, o pecado é visto como meros atos equivale à tentativa ridícula de se tentar
do estilo de vida, e por isso pode ser “ple- curar leucemia com aspirinas.
namente vencido”, a ponto de se alcançar
impecaminosidade absoluta, como crêem O segundo, o perfeccionismo, trivializa
os advogados da natureza pós-queda de o ideal divino, reduzindo a norma de per-
Cristo. É claro que tal teoria, enraizada feição bíblica, para entendê-la em termos
na idéia dos padroeiros do pós-lapsaria- de atos externos como dieta vegetariana,
nismo adventista, como Jones, Waggoner abstenção de açúcar, e outros desempenhos
e Andreasen, entre outros, desconsidera a semelhantes, julgando-se que é aí que o pe-
48 / Parousia - 1º semestre de 2008

cado reside, e que ele será vencido quando bem, mas, como Leon Morris indica, eles
nos abstivermos de determinadas práticas. se tornaram “inimigos ... colocando seus
Nesse caso, temos de admitir que completa esforços na direção oposta a Deus”15.
perfeição (impecaminosidade), como advo-
gada pelo pós-lapsarianismo adventista, Desde a queda, o homem natural não
se torna um alvo plenamente alcançável pode pensar direito, sentir direito, ver
em nossa condição atual, porque a noção direito ou agir direito. Cada parte do seu
de pecado é reclassificada, e a norma se ser foi radicalmente afetada. Em relação
torna consideravelmente simplificada. Tal a Deus, o homem está em rebelião, em re-
teoria termina desenvolvendo a arrogância lação a si mesmo, está dividido. O pecado
humana, espírito acusador e complexo de perverteu e desorganizou sua natureza.
superioridade espiritual.13 Provavelmente Do ponto de vista humano, esta doença
esta é uma das mais fortes razões porque se é incurável, sobretudo porque é o único
exige que Cristo seja “cem por cento igual tipo de enfermidade que leva a vítima a
a nós” para que Ele se torne um modelo fugir do Médico. Pecado e morte mantêm
imitável. A vida cristã, nesse caso, passa domínio sobre o homem caído. O pecado
a ser vista como um tipo de “competição” produziu uma insanidade radical na na-
com Cristo, como se estivéssemos em tureza humana, a tal ponto que o homem
uma maratona, e assim, como em geral tornou-se como um navio cujo leme está
argumentado, Ele não poderia ter nenhuma fixo, amarrado no ângulo errado. Como
“vantagem” sobre nós descrito pelo puritano Thomas Gataker, o
coração natural “é como um livro estraga-
Se a primeira verdade que aprendemos do por erros e enganos de impressão”.16
nas Escrituras a respeito do homem é que
ele é um ser criado por Deus (Gn 1:26-28), Esta desordem moral e espiritual cobre
a segunda verdade fundamental acerca do toda a história humana, perpetuada em cada
ser criado por Deus, é que ele, pela entrada geração, desde a queda do primeiro Adão.
do pecado, alienou-se do Criador (Gn 3: 5). Não importa quão ignorantes as pessoas
Pela queda, o homem destronou Deus de possam ser, J. C. Ryle indica, “elas sempre
sua vida, e colocou-se a si mesmo em seu sabem como pecar”.17 E isto, porque os
lugar. Sua natureza foi assim depravada homens, universalmente, “são filhos da
e corrompida. Em conseqüência, toda a ira” (Ef 2:3); “filhos da desobediência” (Ef
posteridade de Adão herdou os resultados 5:6); naturalmente “andando nos desejos da
e a inclinação de seu [de Adão] pecado, nossa carne, fazendo a vontade da carne e
sendo a maior delas a separação de Deus, dos pensamentos”, por natureza “mortos
e desta decorrem todos os outros tipos de em delitos” (Ef 2:3, 5). Através da ofensa
desvios. Tal ruptura entre o homem e Deus de Adão sobreveio a todos “juízo e conde-
não é uma ilusão ou mito, que pode ser nação” (Rm 5:18); pela desobediência de
desconsiderada por qualquer “ginástica” Adão todos foram infectados com o vírus
humana. Como Edward Heppenstall obser- do mal (Rm 5:15-16); em Adão todos foram
va, “a queda envolveu todos os homens. Os expulsos do Éden, e morreram. De fato, no
efeitos desta catástrofe histórica levaram capítulo 5:12-21 da carta aos Romanos,
este planeta a ser habitado por uma raça Adão é descrito como o cabeça da velha
de pecadores, cuja mente carnal está em era, a era da morte. Adão não é meramente
inimizade contra Deus (Rm 8:7, 8)”14. A um indivíduo que viveu muito tempo atrás.
humanidade tornou-se como um rio po- Adão tem significado corporativo, como o
luído na sua fonte. Os pecadores não são cabeça da “velha humanidade”, da mesma
um mero “terreno neutro.” Eles não são forma que é o cabeça da era presente, ex-
meramente pessoas que deixam de fazer o cluindo-se a Cristo. Aquilo que aconteceu
Cristo e os cristãos / 49

à cabeça envolveu também todo o corpo, e, Jesus definiu o pecado em termos que si-
em Adão, a sorte da humanidade foi estabe- lenciam qualquer noção simplista, superfi-
lecida. Portanto, desde Adão o destino da cial e farisaica da doença: “Pois do interior
raça humana foi determinado a permanecer do coração dos homens saem os maus pen-
em escravidão aos poderes da destruição. samentos, os adultérios, as prostituições,
A morte tornou-se soberana, e reina sobre os homicídios...” (Mc 7:21), e o catálogo
toda a existência. Esta é a sorte comum é considerável. A questão, devemos notar
desde Adão. Paulo usa dois verbos acer- cuidadosamente, é que para Jesus, pecado
ca do pecado, que devem ser percebidos não é uma questão, meramente, de atos
claramente. Segundo o apóstolo, o pecado pecaminosos, mas de uma condição, na
“entrou” (eisnlten) e a morte “passou” qual o homem natural é nascido. Não é que
(dielten) a todos os homens, e assumiu somos pecadores porque cometemos peca-
pleno controle, pois todos, naturalmente, dos A, B, C, D, etc., antes, porque somos
nascem em cumplicidade com Adão. pecadores é que cometemos tal sorte de de-
litos. Os atos são apenas o sintoma de uma
Criado à imagem de Deus (Gn 1:26,27),
mal mais grave, arraigado nos porões de
depois da queda, Adão gerou filhos “à sua
nossa natureza. “O mais lindo bebê”, Ryle
imagem” (Gn 5:2), o que indica a heredi-
descreve com realismo quase cruel, “não
tariedade moral corrompida, que o pai da
é como sua mãe carinhosamente o chama,
raça legou à sua descendência. Assim, não
um pequeno anjo... mas um pequeno peca-
se poderia exagerar na ênfase de que “ori-
dor”.21 Não que ele conscientemente peque,
ginal” não se refere ao caráter original do
mas pecador no sentido de que nasceu com
homem, como criado por Deus, mas ao seu
a tendência natural para escolher o pecado,
caráter original como descendente de Adão.
tão logo tenha a idade para fazê-lo.
Ellen G. White concorre com tal ênfase,
ao afirmar que “com relação ao primeiro Só no Antigo Testamento encontramos
Adão, os homens nada recebem dele, senão 11 termos hebraicos para descrever o peca-
a culpa [as conseqüências da queda], e a do, e não são meramente sinônimos, como
sentença de morte”,18 ou ainda, segundo poderíamos pensar.22 Cada um deles ilumina
ela, o egoísmo, profundamente arraigado um aspecto desta enfermidade maligna,
em nosso ser, “nos veio por herança”.19 que infecta a todos. As Escrituras falam
A queda de Adão afetou a orientação das trevas, apostasia e rebelião do homem,
espiritual de sua posteridade. Para Ellen e da oposição humana a tudo que Deus
G. White, “o coração do homem é, por intencionou ao criá-lo à sua imagem. Ca-
natureza frio, escuro e desagradável”.20 E tegoricamente a revelação divina enfatiza a
se alguém reivindicar não ter sido infectado depravação e a profundidade a que o pecado
pelo vírus do pecado, tal noção contradiz arrastou o homem. A expressão depravação
tanto a revelação como a observação e o total, em teologia, é utilizada para descrever
senso comum. Embora as Escrituras não o pecador em seu estado caído. A palavra
usem a expressão “pecado original”, a total refere-se aqui à totalidade do homem,
noção, quando despida de suas conotações como um ser infectado pelo pecado. Isto é,
histórico-dogmáticas, é claramente bíblica: nem uma parte dele, absolutamente nada,
em primeiro lugar porque ela é derivada da ficou sem receber o sinistro impacto da
raiz original da raça; em segundo, porque queda. O homem completo foi atingido e
ela está presente em cada indivíduo desde o deteriorado no nível de sua vontade, sen-
momento do seu nascimento; e, em terceiro timentos e razão. A doutrina de Pelágio de
lugar, porque ela é a raiz interior de todos que a queda de Adão não afetou sua poste-
os atos pecaminosos que mancham a vida ridade, e que o pecado não é um problema
do homem. da natureza, mas apenas da vontade humana,
50 / Parousia - 1º semestre de 2008

simplesmente não tem qualquer sustentação cordam deles, de seguidores do catolicismo


bíblica.23 Berkouwer corretamente enfatiza: romano, quanto à idéia do pecado original.
“Não há nenhum limite ou fronteira dentro Para os Standish, “muitos [adventistas],
da natureza humana além da qual podemos seguindo parte do pacote agostiniano da
encontrar uma última reserva humana não falsidade, ensinam que a natureza humana
tocada pelo pecado; é o próprio homem que de Cristo foi não caída. Contudo, a posição
é totalmente corrupto.”24 de Agostinho foi estabelecida sobre a falsa
premissa do pecado original do homem”.25
As Escrituras empregam em sua compre-
No mesmo tom, Larson, em seu livro The
ensão do pecado, palavras que não deixam
Word Was Made Flesh, que, como parte do
qualquer sombra de dúvida quanto à sua
seu título, pretende conciliar “100 Anos da
natureza devastadora. “Enganoso é o cora-
Cristologia Adventista”, acusa as igrejas
ção, mais do que todas as coisas, e corrupto,
protestantes, de, segundo ele, terem aceito a
quem o conhecerá?” (Jr 17:9). Ou, segundo
doutrina antibíblica do pecado original, sen-
Isaías, “toda a cabeça está enferma e todo
do, assim, forçadas a adotarem a “errônea
o coração fraco. Desde a planta do pé até a
posição” quanto à natureza de Cristo – isto
cabeça não há nele coisa sã, senão feridas,
é, que Ele tenha “nascido com a natureza
contusões, chagas podres, não espremidas,
de Adão antes da queda”.26 A mesma idéia
nem atadas, nem amolecidas com óleo” (Is
é expressa por Joe Crews, ao afirmar que a
1:5, 6). “Todos nós somos como o imundo,
posição da impecaminosidade de Cristo é
e todos os nossos atos de justiça, como
“diametralmente oposta” às Escrituras, as
trapo de imundícia” (Is 64:6). Para Davi,
quais ensinam que “Jesus tinha a natureza
a vida humana não escapa aos efeitos do
humana exatamente como a nossa”.27 Em-
pecado, mesmo em seu estágio formativo:
bora Crews não nos diga exatamente onde
“Certamente em iniqüidade fui formado e
as Escrituras ensinam isto.
em pecado me concebeu a minha mãe” (Sl
51:5). O pecado é um poder que domina a Robert Wieland e Donald K. Short,
própria atmosfera na qual o homem vive. parecem falar por todos os pós-lapsarianos,
Para Paulo, somos carnais, “vendidos como ao afirmarem claramente que o ensino “de
escravos sob o pecado” (Rm 7:14). “Todos que Cristo tomou a natureza impecaminosa
estão debaixo do pecado” (Rm 3:9); “Não de Adão antes da queda ... [é] um legado
há um justo, nem um sequer” (Rm 3:10). do Romanismo, a insígnia do mistério da
“Todos se extraviaram e se fizeram inúteis” iniqüidade”.28 O raciocínio desses autores
(v. 12). Tais textos, e uma multidão de outros é relativamente simples: no nível elementar
semelhantes, indicam o estado em que cada da acusação, está a idéia de que a posição
pessoa nasce no planeta Terra, trazendo em pré-lapsariana, quanto à natureza moral
seu DNA um grave defeito de fabricação, e espiritual de Cristo na encarnação, é um
que se tornou a nossa natureza primária. É sub-produto do dogma católico/agostiniano
precisamente a enormidade do problema que do pecado original, e, portanto, não um
exigiu salvação tão suprema, levada a efeito ensino bíblico.
pelo próprio Deus, em pessoa.
Mas, em segundo lugar – e isto deve
ser claramente percebido –, encontra-se o
A Palavra se fez carne: raciocínio segundo o qual para que Cristo
como Adão ou como nós? seja como nós, absolutamente igual a nós,
em sua humanidade, é fundamentalmente
Defensores do pós-lapsarianismo como necessário estabelecer a idéia de que nós não
Colin e Russel Standish e Ralph Larson, en- herdamos absolutamente nada de Adão, que
tre outros, se deleitam em acusar os que dis- intrinsicamente necessite de redenção.29
Cristo e os cristãos / 51

Só podemos entender a idéia exposta transmitidos, a herança, a inclinação, a


por esses autores, como uma grosseira má propensão para o pecado, estes são trans-
representação, senão algo pior.30 Dificil- mitidos. Tal propensão permanece e se
mente um teólogo adventista, ou qualquer torna nossa tendência primária, até que
outro teólogo contemporâneo, defenderia seja contrabalançada pela conversão, e a
a noção de uma transmissão mecânica experiência do novo nascimento. Conclu-
do pecado original através da procriação ímos, portanto, com Norman Gulley, que
sexual. Como mantido pelo catolicismo, o “os adventistas crêem na doutrina bíblica
pecado original significa uma transmissão do pecado original. Morte, não culpa, pas-
automática de culpa. Como o teólogo lu- saram de Adão para todos”.34
terano Willian Hordern observa, “poucos
teólogos hoje aceitam o ponto de vista de Por outro lado, o nascimento incon-
que a culpa pode ser herdada”. Embora, taminado de Jesus, não deve, também,
como o próprio Hordern indica “[os] teó- ser confundido com a doutrina católica
logos hoje afirmam que o homem está em da “imaculada conceição”, teoria segun-
descompasso com a vontade de Deus, e o do a qual, a natureza de Maria foi feita
seu propósito para ele”.31 E, excetuando-se incorruptível, tornando assim possível o
Jesus Cristo, isto é verdade válida para toda nascimento incontaminado de Jesus. As
raça humana. Como indicado acima, todos Escrituras completamente desconhecem
somos pecadores a partir do nascimento. qualquer idéia de natureza corruptível
“Desviam-se os ímpios desde a madre, sendo transformada em incorruptível, an-
andam errados desde que nascem...”(Sl tes do segundo advento de Jesus, quando,
58-3), ou, como o profeta Isaías enfatiza então, e só então, finalmente, aquilo “o que
em palavras gráficas, “rebeldes desde o é corruptível se revestirá de incorruptitili-
ventre” (Is 48:8).32 dade” (1Co 15:51-55). Como evidente pelo
testemunho das Escrituras, Jesus tornou-se
Assim, é das Escrituras, não de qualquer um ser humano real, e sua humanidade não
dogma da tradição católica, que derivamos foi docética ou parcial. Ele foi um genuíno
nossa compreensão do pecado original. Ao ser humano. Ele tomou a natureza física,
contrário da visão católica, não recebemos sujeita a todos os efeitos do pecado, exceto
a culpa de Adão, mas a herança espiritual o próprio pecado. “Ele se tornou osso dos
de sua queda. Isto porque, segundo as Es- nossos ossos, carne da nossa carne.”35 Além
crituras, o pecado é pessoal (cf. Ez 18:20, disso, por imputação, Ele tomou sobre
Dt 24:16), e não apenas pessoal, mas moral. si os pecados e a culpa de todo o mundo
Contudo, na própria lei, o Senhor afirma: (2 Co 5:21). Mas dito isso, devemos nos
“Visitarei a maldade dos pais nos filhos” apressar em dizer que, sua identificação
(Êx 20:5). Ellen G. White observa: “É conosco, não deve obscurecer duas verda-
inevitável que os filhos sofram as conse- des fundamentais para a nossa discussão:
qüências das más ações dos pais, mas eles 1) A extensão de sua identificação conosco
não são castigados pelas culpas deles.” Ela foi determinada por quem Ele era, e, 2) A
acrescenta: “Dá-se, entretanto, em geral o extensão de sua identificação conosco foi
caso de os filhos andarem nas pegadas de também determinada por sua missão como
seus pais. Por herança e exemplo os filhos o Salvador da humanidade.
se tornam participantes do pecado do pai.
Más tendências, apetites pervertidos e mo-
ral vil, assim como enfermidades físicas e Sua identidade
degeneração, são transmitidos como um
legado de pai a filho.”33 Enquanto, pecado Em primeiro lugar, portanto, como
e culpa, em sentido moral, não podem ser o monogenes de Deus (Jo 3:16; mono +
52 / Parousia - 1º semestre de 2008

genos = o único de seu tipo), Jesus foi um ser realizada apenas por um cordeiro sem
ser único, exclusivo, irrepetível. Deus em mácula ou mancha”.40 Na tipologia do
carne. Ellen G. White, em seus artigos na Antigo Testamento, aquele que oferecia
Review and Herald, entre 1872 a 1914, cen- um cordeiro, afirmando sua fé no redentor
to e vinte cinco vezes observa que Cristo futuro, fora advertido, “nenhuma coisa em
“vestiu sua divindade com a humanidade”, que haja defeito oferecereis, porque não
ou que Ele “velou sua divindade com a seria aceita a vosso favor”(Lv 22:20). Não
humanidade”.36 Nestes textos, ela diz o é de surpreender que para Ellen G. White,
que Jesus sacrificou ao tornar-se homem: “o homem não pode fazer expiação pelo
“sua glória”, “sua coroa e trono”, “as cortes homem,” uma vez que, “sua condição caída
reais”, “seu alto comando”, “seu lar celes- constituiria uma oferta imperfeita”.41 As-
tial”, “seu glorioso diadema”.37 Contudo, sim, ela afirma, “por um lado Cristo é um
ela nunca diz que Cristo tenha abandonado representante perfeito de Deus; por outro,
sua divindade essencial, ao adotar a huma- Ele é um espécime perfeito da humanidade
nidade. Numa passagem reveladora, ela sem pecado”.42 E a conclusão lógica é ine-
diz: “Cristo não tinha trocado a divindade vitável: “Ele [Jesus Cristo] não necessitou
pela humanidade, mas Ele tinha vestido de expiação.”43
sua divindade na humanidade”. 38 Isto
Em conexão com a exigência básica de
deveria servir de advertência para aqueles
sua missão, podemos referir a Romanos
que querem tornar Cristo completamente
8:3: “Pois o que era impossível à lei, vis-
humano. Ao afirmar que Ele era filho de
to que estava enferma pela carne, Deus,
Maria, não se deve perder de vista o que é
enviando seu Filho em semelhança (ho-
dito dEle como gerado pelo Espírito Santo.
moioma), da carne do pecado, pelo pecado
Assim, em seu próprio nascimento já temos
condenou o pecado na carne.” Como Rand
a confirmação de que Ele era radicalmente
observa, o texto não diz que que Jesus
diferente de nós.
veio “em carne pecaminosa”, e o texto
também não diz que Jesus tivesse vindo
Sua missão em “semelhança de carne”.44 No primeiro
caso, Paulo estaria afirmando que sua carne
Em segundo lugar, a extensão da iden- foi pecaminosa, e no segundo que Ele não
tificação de Cristo com a humanidade foi foi um ser humano real, Ele apenas teria
também determinada por sua missão. Com aparentado carne, confirmando então a
que natureza teria Jesus nascido? A nossa teoria docética. Contudo, Jesus, segundo
natureza caída ou a natureza de Adão antes as Escrituras, veio em semelhança (e esta
da queda? A resposta é consideravelmente é a palavra-chave) de carne pecaminosa.45
simples: se Ele tivesse vindo com a nature- Nesse texto, Paulo enfatiza quão vital foi a
za de todos os demais membros da espécie vinda de Cristo para quebrar o círculo sem
humana, Ele seria parte do problema do esperança de nossa condição no pecado.
pecado, e não a solução para o mesmo. O que a lei era incapaz de fazer, visto que
Em outras palavras, sua missão como o havia sido enfraquecida pela natureza pe-
Redentor do mundo teria sido fundamen- caminosa, Deus fez, enviando seu Filho em
talmente alterada. Para ser nosso Salvador, semelhança do homem pecaminoso, para
Jesus deveria tornar-se um conosco, mas tal ser a oferta pelo pecado. E, claro, se Jesus
identificaçao não poderia ir além dos reque- tivesse vindo em carne pecaminosa, cem
rimentos de sua missão. Ele não poderia por cento como nós, como exige a teoria
tornar-se, em si mesmo um pecador (em pós-lapsariana, então o “justo preceito da
natureza e ato).39 Portanto, como Benjamin lei” permaneceria sem ser cumprido, como
Rand observa, “a missão de Cristo poderia sempre, frustrado por sua natureza carnal.
Cristo e os cristãos / 53

