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1.Saúde mundial – tendências. 2.Cobertura universal (seguro saúde). 3.Accesso aos serviços de saúde. 4.Pesquisa.
5.Seguro saúde. I.Organização Mundial da Saúde.
Agradecimentos
Com o apoio dos diretores-gerais adjuntos Hiroki Nakatani e Marie-Paule Kieny, as seguintes pessoas redigiram e produziram este relatório:
Autores coordenadores
Christopher Dye, Ties Boerma, David Evans, Anthony Harries, Christian Lienhardt, Joanne McManus, Tikki Pang, Robert Terry, Rony Zachariah.
Equipe da OMS em Genebra
Caroline Allsopp, Najeeb Al-Shorbaji, John Beard, Douglas Bettcher, Diarmid Campbell-Lendrum, Andrew Cassels, A’Isha Commar, Luis De
Francisco Serpa, Carlos Dora, Gerald Dziekan, Christy Feig, Fiona Fleck, Haileyesus Getahun, Abdul Ghaffar, Laragh Gollogly, Andre Griekspoor,
Sophie Guetaneh Aguettant, Metin Gülmezoglu, Ali Hamandi, Asli Kalin, Ghassan Karam, Edward Kelley, Richard Laing, Melanie Lauckner, Knut
Lönroth, Mary MacLennan, Clarisse Mason, Elizabeth Mason, Mike Mbizvo, Shanti Mendis, Thierry Mertens, Zafar Mirza, Maria Neira, Ulysses
Panisset, Kimberly Parker, Michaela Pfeiffer, Kent Ranson, Mario Raviglione, John Reeder, Alex Ross, Cathy Roth, Sarah Russell, Ritu Sadana,
Abha Saxena, Trish Saywell, Thomas Shakespeare, Isobel Sleeman, Johannes Sommerfeld, Marleen Temmerman, Diana Weil, Karin Weyer.
Equipe da OMS em escritórios regionais e nacionais
Naeema Al-Gasseer, Luis Cuervo Amore, Govin Permanand, Manju Rani, Issa Sanou, Gunawan Setiadi, Claudia Stein, Edouard Tursan d’Espaignet,
Adik Wibowo.
Membros do Quadro Consultivo Científico
Andy Haines (presidente), Fred Binka, Somsak Chunharas, Maimunah Hamid, Richard Horton, John Lavis, Hassan Mshinda, Pierre O
ngolo‑Zogo,
Silvina Ramos, Francisco Songane.
Outras pessoas que contribuíram com textos ou revisões do conteúdo
Claire Allen, Thomas Bombelles, David Bramley, Martin Buxton, Anne Candau, Michael Clarke, Sylvia de Haan, David Durrheim, Toker Ergüder,
Mahmoud Fathalla, Stephen Hanney, Mark Harrington, Sue Hobbs, Carel IJsselmuiden, Nasreen Jessani, Anatole Krattiger, Gina Lagomarsino,
Guillermo Lemarchand, David Mabey, Dermot Maher, Cristina Ortiz, Adolfo Martinez Palomo, Charlotte Masiello-Riome, Peter Massey, Martin
Mckee, Opena Merlita, Amanda Milligan, Peter Ndumbe, Thomson Prentice, Bernd Rechel, Jan Ross, Sabine Schott, Peter Small, Hanna Steinbach,
Sheri Strite, Yot Teerawattananon, Göran Tomson, Ian Viney, Laetitia Voneche, Shaw Voon Wong, Judith Whitworth, Suwit Wibulpolprasert,
Catherine Wintrich.
iii
Mensagem da Diretora Geral
À medida que nos aproximamos de 2015, prazo final para o cumprimento dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM) estabelecidos pelas Nações Unidas, é hora de
avaliar os progressos realizados desde o ano 2000. É hora também de refletir sobre
como os progressos foram alcançados e sobre o que faltou para obtermos resultados
ainda melhores.
Embora os oito ODM tenham con-
sequências para a saúde, em três deles a
saúde ocupa lugar central – referem-se à
saúde infantil (ODM 4), à saúde materna
(ODM 5) e ao controle de HIV/aids, malá-
ria, tuberculose e outras doenças trans-
missíveis importantes (ODM 6). Para
mencionar apenas um desses objetivos,
o ODM 4 estabelece uma redução no
número de mortes infantis, que, de 1990
até 2015, deveria cair de 12 milhões para
menos de quatro milhões. A despeito de
grandes esforços empreendidos desde a
virada do milênio, especialmente em rela-
ção à redução de mortes após o período
neonatal, as melhores cifras indicam que aproximadamente sete milhões de crianças
menores de 5 anos morreram em 2011. A partir da experiência de países de alta renda,
sabemos que quase todas essas mortes poderiam ter sido evitadas. Mas como fazê-lo
em todas as parte do mundo?
Uma ideia é aumentar a utilização de intervenções baseadas na comunidade. Mas
será que funcionam? Experimentos na forma de ensaios randomizados controlados
fornecem as evidências mais convincentes para ações da área da saúde pública. Em
2010, 18 ensaios desse tipo realizados na África, na Ásia e na Europa mostraram que
a participação de trabalhadores em postos de atendimento local, agentes de saúde
leigos, parteiras da comunidade, pessoas que atuam na área da saúde em vilarejos e
comunidades, além de pessoas treinadas para o atendimento de partos conseguiram, em
conjunto, reduzir em cerca de 24% o número de mortes neonatais, em 16% o número
de natimortos e em 20% a taxa de mortalidade perinatal. Doenças maternas também
iv
foram reduzidas em 25% (1). Evidentemente, esses ensaios não nos dão todas as res-
postas – por exemplo, não esclarecem os benefícios dessas intervenções para a redução
da mortalidade materna quando considerada à parte da morbidade –, mas constituem
um argumento poderoso para o envolvimento de agentes comunitários de saúde no
atendimento a mães e crianças recém-nascidas.
Essas investigações rigorosas têm o potencial de beneficiar milhões de pessoas em
todas as partes do mundo. Enfrentam o desafio colocado por apenas um dos ODM, mas
captam o espírito geral deste relatório: promover investigações em que a criatividade é
reforçada por recursos científicos da mais alta qualidade para prover serviços de saúde
de qualidade a custos viáveis, e melhores condições de saúde para todos. E mais do
que isso, o processo de descoberta é uma fonte de inspiração e motivação, instigando a
ambição de vencer os maiores problemas de saúde pública. É esse o objetivo do relatório
Pesquisa para a cobertura universal de saúde.
Este relatório é destinado a todos aqueles que se preocupam em descobrir como
atingir o objetivo de cobertura universal de saúde – aqueles que financiam a pesquisa
necessária, aqueles que realizam pesquisas e aqueles que gostariam de realizá-las, e
aqueles que utilizam evidências produzidas em pesquisas. Mostra como a pesquisa
para a saúde de maneira geral sustenta a pesquisa para a cobertura universal de saúde
em particular.
Compreender como avançar nos progressos em direção ao cumprimento dos ODM
constitui um aspecto central para este relatório. Mas o escopo é mais amplo. À medida que
o prazo final de 2015 se aproxima, buscamos maneiras para melhorar todos os aspectos
da saúde, trabalhando dentro da estrutura dos ODM e além dela. E investigamos de que
forma melhores condições de saúde podem contribuir para o objetivo maior de desen-
volvimento humano. Nesse contexto mais amplo, convido você a ler o relatório Pesquisa
para a cobertura universal de saúde. Convido você a avaliar os argumentos apresentados
neste relatório, reconsiderar as evidências nele incluídas e ajudar a apoiar a pesquisa que
nos colocará mais perto do objetivo de cobertura universal de saúde.
1. Lassi ZS, Haider BA, Bhutta ZA. Pacotes de intervenções baseadas na comunidade para a redução
da morbidade e da mortalidade de mães e neonatos e melhoria dos resultados neonatais. Cochrane
Database of Systematic Reviews (online), 2010,11:CD007754. PMID:21069697.
v
Índice
Resumo executivo xi
vii
Estudo de caso 4 69
Telemedicina para melhorar a qualidade do atendimento pediátrico
Estudo de caso 5 71
Novos diagnósticos para tuberculose
Estudo de caso 6 74
“Polipílula” para reduzir mortes por doença cardiovascular
Estudo de caso 7 75
Tratamento combinado com estibogluconato de sódio (SSG) e paromomicina
em comparação com monoterapia com SSG para leishmaniose visceral
Estudo de caso 8 77
Transferência de tarefas na expansão de intervenções
para melhorar taxas de sobrevivência infantil
Estudo de caso 9 79
Melhorias no acesso ao atendimento obstétrico emergencial
Estudo de caso 10 82
Transferência monetária condicionada visando melhorar a
utilização de serviços e os resultados de saúde
Estudo de caso 11 84
Seguro para o provimento de serviços de saúde acessíveis física e financeiramente
Estudo de caso 12 85
Atendimento de saúde financeiramente acessível a
populações em processo de envelhecimento
Conclusões: lições gerais extraídas de exemplos específicos 87
viii
Definindo e implementando normas e padrões 112
Ética e revisão ética 112
Relatando e compartilhando dados, ferramentas e materiais de pesquisas 113
Documentando ensaios clínicos 114
Utilizando evidências para desenvolver políticas, práticas e produtos 114
Traduzindo evidências em políticas e práticas 114
Monitorando e coordenando a pesquisa, nos níveis nacional e internacional 118
Financiando a pesquisa para a cobertura universal de saúde 120
Governança nacional e internacional da pesquisa em saúde 120
Conclusões: construindo sistemas de pesquisa eficazes 120
ix
x
Resumo executivo
xi
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
xii
Resumo executivo
sistemas e serviços de saúde. Embora haja exceções notáveis, o mundo todo empreendeu
menos esforços, de modo geral, para estabelecer e divulgar prioridades nacionais de
pesquisa, avaliar pontos fortes e fracos dos programas nacionais de pesquisa, e avaliar
os benefícios sociais, econômicos e de saúde decorrentes da pesquisa.