O texto afirma a afinidade e solidariedade à pergunta formulada no título desta seção:


de Cristo, mas ao mesmo tempo sublinha “Convinha-nos tal sumo sacerdote, santo,
sua crucial distinção de nós – distinção inocente, imaculado, separado dos pecado-
que, como afirma Roy Adams, “faz toda a res, e feito mais sublime do que os céus.”
diferença para nós”.46 E isto é indicado pelo A linguagem aqui não poderia ser mais
uso do sutil termo grego homoioma. Jesus clara, e não a podem compreender apenas
veio em “semelhança” da carne pecamino- aqueles que se fizeram cegos por suas
sa, e semelhança, tanto no grego, como em próprias teorias e opiniões desenvolvidas à
português, é semelhança, não igualdade. margem da Palavra de Deus. Segundo este
texto da carta aos Hebreus, a qualificação
Impecaminosidade de Jesus como sumo sacerdote é exclusiva
e inquestionável. Porque Ele foi feito “mais
Retornando à questão de sua identi- alto que os céus”, separado dos pecadores,
dade, devemos observar duas afirmações Ele pode realizar sua extraordinária obra de
do próprio Cristo, quanto à Sua completa resgate sobre a terra.
distância do pecado – pecado entendido Como Adão antes da queda ou como
não apenas em termos de atos pecamino- nós? Norman Gulley enfatiza que os dois,
sos, mas pela própria definição de Jesus, o primeiro e o segundo Adão, podem ser
pecado como um estado, que transcende comparados, em vários pontos de conver-
as ações exteriores e tangíveis. Em João gência. O primeiro Adão saiu perfeito das
8:46, Jesus desafia sua audiência: “Quem mãos do Criador, o que incluía impecami-
de vós me convence de pecado?”47 Diante nosidade absoluta e capacidades humanas
deste desafio de impecaminosidade, todos, plenas. Da mesma forma, o segundo Adão,
por nascimento e escolhas, estão desquali- Jesus, veio das mãos do Criador-Espírito
ficados. Apenas a Ele, descrito como “ente Santo, como “um Ser santo,” (Lc 1:35); da
Santo,” o Salmo 51:5 (“em iniqüidade fui mesma forma que o primeiro Adão, o se-
formado, e em pecado me concebeu a mi- gundo Adão também, na encarnação, veio
nha mãe”), não se aplica. Ele foi nascido como resultado do poder criador de Deus.
do Espírito Santo (Mt 1:18, Lc 1:35), o que, Milagres estiveram envolvidos em ambas
quanto à sua natureza essencial, o coloca, as criações. Contudo, Jesus não veio como
por assim dizer, a milhões de anos luz de um homem no Éden. Ele tornou-se homem
distância de todos os demais membros da em Belém. Aquele que é sem pecado, en-
espécie humana. trou no mundo afetado pelas limitações do
O segundo texto é João 14:30: “Pois pecado, embora preservando a santidade,
se aproxima o príncipe deste mundo, e como o novo Adão, singularmente “gera-
ele nada tem em mim.” De quantos seres do”. Ele assumiu a condição posterior à
humanos isto poderia ser afirmado? Ellen queda, limitado em cada aspecto, exceto
G. White, comentando esta passagem, em propensões pecaminosas. Havia nEle
expande: “Satanás encontra nos corações tanto a santidade da nova criação, como a
humanos algum ponto onde ele pode es- deterioração de quatro mil anos de história
tabelecer sua base; algum desejo pecami- da queda humana. Nós o encontramos,
noso é acariciado, por meio do qual suas não criado como um homem adulto, à
tentações firmam seu poder. Mas Cristo semelhança do primeiro, mas como uma
declarou de si mesmo, ‘se aproxima o indefesa criança, na manjedoura.49 Afetado,
príncipe deste mundo. Ele nada tem em mas não infectado pelo pecado!
Mim’.”48 Por associação, este texto evoca Ellen G. White, em vários textos, cola-
Hebreus 7:26, que é crucial para a resposta bora com esta comparação, observando, por
54 / Parousia - 1º semestre de 2008

exemplo, que “Cristo é chamado o segundo gar”, ela afirma em outro contexto, “a pena
Adão. Em pureza e santidade, conectado e os mais altos poderes mentais dos homens
com Deus e amado por Deus, Ele começou mais sábios, desde agora, até quando Cristo
onde o primeiro Adão havia começado. for revelado nas nuvens do céu, em poder
Ele passou pelo mesmo terreno onde e grande glória”.57 Somos, por outro lado,
Adão caiu, e redimiu a falha de Adão.”50 entretanto, advertidos a depender do Espí-
Observe-se cuidadosamente a frase em rito Santo, em nossa busca e conhecimento:
destaque, claramente indicando precisa- “Que Deus seja assim, manifesto em carne
mente, onde Cristo iniciou na encarnação é de fato um mistério; e sem a ajuda do
(“onde Adão havia começado”). Ellen G. Espírito Santo não podemos compreender
White, enfatiza ainda, que “Ele [Cristo] este tema. A mais humilhante lição que
venceu satanás, na mesma natureza sobre o homem deve aprender é a inutilidade
a qual, no Éden, Satanás, havia obtido da sabedoria humana, e a tolice de tentar,
a vitória”.51 A comparação não é entre em seus esforços desajudados, descobrir
Cristo e os demais seres humanos, depois Deus.”58 Diante de tal mistério não pode-
da queda, como alguns supõem, mas entre mos senão confessar que “o poço é fundo, e
Ele e o primeiro Adão, na mesma nature- não temos com o que tirar a água” (Jo 4:11),
za, como originalmente criado por Deus. se dependermos de nossos métodos.
“Ele [Cristo] deveria tomar sua posição
como o cabeça da humanidade, tomando Em uma enorme quantidade de tex-
a natureza, mas não a pecaminosidade do tos, Ellen G. White mantém em perfeito
homem.”52 A seguinte declaração de Ellen equilíbrio a divindade e a humanidade
G. White, apropriadamente sumariza esta em Cristo. Ela ensina que, na encarnação,
sessão de nossa discussão: “Por causa do Cristo reteve sua divindade. Segundo ela,
seu [de Adão] pecado, sua posteridade Jesus não foi apenas parcialmente divino.
nasce com inerente propensão para a deso- Ele era pleno Deus, enquanto na Terra.
bediência. Mas Jesus Cristo foi o unigênito Como mencionado anteriormente, ela de
[monogenes] de Deus. Ele tomou sobre forma clara indica que a divindade foi
si a natureza humana, ele foi tentado em “velada na”, ou “revestiu-se da” “huma-
todos os pontos como a natureza humana é nidade”, e que os plenos poderes de sua
tentada. Ele poderia ter pecado. Ele poderia divindade, não deveriam ser utilizados.
ter caído, mas nem por um momento houve Contudo, como ela indica, em determinadas
nEle uma propensão maligna.”53 ocasiões cruciais, sua divindade irrompe
através da humanidade. Eric C. Webster,
em seu minucioso estudo da cristologia de
Ellen G. White e a natureza de Ellen G. White observa que “a intenção de
Cristo na encarnação Ellen G. White” é instruir “que Cristo não
desejou que os homens cressem que Ele
Para Ellen G. White, a encarnação de foi simplesmente um homem muito bom,
Cristo é o “mistério de todos os misté- dependendo completamente de seu Pai
rios”.54 E isto deveria servir de precaução celestial, mas que Ele era o divino Filho
a todo estudante deste tópico. Para ela, “a de Deus, em relacionamento dependente
encarnação de Cristo tem sido e permane- com o Pai”.59
cerá para sempre um mistério”.55 Assim,
por um lado ela estimula o estudo do tema: Além disto, Ellen G. White nutria forte
“O estudo da encarnação de Cristo, seu compreensão quanto a importância da hu-
sacrifício expiatório e mediador, empregará manidade de Cristo. De fato, a realidade
a mente do estudante diligente, enquanto o de sua humanidade é vista por ela como
tempo durar.”56 Tal mistério “pode empre- vital para o plano da salvação. Era impor-
Cristo e os cristãos / 55

tante, à luz de um extraordinário volume e pecado.67 Ele foi inocente e puro.68 Em


de passagens, que Cristo fosse um homem Cristo nunca houve imperfeição, egoísmo,
genuíno e real, para que pudesse passar mácula ou mancha do mal.69 Guiada por
pelo mesmo terreno onde Adão havia pas- sua clara compreensão, tanto da identidade
sado, e assim redimir sua queda. “Cristo única, bem como de sua exclusiva missão,
não fez-de-conta que tomou a natureza como já afirmado anteriormente, ela indica
humana; realmente Ele a assumiu. Ele, em que, tivesse Jesus participado da condição
realidade possuía a natureza humana.”60 Ela do pecado, Ele estaria desqualificado para
mantém que Cristo “foi feito como seus sua obra redentiva.70 É precisamente tal
irmãos, com as mesmas suscetibilidades, estado pecaminoso, que torna o homem
mental e fisicamente”,61 descendo, assim, uma oferta imperfeita, e dasabilitado para
ao nível da humanidade. De fato, para ela, operar sua própria salvação.71 Comentando
em função de sua genuína humanidade, a profecia da inimizade entre a serpente
Cristo foi trazido ao “nível das fracas fa- e a mulher, e entre a descendência da
culdades do homem”.62 “Ele tomou sobre primeira e o descendente da segunda (Gn
Si a humanidade, para enfrentar o teste e 3:15), Ellen G. White enfatiza que, em
a provação, que o primeiro Adão falhara nós esta inimizade não é natural. “Não
em resistir”.63 A vida de Cristo seria vida existe, por natureza, nenhuma inimizade
substitutiva, vivida na mesma humanidade entre o homem pecador e o originador do
que ela deveria redimir.64 pecado.”72 Ao contrário, natural é a nossa
amizade com o pecado e o seu originador.
Tendo em vista que Ellen G. White Em relação a Jesus, entretanto, Ellen G.
mantém em perfeito equilíbrio a divindade White declara que, com Cristo, tal “ini-
a humanidade em Cristo, a questão que isto mizade era em certo sentido natural. ... E
suscita é: que tipo de natureza humana foi nunca se desenvolveu a inimizade a ponto
assumida por Ele? Nesta área não somos tão notável como quando Cristo se tornou
deixados em dúvida. Para ela, “Cristo é habitante da terra.”73 Portanto, ela conclui
uma perfeita representação de Deus, de um pouco depois, ainda no mesmo con-
um lado, e um perfeito representante da texto: “Não devemos ter qualquer dúvida
humanidade impecaminosa, por outro acerca da perfeita ausência de pecado na
lado”.65 Mas se julgarmos que ela está se natureza humana de Cristo.”74
referindo apenas a atos pecaminosos, não
faríamos justiça ao profundo conceito de Ellen G. White utiliza uma considerável
pecado expresso em seus escritos. “Se a variedade de termos para indicar o absolu-
lei se estendesse apenas à conduta exterior, to estado de impecaminosidade de Cristo
os homens não seriam culpados por seus – significando com isto uma condição de
pensamentos errados, desejos e desígnios. completa ausência da corrupção e contami-
Mas a lei requer que a própria alma seja nação. Ela escreve de Cristo, por exemplo,
pura e a mente santa, que os pensamentos que “Ele foi incontaminado pela corrupção,
e sentimentos possam estar de harmonia um estranho ao pecado”. 75 Linguagem
com a norma do amor e justiça”.66 semelhante é utilizada quando afirma que
“Jesus foi incorruptível e incontaminado.”76
Em face da realidade do pecado, que Através de sua vida, Cristo foi imaculado
infecta a todos os demais membros da es- quanto à corrupção da iniqüidade. Obser-
pécie humana, quer em termos de conduta ve-se a linguagem que forma o contexto
exterior ou de caráter interior, como Ellen desta declaração: “Ele ergueu-se diante do
G. White percebeu a natureza de Cristo? mundo, desde a sua entrada nele, imacu-
Novamente, é absolutamente claro que, lado quanto à corrupção, embora cercado
para ela, Cristo foi livre de todo o egoísmo dela.”77 Se tal condição de impecabilidade
56 / Parousia - 1º semestre de 2008

recua à sua entrada no mundo, isto só pode que Cristo foi como as outras crianças.”80
significar que ela não está se referindo a Conhecemos alguma outra criança que
desempenho em termos de ações. venha ao mundo com a “inclinação para
o que justo”? Aqui, como Woodrow W.
Em lugar de oferecer o segredo do
Whidden observa, encontramos uma das
vitorioso poder de Cristo, como, por
mais fortes e inequívocas declarações de
exemplo, fé e dependência no Pai, o que
Ellen G. White quanto à impecaminosi-
o pós-lapsarianismo adventista poderia
dade da exclusiva natureza de Cristo.81 E
esperar, ela sublinha que o segredo de sua
claro, “nascido sem uma mancha de peca-
absoluta incontaminação está diretamente
do”, não é uma referência à sua história de
relacionado com a divindade de sua pessoa,
impecável desempenho posterior.
desde o momento inicial de sua entrada no
planeta Terra. Ellen G. White claramente Em outro contexto, falando a respeito
indica que Cristo “nasceu sem uma man- de Sete, nascido relativamente próximo do
cha de pecado, embora Ele tenha vindo ao estado original de Adão (Gn 5:3), mas, ago-
mundo de maneira semelhante à família ra não mais à imagem de Deus, em sentido
humana”.78 Esta é uma poderosa declaração comparativo com Adão, seu pai (Gn 1:27),
dialética, demonstrando o pensamento de mas à semelhança dele depois da queda,
Ellen G. White quanto ao nascimento de Ellen G. White observa que embora tivesse
Cristo. Novamente, é evidente que ela não caráter nobre, e devesse tomar o lugar de
está falando aqui de atos, mas de um estado. Abel, não obstante “ele tinha a natureza de
Para ela, Cristo não foi maculado com o Adão [depois da queda], tão destituído de
pecado original, que, segundo a Bíblia, é bondade natural como Caim. Ele foi nasci-
a marca característica de todos os demais do em pecado”.82 Contrariamente a Pelágio
seres humanos. e todos os que tentam negar os resultados
da queda, Ellen G. White não trivializa tais
À luz da última citação, em compara-
efeitos sobre a família humana. Entretanto,
ção com raciocínio da noção pós-lapsaria-
de Cristo, nascido quatro mil anos depois, e
na, estamos justificados em perguntar: se
tendo aceito “os resultados da operação da
Ellen G. White afirma que Cristo entrou
grande lei da hereditariedade”,83 ela afirma
no mundo sem a corrupção ou a mancha
no capítulo “Em Criança” do seu livro O
do pecado, incontaminado quanto à sua
Desejado de Todas as Nações: “Nenhum
poluição, e se entre Ele e nós, como de-
traço de pecado desfigurava nEle a ima-
fendido pelos seguidores modernos de
gem divina”,84 e mais adiante: “Cristo foi
A. T. Jones, “não existe uma partícula de
o único ser livre de pecado que já existiu
diferença”, estaria então ela ensinando que
na terra.”85 Assim, o contraste entre Cristo
todos os outros homens também vêm ao
e Sete, não poderia ser mais evidente: Um
mundo no mesmo estado incontaminado?
nasceu em pecado, enquanto o outro “nas-
Qualquer pessoa sensata seria capaz de
ceu sem qualquer mancha do pecado”.
perceber a precariedade lógica desta teo-
ria. Observando a questão de outro ângulo,
lemos ainda da pena de Ellen G. White, A Carta a Baker
com ênfase na singularidade de Cristo na
encarnação, em sua infância: “Ele [Cris- Na carta escrita em 1895/686 a W. L.
to] não era como as demais crianças.”79 H. Baker,87 um ministro adventista tra-
Um pouco depois, no mesmo parágrafo, balhando na ilha da Tasmânia, Ellen G.
ela fala da “sua inclinação para o que é White dedica cinco parágrafos à questão
justo”, ou, no parágrafo seguinte: “Nin- da humanidade de Cristo. A importância do
guém, olhando para Ele ... poderia dizer tratamento dado ao tópico, neste contexto,
Cristo e os cristãos / 57

é de absoluto significado,88 primariamente recendo a clareza do texto, que compara


não pela proeminência de Baker no minis- a pecaminosa posteridade de Adão com
tério adventista, ou mesmo pela extensão a singularidade impecaminosa de Cristo.
do documento, mas porque aí, nestes Quatro pontos no texto são evidentes: 1)
cinco parágrafos de interesse cristológico, Enquanto todos os membros da espécie hu-
ela aborda especificamente a questão da mana nascem com inerente propensão para
natureza de Cristo em relação ao pecado. o pecado, Cristo desconhecia tal inclinação;
É doutrinariamente claro que a Carta 8, 2) É óbvio também que Ellen G. White não
como o documento passou a ser conhe- está discutindo propensões cultivadas, mas
cido, discute e corrige noções incorretas propensões inerentes; 3) Como o primeiro
sobre a humanidade de Cristo (não sua Adão é descrito? “Um ser puro, não con-
divindade), aparentemente incorporados ao taminado pelo pecado, sem uma mancha
ensino distorcido de Baker sobre a questão. de pecado sobre ele.” E a conclusão pode
Além disto, a advertência e conselho a ser apenas uma: É precisamente assim que
este obreiro, expressos nesses parágrafos, Cristo encarnou a condição humana, pois a
claramente revelam o pensamento de Ellen comparação é entre o primeiro Adão, como
G. White quanto à singularidade de Cristo criado por Deus, e o Segundo Adão, Cristo;
na encarnação. 4) finalmente, a natureza incontaminada,
sem qualquer mancha ou propensões para
No primeiro parágrafo, ela chama a
o pecado foi o que Cristo assumiu, não o
atenção para Cristo, Adão e a posteridade
que Ele desenvolveu. Em outras palavras,
caída deste. Em palavras que dificilmente
uma natureza sem a inclinação maligna,
poderiam significar outra coisa, Ellen G.
foi a sua herança, não “desenvolvimento
White adverte que Cristo não deve ser
de caráter”.
apresentado diante das pessoas, como um
homem com propensões para o pecado: No segundo parágrafo da carta em con-
sideração, Ellen G. White aconselha Baker
Sede cuidadoso, extremamente cuidadoso, a evitar “toda questão em relação à huma-
em como tratais com a natureza humana de nidade de Cristo, a qual seja passível de má
Cristo. Não o apresentes diante das pes- compreensão. [Pois] a verdade encontra-se
soas como um homem com as propensões
perto da vereda da presunção.” Então ela
para o pecado. Ele é o Segundo Adão. O
primeiro Adão foi criado um ser puro, não
continua: “Ao tratar com a humanidade
contaminado pelo pecado, sem uma mancha de Cristo, necessitais guardar cuidadosa-
de pecado sobre ele; ele poderia cair, e de mente cada afirmação a menos que vossas
fato ele caiu, através da transgressão. Por palavras sejam tomadas como significando
causa do pecado, sua posteridade nasce com mais do que elas querem dizer, e assim
inerente propensão para a desobediência. percais ou anuvieis as claras percepções
Mas Jesus foi o Filho Unigênito de Deus. de Sua humanidade, como combinada
Ele tomou sobre Si a natureza humana, com sua divindade.” Aí ela passa a indicar
e foi tentado em todos os pontos como a o nascimento sobrenatural de Jesus: “Seu
natureza humana é tentada, mas nem por nascimento foi um milagre de Deus.” E
um momento houve nEle uma inclinação
cita o texto de Lucas 1:35: “Descerá sobre
maligna. Ele foi assaltado por tentações
ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo
no deserto, como Adão foi assaltado com
tentações no Éden.89 te envolverá com a sua sombra; por isto,
também o ente santo que há de nascer,
será chamado Filho de Deus.” Ellen G.
A palavra-chave neste texto é propen- White então inicia o terceiro parágrafo,
sões, que Wieland, em defesa da teoria concluindo o pensamento do segundo:
pós-lapsariana, tenta confundir,90 obscu- “Estas palavras não se referem a qualquer
58 / Parousia - 1º semestre de 2008

ser humano, exceto ao Filho do Deus Infi- sugeridos antes. E, finalmente, o quinto
nito.”91 Desta forma, ela elucida como foi parágrafo cristológico da carta a Baker
possível Cristo superar a infecção universal continua a comparação e contraste entre o
do pecado. O que é claro neste texto é que, primeiro e o segundo Adão, concluindo que
embora Jesus seja “um conosco”, Ele não “Satanás não encontrou nada nEle [Cristo]
é “um de nós”. que pudesse encorajar seus assédios”.94 O
que se torna evidente nestes parágrafos, é
Ellen G. White, então, continua o tercei- que Jesus, segundo o pensamentto de Ellen
ro parágrafo, com uma solene advertência: G. White, era um ser único, exclusivo, e
“Nunca, de nenhuma forma, deixeis a mais isso porque Ele não veio apenas para ser um
leve impressão sobre as mentes humanas, exemplo, mas sobretudo, para ser o nosso
de que a mancha, ou inclinação para a cor- Salvador. E, como Roy Adams corretamen-
rupção repousou sobre Cristo, ou que Ele, te observa, “se Ele fosse completamente
sob qualquer circunstância, tenha cedido à como nós – 100% – se Ele tivesse partilha-
corrupção.”92 Poderia Baker estar dando, do exatamente da mesma forma a herança
em suas apresentações, a impressão falsa, do pecado e culpa que todos recebemos de
desaconselhada na advertência? É possível! Adão, então, Ele teria sido limitado como
Ellen G. White neste texto, nega tanto que Salvador. Mais do que isto, Ele próprio
tenha havido em Cristo “mancha ou incli- necessitaria de um Salvador”.95
nação” para o pecado, o que tem que ver
com a sua natureza, bem como que Ele A carta a Baker constituiu-se num dos
tivesse “cedido à corrupção”, o que trata maiores obstáculos à teoria pós-lapsariana
com atos exteriores do comportamento. E de alguns adventistas contemporâneos. E
isto ela explica: “É um mistério deixado não nos surpreendem as tentativas ridículas
não explicado para os mortais.” Ainda neste de se evadir às evidências, ou de “explicá-
parágrafo, Ellen G. White, cita parcialmen- las”, obscurecendo a clareza da cristolo-
te o clássico texto de Deuteronômio 29:29: gia de Ellen G. White, aí expressa. Jean
“Aquilo que é revelado é para nós e nossos Zurcher, além de outros como Wieland e
filhos”, e inclui a mais séria advertência Larson, oferece um exemplo desta atitude,
da carta: “mas que cada ser humano seja como indicado por Denis Fortin, em sua
advertido do perigo de tornar Cristo com- avaliação crítica do livro Tocado pelos
pletamente humano, tal como um de nós”, Nossos Sentimentos, distribuído no Brasil
arrematando, então: “pois isto não pode de maneira não solicitada, pelos publicado-
ser”.93 A linguagem dificilmente poderia res da edição em português. “Zurcher não
ser mais clara. Ellen G. White não apenas apenas evita uma exposição clara da carta
indica por comparação, o contraste entre a Baker, mas também a cita de forma dis-
Ele e nós, mas seriamente adverte contra torcida e fora do contexto.” Fortin sugere
o perigo de torná-lo “completamente hu- que “para provar o seu ponto de vista, Zur-
mano”, pois, creiamos ou não, “isto não cher cita apenas parte da mesma carta [de
pode ser”! Em que sentido Cristo poderia Baker], e deixa de fora duas importantes
ser tornado “completamente humano”? sentenças curtas, nas quais Ellen G. White
Neste contexto, só podemos pensar em estabelece um contraste marcante entre a
uma única possibilidade: rebaixando-o à natureza de Cristo e a nossa”.96 Fortin se-
condição da pecaminosidade essencial dos gue indicando as formas em que Zurcher
demais seres humanos. distorce, nega ou omite as evidências. Esta
atitude de teimosia diante das evidências
No quarto parágrafo, ela continua a é, provavelmente, o aspecto mais negativo
ênfase sobre os perigos de se tratar com do legado dos pioneiros originais da idéia,
o tópico da natureza humana do Filho, já como veremos a seguir.
Cristo e os cristãos / 59

Em aparente contradição pelas quais o homem é envolvido, para que


seja cumprido o que foi dito por Isaías, o
No vasto material de Ellen G. White, profeta, dizendo “Ele tomou sobre si as
nossas enfermidades e suportou as nossas
tratando com a natureza de Cristo na en-
enfermidades.” Ele foi tocado com os senti-
carnação, nós encontramos duas linhas de mentos de nossas enfermidades, e foi tenta-
pensamento, aparentemente em contradi- do em todos os pontos, como nós somos. E,
ção. De um lado, quando enfatizando a contudo, Ele “não conheceu pecado.” Não
singularidade e exclusividade de Cristo, deveríamos ter qualquer má compreensão
em citações como esta do Review and quanto à perfeita impecaminosidade da
Herald, de 1872, encontramos que “Ele natureza humana de Cristo.108
foi perfeito, e não contaminado pelo pe-
cado. Ele foi imaculado e sem mancha”.97 Aqui, num único parágrafo, encon-
Ou ainda, como nesta outra de Signs of tramos combinados os pensamentos da
the Times, em 1902: “Ele deveria assumir impecaminosidade da natureza humana de
sua posição como cabeça da humanidade, Cristo, com o fato de que Ele tomou sobre
tomando a natureza mas não a pecami- si a natureza caída do homem. Ela indica
nosidade do homem.”98 Entretanto, ao que, como já enfatizado anteriormente,
enfatizar a identificação de Cristo conosco, Jesus não foi isento de pecado meramente
ela, em algumas declarações, descreve-o em atos, mas em sua natureza essencial.
como tendo uma natureza degradada,99 Ellen G. White define a “natureza caída/pe-
enfraquecida,100 deteriorada,101 caída,102 caminosa” que Cristo assumiu, como sendo
fraca,103 pecaminosa,104 enferma105 e com “sujeita às enfermidades e fraquezas” que o
as mesmas susceptibilidades106 que nós, ao homem enfrenta, tornando clara a distinção
mesmo tempo em que afirma que Ele não entre “enfermidades e fraquezas” de um
tinha as propensões malignas.107 lado, e “pecado” do outro. “Em todos os
A questão, portanto, é: Como alguém pontos, exceto no pecado, a divindade de-
pode ter natureza pecaminosa sem pro- veria tocar a humanidade”, ela clarifica.109
pensões pecaminosas? Se as propensões E esta, certamente, é uma extraordinária
pecaminosas são extraídas da natureza exceção, excluindo todo o pecado da hu-
pecaminosa, o que resta? Aqui devemos manidade de Cristo. Como Ellen G. White
aplicar dois princípios básicos de inter- diz, Cristo tomou “a natureza, mas não a
pretação. Primeiro, devemos interpretar pecaminosidade do homem”.110
os textos obscuros pelos claros, não o Assim, qualquer tentativa de explicar
contrário. E, segundo, quem Cristo é deve o conceito de Cristo “tomando sobre si a
nos informar o que estas expressões apa- natureza caída e pecaminosa”, deve levar
rentemente em contradição significam, e em consideração o ensino total de Ellen G.
não o contrário, isto é, interpretar quem White sobre a inerente impecaminosidade
Ele é a partir dos textos contraditórios. da natureza humana de Cristo, do contrá-
Provavelmente, a citação que aparece em rio distorcemos seu ensino, e colocamos
Signs of the Times, em 1898, na qual Ellen Ellen G. White contra ela mesma. Como
G. White apresenta os dois aspectos da na- Webster observa: “Deveríamos, portan-
tureza humana de Cristo, em tom dialético, to, manter que quando Ellen G. White
clarifica a questão: diz que Cristo tomou sobre si a natureza
caída e pecaminosa do homem, ela quer
Ao tomar sobre si mesmo a natureza hu-
mana em sua condição caída, Cristo não
dizer que Cristo tomou sobre si, todos os
teve a mínima participação em seu pecado. efeitos do pecado, sem ser infectado pelo
Ele foi sujeito às enfermidades e fraquezas pecado. Ele ergueu-se na mesma posição
60 / Parousia - 1º semestre de 2008

e circunstâncias do homem caído, experi- na fatalmente passa por nomes da história


mentando todos os sofrimentos, fraquezas denominacional, tais como E. J. Waggo-
e condições do homem. Ele tomou a na- ner, Alonzo T. Jones, além de incluir as
tureza física sujeita a todos os efeitos do idéias posteriores de M. L. Andreasen.
pecado, exceto o pecado.”111 Isto é, Ele foi Pós-lapsarianos dos ministérios indepen-
afetado, pelas conseqüências do pecado, dentes e seus simpatizantes, como vimos,
sem ser infectado pelo pecado. Por nós, Ele se regozijam em acusar os que discordam
aceitou a mortalidade e as enfermidades deles de serem seguidores do “romanismo
da condição humana, tais como cansaço, católico”. Contudo, a verdade é o oposto.
fome, sede, tristeza e sujeição à tentação. São precisamente eles que se aproximam da
Ele se colocou onde o homem pecaminoso mentalidade católica romana, canonizando
se encontra, para abrir a possibilidade de os ensinos dos dois “pais”, de suas idéias,
salvação, da mesma forma que Ele tomou e elevando tradição de Minneápolis, 1888,
sobre si os pecados e a culpa de toda a praticamente ao status de um outro “con-
raça, mas permanecendo ainda o imaculado cílio” da tradição.
Cordeiro de Deus. Tendo o pecado sobre
Ele, mas não nEle. Morrendo na cruz, mas Para Donald K. Short, “em compara-
não da cruz! ção com Jones e Waggoner, Lutero teve
um problema relativamente simples em
Qualquer leitura responsável de Ellen
enfrentar a violenta oposição do papado
G. White não deixaria passar despercebido
e da hierarquia católica, em relação à sua
o seu cuidado em tornar claro, além da dú-
mensagem”.114 A própria apostasia dos dois
vida razoável, que Cristo não participou da
“santos padroeiros” do pós-lapsarianismo
corrupção do homem, de suas paixões ou
dissidente, envolvidos nas brumas do pan-
propensões malignas, do orgulho humano,
teísmo de Kellog no início de século vinte,
inveja, rivalidade, egoísmo ou qualquer in-
é explicada da forma mais bizarra. Por que
clinação para o mal. Para ela, mesmo entre
eles se apostataram? Segundo Wieland e
Cristo e os cristãos existe uma imensurável
Short, não por causa de qualquer “ponto
distância. Falando das orações, louvor e
de vista extremo”, deixando de reconhecer
confissão dos verdadeiros crentes, que
que especialmente Jones fosse especialista
ascendem ao céu, e chegam ao santuário
em posições extremistas.115 Para Short,
celestial, onde Cristo ministra, ela diz:
“eles foram desviados por causa da per-
“Mas, passando através dos corrompidos
sistente e irrazoável oposição dos irmãos
canais da humanidade, elas são tão con-
a quem Deus os enviara para iluminar”.116
taminadas que, a menos que purificadas
O que causa ainda maior perplexidade é a
pelo sangue, nunca teriam qualquer valor
sugestão de que foi Deus quem, como fez
perante Deus.”112 Contudo, para ela, Cristo
com Moisés, “enterrou secretamente os
tomou sobre si a natureza humana, e nunca
seus mensageiros (Jones e Waggoner)”,
precisou de purificação pelo sangue ou de
removendo, por este ato, “toda a ocasião
um mediador, para tornar suas orações
para idolatria”, das gerações futuras.117
aceitáveis perante o Pai. Cristo não tinha
corrupção inerente, ao contrário dos ver- A conclusão do raciocínio de Wieland e
dadeiros crentes e santos, que necessitam Short nos deixa estarrecidos. Para estes au-
constantemente dos méritos de Cristo.113 tores, “que melhor método de ‘enterrar’, do
que permitir que os mensageiros perdessem
A tradição dos anciãos o seu caminho na desgraça?”118 Como Roy
Adams119 observa, uma interpretação desta
Qualquer tentativa de entender a questão natureza só pode significar que, para estes
básica formulada pela teoria pós-lapsaria- líderes do pós-lapsarianismo, a apostasia
Cristo e os cristãos / 61

de Jones e Waggoner deveu-se um plano apostatado. Quanto a E. J. Waggoner, suge-


divino, para que eles não se tornassem rimos a leitura do livro escrito por David P.
“objetos de idolatria”. Em primeiro lugar, McMahon,122 estabelecendo uma distinção
só podemos deplorar esse tipo absurdo de entre o Waggoner, personagem da história,
caracterização de Deus; e, em segundo e o Waggoner, vulto da mitologia de certos
lugar, se esta foi a intenção do Senhor, adventistas.123 Não negamos a contribuição
seu plano não teve muito sucesso, como de Jones e Waggoner, quanto ao artigo da
evidente na fixação dos ministérios inde- justificação pela fé, particularmente na
pendentes na figura dos dois mensageiros histórica sessão de Associação Geral, em
de Minneápolis. Minneápolis, 1888. Quanto ao resultado
final de seus sucessos e fracassos, não so-
A apostasia de Jones e Waggoner nada mos chamados a julgá-los, isto deixamos
tem a ver com um plano divino, como de para uma corte mais alta decidir. Mas o que
pessoa alguma. Por um lado, consideran- quer que eles tenham representado para
do-se a vida destes dois personagens da o adventismo, isto não deve obscurecer
perspectiva do início da carreira deles, desacertos cruciais de sua carreira e final
poderia parecer incompreensível que eles abandono da fé do advento.
tenham, afinal, se desviado da fé. Por
Contrariamente à idéia generalizada
outro lado, contudo, para quem está fa-
entre pós-lapsarianos, não se dispõe de
miliarizado com as histórias deles – seus
nenhuma evidência de que a histórica as-
triunfos e tragédias, considerando-se as
sembléia da Associação Geral em Minne-
tendências de suas vidas, o orgulho, a
ápolis (1888) tenha tratado com a questão
arrogância, autoritarismo, personalidade
da natureza humana de Cristo. Isto é cla-
agressiva, a dificuldade em pedir conselho
ramente confirmado pelo cuidadoso estudo
ou ouvi-los, a disposição para extremismos,
de George Knight.124 A idéia da natureza
particularmente de Jones –, especialmente
pecaminosa de Cristo, nos ensinos de Jones
os últimos capítulos da história pessoal
e Waggoner, a partir dos registros disponí-
de Jones e Waggoner, não é, afinal, uma
veis, só surgiria na década de 1890, isto é,
grande surpresa. O maior legado de Jones a
depois de Minneápolis. É na Assembléia da
seus herdeiros modernos, foi sua imbatível
Associação Geral, em 1895, que Jones in-
teimosia. Mesmo quando confrontado com
siste: “A natureza de Cristo é precisamente
evidências cabais, contrárias às suas idéias,
nossa natureza. Em sua natureza humana
a indisposição em admitir o erro acabava
não há uma partícula de diferença entre
prevalecendo. Como seu biógrafo, George
ele e nós.”125 É precisamente então, que,
Knight, indica, “Jones, que tinha escrito
quando confrontado com a clara citação de
tanto sobre o Espírito Santo através dos
Ellen G. White: “Ele [Cristo] é um irmão
anos, não aprendeu a submeter sua vida à
em nossas fraquezas, mas não em possuir
influência do Espírito”.120
idênticas paixões”,126 Jones tenta se evadir
Jones, deploravelmente, tornou-se o da questão, articulando uma resposta, na
patrono do espírito de seus seguidores atu- melhor das hipóteses, absurda, fazendo
ais: Toda a igreja está errada, e apenas eles uma diferença “entre a carne de Cristo e
estão certos. No final de sua vida, quando sua mente”.127 Isto é, segundo Jones (num
alguém apelava para seu retorno à grand tipo de retrocesso à heresia defendida pelo
old adventist message, invariavelmente apolinarianismo), Jesus foi feito igual a
Jones respondia que ele estava na mensa- nós segundo a carne pecaminosa, mas
gem, enquanto a denominação, incluindo não em igualdade da mente pecaminosa.
Ellen G. White, havia deixado os antigos Como, então, poderia Jesus ser exatamente
ensinos.121 Todos, exceto ele, haviam se igual a nós, e ter uma outra mente? Como
62 / Parousia - 1º semestre de 2008

Knight observa, afinal “Jones demonstrou ser questionadas? Ou que não possam estar
que houve mais do que ‘uma partícula’ de em erro? Digo eu isto? Não, eu não digo tal
diferença entre Cristo e os demais seres hu- coisa. ... Mas eu digo que Deus nos enviou
manos”.128 Não é nossa mente parte integral luz”.132 Assim, apesar destas claras delimi-
da nossa natureza? Não é precisamente aí tações, há ainda aqueles que tratam Jones e
que se trava o grande conflito entre carne Waggoner como infalíveis, e assim sendo,
e espírito? Como Cristo poderia, então, ser diria Sócrates, “são mais amigos dos seus
precisamente igual a nós, e diferente nesse amigos, do que amigos da verdade”.
aspecto crucial? A precariedade de tal teo-
Ainda nesta conexão encontramos a
logia não poderia ser mais flagrante.
idéia fixa do pós-lapsarianismo dos mi-
Qual o interesse dos pós-lapsarianos nistérios independentes, de se julgarem os
adventistas em incluir o tópico da natureza representantes exclusivos do “adventismo
humana nas discussões da Assembléia de histórico”. E, claro, a palavra “histórico”
Minneápolis, em 1888? Evidentemente, é utilizada como sinônimo de “ortodo-
para capitalizar o endosso de Ellen G. xia”, ou “tradicional”, algo que a Igreja
White às afirmações de Jones e Waggoner Adventista do Sétimo Dia sempre creu, e
em Minneápolis. Contudo, além do fato de que hoje é reivindicado por estas versões
que Minneápolis (1888), como já discutido, separatistas e polêmicas da fé do advento
não ter tratado com o tópico da humanidade de forma exclusiva. Algo que se observa
de Cristo. na superfície é que a noção de “adventismo
histórico”, quase que se restringe à teoria
Um outro aspecto crucial a ser obser-
pós-lapsariana quanto à natureza de Cristo,
vado é que, mesmo supondo que Jones e
e noções relacionadas a este tópico (como
Waggoner já defendessem, então, qual-
o perfeccionismo, além de algumas noções
quer idéia pós-lapsariana, o endosso da
escatológicas também associadas a ele).
profetiza não foi um cheque em branco.
Por outro lado, nestes últimas 50 anos,
Como Knight observa, Ellen G. White,
como Whidden observa, “os assim cha-
“livremente disse aos delegados reunidos,
mados adventistas históricos tem desejado
em primeiro de novembro de 1888, que ‘al-
elevar os seus pontos de vistas distintivos
gumas interpretações das Escrituras, dadas
quanto à humanidade de Cristo ao nível de
pelo Dr. Waggoner, eu não considero como
um ‘pilar’ ou fundamento, na plataforma
corretas’”.129 Além disto, ela discordou de
da verdade presente”.133
dois aspectos fundamentais da cristologia
de Waggoner. Primeiro, Ellen G. White Enquanto Ralph Larson tenta demons-
frontalmente discordou da idéia de Waggo- trar que “houve consenso” sobre a noção
ner de que Cristo não pudesse pecar.130 E, pós-queda da natureza de Cristo, no período
segundo, ela discordou da idéia ariana de anterior a 1950, tal teoria é desacreditada
Waggoner, isto é, que Cristo tivesse tido pelo fato de que já em 1895, Jones foi
um começo.131 Uma objeção à pretenção confrontado com a citação de Ellen G.
de que Ellen G. White tenha oferecido White, em Testemunhos para a Igreja,
endosso não qualificado às teorias de Jones volume 2, página 202 (“Ele é um irmão
e Waggoner, é oferecida nas próprias pa- em nossas fraquezas, mas não em possuir
lavras da profetiza: “Eu creio, sem dúvida idênticas paixões”), já mencionada acima,
que Deus nos enviou preciosa verdade, no em oposição à sua idéia. Além disto, os
tempo certo, pelo irmão Jones e pelo irmão parágrafos da Carta a Baker, também já
Waggoner. [Mas] Eu os considero, então, mencionados, erguem forte objeção à teoria
como infalíveis? Digo eu que eles não farão dos “adventistas históricos”. Assim, para
declarações ou terão idéias que não possam serem os “históricos”, o que eles preten-
Cristo e os cristãos / 63

dem ser, isto deixaria Ellen G. White fora também incluído dentro do “adventismo
deste círculo. É verdade que Waggoner e histórico”? É claro que o bom senso su-
Jones, na década de 1890, foram fortes pro- gere a resposta. Necessitamos orar mais,
ponentes da teoria pós-queda da natureza estudar mais, e submeter-nos à direção
de Cristo, e posteriormente outros, como do Espírito Santo, que progressivamente
Albion Fox Ballanger e M. L. Andreasen, expurgou do adventismo muitos destes
também advogaram tal idéia, e sob a influ- tópicos estranhos, além de completamente
ência deles, outros nomes ilustres podem equivocados. Os ministérios independentes
ser acrescentados à lista. Mas isso prova e seus simpatizantes devem entender que
apenas que alguns decidiram seguir suas o compromisso primário dos Adventistas
próprias idéias, ou as idéias dos seus men- do Sétimo Dia, não é manifestar lealdade
tores espirituais. a qualquer pioneiro do movimento, seja
Jones, Waggoner, ou qualquer outro.
Além do mais, ao ler toda a ênfase pós-
Nossa consciência está cativa à Palavra
lapsariana do auto-proclamado “adventis-
da revelação, e é diante da revelação, que
mo histórico”, somos forçados a perguntar,
nos curvamos em lealdade, compromisso
quão genuína e autenticamente adventistas
e obediência.
são algumas das idéias encontradas no “ad-
ventismo histórico?” O que dizer das idéias
anti-trinitarianas de alguns pioneiros? E Conclusão
das noções arianas ou semi-arianas quanto
à divindade de Cristo?134 Ou das noções er- Um dos problemas mais complexos da
radas quanto guarda à do sábado, ou do sis- cristologia é a questão do relacionamento
tema de benevolência sistemática, ou ainda da divindade e humanidade em Cristo,
conceitos completamente equivocados e este artigo tratou com algumas facetas
sobre os princípios de saúde? Isto para não deste tópico e seus desdobramentos na
se falar das objeções de alguns pioneiros à comunidade Adventista do Sétimo Dia,
organização da Igreja, por exemplo. O que focalizando em particular a teoria defen-
dizer, ainda, das idéias dos próprios heróis, dida por alguns segmentos do adventismo
Jones e Waggoner, quanto ao panteísmo, contemporâneo.
assimilado de Kellog,135 da idéia da “afini-
dade espiritual” de Waggoner,136 as noções Tratamos primeiramente com a noção
de Jones, quanto à “nova voz profética”, bíblica de pecado, conceito básico para a
manifestada, segundo ele, na Srta. Anna compreensão do tema. Como discutido,
Philips?137 O que dizer a teoria extremista pecado, na visão das Escrituras, trans-
de Jones quanto à “cidadania”,138 vista por cende qualquer noção superficial que
Ellen G. White como “fogo estranho”, ou transforma esta enfermidade sistêmica em
de sua idéia de violação provocativa das manifestações exteriores da conduta. É a
leis dominicais?139 O que dizer ainda das natureza humana que foi profundamente
idéias convergentes de Jones, com o movi- afetada e infectada pela queda original,
mento da “carne santa”?140 Ou o que dizer produzindo uma atitude fundamental de
das noções materialísticas de santidade, rebelião. Todos, por nascimento, partilham
mantidas por grupos adventistas, que criam de propensões malignas, que nos colocam
que seus cabelos brancos seriam restaura- alienados de Deus, e em linha de colisão
dos à sua cor natural, ou mesmo da idéia com sua vontade. Os seres humanos sofrem
de Waggoner, ensinando que se alguém de um mal muito mais grave e profundo do
realmente tivesse a justiça de Cristo, nunca que os sintomas manifestos na superfície.
ficaria enfermo?141 Deveria todo este peso Pecado, mais que ações pecaminosas, é um
morto da dogmática destes pioneiros ser estado de degeneração moral e espiritual,
64 / Parousia - 1º semestre de 2008

com o qual todos os seres humanos entram de tornar Cristo um de nós desconsidera
no planeta Terra, e que coloca a todos, dois aspectos fundamentais, na resposta a
sem excessão, em imediata necessidade de estas questões: Primeiro, sua identidade,
salvação. Houvessem os pioneiros do pós- isto é, quem Ele era, como o monogenes
lapsarianismo, Waggoner e Jones e outros, de Deus, o único do Seu tipo, exclusivo,
entendido o ensino paulino de pecado, e singular, um “ser santo” (Lc 1:35), que, em
não apenas isolado alguns textos joaninos, relação ao pecado, está separado e distinto
adequados à sua teoria, e certamente a de todos membros da espécie humana. Esta
história das idéias que eles desencadearam verdade funciona como uma salvaguarda,
seria outra. estabelecendo os limites de sua identifi-
cação conosco, não permitindo que tais
O tópico do pecado foi também explora-
fronteiras sejam violados, no interesse de
do do ponto de vista dos escritos de Ellen G.
qualquer teoria, por melhor intencionada
White. Explicitamente, a escritora afirma
que seja. E, segundo lugar, a extensão de
a realidade da depravação pecaminosa e
sua identificação conosco, não pode des-
corrupção humana, como um estado. Ela
considerar sua missão, também exclusiva
fala de pecado em termos de uma condição
e única. Para ser nosso Salvador e oferta
natural de todos os humanos. Devemos
pelo pecado, Cristo deveria ser, como afir-
lembrar, sumariza ela, “que nosso coração
ma Hebreus 7:26, “puro, santo, imaculado,
é naturalmente depravado, e somos inca-
separado dos pecadores”. Ellen G. White,
pazes em nós mesmos de seguir a direção
entendeu claramente este binômio da cris-
certa”.142 Ou “como resultado da desobedi-
tologia bíblica e numa multidão de textos
ência de Adão, cada ser humano é um trans-
deixa a questão absolutamente clara.
gressor da lei, vendido sob o pecado”.143 “O
egoísmo”, diz ela, “está integrado em nossa A íntima união de Cristo com a humani-
essência”, “e isto nos vem por herança”.144 dade caída não significa que Ele tenha tido
Curiosamente, Ellen G. White utiliza a a mínima ou a mais remota participação em
expressão pecado original uma única vez, nossa condição pecaminosa. Em termos de
e aí ela afirma nossa direta relação com as lógica bíblica, afirmar que Cristo assumiu
conseqüências da queda: “A própria fonte a natureza caída e pecaminosa em qual-
da natureza humana foi corrompida. E quer sentido preciso, equivale a dizer que
desde então, cada pecado tem continuado sua vontade esteve em contradição com a
sua obra odiosa, passando de mente para vontade de seu Pai, e isto coloca o pós-lap-
mente. Cada pecado cometido, desperta sarianismo numa posição de insustentável
ecos do pecado original.”145 conflito com a ortodoxia cristã, com a
qual eles dizem estar comprometidos. Um
O aspecto crítico da nossa discussão,
conosco, mas não um de nós, e é precisa-
portanto, centraliza-se na questão: Poderia
mente aí que residia o poder de sua vitória
Jesus ter nascido com a mesma natureza
em nosso favor. Certamente gostaríamos
que recebemos de Adão? No mesmo
de ter maior compreensão sobre como tal
estado em que todos os demais seres hu-
união de divindade e humanidade em Cris-
manos nascem, e ainda assim ser o nosso
to, foi possível. O mistério é como Cristo
Salvador? Poderia Ele ser o Salvador, o
pôde combinar, de um lado a realidade
substituto sacrificial, a oferta pelo pecado,
de não ser infectado pela humanidade
e, ao mesmo tempo, ser chamado de “de-
caída, em termos morais e espirituais,
pravado”, “corrupto”, e ser caracterizado
enquanto afetado por ela, assumido as
como tendo as “propensões e tendências
conseqüências físicas da queda. Contudo,
malignas do pecado” ou “inclinações para o
não somos chamados a explicar, mas a
mal”? Como discutido, qualquer tentativa
aceitar o mistério. Nas palavras de Ellen
Cristo e os cristãos / 65

G. White: “A missão de Cristo não foi histórico” deveriam repensar tal convicção,
explicar a complexidade de sua natureza, porque afinal, como discutido, nem tudo no
mas dar abundante luz para aqueles que a “adventismo histórico” é essencialmente
receberiam em fé.”146 Não temos revelação adventista.
absoluta, apenas revelação necessária. O
Finalmente, aos que querem tornar
que realmente necessitamos é aceitar e
Cristo tão identificado conosco a ponto
crer naquilo que nos está disponível, sem
de obscurecer sua identidade essencial e
permitir que nossa lógica e opiniões cir-
natureza de sua missão, relembramos, nas
culares, interfiram na revelação.
palavras da voz profética aos crentes ad-
ventistas: “Não ver o marcante contraste
Substancialmente, a cristologia de Ellen
entre Cristo e nós, significa não nos co-
G. White é doutrinariamente explícita nos
nhecermos a nós mesmos. Aquele que não
cinco parágrafos da famosa Carta a Baker,
aborrece a si mesmo, não pode entender o
tratando com o tópico, conhecidos de
signficado da redenção”.148 Mesmo entre
memória por qualquer estudante sério do
Cristo e os cristãos – e estes deveriam
tema. Pós-lapsarianos podem tentar toda
ser os primeiros a reconhecerem isso
sorte de contorcionismo e malabarismo
– permanece uma distância incalculável,
interpretativos, para “explicar” tais textos.
porque a conversão e o novo nascimento
Mas o que aí está claramente expresso tem
não eliminam completamente nossa dis-
caráter devastador para a teoria: “Nem
torcida natureza básica, que, embora não
por um momento houve nEle propensão
mais reine, subsiste até a redenção final
maligna.” Ou: “Não o apresenteis como
do “nosso corpo abatido”, no segundo
um homem com as propensões para o pe-
advento. Talvez o aspecto mais deplo-
cado.” “Seu nascimento foi um milagre de
rável da cristologia pós-lapsariana, não
Deus. ... Nunca de nenhuma forma, deixeis
entendido por seus defensores, é a tenta-
a mais leve impressão sobre as mentes hu-
tiva de explicar a humanidade de Cristo a
manas que a mancha ou a inclinação para
partir de nossa humanidade. Jesus assumiu
a corrupção permaneceu sobre Cristo.” E
“verdadeira humanidade”, mas no sentido
mais: “Que cada ser humano seja adverti-
intencionado por Deus. Assim, “verdadei-
do acerca de tornar Cristo completamente
ra humanidade” não pode ser definida em
humano, tal como um de nós, pois isto não
termos da natureza humana como nós a
pode ser.”147
conhecemos em nós próprios, mas apenas
Além disso, os textos que poderiam em termos da humanidade assumida pela
sugerir qualquer contradição nos escritos Palavra, e estas duas, de nenhuma maneira,
de Ellen G. White, devem ser entendidos significam a mesma coisa. O grande erro,
à luz da totalidade de seu ensino, e inter- portanto, é nos apresentarmos como a nor-
pretados à luz de quem Cristo é, não ao ma da humanidade, e então perguntarmos
contrário, isto é, definir quem Ele é, apartir quanto Cristo deve se conformar com esta
de nossa interpretação pré-concebida destes norma. Mas se a fé cristã é verdadeira, nós
textos. Ellen G. White, tornar claro que somos pobres espécimes de humanidade,
a humanidade de Cristo, embora afetada mesmo os melhores de nós, não somos
pelo pecado, não é uma exata duplicação apenas imperfeitos, mas corrompidos pelo
de nossa natureza. Do ponto de vista empí- pecado. A Palavra, portanto, assumiu um
rico do homem pecaminoso, sua natureza tipo especial de natureza, semelhante,
humana é vista por Ellen G. White, como mas não completamente igual à daqueles
exclusiva e única. Finalmente, os auto-pro- a quem Ele “não se envergonha de chamar
clamados representantes do “adventismo irmãos” (Hb 2:11).
66 / Parousia - 1º semestre de 2008