O segundo grupo de perguntas diz respeito ao modo de medir os avanços rumo à
cobertura universal em cada contexto, para cada população, em termos dos serviços
necessários e dos indicadores e dados que medem a cobertura desses serviços. A res-
posta para esse grupo de perguntas é uma medida da distância entre a cobertura atual
de serviços e a cobertura universal. O desafio para a pesquisa é eliminar essa distância.
Muitos indicadores, objetivos e fontes de dados específicos já são utilizados
para medir a cobertura de intervenções direcionadas à saúde. A métrica utilizada
para monitorar os progressos rumo aos objetivos do milênio controla, por exemplo,
o acesso à terapia antirretroviral, os nascimentos assistidos por profissionais habi-
litados e a cobertura de imunização. Entretanto, a mensuração de outros aspectos
da cobertura demandam maior desenvolvimento: as intervenções para prevenir e
controlar doenças não transmissíveis, ou acompanhar o envelhecimento saudável
constituem dois exemplos.
Normalmente, não é possível medir a cobertura das centenas de intervenções e
serviços que constituem um sistema nacional de saúde. Entretanto, é possível escolher
um subconjunto de serviços e seus respectivos indicadores, que são representativos
da quantidade, da qualidade, da equidade e do financiamento dos serviços em sua
totalidade. Assim sendo, uma definição prática de cobertura universal de saúde é a
situação em que todas as pessoas elegíveis têm acesso aos serviços de que necessitam.
Escolher os serviços essenciais de saúde que devem ser monitorados e um conjunto
de indicadores para controlar os progressos rumo à cobertura universal é tarefa de
pesquisa para os programas de saúde em cada país. Dessas investigações emergirá um
conjunto comum de indicadores que podem ser utilizados para medir e comparar os
progressos rumo à cobertura universal de saúde em todos os países.
Com seu foco em pesquisa, o objetivo deste relatório não é medir de maneira defi-
nitiva a distância entre a atual cobertura de serviços de saúde e a cobertura universal,
e sim identificar as perguntas que surgem à medida que avançamos rumo à cobertura
universal, além de discutir de que modo essas perguntas podem ser respondidas.
xiii
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
xiv
Resumo executivo
xv
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
xvi
Capítulo 1
Desenvolvendo o conceito de
6
cobertura universal de saúde
Investigando a cobertura de
15
serviços de saúde
Nas imediações de Bala Kot, no Paquistão, agente de campo entrevista criança pequena. (WHO)
Aspectos-chave
■■ O objetivo da cobertura universal de saúde é garantir que todas as pessoas tenham acesso
aos serviços de saúde de que necessitam – prevenção, promoção, tratamento, reabilitação e
cuidados paliativos –, sem riscos de ruína financeira ou empobrecimento, no momento e no
futuro.
■■ Desde 2005, quando todos os Estados Membros da OMS comprometeram-se com a cobertura
universal de saúde, muitos progressos vêm sendo realizados quanto ao provimento de serviços
de saúde e à proteção contra riscos financeiros. Tais progressos são ilustrados pelo avanço em
relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) relacionados à saúde ampla e pela
ampla redução de pagamentos em dinheiro para utilização de serviços de saúde.
■■ Apesar desses progressos, a cobertura dos serviços de saúde e a proteção contra riscos
financeiros ainda está muito aquém da cobertura universal. Assim sendo, em 2011, quase 50%
de todos os indivíduos infectados com HIV que eram elegíveis para terapia antirretroviral
ainda não a recebiam; e estima-se que, a cada ano, 150 milhões de pessoas enfrentem
catástrofes financeiras devido à necessidade de pagar com recursos próprios os custos de
serviços de saúde.
■■ As condições que causam problemas de saúde e a capacidade financeira para proteger a
população contra esses problemas variam entre os países. Consequentemente, devido à
limitação de recursos, cada país deve determinar suas prioridades para melhorar as condições
de saúde, os serviços necessários e os mecanismos adequados para proteção contra riscos
financeiros.
■■ Essas observações levam a dois tipos de questões para a pesquisa. Em primeiro lugar, e mais
importantes, estão as questões sobre melhoramentos nas condições de saúde e bem-estar –
questões que auxiliam na definição das intervenções e dos serviços necessários, incluindo
proteção contra risco financeiro, formas para ampliar a cobertura desses serviços, como
redução de desigualdades na cobertura, e identificação dos efeitos sobre a saúde que resultam
da ampliação da cobertura. O segundo conjunto de questões refere-se a medição – tanto dos
indicadores quanto dos dados necessários para monitorar cobertura de serviços, proteção
contra risco financeiro e impacto sobre a saúde. Uma das tarefas para a pesquisa é auxiliar
na definição de um conjunto de indicadores comuns para comparar os progressos rumo à
cobertura universal em todos os países.
■■ Não há respostas permanentes para nenhuma dessas áreas de questionamento. Através do ciclo
de pesquisas – questões produzem respostas que provocam outras questões – haverá sempre
novas oportunidades para aprimorar as condições da área da saúde. As metas de hoje para a
cobertura universal de saúde serão inevitavelmente suplantadas no futuro por expectativas mais
abrangentes.
1
O papel da pesquisa para a
cobertura universal de saúde
5
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
a
Custos indiretos causados, por exemplo, por perda de rendimentos não são entendidos como parte de proteção
contra risco financeiro, mas fazem parte da proteção social mais ampla.
6
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
7
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
8
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 1.2. Representação da cadeia de efeitos da cobertura universal de saúde, com foco nos
resultados
Determinantes sociais
Nota: Cada um desses resultados depende de insumos, processos e produtos (à esquerda), e ao final causa impacto sobre a
saúde (à direita). O acesso à proteção contra risco financeiro também pode ser considerado um produto. Todas as medidas
devem refletir não apenas a quantidade de serviços, mas também a qualidade e a equidade do acesso (primeiro painel trans-
versal). A equidade na cobertura é influenciada por “determinantes sociais” (segundo painel transversal), de modo que é vital
medir o espectro desde os insumos até o impacto por meio de renda, ocupação, deficiência etc.
sários à sua população que são pagos com recursos boas condições de saúde (resultados). Entre esses
próprios (1). Portanto, decidir qual seria o melhor serviços e políticas encontram-se orientação pre-
apoio à saúde dentro dos limites orçamentários sencial, campanhas antitabagismo, proibição de
constitui um desafio. A Figura 1.1 oferece três opções fumar em locais públicos e impostos sobre produtos
para gastos: maximizar a proporção da população derivados do tabaco. A cobertura alcançada por essas
coberta pelos serviços existentes, diversificar os intervenções, que frequentemente são utilizadas
serviços de saúde, oferecendo maior variedade de em associação, tem influência sobre o número de
intervenções, ou utilizar recursos monetários para fumantes em uma população (21).
compensação financeira, reduzindo, desse modo, os Na verdade, o problema do tabagismo em
pagamentos em espécie destinados ao atendimento relação à saúde ultrapassa a cadeia de resultados
na área da saúde. apresentada na Figura 1.2. Assim como muitos
Investimentos financeiros são destinados a outros fatores de risco, o ato de fumar tende a
medicamentos e outras commodities, assim como ser mais frequente entre aqueles que receberam
a infraestrutura, a fim de gerar os serviços que têm menos educação formal e que têm rendimentos
impacto sobre a saúde. A Figura 1.2 é uma forma de mais baixos. Ao procurar atendimento de saúde
representar essa cadeia de eventos. Considerem-se, para doenças relacionadas ao tabagismo, pessoas
por exemplo, as associações entre tabagismo e com nível educacional mais alto normalmente têm
saúde. Em uma população, a proporção de pes- maior conhecimento sobre os serviços disponíveis
soas que fumam (produto) – o que representa um e estão mais propensas a utilizá-los. Essas “deter-
fator de risco de doenças pulmonares, cardíacas e minantes sociais”, que influenciam a prevenção e
outras (impacto) – é afetada por diversos serviços o tratamento de doenças, constituem um motivo
e políticas que previnem problemas e promovem para uma visão abrangente da pesquisa em saúde:
9
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
Quadro 1.3. Qual o significado da cobertura universal de saúde e da proteção social para
indivíduos afetados pela tuberculose?
A tuberculose (TB) é uma doença da pobreza, que impele as pessoas a uma pobreza ainda maior (22). Diante do
reconhecimento desse fato, na maioria dos países o diagnóstico e o tratamento da TB são gratuitos para os pacientes.
Os custos do tratamento da TB, fornecido como serviço público, são cobertos por orçamentos nacionais destinados
ao atendimento de saúde, frequentemente suplementados por doações ou empréstimos internacionais (23), o que
ajuda a reduzir as barreiras financeiras ao acesso e à adesão ao tratamento. No entanto, embora apresentados como
gratuitos, serviços públicos de saúde muitas vezes não são totalmente livres de custos, e os pacientes sempre têm
outras despesas: há pagamentos por exames médicos, medicamentos, consultas e transporte, e custos indiretos da
doença devido à perda de rendimentos.
Portanto, para os pacientes, o custo total de um episódio de TB frequentemente é alto em relação à sua renda (24).
Em países de renda média e baixa, o custo total médio por paciente com TB foi estimado entre 20% e 40% da renda
familiar anual, e o custo relativo é mais alto em grupos com condição socioeconômica mais baixa (25-32). Os pacien-
tes mais pobres ficam endividados – de 40% a 70% deles, de acordo com três estudos realizados na África e na Ásia
(26, 28, 29). Grande parte dos custos do tratamento da TB está relacionada à fase de diagnóstico, antes do início do
tratamento em um programa subsidiado. Os custos são especialmente altos para diagnóstico e para o tratamento
com médicos particulares, que muitos dos indivíduos mais pobres procuram para o primeiro atendimento (28, 29, 33,
34). Normalmente, aos custos financeiros são adicionadas consequências sociais adversas – como rejeição pela família
e pelos amigos, divórcio, expulsão da escola e perda de emprego –, que afetam principalmente as mulheres (35-37).