Referências de maneira coorporativa, continua a rejeitar). 3)


Quando a igreja remanescente finalmente aceitar
Karl Barth, Dogmatics in Outline (London:
1 esta mensagem e chegar a um estágio de absoluta
SCM Press, 1966), 66 perfeição impecaminosa, o caráter de Cristo será
então plenamente reproduzido em seu povo, e
2
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (Tatuí,
Ele virá para reclamá-lo como seu. 4) Enquanto a
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1987), 1:243-244
igreja falhar em alcançar este estágio de absoluta
(grifo nosso).
perfeição impecaminosa, a chuva serôdia não cai-
3
Norman R. Gulley, “Behold the Man” (Adven- rá, o alto clamor de Apocalipse 18 não será dado
tist Review, June 30, 1983), 4. em sua plenitude, e Cristo não retornará (Veja Roy
Adams, The Nature of Christ [Hagerstown, MD:
4
A. T. Jones, 1895, General Conference Bulle- Review and Herald, 1994], 24-25). É destes pon-
tin, 231, 233, 436, citado por G. Knight, From 1888 tos de ênfases, escorados numa multidão de textos
to Apostasy (Hagerstown, MD: Review and Herald, de Ellen G. White, a maioria deles isolados dos
1987), 136. seus contextos, e interpretados de acordo com opi-
5
Veja Kenneth Gage (pseudônimo), “What niões preconcebidas, que os proponentes da teoria
Human Nature Did Jesus Take? Fallen”, Ministry, derivam uma auto-proclamada missão de refor-
June/1985, 9-10. Claro que tal idéia representa um mar a igreja. Daí, naturalmente, emergem o zelo
tipo de rabinismo piorado. E. P. Sanders sumariza incendiário e divisivo, o espírito de superioridade
a posição rabínica, segundo a qual “a possibilidade espiritual, e atitude acusatória contra todos aque-
existe que uma pessoa pode não pecar. A despei- les que discordam da teoria.
to da tendência para desobedecer, o homem é livre
para obedecer ou desobedecer” (E. P. Sanders [Phi- 8
Para Robert Wieland, o povo de Deus deve ven-
ladelphia: Fortress Press, 1977], 114, 115). Assim, cer como Cristo venceu. “Eles devem ter deixado de
as pessoas podiam, tecnicamente viver vida impe- continuar pecando” (The 1888 Message [Washing-
caminosa, em sua própria força. ton DC: Review and Herald, 1980], 94). A mesma
ênfase é encontrada em Albion Fox Ballanger, M.
6
Veja Ralph Larson, The Word Made Flesh L. Andreasen, e outros “reformistas” contempo-
(Cherry Valley, CA: The Cherrystone Press, 1986), râneos. É claro que não deveríamos ter qualquer
330-350; veja abaixo, referência 19. Veja também, problema com a idéia da santificação e perfeição
para estabelecer o equilíbrio, o capítulo “Sin: Ori- bíblicas. O que incomoda nestes autores, contudo,
ginal and Not So Original”, em George Knight, The é o tom arrogante e acusatório, além da defesa de
Farisees Guide do Perfect Holiness (Boise, ID: Pa- uma noção extremamente superficial de perfeição,
cific Press, 1992), 31-55. Aliás, todo o livro, é uma decorrente da noção superficial de pecado. Colin e
excelente avaliação dos resultados da trivialização Russel Standish acusam de “novo adventistmo” e
do pecado. de “defensores do pecado” os que discordam deles:
7
No pós-lapsarianismo desenvolvido entre os “Um tema central no novo adventismo” diz ele, “é
adventistas dos ministérios independentes e seus que nós continuaremos pecando até o segundo ad-
simpatizantes, perfeccionismo é apenas o ponto vento” (Adventism Vindicated, 63). Para uma exce-
de partida. Abaixo da superfície, estão pontos su- lente discussão deste tópico, veja Roy Adams, The
tis, de toda uma estrutura teológica, nem sempre Nature of Christ, o capítulo 6, “What is Sin? The
percebida ou entendida pela maioria. Quando a Issue at the Heart of the Debate”. Adams expõe a
teoria é compreendida em suas implicações, lon- fragilidade dos argumentos perfeccionistas. Além
ge de algo inocente, como alguns poderiam jul- disso, devemos observar que 1 João 3:9 afirma:
gar, torna-se evidente, que estamos diante de um “Aquele que nasce de Deus não peca”, e, no verso
iceberg, de enormes proporções que escapam a 8: “Quem comete pecado é do diabo.” Mas isto não
olhares superficiais. Roy Adams coloca o indi- é tudo o que a epístola tem a dizer sobre o pecado.
cador na jugular do problema, enumerando a se- Em 1:8 lemos: “Se dissermos que não temos peca-
qüência lógica de quatro pilares principais: 1) A do nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e não há
natureza humana de Cristo foi exatamente como verdade em nós.” Porém, mais sério ainda, no verso
a nossa – cem por cento igual. 2) Uma vez que 10: “Se dissermos que não pecamos fazemos Deus
Cristo viveu vida sem pecado em natureza huma- mentiroso, e a sua palavra não está em nós.” Ou a
na caída – uma natureza absolutamente igual a Bíblia está em contradição, ou ela opera com um
nossa –, então nós também podemos e devemos, conceito de pecado mais complexo do que aquilo
como Ele, viver “sem pecado” (para esses refor- que é percebido pelos “reformistas adventistas”. E
mistas, esta foi a grande descoberta da pregação é precisamente isto que é indicado na mesma carta
da justificação pela fé que veio aos adventistas em joanina, em 5:16. O próximo número de Parousia,
1888, e que, segundo, eles, a Igreja Adventista, tratará com esta questão.
Cristo e os cristãos / 67
9
Admitimos que “pecado original” pode não dré, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1968), 21.
ser a melhor expressão, particularmente pelo peso 21
Ryle, Holiness: Its Nature, Hindrances, Diffi-
da tradição dogmática. Contudo, alguns adventistas
culties, and Roots, xiv, xv.
têm denegrido o conceito, sem plenamente analisar
o seu significado. Veja no livro de Knight, The Pha- 22
Veja o Interprerter´s Dictionary of the Bible,
risees Guide, além do capítulo tratando com o peca- Charles M. Laymon, ed., (Nashville, TN: Abingdon
do original, os capítulos tratando com pecado e san- Press, 1980), “Sin.” Tais palavras podem ser estu-
tificação. Sem usar a expressão “pecado original” dadas individualmente no autoritativo Theological
(exceto por uma única ocorrência, na Review and Dictionary of the Old Testament, G. Honannes Bot-
Herald de 16 de Abril, de 1901), Ellen G. White terweck e Hermer Ringgren, eds., (Grand Rapids,
refere-se à mesma condição humana descrita pelo MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1979).
apóstolo Paulo e por teólogos ao longo dos séculos. 23
Sobre Pelágio, veja Justo L. Gonzales, A
“Por herança e exemplo, os filhos se tornam parti-
History of Christian Thought (Hashvill: Abing-
cipantes do pecado do pai. Más tendências, apetites
don Press, 1971), vol. 2, 27-31; veja também W.
pervertidos e moral vil ... são transmitidos como um
Walker, História da Igreja Cristã (São Paulo, SP:
legado de pai a filho, até a terceira e quarta gera-
ASTE, 2006), 244-248. Se o pecado fosse devido à
ção.” Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí,
livre escolha, como defendido por Pelágio, não de-
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989), 312.
veria haver razão para que ele fosse universal. Sua
10
James Stalker, The Atonement (New York, universalidade sugere um elemento de necessidade,
NY: American Tract Society, 1909), 88. uma tendência natural ou predisposição para o mal,
que precede o exercício da liberdade. Veja Albert C.
11
G. C. Berkouwer, Sin (Grand Rapids, MI:
Knudson, The Doctrine of Redemption (New York,
Wm. Eerdmans Publishing Co., 1970), 276
NY: Abingdon-Cokesbury Press, 1933), 263. Ellen
12
Ellen G. White, O Desejado de Todas as White concorre com esta compreensão, ao observar
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, que nós não apenas temos “tendências cultivadas
1990), 266. para o mal”, mas também tendências herdadas. E,
por causa destas tendências herdadas para o peca-
13
O conhecido evangélico H. A. Ironside, des-
do, uma criança não necessita ser ensinada a pecar”
crevendo o seu passado como perfeccionista, ou sua
(Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações,
defesa de “santidade na carne”, observa a tendência
671; veja também Patriarcas e Profetas, 306).
dos perfeccionistas de se tornarem “cortantes, cen-
suradores, sem caridade e duros em seu julgamento 24
G. C. Berkouwer, The Image of God (Grand
dos outros” (citado em John MacArthur, The Va- Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Com-
nishing Conscience [Nashiville,TN: Nelson Books, pany, 1962) 135).
1994], 128-129). 25
Colin e Russel Standish, Adventism Vindi-
14
Edward Heppenstall, Salvation Unlimited, cated (Rapidan, VA: Hartland Publications, 1980),
Perspectives in Righteousness by Faith (Washing- 62.
ton, DC, Review and Herald, 1974), 13. 26
Ralph Larson, The Word Was Made Flesh,
15
Leon Morris, The Atonement (Downers Gro- 330. Larson troveja: “Deveria a doutrina do peca-
ve, Ill.: InterVarsity Press, 1983), 136, 137. do original de Agostinho ser acrescentada à teolo-
gia adventista do sétimo dia?” E acrescenta: “Uma
16
Thomas Gataker, citado em B. W. Ball, The vez que é de conhecimento comum que a doutrina
English Connection: The Puritan Roots of Seventh- agostiniana do pecado original é agora recomenda-
day Adventist Belief (Cambridge, England: James da para adição na teologia da Igreja Adventista do
Clarke, 1981), 68. Veja também Bernard Ramm, Sétimo Dia, parece que um cuidadoso exame de tal
Offense to Reason: A Theology of Sin (San Francis- doutrina seja assumido por todos os que partilham
co, CA: Harper & Row, 1985), 68. preocupação pela pureza da fé adventista” (idem).
17
J. C. Ryle, Holiness: Its Nature, Hindrances, Ele então dedica 20 páginas de discussão no tópi-
Difficulties, and Roots (Welwyn, England: Evange- co (idem, 330-350). Somos, contudo, deixados a
lical Press, 1979), xiv, xv. nos perguntar: Onde se encontra tal “recomenda-
ção” de se incluir a teoria agostiniana na teologia
18
Ellen G. White, Orientação da Criança (Ta- adventista? Ou, ainda, somos forçados a perguntar
tuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), 475. se Larson entendeu o ensino bíblico sobre pecado.
19
Idem, Historical Sketches (Basle: Imprimerie Ellen G. White claramente fala da depravação na-
Polyglotte, 1886), 138, 139. tural da condição humana: “Devemos lembrar que
nossos corações são naturalmente depravados, e
20
Idem, O Maior Discurso de Cristo (Santo An- somos incapazes em nós mesmos de trilhar a ve-
68 / Parousia - 1º semestre de 2008

reda correta” (Ellen G. White, In Heavenly Places “compreensão vívida e quase física/biológica do
[Washington, DC: Review and Herald, 1967], 195; primeiro pecado. Para Oakes, tal doutrina está em
veja também Conselhos aos Pais Professores e Es- crise, mesmo entre os católicos. Veja “Original
tudantes, 544). Sin: A Disputation”, First Things, 16 de novem-
bro de 1998, 16.
27
Joe Crews, Christ’s Human Nature (Amazing
Facts, s.d.), 6, 47). 32
Veja nesta edição de Parousia, o artigo de
Benjamin Rand.
28
Robert Wieland e Donald K. Short, 1888 Re-
examined: The Story of a Century of Confrontation
33
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, 312.
Between God and His People (Mountain View, CA: 34
Gulley, “Behold the Man”, 5.
1888 Message Study Committee, 1987), iii.
Ellen G. White, Manuscript 165, 1899, (cita-
35
29
Veja Roy Adams, The Nature of Christ (Ha- do em The Faith I Live Bay, 48).
gerstown, MD, Review an Herald, 1994), 25.
36
Para uma lista destas ocorrências, veja Eric
30
Se a posição pré-lapsariana depende do dog- Claude Webster, Crosscurrents in Adventist Chris-
ma católico do pecado original – como sustenta a tology, (Berrien Springs, MI: Andrews University
acusação dos defensores da noção pós-queda –, Press, 1984), 74-80.
podemos dizer que o pós-lapsarianismo, com sua 37
Ibid., 75-76
insistência de que Jesus é um homem como qual-
quer outro, é dependente do liberalismo teológico Ellen G. White, Review and Herald, 29 de
38

do século 19, com raízes em F. Schleiermarcher, Outubro, 1895.


A. Ritschl e outros, que, negligenciando a divinda- 39
Benjamin Rand, “Que Natureza Humana Je-
de de Cristo, colocaram toda ênfase em sua huma-
sus Tomou”, 2.
nidade, diferentemente dos demais homens, se-
gundo eles, apenas em certo grau de superioridade 40
Ibidem.
moral, mas, afinal, em tudo semelhante aos de-
mais. Veja Russel F. Aldwinckle, More Than Man, Ellen G. White, Review and Herald, 17 de
41

A Study in Christology (Grand Rapids, MI: Wm. dezembro de 1872.


B. Eerdmans Publishing Co., 1976). Aldwinckle, 42
Don F. Neufeld, ed., Seventh-day Adventist
observa que “tornou-se moda, em alguns setores Bible Commentary (Jagerstown, MD: Review and
… dizer que a Palavra assumiu nossa natureza hu- Herald, 1979), 7:907.
mana caída” (p. 115). Como Aldwinckle argumen-
ta que afirmar, contudo, que Jesus foi pecaminoso,
43
Idem, Review and Herald, 21 de setembro de
em qualquer sentido preciso, significa dizer que 1886.
sua vontade estava em contradição com a vontade Veja Rand, “Que Natureza Humana Jesus To-
44

do seu Pai, e isto estaria em claro conflito com a mou”, 2.


ortodoxia (idem).
45
Para sólida discussão e significado do crucial
31
Willian Hordern, em Alan Richardson, ed., termo homoioma/homoiomati, veja Gehard Kittel e
A Dictionary of Christian Theology (Grand Ra- Gehard Friedrich, eds., Theological Dictionary of
pids, MI: Wm. Eerdmans Publishing Co., 1989), the New Testament (Grand Rapids, MI: Wm. Eeer-
149. John Miley e R. Sheldon, teólogos da tra- dmans Publishing Co., 1979), vol. 5, 191-198. Em
dição Arminiana/Wesleyana, embora admitam o Romanos 8:3 Paulo enfantiza que Cristo veio em
“pecado original”, negam que o homem seja tido “semelhança de carne pecaminosa”, mas “com o
como culpado por causa dele. Veja John Miley, seu en homoiomati, Paulo está demonstrando que
Systematic Theology, 2 volumes (New York: NY: com toda a similaridade entre o corpo físico de
Eaton and Main, 1892), 1:512. Para uma longa Cristo e o corpo físico dos homens, há uma diferen-
lista de teólogos tratando da noção do pecado ori- ça essencial entre Cristo e os homens. Mesmo em
ginal, veja David L. Turner, “Ephesians 2:3c and sua vida terrena Ele era ainda o Filho de Deus. Isto
Peccatum Originale”, em Grace Theological Jour- significa que Ele tornou-se homem sem entrar em
nal, 1.2 (spring 1980), 195-219. Edward T. Oakes relação com o pecado humano. As palavras en ho-
observa que mesmo naquelas denominações que moiomati preserva-nos de uma dedução que Paulo
se orgulham de aderência a dogmas ortodoxos, a não desejou fazer, isto é, a de que Cristo tornou-se
noção agostiniana do pecado original é negada, sujeito ao poder do pecado, e que de fato pecou. ...
ou tratada com silêncio. Oakes indica que mesmo Assim, o homoioma indica duas coisas: primeiro, a
o Universal Catechism of the Catholic Church, semelhança em aparência e, segundo, a distinção
trata a questão do pecado original de maneira que em essência. ... Com este corpo intrinsecamente
surpreenderia o próprio Agostinho, que tinha uma sem pecado, Cristo tornou-se o representante da
Cristo e os cristãos / 69

humanidade pecaminosa. ... Cristo assumiu a se- necessidade e um privilégio” (Review and Herald,
melhança da carne pecaminosa para que Deus, em 8 de dezembro de 1904).
Cristo, pudesse realizar a libertação da humanidade 63
Idem, Signs of the Times, 10 de Maio, 1899,
do pecado” (p. 196).
no SDA Bible Commnentary, 5:1082-3; veja tam-
46
Adams, The Nature of Christ, 63. bém 4:1116; e, ainda, Review and Herald, 10 de
junho de 1890.
47
Para Raymond E. Brown, o contexto de João
8:46 é Isaías 53:9: “nele não houve engano”. Bro- 64
Ellen G. White não obscurece o fato de que
wn indica ainda, por associação, Hebreus 4:15: Cristo, além de substituto do homem, foi também
“Pois não temos um sumo sacerdote que não possa seu exemplo. Portanto, se Ele “não tivesse a nature-
compadecer-se de nossas fraquezas, porém um que, za do homem, Ele não poderia ser o nosso exemplo.
como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” Se Ele não fosse um participante de nossa nature-
(The Gospel According to John [Garden City, NY, za, Ele não poderia ser tentado como o homem tem
Doubleday & Company, 1981], 358). sido. Ele não poderia ser nosso ajudador. Foi uma
48
Ellen G. White, “Humility Before Honor”, solene realidade que Cristo veio lutar as batalhas
Review and Herald, 8 de novembro de 1887. como homem, em favor do homem” (“How to Meet
a Controverted Point of Doctrine”, Review and He-
49
Veja Gulley, “Behold the Man”, 5. rald, 18 de fevereiro de 1890. Contudo, tal identifi-
50
Ellen G. White, The Youth Instructor, 2 de cação não poderia, por outro lado, estender-se além
junho de 1898. dos limites determinados por sua identidade única e
missão exclusiva.
51
Idem, 5 de abril de 1901.
65
Ellen G. White, Manuscrito 44, 1898, citado
52
Idem, Signs of the Times, 29 de maio de
no SDA Bible Commentary, 7:907.
1901.
66
Idem, Review and Herald, 5 de abril de
53
Idem, SDA Bible Commentary, 5:1128.
1898.
54
Idem, Carta 276/1904, SDA Bible Commen-
Idem, “Aggressive Work to be Done”, Review
67
tary, 6:1082.
and Herald, 2 de agosto de 1906.
55
Idem, SDA Bible Commentary, 5:1129.
Idem, “Principle Never to be Sacrificed for
68

56
Idem, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Peace”, Review and Herald, 24 de julho de 1894.
Publicadora Brasileira, 1998), 251. Ellen G. White, 69
Idem, “Contemplate Christ’s Perfection, not
em outro contexto afirma que “o estudo da encar-
Man’s Imperfection”, Review and Herald, 8 de
nação é um campo frutífero que recompensará ao
agosto de 1893. Tal ênfase é destacada em uma
investigador sincero que cava fundo pela verdade
enorme variedade de contextos: Cristo tinha “um
escondida” (Manuscrito 67, 1898).
caráter sem mancha” (Review and Herald, 20 de se-
57
Ellen G. White, Carta 280, 1904, citada no tembro de 1909); uma “justiça imaculada” (Review
SDA Bible Commentary, 6:1082. and Herald, 9 de janeiro de 1883); “uma pureza
sem mancha” (Review and Herald, 28 de agosto de
58
Idem, Review and Herald, 5 de abril de 1883); uma “vida sem mancha” (Review and He-
1906. rald, 20 de janeiro de 1885). O que está em foco
59
Webester, Crosscurrents in Adventist Cristo- aqui não são atos, mas natureza.
logy, 88. Em muitos textos, Ellen G. White coloca 70
Idem, “Sacrificial Offerings”, The Signs of
Cristo em pé de igualdade com o Yahweh do Antigo the Times, 15 de julho de 1880.
Testamento, e faz as mais altas reivindicações em
favor da divindade de Cristo. 71
Idem, Review and Herald, 17 de dezembro
de 1872.
60
Ellen G. White, Review and Herald, 5 de abril
de 1906. Para ela, “Cristo possuía todo o organis- 72
Idem, O Grande Conflito, 505.
mo humano” (Carta 32, 1899, citada no SDA Bible 73
Idem, Mensagens Escolhidas, vol. 1, 254.
Commentary, 5:1130. Tinha um corpo como o nos-
so (Review and Herald, 5 de fevereiro de 1895). 74
Ibid., 256
61
Idem, “Notes on Travel”, Review and Herald, 75
Idem, “An Appeal to Ministers”, Review and
10 de fevereiro de 1885. Herald, 19 de maio de 1885.
62
Idem, Review and Herald, 11 de dezembro 76
Idem, “How to Deal With the Erring”, Review
de 1888. Para Jesus, a oração era vista como “uma and Herald, 19 de maio de 1885.
70 / Parousia - 1º semestre de 2008
77
Idem, Manuscrito 16, 1890, citado no SDA 1985: An Historical Contextual and Analytical Stu-
Bible Commentary, 7:907. dy”, argumenta que Baker, com muita probabilidade
recebera suas noções quanto a natureza de Cristo de
78
Idem, Carta 95, 1898, citada no SDA Bible
proeminentes escritores adventistas contemporâne-
Commentary, 7:952. Contrastando a lepra do pe-
os, tais como A. T. Jones, E. J. Waggoner e W. W.
cado com a pura vida de Cristo, Ellen G. White
Prescott (8 a 20).
escreve: “Mas vindo habitar na humanidade, não
recebeu poluição” (ibidem). 89
Ellen G. White, Carta 8, 1895, citada no SDA
Bible Commentary, 5:1128. Curiosamente, Wie-
79
Idem, Youth Instructor, 8 de setembro de
land tenta confundir a clareza desta declaração. Em
1898.
seu The 1888 Message, ele trata com esta carta nas
80
Ibidem. páginas 59-63. Em duas colunas ele tenta oferecer
uma comparação entre a citação de Ellen G. White
81
Woodrow W. Whidden, Ellen White on the
mencionada acima, e a seleção de um artigo de E.
Humanity of Christ (Berrien Springs, MI, Adventist
J. Waggoner, publicado na Signs of the Times, em
Institute for Theological Advancement, 2006), 54.
21 de Janeiro de 1889. Contudo, enquanto Waggo-
82
Ellen G. White, The Signs of the Times, 20 de ner trata com a natureza divina de Cristo, Wieland
fevereiro, de 1879. obscurece aquilo que Ellen G. White diz, dando a
impressão de que ela está afirmando o mesmo que
83
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 33. Waggoner. Uma cuidadosa análise dos cinco pará-
84
Ibid., 49. grafos da carta em questão, que tratam da sua cris-
85
Ibidem. tologia, revela que ela está discutindo a humanida-
de de Cristo, não sua natureza divina (veja Webster,
86
O Ellen White Estate indexou este documento Crosscurrents, 130).
como a Carta 8, de 1895, e ela aparece no SDA Bible
Comentary , 5: 1128-1129. Embora datada de 1895,
90
O que se entende por “propensão maligna”?
Lyell Heise, em The Christology of Ellen G. White Os defensores da teoria pós-lapsariana, como
Letter 8 (Andrews University Monographs, 1895) Wieland, fazem um extraordinário esforço para fu-
apresenta evidências de que a carta foi realmente gir à clareza de significado da expressão, que, se
escrita em 1896. aceita na intenção de Ellen G. White, tem caráter
devastador para a teoria deles. Para Wieland, a pa-
87
W. L. H. Baker tivera uma considerável car- lavra propensão significaria apenas “participação
reira editorial, na Pacific Press, na Califórnia. Pos- em atos pecaminosos” (Veja Wieland, The 1888
teriormente, uniu-se à então recém fundada Echo Message, 62). Assim, ele nega que “propensão
Publishing House, na Austrália. Mas ao tempo em para o pecado”, “propensão maligna”, ou, ainda,
que recebeu a carta de encorajamento e conselho, “inclinação para a corrupção”, significam, natural,
de Ellen G. White, ele estava envolvido em ativida- pura e simplesmente “inclinação para o pecado”. A
des pastorais e evangelísticas na Tasmânia. evidência mais clara contra Wieland, além do dicio-
nário, é o próprio contexto literário da carta, onde
88
A carta não deriva sua importância da proemi-
Ellen G. White descreve a posteridade de Adão, que
nência de Baker no ministério adventista, ou mesmo
“nasce com inerente propensão para a desobediên-
da extensão do documento (17 páginas, no original).
cia”. Portanto, é o uso que Ellen G. White faz da
Seu significado básico emerge dos cinco parágra-
palavra “propensão”, no mesmo contexto, que deve
fos discutindo a humanidade de Cristo. Esta carta,
determinar o seu significado. Portanto, a questão é
descoberta e publicada inicialmente em meados da
simples: se alguém nasce com a propensão para o
década de 1950, é vista como a principal causa para
pecado, como pode essa propensão ser identificada
os debates entre as posições pré e pós-queda no ad-
como a participação posterior no pecado?
ventismo. Whidden considera mesmo que sua desco-
berta foi um “wake-up call” à discussão cristológica. 91
SDA Bible Commentary, 5:1128.
Segundo ele, o seu surgimento marcou o desperta-
mento da consciência acerca das muitas declarações
92
Ellen G. White, Carta 8, 1895, citada no SDA
de Ellen G. White enfatizando a singularidade impe- Bible Commentary, 5:1128.
caminosa de Cristo (Woodrow Whidden, Ellen Whi- 93
Ibidem. Curiosamente, Wieland, seguindo o
te on the Humanity of Christ, 59). Da carta infere-se hábito das “elipses”, verificado em autores pós-lap-
que a natureza de Cristo, na compreensão de Baker, sarianos, omite completamente esta seção da carta.
sofria de desequilíbrio básico. Aparentemente, ele Jean Zurcher, em seu Tocado pelos Nossos Senti-
estivera pregando que Cristo tinha “inclinação para mentos, segue também a mesma prática de omitir
a corrupção”. Lyell Vernon Heise, em uma mono- o que não sustenta a sua teoria quanto a natureza
grafia preparada para a Andrews University sob o de Cristo. Denis Fortin, em sua análise do livro de
título “The Christology of Ellen G. White Letter 8, Zurquer, observa: “Zurcher não apenas evita uma
Cristo e os cristãos / 71