As pesquisas que sustentam essas constatações foram essenciais para documentar os obstáculos à utilização dos
serviços de saúde e a vulnerabilidade financeira das famílias afetadas pela TB. Ajudaram a identificar em que situa-
ções melhores serviços, cobertura de seguro de saúde e proteção social podem proteger contra as consequências da
doença, que é potencialmente fatal e financeiramente catastrófica (38).
Para estimar os custos assumidos pelos pacientes e identificar barreiras ao acesso, a OMS e seus parceiros desenvol-
veram um conjunto de ferramentas que recentemente foi testado em campo, por meio de levantamentos realizados
em diversos países. Os resultados já começaram a produzir subsídios para políticas nacionais de proteção social
para indivíduos com TB (39, 40). Além de diagnóstico e tratamento gratuitos, um pacote completo de medidas para
proteção social exige:
■■ Cuidados universais de saúde, gratuitos ou amplamente subsidiados. As pessoas não entram em um sistema de
cuidados de saúde como pacientes de TB elegíveis para tratamento gratuito: normalmente entram como pacientes
com doença respiratória. O percurso até o diagnóstico correto e o início do tratamento frequentemente consome
semanas, ou até meses. É preciso que os custos pagos pelo paciente com recursos próprios sejam minimizados em
todo o sistema de saúde (23).
■■ Ações específicas de proteção social ou contra risco financeiro, compensando os efeitos financeiros ou sociais adversos
da TB. Podem incluir, por exemplo, vales-transporte, pacotes de alimentação ou transferências monetárias,
assim como apoio psicossocial.
■■ Leis que protejam os trabalhadores, garantindo que indivíduos com TB não sejam dispensados do emprego devido a
uma doença que normalmente se torna não infecciosa após duas semanas de tratamento correto, que permite
completa recuperação da maioria dos pacientes.
■■ Seguro-doença, compensando a perda de renda durante a enfermidade.
■■ Instrumentos de proteção aos direitos humanos, minimizando estigmas e discriminação, com especial atenção a
gênero, etnia e proteção a grupos vulneráveis particularmente em alto risco de contrair TB.
■■ Abordagens envolvendo todos os setores governamentais para lidar com determinantes sociais de saúde, e políticas baseadas
em “saúde em todos os setores”, com uma visão abrangente dos fatores determinantes das epidemias de TB
(Capítulo 2). Estratégias de redução da pobreza e redes de segurança financeira ajudam a prevenir a TB em
muitos níveis. O mais importante para a prevenção da tuberculose são boas condições de vida e de trabalho,
e boa nutrição. A educação básica apoia a cobertura universal de saúde, possibilitando opções de vida mais
saudáveis e orientando decisões sobre cuidados de saúde.
continua ...
10
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
... continuação
Nenhuma das opções acima é específica para TB, mas programas de controle de TB estão entre aqueles afetados pela
presença ou pela ausência de serviços de saúde e de mecanismos de proteção social. Embora soluções específicas
para a doença possam ajudar parcial e temporariamente, a cobertura universal de saúde, incluindo proteção social,
é indispensável para o controle sustentado e eficaz da TB. Programas de controle da doença devem garantir que os
pacientes atendidos sejam elegíveis para apoio por parte dos serviços gerais de saúde, e não apenas para programas
de controle de TB, e que realmente recebam esses serviços.
A tuberculose está fortemente associada à pobreza e à vulnerabilidade social, e é uma das condições que funcionam
como marcador para a cobertura universal. No entanto, programas nacionais de controle de TB devem acrescentar
medidas de proteção contra risco financeiro aos indicadores de cobertura de serviço já existentes. Entre os indicadores
mensuráveis destacam-se:
Resultados
■■ Para cobertura de serviços de saúde: cobertura de diagnóstico e tratamento de TB (porcentagem de casos de TB
que recebem cuidados adequados e porcentagem de casos tratados com sucesso; ver Figura 1.5) e equidade na
cobertura.
■■ Para proteção contra risco financeiro: acesso a programas de proteção contra risco financeiro (porcentagem de
pacientes que utilizam os programas existentes) e equidade de acesso.
Impacto
■■ sobre proteção contra risco financeiro: custo da tuberculose para os pacientes (porcentagem com despesas catastró-
ficas, dados de levantamentos, utilizando a ferramenta para estimar o custo para o paciente).
■■ combinado sobre cobertura universal, proteção contra risco financeiro e abordagem de determinantes sociais: taxas de
incidência, prevalência e mortalidade por TB (extraídas de dados de supervisão de programas, registro civil e
levantamentos baseados na população).
11
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
12
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
13
Fig. 1.3. Despesas com saúde pagas pelo usuário com recursos próprios como porcentagem dos gastos totais com saúde, 2013
14
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
Gastos (%)
< 20
20–40
> 40
Dados não disponíveis
Não se aplica
a ficar fora dos mecanismos de proteção nacional de países de baixa renda). Na Figura 1.4, as colunas
contra risco financeiro e, portanto, resultam em representam os diversos níveis em que os serviços
empobrecimento das famílias? Alguma dessas são fornecidos: na comunidade, para indivíduos
medidas capta o valor associado a paz de espírito – a em centros de cuidados primários, ou em hospitais
segurança conferida por serviços de saúde disponíveis, secundários ou terciários, e para populações inteiras
acessíveis em termos financeiros e confiáveis? Estes (não pessoais) (49). Como mostra sua posição na
são tópicos para futuras pesquisas e, em alguns casos, Figura 1.4, um sistema consistente de cuidados
para o debate público sobre mecanismos de proteção primários é fundamental para um sistema de saúde
contra risco financeiro e sobre métodos de medição. eficaz (4). Serviços “não pessoais” são ações apli-
cadas a comunidades ou a populações; em termos
Investigando a cobertura gerais, incluem medidas educacionais, ambientais,
de saúde pública e de políticas em diversos setores
de serviços de saúde que influenciam a saúde.
A evolução do pensamento sobre a cobertura uni- Os ODM constituem uma força poderosa, tanto
versal de saúde levou também a maior compreensão para melhorar as condições de saúde quanto para
das funções que os sistemas de saúde devem desem- medir os progressos na área da saúde, utilizando
penhar. Essas funções devem levar em conta não indicadores definidos com precisão, dados coleta-
só a prevenção, mas também o tratamento. Devem das de forma padronizada e metas estabelecidas
garantir: (i) acesso a medicamentos e produtos de internacionalmente (46, 50). A Figura 1.5 mostra
saúde essenciais; (ii) agentes de saúde motivados alguns exemplos de progressos realizados rumo
e qualificados, disponíveis para a população que ao ODM 6 – ou seja, “combater HIV/aids, malária
atendem; (iii) serviços integrados, de alta qualidade, e outras doenças”. Com relação ao HIV/aids, o
centrados no paciente em todos os níveis de cuidados “acesso universal” à terapia antirretroviral é definido
– do primário ao terciário; (iv) uma combinação atualmente como tratamento de no mínimo 80% da
de programas de prioridade para promoção da população elegível. Em 2010, 47% dos indivíduos
saúde e controle de doenças, incluindo métodos de elegíveis recebiam tratamento. Assim sendo, a meta
prevenção e tratamento integrados aos sistemas de não foi atingida em termos globais, mas, de acordo
saúde; (v) sistemas de informação que produzam com dados nacionais, foi atingida em dez países,
dados oportunos e precisos para tomada de decisões; incluindo alguns com alta prevalência de HIV, como
e (vi) sistemas de financiamentos de serviços de Botsuana, Namíbia e Ruanda.
saúde que levantem fundos suficientes para esse O ODM 7 trata da sustentabilidade ambiental.
setor, forneçam proteção contra risco financeiro e Como contribuição para a cobertura universal,
garantam que os recursos sejam utilizados de forma inclui a meta de reduzir em 50%, entre 1990 e
equitativa e eficiente. 2015, a proporção de indivíduos que não têm
Ao delinear o conceito de cobertura universal, a acesso a água limpa e saneamento básico. Entre
Figura 1.1 apresenta serviços de saúde ao longo de um 1990 e 2010, apesar de algumas limitações meto-
único eixo. Na verdade, diversos serviços são forne- dológicas nas medições, mais de dois bilhões de
cidos em diferentes níveis, dependendo da natureza pessoas ganharam acesso a fontes de água limpa de
da condição de saúde e do tipo de intervenção. Na melhor qualidade, incluindo abastecimento com
Figura 1.4, os elementos em cada linha são serviços água encanada e poços protegidos. Essa meta do
considerados necessários. Serviços de prevenção ODM foi alcançada em 2010, embora, em termos
(por exemplo, vacinação) e serviços de cura (por gerais, o acesso ao abastecimento de água tenha
exemplo, tratamentos medicamentosos) devem tratar sido menor em áreas rurais em comparação com
as principais causas dos problemas de saúde agora áreas urbanas (50, 55).
e no futuro (por exemplo, as causas abordadas nos Em relação a intervenções selecionadas, essas
ODM 4 a 6 e doenças não transmissíveis, no caso análises dos progressos rumo aos ODM mostram
15
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
SMNI
Indicadores de
HIV/TB/malária cobertura de
serviço, incluindo
DNT e fatores promoção,
de risco
prevenção e
tratamento
Lesões
HIV: vírus da imunodeficiência humana; SMNI: saúde materna, neonatal e infantil; DNT: doenças não transmissíveis; TB: tuberculose.
Nota: Serviços de saúde “não pessoais” são ações aplicadas tanto a comunidades como a populações – como educação
massiva na área da saúde, desenvolvimento de políticas ou tributação – ou a componentes ambientais não humanos, como
medidas de saúde ambiental. Serviços de saúde baseados na comunidade são definidos como ações individuais e comunitárias
realizadas na comunidade – por exemplo, por agentes de saúde comunitários –, e não por meio de equipamentos de saúde.
Frequentemente são considerados parte do atendimento de cuidados primários de saúde.