exposição clara da carta a Baker, mas também a cita de maio de 1901, citado no SDA Bible Comentary,
de forma distorcida e fora do contexto” (veja Denis 7:912.
Fortin, Andrews University Studies, vol. 38, Nº 2, 111
Webster, Crosscurrents, 124. Devemos en-
outono de 2000, 343).
tender que para Ellen G. White, Cristo “possui a
94
Ibid., 1129. nossa natureza, embora não contaminado pelo pe-
cado” (Review and Herald, 7 de Maio de 1901).
95
Admans, The Nature of Christ, 71.
Ellen G. White, Manuscrito 50, 1900, citado
112
96
Fortin, Andrews University Studies, vol. 38,
no SDA Bible Commentary, 6:1078.
Nº 2, outono de 2000, 344.
113
Ibidem.
Ellen G. White, Review and Herald, 17 de
97

dezembro de 1972. 114


Robert Wieland e Donald K. Short, 1888 Re-
examined (Medow Vista, CA: The 1888 Message
98
Idem, Signs of the Times, 29 de maio de 1902.
Study Committtee, 1987), 118.
No Review and Herald, de 11 de Setembro de 1898,
Ellen G. White afirma que “sua natureza foi mais 115
As tendências extremistas de Jones, bem
exaltada, pura, e santa do que aquela da raça pe- como sua natureza impetuosa e arrogante, sua pena,
cadora por quem Ele sofreu”. Na Review and He- freqüentemente imersa na tinta cáustica da ironia
rald de maio de 1884, ela enfatiza a diferença entre e da crítica, o modo rude por que tratava as pes-
Cristo e a humanidade. “Não havia nenhum pecado soas, são todas características bem avaliadas por
nEle, sobre o qual Satanás pudesse triunfar, nenhu- Knight, em From 1888 to Apostasy, particularmen-
ma fraqueza ou defeito que ele pudesse usar para te nos três últimos capítulos. No final da década
sua vantagem. Mas nós somos pecadores por na- de 1890, quando novamente indicado como editor
tureza, e temos um trabalho a fazer para purificar do American Sentinel, C. P. Bollman, um dos seus
o templo da alma de cada impureza”. A expressão co-editores do período anterior, escreveu uma séria
“nenhum pecado nEle” fortemente implica uma advertência contra essa indicação, salientando a sua
natureza impecaminosa, particularmente quando inclinação extremista, e apresentou uma série de
usada em contraste com os humanos, a quem ela circunstâncias em que Jones estivera errado. Na sua
entendeu serem “pecaminosos por natureza”. opinião, a indicação de Jones para tal posição re-
99
Idem, The Youth Instructor, 20 de dezembro presentava um perigo para a denominação. O extre-
de 1900. mismo de Jones quanto à questão da cidadania, foi
vista por Ellen G. White, de acordo com Bollman,
100
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 49. como “fogo estranho” (Veja Knight, From 1888 to
101
Idem, Mensagens Escolhidas, 1:253. Apostasy, 163-164). Veja o extraordinário material
preparado por Arthur L. White, então, secretário
102
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 112. do Ellen G. White Estate, “What Became of A. T.
Idem, Review and Herald, 11 de dezembro
103 Jones and E. J. Waggoner”, com declarações de El-
de 1888. len G. White sobre estes dois líderes, incluído no
apendix B, em A. V. Olson, 1888 – 1901, 13 Crisis
104
Idem, Medical Ministry (Mountain View, Years (Washington, DC: Review and Herald, 1981),
CA: Pacific Press, 1963), 181. 312-325.
105
Idem, Mensagens Escolhidas, 1:267, 116
Ibid., 116.
268. 117
Ibid, p. 123.
106
Idem, Review and Herald, 17 de julho de
1885.
118
Ibidem.
107
The SDA Bible Commentary, 5:1126 (co-
119
Adams, The Nature of Christ, 30.
mentário de Ellen G. White sobre 1 João 1:1-3). 120
Knight, From 1888 to Apostasy, 253.
Ellen G. White, The Signs of the Times, 9 de
108 121
Ibid., 248. A despeito dos insistentes apelos
junho de 1898, citado no SDA Bible Commentary, de Ellen G. White, advertindo-o contra os perigos
5:1131. de sua associação com Kellog, Jones permaneceu
109
Idem, “Written for Our Admonition, Nº 2”, irredutível. Quando Jones decidiu associar-se a
Review and Herald, 7 de janeiro de 1904. Veja, ain- Kellog na reconstrução do Battle Creek College,
da, Signs of the Times, 17 de abril de 1884, e Review em seu último encontro com Ellen G. White antes
and Herald, 20 de janeiro de 1863. de dirigir-se para o antigo centro do movimento
adventista, a voz profética aos adventistas, em so-
110
Ellen G. White, The Signs of the Times, 29 lene mensagem o adventiu: “Em visão eu o tinha
72 / Parousia - 1º semestre de 2008

visto [Jones] sob a influência do Dr. Kellog. Finas 124


Veja Knight, 136-138, e também Adams,
teias estavam sendo tecidas ao redor dele, até que 31-36. Uma das fortes evidências contrárias à to-
estivesse completamente imobilizado, mãos e pés, ria pós-lapsariana, quanto à discussão da natureza
e sua mente e seus sentidos estivessem se tornado humana de Cristo em Minneápolis 1888, é o diá-
cativos” (EGW to WCW, 18 de agosto de 1903, ci- rio de R. De Witt Hottel, um ministro adventista
tado por Knight, From 1888 to Apostasy, 210). O que servia na Virgínia, durante os últimos anos da
futuro confirmaria plenamente a veracidade desta década de 1880. Ele assistiu a assembléia de Min-
predição. Mais comovente ainda foi o apelo de A. neápolis como delegado, tomou notas regularmen-
G. Daniels a Jones, em 1909. Com a mão estendida te das reuniões numa espécie de diário. Veja Ron
e voz embargada, Daniels, insiste “Venha irmão Jo- Graybill, “Elder Hottel goes to General Conferen-
nes. ... Venha irmão Jones, una-se, ombro a ombro, ce”, Ministry, fevereiro de 1988, 19-21. Knight faz
com os seus irmãos no serviço do Senhor. Jones, referências a outras evidências contrárias à teoria
que inicialmente estende sua mão sobre a mesa, na pós-lapsariana sobre Minneápolis. Veja as páginas
direção de Daniels, afinal a recolhe, dizendo: “Não, do From 1888 to Apostasy, mencionadas acima. Em
não” (ibid., 247). vão se busca qualquer citação de Ellen G. White
que dê sustentação à teoria pós-queda.
122
David P. McMahon, Ellet Joseph Waggoner,
The Myth and the Man (Falbrook, CA: Verdict Pu- 125
1895, General Conference Bulletin, 231,
blications, 1979). 233, 436, citado em Knight, From 1888 to Apos-
tasy, 136.
123
Os seguintes mitos são relacionados por Mc-
Mahon: 1) O mito de que sua mensagem de jus- 126
Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja
tificação pela fé, em 1888, foi muito além do que (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005),
ensinado desde Paulo até Lutero e Wesley. Wie- 2:202. Curiosamente, este texto, que certamente
land cheda mesmo a reivindicar que “a mensagem pertence ao período do “adventismo histórico”,
de 1888 foi uma pregação de justificação pela fé não é mencionado pelos pós-lapsarianos adven-
mais amadurecida e desenvolvida e mais prática do tistas, tais como Wieland, Short, Zurcher e os
que ela fora pregada pelo apóstolo Paulo” (cf. A. irmãos Standish.
L. Hudson, A Warning and its Reception [Baker, 127
Veja Knight, From 1888 to Apostasy, 138.
Oreg.: Hudson Printing, Co., s.d.], 50) Ele mantém
a tese de que Paulo pregou apenas um evangelho 128
Ibid., 139.
“parcial”. 2) O mito de que aquilo que Waggoner 129
Ibid., 72, cf. Ellen G. White, Manuscrito 15,
e Jones escreveram depois de 1888 apresenta suas
1888.
mensagens na histórica conferência de Minneápo-
lis. O fato de que não existe uma transcrição da 130
E. J. Waggoner, Signs of the Times, 21 de
mensagem pregada por Jones e Waggoner em 1888 janeiro de 1889, cf. Knight, From 1888 to Apos-
não detém seus seguidores contemporâneos de, ba- tasy, 39. Em vão se busca qualquer citação de
seados em conjecturas perfeccionistas, continuarem Ellen G. White, em seus comentários de 1888,
apregoando que o material escrito por eles depois é que remotamente dê sustentação à teoria de que a
precisamente o que eles apresentaram em Minneá- pós-queda tenha sido um tópico de discussão na
polis. 3) Esses mesmos seguidores esquivam-se das histórica assembléia.
aberrações pessoais cometidas por Waggoner, que
chegou mesmo a desenvolver a teoria da “afinidade
131
E. J. Waggoner, Christ and his Rightousness,
espiritual” para justificar sua união, naturalmente publicado em 1890, 20-22. E, claro, Ellen G. White
mais do que “espiritual”, com a srta. Edith Admans, escreve em O Desejado de Todas as Nações que
o que fez com que sua esposa solicitasse o divórcio. “em Cristo estava vida, original, não gerada, não
4) Há o mito de que ele permaneceu basicamente derivada” (p. 530).
na fé. Embora se tenha explícitas evidências de que 132
Ellen G. White, Manuscrito 56, 1890, citado
Waggoner tornou-se confuso e perdido em meio ao em Knight, From 1888, 72.
nevoeiro do panteísmo, influenciado por Kellog. E
para McMahon, os sentimentos panteístas em Wa-
133
Whidden, Ellen White on the Humanity of
ggoner, começaram a aparecer em seus escritos já Jesus, 77, 78.
no inicio da década de 1890. 5) Há o mito de que os 134
Veja Leroy Edwin Froom, Movement of Des-
sentimentos panteístas naquilo que Waggoner es- tiny (Washingtron, DC: Review and Herald, 1978),
creveu posteriormente a 1988, não tenham conexão 291-292. Nesta seção, Froom discute alguns dos
intrínseca com suas idéias sobre a natureza huma- desvios interpretativos de Waggoner quanto à eter-
na de Cristo. As evidências, ao contrário, apontam nidade Cristo.
para a conclusão de que o panteísmo de Waggoner
foi uma parte integral do seu sistema teológico.
135
Veja Knith, From 1888 to Apostasy, 210-215.
Cristo e os cristãos / 73

Que Jones e Waggoner endossaram o problemático 140


Knight observa que através dos seus edito-
livro The Living Temple, de Kellog, é evidente no riais na Review and Herald, em 1898, Jones ensi-
prefácio do volume, onde eles aparecerem como nava noções da teologia da carne santa. Para ele,
“approving readers”. Knight observa que, embora “perfeita santidade envolve a carne bem como o
Jones não pareça ter sido um panteísta como Kellog espírito, inclui o corpo, bem como a alma” (ibid.,
e Waggoner, ele certamente usou a linguagem e 179). Knight observa que Jones, apesar do relacio-
simbolismo em harmonia com a teologia do The namento dos seus ensinos com as idéias da carne
Living Temple (ibid., 214). santa, rejeitou o movimento porque os seus líderes
diferiam dele quanto a posição da pecaminosida-
136
Em conseqüência do seu relacionamento
de da natureza humana de Cristo. “[Jones] não os
com a srta. Edith Adams, iniciado enquanto Wa-
rejeitou primariamente por causa do entusiasmo
ggoner estava na Inglaterra, e continuado poste-
pentecostal”, pois, afinal, diz Knight, “a última afi-
riormente em Battle Creek, sua esposa solicitou
liação religiosa de Jones foi com um grupo de pen-
o divórcio, alegando adultério. Um ano depois,
tecostais guardadores do sábado, que falavam em
Waggoner casou-se com a srta. Adams. O curioso
línguas” (ibidem). Knight observa ainda: “Um pro-
é que muito antes do fracasso do seu casamento,
blema maior com os ensinos de Jones, Waggoner
Waggoner havia defendido a teoria da “afinidade
e Prescott, sobre a justificação pela fé, é que eles,
espiritual”. Segundo ele, pessoas não casadas legal-
freqüentemente se excediam em literalizar o ensino
mente nesta vida, pode tornar-se parceiros na vida
bíblico da habitação do Espírito Santo no crente.
porvir, e isto permitia a “presente união espiritual”.
Tal problema tornou difícil para eles resistirem aos
Veja McMahon, Ellet Joseph Waggoner, the Myth
ensinos do panteísmo, e predispôs muitos dos seus
and the Man, 22, 23. Ellen White considerou tal
leitores a aceitarem o perfeccionismo da carne san-
teoria como “fábula enganadora e perigosa”. Ela
ta” (ibid., 171).
afirmou ainda que Waggoner “por muito tempo”,
estivera lançando as sementes de teorias satânicas 141
Ellet J. Waggoner, General Conference Bul-
na Inglaterra (Ellen G. White, Carta 121, 1906, ci- letin, 1899, 53, citado em Knight, The Pharisee´s
tada em A. V. Olson, 1888-1901. 13 Crisis Years. O Guide, 151.
que realmente impressiona é que, à semelhança de 142
Ellen White, In Heavenly Places, 163, 193.
suas advertências a Jones, Ellen G. White escreveu
a Waggoner: “Satanás está trabalhando ... para oca- 143
Ibid., 146.
sionar a sua queda ... ele está determinado a tornar- 144
Idem, Historical Sketches (Basle: Imprime-
se o seu mestre ... e espera desviar suas afeições de
rie Polyglotte, 1886), 139.
sua esposa, e fixá-las em outra mulher ... até que
através de afeição não santificada, ela se torne o seu 145
Idem, Review and Herald, 16 de abril de
deus” (Ellen G. White, Carta 231, 1903. Publicada 1901.
em Medical Ministry, 100, 101). 146
Ibid., 23 de abril de 1895.
Veja Arthur L. White, The Australian Years,
137
147
Todas estas citações são extraídas da Carta 9,
1891-1900 (Hagerstown, MD: 1983), 125-132. citada no SDA Bible Commentary, 5:1128, 1129.
138
Veja acima, referência 114. 148
Ellen G. White, “Self-exaltation”, Review
139
Veja Knight, From 1888 to Apostasy, 248-249. and Herald, 25 de setembro de 1900.
75

Uma avaliação da atitude de


alguns ministérios independentes
contra a igreja

Documento elaborado pela Divisão Norte-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia

Resumo: Este documento é o resumo adap- ting the deviation of tithes and offerings
tado de um estudo feito por solicitação da and, eventually, creating a “church inside
Divisão Norte Americana da Igreja Ad- the church”. The document evaluates the
ventista do Sétimo Dia com o propósito de charges of heresy against the Seventh-day
esclarecer o relacionamento da igreja com Adventist Church under the perspective of
algumas organizações (ministérios) parti- the right concept of the “historical Adven-
culares. Algumas dessas organizações se tism.” It deal also with some characteris-
apresentam como guardiãs da verdadeira te- tics of those organizations and makes an
ologia bíblica e adventista, da qual a igreja, appeal to their members.
em sua opinião, teria se afastado em apos-
tasia. Assumem, então, uma atitude crítica Introdução
destrutiva em relação à liderança da igreja,
abalando a confiança dos membros em sua Desde o seu surgimento, os adventistas
direção, incentivando o desvio de dízimos do sétimo dia se consideram um movimen-
e ofertas e, finalmente, criando uma “igre- to chamado por Deus, que emergiu a fim
ja dentro da igreja”. O documento avalia as de proclamar as boas novas da segunda
acusações de heresia contra a IASD da pers- vinda de Cristo e ensinar ao mundo como
pectiva do correto conceito de “adventismo se preparar para aquele glorioso evento.1
histórico”, comenta algumas características
A Igreja Adventista do Sétimo Dia
das organizações acusadoras, e dirige um
exerce sua missão geralmente através de
apelo aos membros afastados por tomarem
uma estrutura organizada de igrejas, asso-
parte em suas atividades.
ciações locais, uniões, divisões e a Asso-
Abstract: This document is the adapted ciação Geral. Incorporada nessas entida-
summary of a study developed by request des estão várias instituições e ministérios,
of the North American Division of the Se- mantidos pela igreja relacionados com
venth-day Adventist Church, with the pur- áreas como educação, publicação, saúde
pose of clarifying the relationship of the e a mídia.
church with some private organizations
(ministries). Some of these organizations Ministérios de apoio
claim to be guardians of true biblical the-
ology, from which the church, in their opi- Além disso, de tempos em tempos,
nion, had moved away in apostasy. They surgiram vários ministérios “particula-
assume, then, a destructive critical attitu- res”, “independentes” ou “de apoio” com
de towards the church leadership, affec- o propósito de auxiliar no cumprimento
ting membership confidence in it, motiva- da missão da Igreja Adventista do Sétimo
76 / Parousia - 1º semestre de 2008

Dia, mas o fazem funcionando fora da es- sas organizações. Em 1980 a igreja exa-
trutura regular denominacional. minou e então rejeitou as crescentes posi-
ções dissidentes relativas ao santuário e à
A denominação tem sido ricamente interpretação profética. Da mesma forma
abençoada pela maioria desses ministé- como a igreja continua a dissociar-se da
rios particulares. Eles realizam tarefas que organização Good News Unlimited, ela
a igreja organizada não poderia executar, deve continuar a expressar suas sérias pre-
devido às suas limitações financeiras. A ocupações com respeito a grupos que cor-
maioria deles tem trabalhado em harmonia roem a doutrina ou a estrutura da igreja.
com a organização oficial, geralmente ten-
do líderes denominacionais ou membros Seguindo o modelo de Atos 15, os lí-
leigos nas comissões de diretores. A igre- deres da igreja devem alertar os membros
ja é agradecida aos homens e às mulheres da igreja contra tais dissidentes, que cau-
dedicados que dão tão altruísticamente do sam desavenças ou corroem nossas cren-
seu tempo e recursos para o funcionamen- ças fundamentais. No entanto, questões
to desses ministérios particulares. relacionadas com membros individuais da
igreja são tratadas pela congregação local
Organizações particulares e não pertencem à jurisdição dos níveis
organizacionais acima da igreja local.
Em alguns casos, no entanto, as orga- A Divisão Norte-Americana da Asso-
nizações particulares têm trabalhado con- ciação Geral dos Adventistas do Sétimo
tra os propósitos da denominação, tornan- Dia sente a necessidade de responder a esse
do-se críticos destrutivos da liderança da sério desafio por meio desse ponderado do-
igreja, abalando a confiança dos membros cumento. Ele examina várias organizações
a respeito da organização, desviando re- particulares e mostra como suas atividades
cursos que poderiam ter sido usados no separatistas são prejudiciais e em desarmo-
cumprimento da missão da igreja, preju- nia com o desejo e o plano de Deus para a
dicando, assim, os esforços evangelísticos união e de sua igreja estabelecida.
da mesma. Tal comportamento apresenta Estas informações não são apresenta-
um sério desafio à saúde espiritual do cor- das com espírito de contenda ou hostilida-
po da igreja. de. A denominação não possui nenhuma
Líderes denominacionais têm passado má vontade para com os líderes ou segui-
muito tempo em oração, estudo e repetidas dores dessas organizações particulares.
discussões minuciosas com os líderes das A liderança da igreja ficaria feliz em ver
seguintes instituições: Hope International, essas organizações particulares se unirem
Hartland Institute; Prophecy Countdown; a ela, e usarem suas energias e influências
a igreja Steps to Life em Wichita, Kansas; para ajudar a igreja no cumprimento de
a congregação de Rolling Hills, Flórida; sua missão, como a maioria dos ministé-
e Good News Unlimited. Tornou-se apa- rios de apoio fizeram e estão fazendo.
rente à igreja que essas organizações par- Esse documento foi preparado relutan-
ticulares têm demonstrado má vontade de temente e somente porque a igreja sente
trabalhar em harmonia com o protocolo e o perigo para a vida espiritual de seus
os processos denominacionais. Isso se tem membros e para com os recursos neces-
evidenciado pelo material que produzem e sários para manter a harmonia e unidade
das palestras que apresentam. da igreja. Se os membros perderem a con-
Face a essa situação, a Igreja Adventis- fiança na igreja e em seus líderes, eles po-
ta do Sétimo Dia tem a responsabilidade derão facilmente desanimar e abandonar
de clarificar seu relacionamento com es- a igreja, provavelmente para a sua perdi-
Ministérios independentes / 77