16
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
TAR para todos os elegíveis TAR para PTMC Detecção de casos Cura
C. Malária: controle de vetor, diagnóstico, tratamento D. Doenças tropicais negligenciadas: prevenção medicamentosa
População elegível para cobertura (%)
casos suspeitos testados (%)
Cobertura de MTI ou
Tratamentos (M)
TCA: terapias de combinação baseada em artemisinina; aids: síndrome da imunodeficiência adquirida; TAR: terapia antirretrovi-
ral; HIV: vírus da imunodeficiência humana; MTI: mosquiteiro tratado com inseticida; PTMC: prevenção da transmissão da mãe
para a criança.
Nota: Entre 2003 e 2008, o denominador para cobertura de TAR foi o número total de pessoas infectadas por HIV com contagem
de células CD4 ≤ 200 células/µL. No entanto, em 2009 e 2010 o denominador foi o número total de pessoas com contagem ≤
350 CD4 células/µL, o que explica a aparente queda na cobertura entre 2008 e 2009.
Para PTMC com TAR, o numerador em 2010 inclui tratamento com nevirapina em dose única. Para malária, dados sobre cober-
tura de famílias com MTI e sobre casos suspeitos testados referem-se à Região Africana da OMS. Dados sobre TCA referem-se ao
mundo todo.
Interpretação da cobertura universal: cobertura de 100% para todas as intervenções, com exceção das metas intermediárias de
cobertura: ≥ 80% para TAR, ≥ 90% para porcentagem de pacientes de tuberculose curados, e metas variáveis de cobertura para
doenças tropicais negligenciadas (23, 51–53). Reproduzido de Dye et al, mediante permissão do editor (54).
17
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
Incidência
100
de pobreza 100 Incidência
80 devido a de pobreza
Imunização Imunização 80
pagamentos devido a
com DTP3 60 com DTP3 60 pagamentos
com recursos
40
próprios 40
com recursos
20
próprios
20
0
0
Aumento da
Partos condição usual Aumento da
assistidos de pobreza Partos condição usual
por equipe devido a assistidos de pobreza
de saúde pagamentos com por equipe devido a
qualificada recursos próprios de saúde pagamentos com
Atendimento pré-natal (4 visitas) qualificada recursos próprios
Atendimento pré-natal (4 visitas)
DTP3: vacina contra difteria, tétano e pertússis.
Como exemplo, três sinalizadores da cobertura de serviços de saúde materna e infantil acompanhados por três medidas
de proteção contra risco financeiro fornecem uma visão geral da cobertura de serviços nas Filipinas e na Ucrânia (ver
figura). Os três indicadores de cobertura de serviços são: atendentes qualificados durante o parto, três doses de vacina
contra difteria, tétano e pertússis (DPT3), e quatro visitas de atendimento pré-natal (%). Os três indicadores de proteção
contra risco financeiro são: incidência de catástrofe financeira devido a pagamentos com recursos próprios, incidência de
empobrecimento devido a pagamentos com recursos próprios, e aumento da condição de pobreza devido a pagamentos
com recursos próprios. Com relação a empobrecimento, o pior resultado possível foi estimado em 5%, o que, em qualquer
país, fica acima do empobrecimento medido devido a pagamentos com recursos próprios. Na figura, a cobertura de 100%
de serviços e a proteção contra risco financeiro situam-se na borda externa do diagrama de radar, de modo que um polígono
totalmente preenchido representa cobertura universal. No entanto, a proteção contra risco financeiro é medida como as
consequências de sua ausência (Quadro 1.3), de modo que a escala de porcentagem é invertida para esses três indicadores.
Com relação à cobertura de serviços de saúde, Filipinas e Ucrânia apresentam resultados semelhantes. As diferenças
estão na incidência de gastos catastróficos com saúde (mais altos nas Filipinas) e na incidência de pobreza devido a
pagamentos com recursos próprios (mais alta na Ucrânia). Essas observações, baseadas neste conjunto específico de
indicadores, levantam questões sobre como realizar novos progressos rumo à cobertura universal (ver texto principal).
Esses seis sinalizadores podem ser complementados com outros. Por exemplo, existem indicadores padronizados
para progressos em relação a HIV/aids, tuberculose, malária e algumas doenças não transmissíveis (Figura 1.5) (57).
À medida que novos indicadores são acrescentados, o polígono representado na figura aproxima-se de um círculo.
Idealmente, todos os indicadores devem ser desagregados por quintil de riqueza, local de residência, deficiência e
gênero, e por outras características importantes de grupos populacionais.
18
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
87,1
80
71,1
68,5
67,0
60
51,8
50,1 44,4 44,4
40
20 21,2 22,2
0 0
Setor público Setor privado Setor público Setor privado
8 10 7 7
Países de baixa renda e de renda média baixa Países de renda média alta
Reproduzido a partir de dados das Nações Unidas, mediante permissão do editor (58).
intervenções. Por exemplo, na comparação apre- dos centros particulares. Houve pouca diferença nas
sentada no Quadro 1.5, o acréscimo de outras médias entre países de renda média baixa e países
intervenções resultaria em uma história diferente de renda média alta, assim como foram registradas
sobre os progressos rumo à cobertura universal? amplas variações entre os países dentro de cada
Os indicadores de gastos catastróficos e de pobreza categoria. Entre países de renda média alta, a
representam aspectos diferentes da proteção contra disponibilidade dos 14 medicamentos genéricos
risco financeiro entre os dois países? E sempre surge variou de zero, no estado do Rio Grande do Sul,
a questão: “Os dados subjacentes são precisos?” no Brasil, a 97%, no Irã.