ção eterna. Se os membros se desiludirem ar e é, em sua maior parte, uma reimpres-


com a igreja de Deus, eles poderão retirar são de materiais e artigos de Ellen White
seu comprometimento pessoal e apoio fi- compilados por associados do Hope Inter-
nanceiro, resultando no enfraquecimento national. Hartland Institute é uma escola
da igreja em seus esforços de completar particular de nível superior em Rapidan,
sua missão. Virginia. Embora a instituição fosse bem
vista no passado pela liderança da igreja,
Assim, a igreja deve agir no sentido de
o seu presidente, Colin Standish, tem-se
proteger-se, bem como a seus membros.
tornado cada vez mais crítico da lideran-
Mas ela age por amor e preocupação e não
ça e das práticas denominacionais. Ele se
por malícia. A igreja não procura ditar as
uniu a Ron Spear da Hope International,
crenças ou o trabalho dessas organizações
tornando-se um freqüente colaborador de
particulares. Pede somente a cortesia e a
Our Firm Fundation.
caridade que todo cristão genuíno propor-
cionaria a um companheiro. Tanto a Hope International como o
Hartland Institute são o que se chama de
Hope International/ Hartland “ministérios da reforma” em vez de “mi-
Institute nistérios evangelísticos”. Esses minis-
térios são necessários. A igreja necessita
Hope International, uma organização continuamente de reforma. Porém os “re-
particular localizada em Eatonville, Wa- formadores” ficam, por vezes, obcecados
shington, foi iniciada por um grupo de lei- com um ou mais pontos de suprema rele-
gos. Mais tarde, esse grupo convidou Ron vância para eles. Se a igreja como um todo
Spear, um pastor adventista aposentado, a não aceita a mensagem específica dos re-
unir-se a eles. Hope International tem sido formadores, eles podem encarar essa re-
a fonte de alguns conflitos em congrega- jeição como indício de insensibilidade à
ções locais, não somente na Associação direção do Espírito – que, na opinião de-
de Washington, onde está localizada a sua les, finalmente leva à apostasia.
sede, mas também em outros lugares do O início desse tipo de pensamento
campo mundial. Aqui as questões estão re- pode ser notado na declaração de missão,
lacionadas com o controle das comissões que apareceu pela primeira vez no volume
da igreja e os assuntos a serem apresenta- 3 de Our Firm Foudation:
dos no culto e nas classes da Escola Saba-
tina. Hope International também promove Hope International é um ministério espe-
cial que pretende ajudar na obra dada por
durante o ano campais e outras reuniões
Deus à Igreja Adventista do Sétimo Dia.
públicas. Elas geralmente competem com Cremos que esta Igreja Remanescente da
as campais das Associações e outros even- profecia bíblica surgiu por meio do cha-
tos da igreja. Essas reuniões dão a Hope mado do Senhor, e nós aguardamos o seu
International a oportunidade de expor sua triunfo final em pureza na segunda vinda
mensagem particular aos membros da de Cristo. Que a igreja no momento não
Igreja Adventista do Sétimo Dia. reflete perfeitamente a vontade de nosso
Senhor é motivo de tristeza, mas não de
Entretanto, o maior impacto da Hope desânimo. A Palavra de Deus assegura que
International vem de uma revista mensal, todos os seus membros serão sacudidos e
Our Firm Foundation [Nosso Firme Fun- provados, e, apesar de a maioria não supor-
damento], que é enviado para um grande tar o teste, permanecerá um remanescen-
número de obreiros e líderes leigos, mui- te para honrar ao Senhor por meio de sua
tos, para não dizer a maioria, recebendo-a obediência a todos os seus mandamentos.
de graça. A revista é editada por Ron Spe- Por isso Hope International insiste que to-
78 / Parousia - 1º semestre de 2008

dos apóiem a Igreja Adventista do Sétimo Jesus”. Essa concessão (a primeira here-
Dia de todas as maneiras possíveis, con- sia, segundo Larson) era a de que “o nosso
tanto que esteja em conformidade com os Senhor veio a essa Terra com a natureza
princípios do governo de Deus e da orien- humana não caída de Adão”, e não com
tação do Espírito Santo no coração.2 a nossa natureza caída, sendo esse novo
ensinamento propagado no livro Ques-
Portanto, já em sua fase inicial da re- tions on Doctrine (Washington, D.C.: Re-
vista, revelou a perspectiva de que leal- view and Herald Publishing Association,
dade a Deus – conforme entendida pelos 1957). “As heresias, como preditas”, se-
associados à Hope International – poderia gundo Larson, “começaram sua resoluta
forçar os membros a retirar seu apoio à infiltração na igreja”.
Igreja Adventista do Sétimo Dia. A base
foi posta para um movimento separatista, A segunda heresia, escreveu Larson,
ou, pelo menos, para uma igreja menor e foi “a doutrina do pecado original, defi-
mais pura dentro da organização maior. nido como culpa hereditária”. Ele então
Esse conceito estava aqui presente apenas menciona o que considera como outras
de forma embrionária, mas como se per- três heresias:
ceberá, cresceu rapidamente. A terceira heresia, que sucedeu as duas pri-
meiras na igreja, foi uma perversão da nos-
Acusações de heresia na igreja sa doutrina histórica de justificação pela fé
(fazer o bem por meio do poder recebido
Embora as diferenças que Hope Inter- de Deus) pela satânica doutrina da injusti-
national e Hartland Institute têm em rela- ça pela presunção (fazer o mal presumindo
que não haverá punição).
ção à igreja incluam certas práticas, essas
diferenças se fundamentam na teologia. A A quarta heresia, que sucedeu as três pri-
fim de entender o caminho que levou es- meiras, foi a negação da nossa doutrina do
ses membros anteriormente fiéis à discór- santuário... Como foi dito no nosso primei-
dia, ser-nos-á útil examinar alguns artigos ro artigo concernente à grande apostasia
adventista, uma pesquisa feita na maior
de Our Firm Foundation.
associação da América do Norte, revelou
De especial relevância é um artigo de que uma significativa porcentagem dos
1991, intitulado “Heresias se Infiltrarão”3, pastores daquela associação estão agora
de autoria de Ralph Larson, um pastor e rejeitando a nossa doutrina do santuário.
professor de teologia aposentado. Larson, A quinta heresia que se segue na reação em
que passou sua vida profissional traba- cadeia é a rejeição do Espírito de Profe-
lhando na Obra, tem-se tornado cada vez cia... Com a retirada de cinco importantes
mais crítico dela. Ele parece funcionar pilares, por quanto tempo a estrutura per-
como o “teólogo residente” para a Hope manecerá, e qual será a próxima doutrina
International. a ser demolida e substituída por uma falsa
doutrina calvinista? Pode até ser a doutri-
Larson começa observando que os na do sábado.
pioneiros adventistas do sétimo dia es-
tabeleceram uma firme “plataforma da Larson acusa, portanto, a igreja de ha-
verdade”, de seu diligente estudo da Bí- ver permitido a entrada de heresia e apos-
blia. Ele afirma que essa plataforma per- tasia em seu meio, que muitos ministros
maneceu inabalável até a década de 1950, adventistas aceitaram e pregam falsas
“quando o teólogo calvinista Walter Mar- doutrinas, e que “a maioria dos nossos
tin conseguiu uma concessão de alguns administradores parecem estar observan-
de nossos líderes sobre a humanidade de do indiferente ou benignamente”. Assim,
Ministérios independentes / 79

“uma heresia é seguida de outra, de ma- Sétimo Dia foi fundada em uma teologia
neira resoluta, para dentro da igreja... na baseada na Bíblia, mas que, com o passar
grande apostasia adventista”. Larson es- do tempo, a organização abandonou algu-
creveu: mas de suas crenças, e agora mantém, em
alguns aspectos, uma teologia que não é
Isto, criou obviamente, divisões, porque
bíblica e que reflete, antes, a das igrejas
nem todos os nossos membros têm estado
dispostos a aceitar essas mudanças e a par-
protestantes decaídas.
ticipar dessa apostasia. E quem é acusado A fim de responder adequadamente a
de ser responsável por haver provocado essas acusações, é necessário determinar
essa divisão? Aqueles que continuam fiéis o que constitui “adventismo histórico”. Se
à nossa pura fé histórica... Lembrem-se pudermos primeiro estabelecer que cren-
de que são as heresias que separam e não
ças compunham a doutrina adventista do
a verdade.
sétimo dia nos seus primórdios, então será
possível determinar se a Igreja Adventista
Não é o propósito desta declaração do Sétimo Dia alterou a sua posição.
prover uma refutação teológica às opini-
ões mantidas pelos membros da Hope In- No período formativo do Adventismo,
ternational. As questões do conflito sobre os “marcos” da fé eram poucos e diretos.
a natureza de Cristo e a justificação pela Apesar de os anos subseqüentes presen-
fé não são tão diretas quanto os aderen- ciarem controvérsias provocadas por vo-
tes da Hope International gostariam que zes argumentando a favor de mais estru-
aparentassem. Tanto as Escrituras quanto turas e especificidade, ainda assim era um
Ellen White contém declarações que pare- simples concerto que unia os adventistas
cem apoiar vários pontos de vista, e estes do sétimo dia, quando a primeira associa-
devem ser mantidos em tensão entre si. ção local (Michigan) foi organizada em
Eles provêm oportunidade para um perí- 1861: “Nós, os abaixo assinados, pelo
odo vitalício de estudo e meditação com presente nos associamos como uma igre-
oração, mas não espaço para dogmatismo ja, assumindo o nome de Adventistas do
(para estudos mais detalhados, ver Nor- Sétimo Dia, comprometendo-nos a guar-
man Gulley, “Model or Substitute? Does dar os mandamentos de Deus e a fé em
It Matter How We See Jesus?”, Adventist Jesus Cristo”.4
Review, 18 e 25 de janeiro; 1, 8, 15 e 22 Em 1872, os adventistas do séti-
de fevereiro de 1990; e “Crenças Funda- mo dia publicaram uma declaração de
mentais dos Adventistas do Sétimo Dia”, crenças anônimas e sem comprometi-
Manual da Igreja Adventista do Sétimo mento. Esta declaração não mencionou
Dia, rev. 1990). nenhum dos ensinamentos considerados
importantes por Our Firm Foundation.
Adventismo histórico Na introdução, o autor não mencionado
(Uriah Smith) empenhou-se em enfati-
Uma das freqüentes acusações feitas zar a natureza não oficial e sem caráter
por essas organizações particulares é a de credo do documento:
de que a Igreja Adventista do Sétimo Dia
Ao apresentar ao público essa sinopse da
apostatou, e por isso não é mais digna de nossa fé, desejamos que seja claramente
apoio. “Apostasia”, nesse contexto, se re- entendido que não temos nenhum artigo
fere ao abandono de doutrinas mantidas de fé, credo ou disciplina além da Bíblia.
pelos adventistas do sétimo dia nos seus Não apresentamos isso como tendo qual-
primórdios. Em outras palavras, os crí- quer autoridade sobre nosso povo, nem é
ticos frisam que a Igreja Adventista do designado para assegurar uniformidade
80 / Parousia - 1º semestre de 2008

entre eles como um sistema de fé, mas é mente cada ponto da administração e das
uma curta declaração do que é e tem sido ordenanças da igreja.6
mantido por eles com grande unanimida-
de. Freqüentemente achamos necessário Em 1889, quando o assunto dos funda-
responder perguntas sobre o assunto e, às mentos estava sendo cogitado por aqueles
vezes, corrigir falsas declarações que cir-
que queriam uma lista mais longa, Ellen
culam contra nós, e remover impressões
White descreveu a experiência dos anos
errôneas formadas por pessoas que não
tiveram a oportunidade de se familiarizar formativos do remanescente, e resumiu os
com nossa fé e prática. Nosso único objeti- marcos de forma mais concisa. Seu obje-
vo é suprir essa necessidade”.5 tivo era mostrar quão curta era a lista de
fundamentos:
A sessão da Conferência Geral de
O passar do tempo em 1844 foi um perío-
1882 designou um comitê para preparar
do de grandes eventos, abrindo aos nossos
o manual da igreja, sugerindo que fosse olhos atônitos a purificação do santuário no
primeiramente publicado em série para céu, e tendo decisivo relacionamento com
discussão e crítica. Como resultado, 18 o povo de Deus na terra, [também] a pri-
artigos apareceram na Review and He- meira e a segunda mensagens angélicas e
rald, de 5 de junho a 9 de outubro de a terceira, desfraldando a bandeira na qual
1883. A sessão da Conferência de 1883 estava escrito: “os mandamentos de Deus
votou contra a adoção, reconhecendo, no e a fé em Jesus”. Um dos fundamentos sob
entanto, a irrefutabilidade do seguinte re- essa mensagem era o templo de Deus, visto
latório do mesmo comitê designado para por seu amado e verdadeiro povo no céu,
preparar o manual: e a arca contendo a lei de Deus. A luz do
sábado do quarto mandamento refletia seus
É o consenso unânime do comitê que não fortes raios no caminho dos transgressores
é aconselhável ter um manual da igreja. da lei de Deus. A não-imortalidade dos ím-
Consideramos desnecessário porque já pios é um antigo fundamento. Não me vem
temos superado sem ele, as maiores difi- à mente nada mais que possa ser incluído
culdades relacionadas com a organização sob os antigos fundamentos”.7
da igreja; e perfeita harmonia existe entre
nós sobre esse assunto. Pareceria para mui- Se uma declaração oficial de crenças
tos como um passo em direção à forma- tivesse que ser adotada, a igreja insistiu
ção de um credo ou uma disciplina além que ela deveria ser discutida e votada por
da Bíblia, algo que sempre nos opusemos direito pela sessão da Conferência Geral
como denominação. Se tivéssemos um dos Adventistas do Sétimo Dia. Isso acon-
credo, temeríamos que muitos pregadores, teceu em 1980, quando a igreja adotou sua
especialmente os que estão começando a
declaração atual de 27 crenças fundamen-
pregar, o estudariam para obter uma orien-
tais (Manual da Igreja, rev. 1990).
tação sobre assuntos religiosos, em vez de
procurá-las na Bíblia e nas impressões do Semelhante à declaração de 1872, um
Espírito de Deus, o que os impediria de ter preâmbulo aparece com duas notáveis
uma genuína experiência religiosa e conhe- características: (1) uma referência explí-
cer a mente do Espírito. Foi desta maneira cita ao credo (“os adventista do sétimo
que outros cristãos começaram a perder
dia aceitam a Bíblia como seu único cre-
sua simplicidade e se tornaram formais e
do”) e (2) a menção da possibilidade de
espiritualmente sem vida. Por que devería-
mos imitá-los? Resumindo, o comitê sente modificações posteriores (“Revisão des-
que nossa tendência deve ser na direção sas declarações são previstas na sessão
da simplicidade e íntima conformidade da Conferência Geral [dos Adventistas
com a Bíblia, em vez de definir elaborada- do Sétimo Dia] quando...”). A segunda
Ministérios independentes / 81

provisão foi designada como uma salva- dos deles sejam uma evidência de apos-
guarda adicional contra a possibilidade tasia na igreja. Essa posição gera sérias
de a declaração receber o status de credo críticas aos líderes da igreja por aceitar
no sentido clássico. posições teológicas diferentes das deles,
ou críticas por não evitar e disciplinar os
O ponto importante aqui é: os adven-
que mantém tais posições.
tistas do sétimo dia nunca adotaram “for-
malmente” uma posição sobre a questão Os líderes da Hope International estão
de como exatamente a natureza de Jesus cientes de que suas opiniões não estão re-
se compara com a de Adão e a nossa. Do presentadas nas 27 crenças fundamentais
mesmo modo, a igreja também nunca ado- dos adventistas do sétimo dia, mas eles
tou “formalmente” uma posição sobre consideram essa declaração de fé como
perfeição e a natureza precisa da obedi- demasiadamente branda e susceptível à
ência humana. interpretação para ser autoritativa.
Por contraste, todos os adventistas do A declaração oficial de crenças dos adven-
sétimo dia sempre afirmaram que Deus tistas do sétimo dia é expressa de tal ma-
chamou seus filhos para guardarem os neira que doutrinas básicas, como a vida
mandamentos de Deus e a fé em Jesus. To- cristã vitoriosa, a natureza de Cristo e a ex-
dos os adventistas do sétimo dia têm enal- piação são deixadas de forma generalizada
tecido o sábado e a bendita mensagem do para que somente os professores cegos da
advento. Todos os adventistas do sétimo Nova Teologia possam dar-lhes sua con-
fiante aprovação.8
dia têm sempre afirmado que Jesus viveu
sem pecado, foi nosso exemplo e morreu
por nossos pecados. Essa é exatamente a questão. A igreja
unida em sessão escolheu deliberadamen-
Sob o leque do compromisso com as te deixar alguns pontos em aberto, porque
doutrinas básicas da fé, ministros e mem- consenso geral em pontos específicos não
bros mantém uma variedade de opiniões existe. Ao insistirem em que a igreja acei-
sobre temas como natureza humana de te suas posições a fim de ser “purificada”,
Cristo, e a relação entre a justificação e a Hope International e o Hartland Institute
santificação, à medida que cada um busca criariam, em realidade, um novo padrão
entender e viver seu relacionamento pes- de adventismo diferente do que a Igreja
soal com Deus. Embora possamos discutir Adventista do Sétimo Dia julgou apro-
nossas interpretações pessoais, e mesmo priado adotar. Mas nenhum membro ou
tentar persuadir outros de sua validade, líder tem o direito de fazer isso. O padrão
não temos nenhuma autoridade para exi- de adventismo deve ser uma decisão da
gir que outros as vejam exatamente como Igreja Adventista do Sétimo Dia unida em
nós, ou rotular de hereges ou apóstatas os uma sessão da Conferência Geral.
que discordam de nós.
É óbvio que Hope International/Our
O problema, então, não é que Hope Firm Foundation, Hartland Institute, Pro-
International e Hartland Institute man- phecy Coutdown, a igreja Steps to Life
têm posições teológicas que parecem em Wichita, Kansas, a congregação de
extremas ou unilaterais para muitos ou- Rollings Hills, Flórida, Good News Un-
tros adventistas do sétimo dia. A essência limited, ou qualquer outro grupo, podem
do problema é a sua insistência de que achar que eles estão certos e a igreja er-
a liderança, membros e ministros devam rada. É um direito deles. Nesse caso, eles
concordar com eles ou ser acusados de deveriam tentar persuadir a igreja a rees-
heresia, e que pontos de vista diferentes tudar o assunto e, talvez, a mudar de dire-
82 / Parousia - 1º semestre de 2008

ção, ou poderiam escolher deixar a igreja, ventistas do Sétimo Dia [na época da re-
uma vez que não se encontram em plena dação deste documento], tem bem menos
harmonia com ela. Mas eles não têm o di- autoridade e credibilidade nesse grupo do
reito de insistir em como a igreja deve ser, que Spear e Standish. Os conversos de
e se colocarem como o padrão que todos Our Firm Foundation buscam orientação
devem seguir. espiritual e integridade doutrinária nesses
dois homens e não nos pastores e líderes
Uma igreja dentro da igreja? denominacionais da Igreja Adventista do
Sétimo Dia.
As evidências atuais não sugerem que Organização de congregações locais
estas organizações particulares ou quais- – Os apóstolos do tempo do Novo Tes-
quer outras igrejas ou grupos a elas asso- tamento estabeleciam congregações en-
ciados, ou outras organizações particula- quanto viajavam de um lugar para outro
res que promovem semelhantes idéias se- (Atos 14:21-25). Em algumas ocasiões a
paratistas, procuram se desligar da Igreja Hope International organizou suas pró-
Adventista do Sétimo Dia e estabelecer prias congregações locais não-adventistas.
suas próprias denominações. Mas estão Exemplos são em encontrados em Derby
organizando cada vez mais seus seguido- e Winfield, Kansas. Em outros casos, se-
res em uma comunidade com caracterís- guidores da Hope International tentaram
ticas de igreja, dentro da denominação, unir-se a congregações já existentes, em
mas dela separada. Isso pode se denomi- número suficiente para controlar a igreja.
nar “uma igreja dentro da igreja”. A idéia Um exemplo disso é Yelm, em Washing-
aparenta ser que esse pequeno grupo é o ton.
“verdadeiro remanescente” no meio do
grupo maior, que abandonou a fé histórica Reuniões Campais – A Hope Inter-
tanto na teologia como na prática. Quando national e o Hartland Institute realizam
o “tempo da sacudidura” chegar, a maioria reuniões para as quais seus seguidores
apóstata será excluída, deixando para trás são convidados pelas páginas de Our
o núcleo dos genuínos seguidores, que es- Firm Foundation e também de outras
tarão prontos para encontrar a Jesus, por- publicações.
que aperfeiçoaram sua vida por sua graça. PS. Não esqueçam de fazer planos de vir à
Sugerem que o núcleo genuíno é compos- quinta reunião campal anual de estudo da
to daqueles que aceitaram a mensagem Bíblia à moda antiga, em Hartland, de 29 de
dessas organizações particulares e de ou- julho a 02 de agosto. Palestrantes incluem
tras vozes semelhantes de reforma. Joe Crews, Ron Spear, John Grosboll, Col-
lin Standish, Hal Mayer, Ron Goss, Ray
Observe alguns elementos que sugerem DeCarlo e outros. Estamos orando para
o conceito de “igreja dentro da igreja”.9 que o Espírito Santo esteja aqui em abun-
Liderança autoritária – A igreja do dância, e oramos para que vocês também
Novo Testamento seguiu líderes chama- estejam aqui.
dos e capacitados por Deus (At 6:1-4; Ef
4:11-13). Ron Spear, um líder da Hope Essas reuniões competem freqüente-
International e editor de Our Firm Foun- mente com as reuniões dirigidas pelas as-
dation, e Colin Standish, presidente do sociações da denominação.
Hartland Intistitute, procuram demonstrar Pastores ordenados – Jesus ordenou os
que atingiram esse status de liderança en- doze discípulos ao ministério (Mc 3:14).
tre seus seguidores. Robert Folkenberg, A fim de proteger a igreja de “falsos pro-
presidente da Associação Geral dos Ad- fetas” (Mt 7:15), os adventistas do sétimo
Ministérios independentes / 83

dia estabeleceram certas qualificações dependente – sem pertencer às respecti-


para a ordenação ao ministério evangéli- vas associações.
co (ver North-American Division Working
Larson concluiu sua mensagem, di-
Policy, L 45). Entre elas está a aprovação
zendo:
do candidato à ordenação pelas mesas da
associação local e da união. Que fique bem claro que NÃO estamos
fazendo isso em nome da organização Ad-
Sem essa aprovação, Ralph Larson or- ventista do Sétimo Dia ou pela autorida-
denou três membros leigos como minis- de da organização Adventista do Sétimo
tros do evangelho em uma reunião campal Dia. Estamos fazendo isso pela autorida-
da Steps to Life, realizada em Wichita, de escriturística do sacerdócio de todos os
Kansas, em 13 de junho de 1992. Foram crentes e para o benefício dos necessitados
eles John Osborne, orador de Prophecy adventistas históricos.
Countdown, que foi excluído pela As-
sociação dos Adventistas do Sétimo Dia Têm eles o direito de agir dessa for-
da Flórida, em 29 de setembro de 1991; ma? Claro que têm. Vivemos em um país
Robert Trefz, que foi excluído da Igreja com liberdade religiosa. Porém esse ato
Adventista do Sétimo Dia de Rapid City, demonstra claramente uma intenção de
Dakota do Sul, em 20 de julho de 1992; operar uma organização rival à Igreja Ad-
e Michael Thompson, graduado pelo Har- ventista do Sétimo Dia, uma “igreja den-
tland Institute. tro da igreja”.

Spear nega ter apoiado essa ordena- Batismo de conversos – A igreja do


ção, porém o palco estava estabelecido Novo Testamento foi comissionada a
e o clima criado para esse evento pelas fazer discípulos e a batizá-los para se
organizações particulares. A reunião cam- tornarem membros de sua comunidade
pal foi patrocinada por Steps to Life, uma (Mt 28:18-20). Na Igreja Adventista do
organização fundada pelo falecido Mar- Sétimo Dia o batismo é ministrado ape-
shall Grosboll, um seguidor da Hope In- nas àqueles que dão evidências de esta-
ternational e um colaborador do Our Firm rem andando com Cristo e que são acei-
Foundation; o oficiante da ordenação foi tos como membros em uma congregação
um estimado companheiro de trabalho de local. Recentemente, os líderes dessas
Spear e Standish, seu teólogo, por assim organizações particulares apoiaram o
dizer. Os que foram ordenados eram ora- batismo de indivíduos por suas próprias
dores proeminentes nas reuniões campais organizações. Assim, uma vez mais a na-
e nos seminários da Hope International e tureza competitiva ou de rivalidade do
do Hartland Institute. movimento pode ser observada.

Em seu sermão de ordenação, Lar- Dízimos e ofertas – Se os membros


son explicou que a verdadeira ordena- puderem ser convencidos de que a Igre-
ção bíblica sempre foi uma resposta ao ja Adventista do Sétimo Dia e seus lí-
chamado do povo de Deus – nesse caso, deres apostataram, talvez não queiram
membros da Igreja Adventista do Sétimo mais apoiá-la financeiramente e poderão
Dia de Rolling Hills (o grupo de John passar a devolver seus dízimos e ofertas
Osborne na Flórida), da Igreja Adventis- a outros ministérios. Se essas organiza-
ta do Sétimo Dia Steps to Life (a igreja ções particulares puderem convencer os
de John Grosboll em Wichita, Kansas) membros de que a Igreja Adventista do
e de uma igreja em uma residência em Sétimo Dia não é mais digna de apoio,
Dakota do Sul. A despeito dos nomes, devido à apostasia, e que os membros
cada uma delas é uma congregação in- não precisam mais devolver o dízimo à
84 / Parousia - 1º semestre de 2008

Igreja Adventista do Sétimo Dia (em- sores e administradores em nossas fileiras


bora sejam biblicamente requeridos a que estão sob o controle de Satanás? Se os
dizimar), talvez os membros escolham escritos de Ellen White são inspirados, não
apoiá-los. temos escolha, a não ser crer nisso.

O fundamento para essa mudança de Tendo desenvolvido o cenário até esse


apoio foi posto em um artigo de Ralph ponto, Larson apresenta o dilema do fiel
Larson, intitulado “O Problema do Dízimo membro da igreja:
– Quem É Responsável?”. A despeito de
uma observação na introdução afirmar que Enquanto essa lamentável experiência con-
“não é o objetivo desse artigo solicitar fun- tinua, o membro da igreja eventualmente é
dos, ou tentar mostrar as responsabilidades forçado a reconhecer que as predições de
pessoais de cada um”, o teor do artigo logo Ellen White sobre a grande apostasia ad-
desmente essa observação. Observe algu- ventista estão sendo cumpridas diante de
mas declarações como, por exemplo: seus olhos. Então vem a agonizante ques-
tão “Requer Deus de mim que devolva
O dízimo deve sempre ser fielmente devol- meus dízimos para apoiar a grande apos-
vido ao Senhor, e todo o dízimo deve ser tasia?”...
usado para a manutenção do ministro. Mas
qual ou que ministério? Essa é a pergun- Ele então se volta para um ministério in-
ta que nos perturba no momento. E se um dependente que mantém a fé histórica
ministério se desvia da vereda do sagrado dos adventistas do sétimo dia, pregando a
dever? E se um ministério se torna tão con- mensagem que ele aceitou quando se uniu
fuso teologicamente a ponto de abandonar à igreja. Ele agora começa a enviar seu dí-
as verdades da Palavra de Deus e começa zimo para aquele ministério...
a pregar um falso evangelho? E se os lí-
Quem é responsável? Foi o problema do
deres da igreja começam a usar o dízimo
membro da igreja criado pelo ministério
para outros propósitos além do ministério
independente ou pela pregação de fal-
da Palavra,... até mesmo para pagar os ho-
sas doutrinas calvinistas em sua própria
norários de advogados não-adventistas?
Qual é então o nosso dever cristão? igreja?

Larson responde a pergunta dizendo A despeito daquela observação inicial,


que “nem nos escritos nem na prática de isto é certamente um apelo para enviar o
Ellen G. White havia algo para apoiar dízimo para ministérios independentes.
a idéia de que todo o dízimo, indepen- A descrição de um ministério tão meri-
dente das circunstâncias, deve ser pago tório não deixa dúvidas que se refere à
por meio dos canais regulares da igreja”. Hope International. Não é o propósito
Devemos então perguntar: As atuais cir- deste documento provar que o dízimo
cunstâncias justificariam a devolução do deve ser devolvido pelos canais regula-
dízimo pelos membros a outros que não res organizados, de acordo com a Bíblia
os canais regulares da igreja? Aqui está a e o Espírito de Profecia. Roger Coon, do
declaração de Larson: Ellen G. White Estate, demonstrou isso
adequadamente e revelou as condições
Seria muito difícil para qualquer membro para exceções em um importante artigo
da Divisão Norte-Americana não estar cien- intitulado “Dízimos: Conselhos e Práti-
te da grande apostasia teológica que está no cas de Ellen White.”10 O nosso propósito
próprio âmago do problema do dízimo. Ele aqui é o de mostrar que Hope Interna-
ou ela provavelmente o encontrarão na igre-
tional argumenta em favor do desvio do
ja em qualquer sábado de manhã...
dízimo para o seu ministério, e o caso é
É possível que existam ministros, profes- atribuído à enorme apostasia (de acordo
Ministérios independentes / 85

com a definição deles) na Igreja Adven- Igreja Adventista do Sétimo Dia como es-
tista do Sétimo Dia. tando numa situação de apostasia por não
aceitar suas opiniões em alguns assuntos
Admissão de uma igreja teológicos debatíveis. E os pecados e as
dentro da igreja falhas da Igreja Adventista do Sétimo Dia
são também vistos como derivados dessa
Evidências vêm sendo apresentadas de condição.
que a Hope International, com o apoio de
outros ministérios, tem tentado estabele- Hartland Institute
cer uma igreja rival ou competitiva dentro
da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Como Colin Standish, presidente do Hartland
a Hope International responde a essa acu- Institute, uniu-se a Ron Spear e seus se-
sação? guidores em suas críticas à igreja. Porque
a Hope International publica Our Firm
Um recente artigo em Our Firm Foun-
Foundation, é mais fácil demonstrar sua
dation abordou o motivo do surgimento
tendência separatista do que no caso do
dos ministérios independentes na igreja:
Hartland Institute. No entanto, vale a pena
A razão principal é que alguns de nós salientar algumas evidências.
querem ver o progresso da terceira men-
Recentemente, Outposts Centers Inter-
sagem angélica. Estamos estagnados por
national, uma altamente respeitada associa-
anos... Outro motivo para o surgimento
desses ministérios é a nossa atual apostasia ção de instituições adventistas de sustento
como igreja, e questões envolvidas nessa próprio, julgou necessário excluir o Har-
apostasia. Essa triste situação causou um tland Institute de sua relação de membros
retrocesso independente... Mais uma vez, (4-5 de março de 1992) devido à sua fal-
os ministérios independentes são uma rea- ta de genuíno apoio à igreja. Então, a Ad-
ção à direção para a qual a igreja como um ventist Laymen´s Services and Industries,
todo tem ido nos últimos 40 anos.11 a principal organização leiga adventista,
É bem evidente que existem agora duas também excluiu o Hartland Institute (4 de
igrejas sob o nome de uma. Tentar manter agosto de 1992) pelas mesmas razões.
ambas as partes satisfeitas causará eventu- Alguns anos atrás, o Hartland Institute
almente a queda de toda a estrutura deno-
possuía um comitê de diretores compos-
minacional, espiritual e fisicamente.12
to de uma grande diversidade de proemi-
nentes líderes leigos da igreja. O comitê
Em um número posterior, John Gros- requisitou oficialmente três coisas aos
boll explica: “Quando digo independente, administradores do Hartland Institute: (1)
quero dizer independente do controle da Eles não deveriam receber dízimos dos
denominação”.13 membros da igreja. (2) Eles não deveriam
O âmago do problema entre a Igreja associar-se a organizações em dificulda-
Adventista do Sétimo Dia e essas orga- des com a igreja. (3) Eles não deveriam
nizações particulares não é o fato de elas realizar seminários em igrejas ou comuni-
chamarem a atenção para os pecados e dades onde a igreja local ou a associação
falhas da igreja. Nenhum verdadeiro lei- lhes pedissem que não o fizessem. Assim,
go ou líder adventista do sétimo dia apro- o comitê do Hartland Institute encorajou
va os pecados e as falhas que aparecem, uma cooperação com a Igreja Adventis-
por vezes, dentro do corpo da igreja. O ta do Sétimo Dia. Entretanto, na eleição
verdadeiro problema é que esses grupos seguinte do comitê de Hartland Institute,
dissidentes sentem-se levados a acusar a todas as pessoas que apoiavam esses três
86 / Parousia - 1º semestre de 2008

requisitos foram removidas do comitê. A nheiro para apoiar um tão grande minis-
partir de então, houve pouca ou nenhuma tério de televisão como Osborne queria.
cooperação entre o Hartland Institute e a Osborne deixou o ministério organizado
Igreja Adventista do Sétimo Dia. em 31 de dezembro de 1984, para conti-
nuar sua luta por um ministério nacional
Prophecy Countdown de televisão antes de se qualificar para a
ordenação. Não recebeu uma autorização
Prophecy Countdown, uma organização ou credenciais ministeriais da Associação
de televisão independente localizada na da Flórida desde aquela data.
Flórida, é liderada por John Osborne, que Em 24 de junho de 1990, a mesa admi-
foi formalmente (e por um curto período) nistrativa da Associação da Flórida votou
um pastor não ordenado da Associação da retirar Osborne da posição de líder leigo
Flórida, mas se independeu em 1985. da congregação em Prophecy Countdown
Osborne procurou algumas supostas (Rolling Hills, Flórida):
falhas e erros em vários líderes e institui- Devido a recentes atividades públicas de
ções da igreja, e as propagou largamente John Osborne que julgamos não represen-
por meio de fitas de vídeo. Algumas das tar corretamente a Associação dos Adven-
acusações parecem não ter fundamento. tistas do Sétimo Dia da Flórida nem seus
Outras, embora se baseiem em fatos, são obreiros, foi VOTADO remover a nome-
narradas de forma exagerada. No entanto, ação de John Osborne como líder leigo do
o ponto principal é o uso que Osborne faz grupo de Rolling Hills.14
desse material para voltar os adventistas
do sétimo dia contra a igreja e ganhar Quando os membros do grupo de
apoio para si próprio. Rolling Hills, Flórida, recusaram aceitar a
decisão da mesa executiva da Associação
Em vez de seguir o conselho de Ma-
da Flórida, e todas as negociações subse-
teus 18 e procurar corrigir os que erram
qüentes falharam, a associação dissolveu
com espírito de preocupação e amor cris-
o grupo em 29 de novembro de 1990. So-
tãos, Osborne tem sido um crítico destru-
mente após quase um ano, a liderança da
tivo da obra – propagando amplamente as
Associação começou a tratar da exclusão
supostas faltas de pastores, professores e
de Osborne. Prophecy Countdown con-
líderes, muitas vezes sem nem ao menos
tinuou a se tornar mais ousado e irres-
se preocuparem em verificar pessoalmen-
ponsável em suas exposições sobre “ce-
te a confiabilidade de suas informações.
lebration” e outras questões. Nenhuma
Ele aparentemente descobriu que, quanto
mudança em sua atitude foi percebida. A
mais sensacionais forem suas acusações,
comissão administrativa da Associação
mais fácil é ganhar o apoio dos elementos
da Flórida (responsável pelos trabalhos
descontentes da igreja.
diários da associação) votou, em 16 de
John Osborne entrou no ministério setembro de 1991, recomendar ao comi-
como pastor interino na Associação da tê executivo da Associação da Flórida,
Flórida, em 1º de setembro de 1980. Du- que o nome de Osborne fosse levado ao
rante seu período como pastor das igre- comitê para discussão e possível medida
jas de Naples e Bonita Springs, começou administrativa. Quando Osborne recu-
um ministério local de televisão. Parecia sou-se a comparecer, alegando estar se
dar certo, e um ministério nacional e até mudando para uma casa pastoral, o co-
mesmo internacional foi imaginado. No mitê executivo votou, em 29 de setembro
entanto, os líderes da associação sentiram de 1991, excluí-lo da igreja por motivo
que não tinham nem autoridade e nem di- de apostasia.
Ministérios independentes / 87

A razão mencionada para a decisão Sétimo Dia, localizado na Universidade


do comitê executivo é encontrada no Andrews, treina seus candidatos ao pas-
Manual da Igreja, na lista de razões torado em cultos do tipo “celebration” e
para disciplinar uma pessoa por apos- em hipnotismo. Ambas as acusações são
tasia – razão 9: “Persistente negativa totalmente falsas.
quanto a reconhecer as autoridades da Não há espaço neste resumido docu-
igreja devidamente constituídas, ou por mento para entrar em pormenores sobre as
não querer submeter-se à ordem e à dis- acusações de Osborne contra a igreja e para
ciplina da igreja.”15 Osborne conseguiu prover evidências para refutá-las. No en-
encontrar uma congregação adventista tanto, isso foi feito detalhadamente no livro
em Troy, Montana, onde não estava pre- Issues: The Seventh-day Adventist Church
sente fisicamente, que estava disposta a and Certain Private Ministries [Estudos: A
aceitá-lo como membro, por profissão de Igreja Adventista do Sétimo Dia e Algumas
fé (12 de outubro de 1991). Isso aconte- Organizações Particulares], do qual este
ceu apesar da oposição da associação de documento é um resumo. A obra completa
Montana. contém, entre outras coisas, extensas atas
Através de suas largamente divul- e correspondência relacionadas a questões
gadas fitas de vídeo, Osborne continua que estão sendo examinadas.
atacando o que ele entende como sendo O conselho de Jesus em Mateus 18 le-
evidências da apostasia da igreja. Ele al- vará os cristãos a ir com espírito de amor
tera as palavras das declarações do Espí- e interesse àqueles que eles crêem estar
rito de Profecia, para fazê-las condenar em erro, e solucionar o problema com
a atual liderança da igreja, embora essas eles, com o objetivo de os salvar e restau-
declarações tenham sido originalmente rar. Esse conselho tem sido seguido pelos
escritas em um contexto totalmente dife- líderes da igreja com John Osborne, sem,
rente. O fato de uma versão em espanhol contudo, haver nenhuma resposta positi-
do Grande Conflito ter sido preparada va de sua parte.
para venda na Argentina, omitindo al-
Sob a luz dos ataques destrutivos de
gumas declarações anticatólicas devido
Osborne, a liderança da igreja não viu
às proibições legais naquele país, serviu
outro caminho a não ser removê-lo de
para que Osborne acusasse a igreja de
sua posição como pastor e, finalmente,
uma diabólica tentativa de destruir esse
como membro da igreja. Fiéis adventis-
livro inspirado.
tas do sétimo dia não acreditarão em suas
Alguns de seus principais ataques acusações contra a igreja, mas verificarão
têm sido contra instituições adventistas por si mesmos os fatos e darão à igreja o
de nível superior na América do Norte. benefício da dúvida.
Ele acusa meia dúzia de nossas princi-
pais escolas superiores de usarem um li- Conclusão
vro texto que promove a Nova Era, em
uma matéria exigida de todos os alunos. Está em jogo a integridade da própria
Em realidade, o livro é sobre como me- igreja. Deus poderia ter enviado os anjos
lhorar a habilidade de estudar, e não pro- celestiais para proclamar a mensagem da
move nenhuma idéia sobre a Nova Era, salvação, ou poderia tê-la escrito no céu,
e atualmente é usado somente em uma mas em sua infinita sabedoria, Ele esco-
escola superior adventista, em um curso lheu usar a Igreja Adventista do Sétimo
não obrigatório. Osborne também alega Dia para comunicar seu eterno plano à hu-
que o Seminário Teológico Adventista do manidade. Ellen White explicou:
88 / Parousia - 1º semestre de 2008

A igreja é depositária das abundantes ri- provavelmente, terá seus desafios até a
quezas da graça de Cristo, e pela igreja volta do Senhor. Esperamos que o leitor
será finalmente exibida a última e plena possa usar esse material para entender e
manifestação do amor de Deus ao mundo, responder a qualquer grupo “de reforma”
que deve ser iluminado por Sua glória.16 que procura trabalhar prejudicando líderes
e dividindo congregações.
Visto que a Igreja Adventista do Sétimo
Dia é composta de seres humanos falíveis, Em princípio, pode ser observado que
tanto líderes como membros, ela não atin- este documento foi preparado com espí-
giu ainda a perfeição. Mas apesar de suas rito de amor e preocupação – não de hos-
falhas, Deus a ama e continua a trabalhar tilidade ou vingança. Parece apropriado
por meio dela para cumprir seus misericor- terminar com uma mensagem de apelo a
diosos planos para com os seres humanos. esses grupos.
“A igreja, débil e defeituosa, precisando ser
repreendida, advertida e aconselhada, é o Apelo
único objeto na Terra ao qual Cristo con-
fere sua suprema consideração”.17 Quando
os membros percebem fraqueza na igreja, Queridos irmãos e irmãs afastados:
deveriam se lembrar de que a igreja de La-
Não nos ataquem. No final todos quere-
odicéia é a manifestação final do corpo de
mos a mesma coisa – o término da procla-
Cristo, e tornar-se-á a igreja vitoriosa.
mação do evangelho, o retorno de Jesus e
Essas organizações dissidentes causam uma gloriosa eternidade junto com Ele e
divisões na igreja quando insistem que uns com os outros. Preguem e publiquem
suas interpretações da Bíblia e do Espírito o seu chamado a um padrão mais elevado
de Profecia são as únicas verdadeiras. Eles de santidade.
formaram a sua própria versão do “adven-
Expliquem suas compreensões teoló-
tismo histórico”. Eles corroem a confian-
gicas particulares, mas permitam que ou-
ça na igreja quando acusam de “aposta-
tros membros igualmente sinceros tenham
sia” pastores e líderes que não concordam
também suas opiniões e ainda sejam con-
com eles. Eles ameaçam a viabilidade da
tados como seus irmãos e irmãs em Cristo.
igreja quando encorajam os membros a
Em outras palavras, sejam tolerantes nos
desviarem seus recursos financeiros da
pontos que a igreja deixou em aberto.
obra organizada para as suas tesourarias
particulares. Assim, eles espalham a se- Nunca procurem destruir a confiança
mente da desunião. Embora cada adven- no ministério ou na liderança da igreja,
tista do sétimo dia deva consultar sua pró- pois isso poderia causar aos membros
pria consciência para decidir o que fazer “fracos” a perda total da fé e o afasta-
quanto à mensagem, a igreja produziu este mento da igreja de Deus. Se vocês virem
documento para que todos possam ver os erros em indivíduos, sigam o conselho
fatos sob a verdadeira luz, e ter uma base de Cristo em Mateus 18, mas nunca di-
adequada para tomar suas decisões. vulguem o assunto. E nunca encorajem
os membros a se desviarem do tesouro
As organizações particulares mencio-
de Deus e enviarem a vocês seus dízimos,
nadas neste documento representam as
pois isso não é o plano de Deus. Vamos
preocupações mais prementes. Porém os
trabalhar juntos – em unidade, mas não
princípios aqui declarados são aplicáveis
necessariamente em uniformidade – para
em uma escala bem mais ampla. A Igreja
concluirmos nossa missão.
Adventista do Sétimo Dia tem tido seus
difamadores ao longo de sua história, e, Nós os amamos. Sua igreja.
Ministérios independentes / 89

Referências: Adventism in America (Grand Rapids: Eerdmans,


1986), 231.
1
Este material foi originalmente publicado 6
Review and Herald, 20 novembro1883. Itáli-
em 5 de novembro de 1992 como suplemento da cos acrescentados.
Adventist Review. Trata-se da versão resumida
e adaptada de um livro mais extenso publicado
7
Ellen G. White, Counsels to Writers and Edi-
pela Divisão Norte-Americana da Associação tors (Nashville, TN: Southern Publishing Associa-
Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, intitulado tion, 1946), 30, 31.
Issues: The Seventh-day Adventist Church and 8
Our Firm Foundation 4, Nº 6 (junho 1989), 17.
Certain Private Ministries [Estudos: A Igreja Ad-
ventista do Sétimo Dia e Algumas Organizações As citações que seguem são de Our Firm
9

Particulares]. O livro (disponível nos Adventist Foundation 6, Nº 9 (setembro 1991), 20-24.


Book Center) apresenta muitas evidências para 10
Adventist Review Supplement, 7 novembro
responder às acusações que algumas dessas orga- 1991.
nizações particulares levantaram contra a igreja e
contra seus líderes – evidências que não puderam Jeff Reich, “The Church and Special [Inde-
11

ser incluídas nesse documento devido à limitação pendent] Ministries”, Our Firm Foundation 5, Nº 3
de espaço. Traduzido do original em inglês por (março 1990), 12, 13.
Telma Witzig e Débora Siqueira, com revisão de 12
Ibid., 14. Itálicos acrescentados.
Alberto R. Timm.
13
John Grosboll, “Has God Ordained Indepen-
2
Our Firm Foundation 3, Nº 9 (setembro 1988): dent Self-Supporting Work?”, Our Firm Founda-
3. Itálicos acrescentados. tion 7, Nº 2 (1992), 8.
3
As citações que seguem são de Ralph Lar- 14
Comissão Executiva da Associação da Flóri-
son, “Heresies Will Come In”, Our Firm Foun- da, voto 90-55.
dation 6, Nº 2 (fevereiro 1991), 16-20. Itálicos
acrescentados.
15
Associação Geral dos Adventistas do Sétimo
Dia, Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia,
4
Review and Herald, 8 outubro 1861; citado de (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, rev. 2001),
M. E. Olsen, The Origin and Progress of Seventh- 186.
day Adventists (Washington, DC: Review and Her-
ald, 1925), 251; também citado na SDA Encyclope-
16
Ellen G. White, Testemunhos para Ministros
dia, rev. ed. (Washington, DC: Review and Herald, e Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP, Casa Publicado-
1976), 358. ra Brasileira, 1993), 50.
5
Citado aqui do Apêndice A de Gary Land, ed.,
17
Ibid., 49.
91

R elatório sobre a organização


Hope I nternational e grupos
associados

Resumo: O presente relatório, publicado à Comissão Administrativa da Associa-


em agosto de 2000 nos periódicos Adven- ção Geral (em inglês ADCOM) no início
tist Review e Ministry, contém as conclu- de 1998, estabeleceu-se uma comissão
sões de uma inquirição feita na época pela ad hoc para realizar uma inquirição com
Comissão Administrativa da Associação a liderança do Hope International, os
Geral da IASD junto à liderança da Hope publicadores do Our Firm Foundation,
International e grupos a ela associados. O e outros dois grupos particulares, Insti-
documento conclui que essas organiza- tuto Hartland, sediado nos Estados Uni-
ções, embora afirmem não ter a intenção dos, e Remnant Ministries, sediado na
de se separar oficialmente da IASD, agem Austrália.1
como ministérios dissidentes da mesma,
A comissão, composta por membros
criticando-a energicamente, difundindo
do Instituto de Pesquisas Bíblicas da AG,
posturas doutrinárias divergentes e mes-
administradores da AG e professores do
mo apoiando movimentos dissidentes da
Seminário da Universidade Andrews, de-
igreja em diversos países.
senvolveram um questionário contendo
Abstract: The present account, pub- 20 perguntas que serviram de base para
lished in august 2000 on the Adventist sua inquirição e avaliação.
Review e Ministry magazines, contains
Os líderes do Hope International e
the conclusions of an inquiry made by
seus grupos associados aceitaram o con-
the Administrative Commission of the
vite da comissão para responder às ques-
SDA General Conference about Hope
tões. Eles se encontraram com o grupo
International leadership and groups as-
escolhido pela AG em duas ocasiões,
sociated to it. The document concludes
num total de três dias e meio. O relató-
that although these organizations claim
rio a seguir constitui a avaliação de suas
not to have the intention of separating
respostas, tanto escritas quanto orais, e
officially from the SDA, they act as dis-
a avaliação dos resultados de pesquisas
sident ministries, strongly criticizing the
conduzidas por indivíduos contatados
church, spreading divergent attitudes to-
especificamente para estudar a teologia
ward doctrines and supporting dissident
e a metodologia do Hope International e
movements in many countries.
associados.
Introdução A ADCOM recebeu as conclusões da
comissão ad hoc em 25 de abril de 2000,
Em virtude de inquietações trazidas e, à luz dos questionamentos levantados
a público pelo então presidente da As- pelos membros da igreja em geral ao lon-
sociação Geral (AG), Robert S. Folken- go dos anos, foi votado compartilhar esta
berg, e diversos presidentes de divisões, informação com a igreja mundial.
92 / Parousia - 1º semestre de 2008

Relatório estando em estado de apostasia. Após es-


tudar seus materiais e dialogar com seus
Todos nós concordamos que Cristo é o líderes, temos sérias preocupações em re-
cabeça da Igreja. Como escreveu Ellen G. lação à natureza e propósito do Hope In-
White, “coisa alguma neste mundo é tão ternational e associados.
cara a Deus como sua Igreja. Ele guarda
com zeloso cuidado aqueles que o bus- Áreas de forte preocupação
cam” (Testemunhos Para Ministros, 41).
Mas a igreja é formada por seres humanos (1) Acusação de apostasia contra a
em constante necessidade de sua presença Igreja Adventista do Sétimo Dia
e direção.
De acordo com o Hope International
Por essas razões, há uma grande neces- e associados, é pouco dizer que existe
sidade de reavivamento e reforma na Igre- apostasia na IASD. A própria igreja está
ja Adventista do Sétimo Dia (IASD) ao em apostasia! Dessa forma, a condição da
enfrentarmos os eventos do capítulo final igreja é pior do que a de qualquer outro
do grande conflito. Ninguém questiona a corpo religioso cristão que faz parte da
importância de administradores, pastores, Babilônia do fim dos tempos. Eles não se
professores e leigos estarem envolvidos de referem abertamente à IASD como Babi-
forma pessoal na tarefa de chamar a igre- lônia por causa das ocasiões em que Ellen
ja como um todo de volta à pureza da fé G. White se opôs àqueles que fizeram tal
e ao viver cristão, como encontramos nas acusação. Mesmo assim, eles encontra-
Escrituras. Esse reavivamento é simples- ram uma maneira de contornar seu conse-
mente indispensável para o cumprimento lho acusando a igreja de estar em aposta-
efetivo da missão da igreja. Nossa mensa- sia. Não encontramos um único caso onde
gem e missão deveriam ser constantemen- Ellen G. White ou o livro de Apocalipse
te reafirmadas por palavras e ações até que acuse o povo remanescente de Deus de
a glória do Senhor fosse revelada ao mun- estar em apostasia. É essa acusação de
do todo por um povo que está totalmente apostasia contra a igreja que mantém vi-
comprometido com o Senhor e Salvador vos o Hope International e associados.
Jesus Cristo.
Se a igreja está em apostasia, não há
Assim, a ênfase no reavivamento e nenhuma razão para existir e o Senhor
reforma que encontramos na mensagem deve erguer uma nova igreja que sirva
do Hope International, Hartland Institute como seu instrumento para estes últimos
e Remnant Ministries (doravante Hope dias. O Hope International e associados
International e associados) é importante. vêem a si mesmos como porta-vozes da-
Além disso, observamos em diálogos com queles que sentem que a igreja está em
o Hope International e associados que eles apostasia, e acreditam que eles têm um
firmemente concordam com muitos dos mandato divino para coletar e publicar
principais elementos da fé adventista do essa apostasia, e chamar a igreja ao ar-
sétimo dia. rependimento. Embora reconheçamos
No entanto, o método utilizado por eles que exista apostasia na igreja – o próprio
para expressar suas preocupações resulta- Cristo reconheceu a co-existência do tri-
ram no que é visto por muitos como sendo go e do joio na igreja – rejeitamos a rude
um espírito de constante crítica contra a e irresponsável acusação de que a igreja
IASD, que é o corpo de Cristo, a igreja remanescente de Deus está em apostasia.
remanescente. O efeito dessa metodologia Sua definição de apostasia como “qual-
é o retrato desencorajador da igreja como quer desvio da verdade divina ou prática
Relatório sobre a Hope International / 93

cristã instituída” não é encontrada na Bí- seguir). O mesmo se aplica à declaração


blia ou nos escritos de Ellen G. White. sobre “Mordomia” (nº 20).

(2) Visão distorcida da natureza da b) Relutância em aceitar a autoridade


igreja da igreja
Embora reconhecendo que a igreja re-
Nossa clara impressão é a de que o cebeu sua autoridade por mandato divino,
Hope International e associados acredi- o Hope International e associados não con-
tam que a igreja é composta tanto de um sideram a autoridade da igreja como sendo
sistema administrativo organizado quan- a final na comunidade de crentes. A posição
to de um ministério auto-sustentado pa- adventista do sétimo dia é a de que a igreja
ralelo e independente do sistema orga- foi formada quando um grupo de crentes,
nizado. Entendemos sua posição como voluntariamente e sob a direção do Espíri-
sendo esta, de ministérios auto-susten- to Santo, aceitaram um mesmo evangelho,
tados divinamente apontados, e que não um mesmo estilo de vida, e uma mesma
são, em última instância, guiados pelas missão, compreendida como estando base-
decisões da igreja mundial. Esse mode- ada na autoridade das Escrituras. Essa co-
lo de organização eclesiástica é usado munidade foi investida de autoridade por
por eles para justificar suas atividades. Cristo (Mt 18:15-18). As decisões tomadas
Tal compreensão da igreja não tem ne- pelos representantes da comunidade da
nhum apoio bíblico e não é encontrado igreja propriamente escolhidos pesa sobre
nos escritos de Ellen G. White. Embora todos os membros, que, a fim de preservar
saibamos da necessidade de ministérios a unidade da igreja e para auxiliar o cum-
de apoio dentro da igreja, vemos o Hope primento da sua missão, devem deixar de
International e associados como tendo lado opiniões pessoais e/ou práticas para
uma estrutura organizacional paralela, seguir as decisões tomadas pelo corpo.
separada e crítica da organização ofi- Mas se elementos dessa comunidade que-
cial da igreja. Apoio para essa visão é bram os laços em comum que os unem,
encontrado nas seguintes características ao desenvolver uma atitude de julgamento
de suas organizações. contra a autoridade da comunidade, o resul-
tado é confusão e insubordinação. O Hope
a) Compreensão divergente de posi- International e associados parecem ter se
ções doutrinárias posicionado como se sua interpretação da
Embora declarando firme apoio à De- Bíblia e do Espírito de Profecia fosse o ár-
claração de Crenças Fundamentais Ad- bitro final para a igreja, determinando se
ventistas do Sétimo Dia, o Hope Interna- suas decisões são corretas ou não. Se, em
tional e associados parecem ter algumas seu julgamento, uma decisão não é correta,
reservas em relação a várias crenças. Uma eles a rejeitam e começam a acreditar e agir
delas se refere ao “Deus Filho” (nº 4). como se eles pensassem melhor, enquanto,
Nesse caso em particular, eles assumiram ao mesmo tempo, declaram permanecer
um posicionamento diferente do da igreja como membros leais da igreja. Essa atitude
ao fazer de sua própria compreensão da é consistente com o espírito de quiasmo, e
natureza humana de Cristo parte da dou- atualmente, contribui para minar a autori-
trina. No tópico sobre a igreja (nº 11 e 13) dade da igreja.
sua compreensão sobre a natureza e auto- Ministérios auto-sustentados devem
ridade dela não parece refletir a doutrina trabalhar em harmonia com a igreja. Pau-
eclesiológica mantida pela igreja (ver a lo, que é sempre citado como sendo um
94 / Parousia - 1º semestre de 2008

obreiro auto-sustentado, foi, após sua con- se unir à igreja: que “Jesus tomou sobre si
versão, levado pelo Senhor a uma ligação nossa natureza pecaminosa”. Tal declara-
permanente com a igreja. Nesse contexto ção nunca fez parte do voto batismal ad-
lemos o seguinte: ventista do sétimo dia ou de declarações
oficiais de crenças fundamentais. Tal mu-
Deus fez de sua igreja na Terra um dança ilustra uma independência da igreja
conduto de luz, e, por intermédio dela,
comunica seus desígnios e sua vonta- em questões doutrinárias ao eles constitu-
de. Ele não dá a um de seus servos uma írem seus próprios conceitos a respeito de
experiência independente da experiên- testes de fé, independentemente do restan-
cia da própria igreja, ou a ela contrária. te da igreja.
Nem dá a um homem um conhecimen- 2. O voto que trata do dízimo não iden-
to de sua vontade para toda a igreja, tifica a igreja como o repositório do dízi-
enquanto esta – corpo de Cristo – é
mo, como no voto batismal oficial.
deixada em trevas. [...]
3. Nesse voto batismal reformulado, a
Tem havido sempre na igreja os que IASD não é mencionada. É mencionada a
estão constantemente inclinados à inde- igreja remanescente, mas esta nunca é iden-
pendência individual. Parecem incapazes tificada com a IASD. A questão fundamen-
de compreender que a independência de tal aqui é sobre a natureza e autoridade da
espírito é susceptível de levar o instrumen- igreja e onde tal autoridade reside. Aqueles
to humano a ter demasiada confiança em que promovem o uso desse voto batismal
si mesmo e em seu próprio discernimento, reformulado demonstram não reconhecer a
de preferência a respeitar o conselho e esti- autoridade da IASD organizada.
mar altamente a maneira de julgar de seus
irmãos, especialmente os que se acham d) Redefinição do termo “casa do
nos cargos designados por Deus para guia tesouro”
de seu povo. Deus investiu sua igreja de
O sustento financeiro dessas organi-
especial autoridade e poder, por cuja des-
zações provém, não de seus próprios re-
consideração e desprezo ninguém se pode
cursos, nem de ofertas de membros da
justificar; pois aquele que assim procede,
igreja, mas dos dízimos. Algumas de suas
despreza a voz de Deus.
publicações redefinem a “casa do tesou-
Os que são inclinados a considerar ro” como sendo qualquer instrumento de
como supremo seu critério individual, Deus que proclame “a verdade presente
acham-se em grave perigo (Atos dos Após- sem adulterações”. Se intencionalmente
tolos, 163, 164). ou não, a influência de tais literaturas en-
coraja os membros a redirecionar seus dí-
c) Reformulação do voto batismal zimos da “casa do tesouro”, que é a igreja,
para investir nesses ministérios indepen-
Colin Standish, utilizando o Manual
dentes ao invés de na igreja.
da Igreja de 1932, além de outras fontes,
escreveu um voto batismal. O exame des- e) Promoção de reuniões campais
se voto batismal revela que ele é signifi- próprias
cativamente diferente do que é encontra- Todo ano eles promovem suas próprias
do no atual Manual da Igreja, e aprovado campais, freqüentemente sem o assentimen-
pela igreja mundial. Entre as diferenças to da administração da Associação. Eles ex-
estão as seguintes: pressam que a necessidade de tais campais
1. Uma nova crença fundamental foi surge de sua percepção de que a IASD está
acrescentada como algo obrigatório para em apostasia, e, dessa forma, é incapaz de
Relatório sobre a Hope International / 95

prover as necessidades espirituais de seus com as decisões cuidadosamente consi-


membros por meio de campais regulares. deradas pela igreja, e de sua deslealdade
para com a igreja. Seu apoio mal-orien-
f) Produção de literaturas próprias tado interfere nos esforços regulares da
organização para tratar com, e até mesmo
O Hope International e associados têm trazer de volta, tais dissidentes, tornando a
seus próprios programas de publicação de tarefa da igreja ainda mais difícil.
materiais promovendo seus conceitos sobre
diferentes doutrinas e questões sobre estilo
(4) Uso seletivo dos escritos de
de vida. Embora muito desse material seja
adventista em caráter, existem numerosos Ellen G. White
exemplos de uma atitude de julgamento
contra a igreja organizada e os seus líderes, O Hope International e associados or-
e, vez por outra, menções de que a igreja gulham-se de utilizar em profusão os es-
está em apostasia. Quaisquer verdades que critos de Ellen G. White em apoio a seus
esses periódicos contenham não compen- ensinamentos. Mas eles selecionam de-
sam seu recorrente criticismo. clarações que parecem apoiá-los, enquan-
to ignoram outras declarações nas quais
(3) Apoio a movimentos dissidentes atividades como as deles são claramente
condenadas por Ellen G. White. O apoio
que ela manifesta de forma incondicional
O Hope International e associados
à IASD organizada é intencionalmente
apoiaram e continuam a apoiar movi-
minimizado ou ignorado pelo Hope In-
mentos dissidentes que se voltam contra
ternational e associados, ou tratado como
a IASD e sua organização. Eles apoiaram
irrelevante para nós hoje.
na Colômbia e Venezuela a Norberto Res-
trepo, um ex-pastor adventista do sétimo
dia, que não é mais adventista e ainda é Conclusão
um dos maiores opositores da igreja na
Divisão Interamericana. Em 1997, eles O efeito cumulativo da informação
apoiaram um grupo de anciãos de igreja na mencionada até aqui resulta na percep-
Guatemala que se opôs à IASD, ao enviar ção de muitos membros da igreja de que
um de seus representantes. Recentemente, o Hope International e associados são
eles apoiaram em um tribunal um não-ad- organizações dissidentes. Eles não toma-
ventista que estava tentando usar o nome ram a decisão de se separar oficialmente
da igreja para sua própria organização. da organização da IASD, e declaram que
Seu encorajamento de atividades oposito- nunca o farão. No entanto, ao rejeitar a
ras nos seguintes países, além de outros autoridade da igreja mundial reunida em
mais, é bem documentada: Alemanha, sessão quando sua interpretação das Es-
Austrália, Bolívia, Cingapura, Inglaterra, crituras e do Espírito de Profecia difere
Estados Unidos, Fiji, França, Holanda, do que a igreja sustenta, eles colocam
Hungria, Ilhas Salomão, Macedônia, Ma- sua autoridade acima da igreja mundial e
lásia, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, agem de forma consistente com os movi-
Suécia, Vanuatu e Zimbábue. mentos dissidentes.
Essas associações não ajudam em nada
a fortalecer a confiança na professa leal- Um apelo
dade do Hope International e associados
para com a igreja. Ao invés disso, é uma Apelamos, com toda sinceridade e com
evidência poderosa de seu desrespeito para todo amor cristão, para que o Hope Inter-
96 / Parousia - 1º semestre de 2008

national e associados ouçam o conselho A igreja não é perfeita, mas há sabedoria


da igreja que eles declaram amar. É tempo em ouvir seus conselhos. Apelamos, com
de o espírito de condenação e rebelião ser amor cristão, para uma mudança de cora-
posto à parte, permitindo que o reconci- ção e propósito que trará o Hope Interna-
liador sangue de Cristo traga unidade ao tional e associados para uma unidade mais
seu povo. completa com o corpo de Cristo, a igreja
remanescente.
Todos concordamos com a necessida-
de de uma séria reforma e de reavivamen- Se o Hope International e associados
to na igreja remanescente de Deus, mas os não puderem estar em harmonia com o
métodos utilizados pelo Hope Internatio- corpo da igreja mundial, claramente evi-
nal e associados têm produzido dissonân- denciada dentro de 12 meses, a IASD con-
cia ao invés de reforma. Quando avaliado siderará que existe uma “persistente nega-
por seus frutos, parece que o movimento tiva quanto a reconhecer as autoridades da
de reforma promovido pelo Hope Inter- Igreja devidamente constituídas, ou por não
national e associados falhou em trazer querer submeter-se à ordem e à disciplina
tanto reforma quanto uma maior unidade. da Igreja” (Manual da Igreja, p. 195).

Referência
1
Traduzido do original em inglês por Rita C.
Timóteo Soares.
97

Resenha:
Tocado por Nossos Sentimentos
Denis Fortin, Ph.D.
Professor de Teologia Histórica do Seminário Teológico Adventista
da Andrews University, EUA.

Zurcher, Jean R. Tocado Por Nossos reza divina de Cristo e afirma que muitos
Sentimentos: Uma pesquisa histórica do dos primeiros teólogos adventistas, com
conceito adventista sobre a natureza hu- exceção de Ellen G. White, tinham uma
mana de Cristo. Trad. César Luís Pagani visão semi-ariana da divindade de Cris-
(Medianeira, PR: 1888 GEM Grupo de to. Na segunda parte, Zurcher examina a
Estudos de Mensagem da Justiça de Cris- cristologia de pioneiros adventistas como
to, 2002), 250 páginas, brochura, sem in- Ellen G. White, Ellet J. Waggoner, Alon-
dicação de publicadora. zo T. Jones, e William W. Prescott. A ter-
ceira parte apresenta extratos das publica-
Poucos assuntos têm gerado mais polê- ções da igreja sobre a natureza humana de
mica no meio adventista do que as discus- Cristo de 1895 a 1952. A quarta parte é
sões sobre a natureza humana de Cristo. a mais ampla e trata da controvérsia pro-
Por décadas os adventistas têm debatido vocada pelo livro Questions on Doctrine
se a natureza de Cristo era idêntica à de (1957), reações à sua publicação e as po-
Adão antes da queda (pré-lapsarianismo), sições teológicas atuais. A última seção é
ou à de Adão após a queda (pós-lapsa- o apelo de Zurcher por um retorno ao que
rianismo), ou mesmo alguma forma de ele considera ser a “autêntica” cristologia
posição intermediária. Embora muitos [pós-lapsariana], como, ainda segundo
fatores teológicos influenciem esse deba- ele, ensinada antes da década de 1950.
te, a questão em jogo é se Cristo pode ser Deixando de lado algumas traduções
verdadeiramente um exemplo moral para inadequadas de expressões da língua fran-
a humanidade. O livro mais recente nesse cesa, o livro de Zurcher é uma significa-
debate é a obra do experiente teólogo Jean tiva pesquisa histórica e busca apresentar
R. Zurcher traduzida do francês para o in- aquilo que ele entende ser o desenvolvi-
glês sob o título Touched With Our Fee- mento do pensamento adventista sobre a
lings [e do inglês para o português como natureza humana de Cristo. Sua pesquisa
Tocado Por Nossos Sentimentos]. Em sua em numerosas publicações apresenta um
análise histórica do pensamento adven- quadro impressionante ao leitor contem-
tista sobre a natureza humana de Cristo, porâneo, não familiarizado com os escritos
Zurcher procura resolver a questão argu- sobre a natureza de Cristo. Suas compara-
mentando que o pensamento adventista ções de diferentes edições de documen-
evoluiu, durante o último século e meio, tos e livros adventistas, como os Estudos
de uma posição estritamente pós-lapsaria- Bíblicos (p. 112-114), ilustram alegadas
na para as concepções atuais. mudanças no pensamento adventista a
Os dezesseis capítulos do seu livro es- respeito da natureza de Cristo. As evidên-
tão agrupados em cinco partes. A primeira cias histórias e teológicas apresentadas
analisa a discussão teológica sobre a natu- pelo autor são consideráveis. Embora o
98 / Parousia - 1º semestre de 2008

autor pareça apresentar uma solução au- entanto, ele deixa de reconhecer que na
toritativa ao debate, demonstrando como carta a Baker ela se opõe categoricamente
teólogos adventistas nas décadas de 1950 a uma completa semelhança entre Cristo
e 1960 “abandonaram” a compreensão e os seres humanos pecaminosos, mesmo
tradicional da natureza humana de Cristo, na maneira pela qual Ele foi tentado. En-
a referida obra está longe de ser neutra e quanto os primeiros adventistas inseriam
imparcial. A maneira como ele aborda as suas discussões cristológicas no contexto
posições de vários teólogos é claramente das doutrinas da salvação e da escatologia
polêmica. Mesmo o prefácio escrito por (como eles podiam seguir o exemplo de
Kenneth Wood, ex-editor Adventist Re- Cristo para vencer as tentações e o peca-
view, define o teor da abordagem: a obra do em preparação para o segundo advento
apóia a posição pós-lapsariana. de Cristo), as discussões após a década de
Embora Zurcher deva ser congratulado 1950 têm-se situado freqüentemente no
por sua pesquisa do assunto, sua obra, no contexto da doutrina do homem e de como
entanto, é fraca em algumas áreas impor- o pecado nos afeta, e até que ponto a natu-
tantes. A maior fraqueza é a sua aborda- reza de Cristo foi ou não afetada pelo pe-
gem das declarações de Ellen White sobre cado. Zurcher comenta essa “significativa
a natureza humana de Cristo, que são o mudança teológica”, causada em grande
ponto focal dessa controvérsia adventista. medida pela redescoberta da carta de El-
No seu capítulo sobre a Cristologia de El- len G. White a Baker, mas não consegue
len G. White (p. 35-47), Zurcher apresen- reconciliar essa mudança, e a considera
ta uma síntese do pensamento dela, des- antitética à posição adventista inicial.
tacando as semelhanças entre a natureza Zurcher não apenas evita uma exposi-
humana de Cristo e a nossa. Mas ele evita ção clara da carta a Baker, mas também
qualquer menção de outras declarações a cita de forma distorcida e fora do con-
que enfatizam as diferenças entre a natu- texto. Em sua “Avaliação e Crítica”, ele
reza de Cristo e a nossa. Além do mais, discute o atual hibridismo teológico de
entre várias declarações explícitas apoian- que Cristo tinha uma natureza física pós-
do a posição adventista pré-lapsariana, lapsariana e uma natureza moral pré-lap-
claramente assumida desde a década de sariana. Duas vezes Zurcher cita a carta
1950, a carta de Ellen G. White de 1895 a Baker em apoio ao seu conceito de que
a W. H. L. Baker é aqui completamente tal posição é historicamente inválida e que
ignorada. Zurcher algumas vezes discute Ellen G. White não cria em uma natureza
o conteúdo e as implicações dessa carta moral pré-lapsariana. Ele argumenta que
em outros lugares ao longo do livro, mas LeRoy Froom distorceu o pensamento de
nunca de forma clara e sistemática. Isto, Ellen G. White ao citar a carta a Baker (p.
creio eu, é uma grande omissão. 212-213). Mas, para provar o seu ponto de
Á semelhança de muitos outros teó- vista, Zurcher cita apenas parte da mesma
logos pós-lapsarianos, Zurcher deixa de carta e deixa fora duas importantes sen-
considerar como Ellen G. White apre- tenças curtas nas quais Ellen G. White
senta uma tensão entre as semelhanças e estabelece um contraste marcante entre
as diferenças entre a natureza de Cristo a natureza de Cristo e a nossa. O mes-
e a nossa. A maioria de suas declarações mo ocorre também nas páginas 215-216.
destacando as semelhanças com a nossa Aqui o autor procura distinguir, entre as
natureza foi feita no contexto das discus- expressões de Ellen G. White, “propen-
sões sobre como Cristo foi tentado a pecar sões herdadas” e “más propensões”, ar-
exatamente como nós o somos. O autor gumentando que “‘propensões herdadas’
dá um bom exemplo na página 232. No tornam-se ‘más propensões’ apenas após
Resenha do livro Tocado por Nossos Sentimentos / 99

cessão à tentação”. Então ele cita a car- pós-lapsariana. Mas como muitos ou-
ta a Baker, deixando de incluir uma sen- tros livros, ele deixa de ser convincente,
tença na qual Ellen G. White conecta as pelo fato de abordar o assunto de forma
tentações de Cristo no deserto com as de tendenciosa. O livro está tão preocupado
Adão no Éden. A distinção entre “propen- em fazer da nossa natureza humana peca-
sões herdadas” e “más propensões” não é minosa o padrão para medir a natureza de
apoiada por Ellen G. White nessa carta. Cristo que deixa de mostrar como a huma-
Pelo contrário, ela usa as duas expressões nidade de Cristo é o padrão verdadeiro e
como sinônimos ao argumentar que Cristo não adulterado pelo qual nós devemos ser
não possuía essas propensões. Em ambos medidos.
os casos, Zurcher viola o contexto para
manter seus próprios pontos de vista. Fonte: Andrews University Seminary
Este livro certamente será tido como Studies, vol. 38, n°. 2 (outono de 2000),
uma das melhores apologias à posição 342-344.

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