A cobertura de serviços depende da forma como A maior disponibilidade de dados comparáveis
são fornecidos. Os insumos podem ser analisados constitui uma vantagem do monitoramento de
também como medidas de cobertura, sejam elas medicamentos essenciais como forma de acompa-
diretas ou representativas (Figura 1.2). Por exemplo, nhar a cobertura dos serviços. E a qualidade desses
a OMS compila dados a partir de levantamentos dados, coletados por meio de avaliações regulares
sobre disponibilidade e preço de medicamentos dos centros de saúde, também vem melhorando. Em
essenciais (Figura 1.6) (58). Pesquisas realizadas 2007, mais de 130 países dispunham de uma lista
entre 2007 e 2011 constataram que 14 medicamentos de medicamentos essenciais, e 81% dos países de
genéricos essenciais estavam disponíveis, em média, baixa renda haviam atualizado suas próprias listas
em 52% dos centros públicos de saúde, e em 69% nos cinco anos anteriores.
19
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
20
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
Não UE
9,7
necessária para a cobertura
Noruega 2,8
6,5 universal de saúde
8,0
Islândia 2,8 Em 2005, quando assumiram o compromisso de
8,2
Suíça 4,3 alcançar a cobertura universal de saúde, todos os
0 5 10 15 20 Estados Membros da OMS deram um passo impor-
Taxas por 100 pacientes tante em relação à saúde pública, lançando assim
uma agenda para a pesquisa. Não sabemos ainda
Taxas brutas como garantir que todos tenham acesso a todos os
Taxas padronizadas por idade e gênero serviços de saúde de que necessitam em todos os
Intervalo de confiança: 95% contextos, e há muitas lacunas na compreensão das
associações entre cobertura de serviço e saúde (66,
67). A pesquisa é o meio para preencher essas lacunas.
UE: União Europeia Com foco na pesquisa, o objetivo deste relatório
Nota: As taxas são padronizadas por idade e gênero para não é medir, de maneira definitiva, a distância entre
toda a população da OCDE que em 2005 tinha ≥ 45 anos.
a cobertura atual de serviços de saúde e a cobertura
Reproduzido a partir de dados da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, mediante universal, mas sim identificar questões que surgem
permissão do editor (65). quando tentamos alcançar a cobertura universal,
21
A pesquisa para a cobertura universal de saúde
e discutir de que forma essas questões podem ser de sinalizadores, com seus indicadores associados,
respondidas para acelerar os progressos. para representar a quantidade total e a qualidade
Neste capítulo foram identificados dois tipos dos serviços de saúde. Os sinalizadores podem
de questões de pesquisa. O primeiro conjunto de ser selecionados para exemplificar os principais
questões – e o mais importante – trata da escolha tipos de doenças ou de problemas de saúde, como
dos serviços de saúde necessários, da melhoria da infecções agudas, infecções crônicas e doenças não
cobertura desses serviços e da proteção contra risco transmissíveis. A cobertura universal é alcançada
financeiro, e da avaliação das formas pelas quais a quando cada intervenção é acessível a todos aqueles
melhor cobertura desses dois aspectos pode levar que dela necessitam, e quando apresenta os efeitos
a melhores condições de saúde e de bem-estar. pretendidos. Embora cada país tenha suas próprias
O segundo conjunto de questões diz respeito a prioridades para o aprimoramento na área da saúde,
medições de indicadores e dados necessários para seria possível, em princípio, escolher um conjunto
monitorar a cobertura, à proteção contra risco de indicadores comuns para comparar os progressos
financeiro e aos benefícios para a saúde. rumo à cobertura universal em todos os países.
Os serviços de saúde necessários e as pessoas Definir esse conjunto de indicadores é outra tarefa
que deles necessitam devem ser definidos em para a pesquisa.
relação a causas dos problemas de saúde, tecno- Já existem numerosos indicadores de cobertura
logias e instrumentos para intervenção, e custos. de serviços de saúde, padronizados e validados, que
Os serviços necessários variam de um contexto são amplamente utilizados. As técnicas para medição
para outro, assim como a capacidade de pagar por foram bastante aprimoradas pelo acompanhamento
eles. A função da pesquisa é investigar se as ações dos progressos em direção aos ODM, principal-
concebidas para alcançar a cobertura universal mente em países de renda média e baixa (50). No
de saúde realmente alcançam seus objetivos. No entanto, fora das ações voltadas aos ODM, há menos
momento, as evidências sobre essa questão não experiências de monitoramento em relação à pre-
são claras. Um estudo comparativo realizado em venção e ao controle em outras áreas da saúde, tais
22 países de renda média e baixa constatou que como doenças não transmissíveis, envelhecimento,
intervenções para apoiar a cobertura universal de reabilitação e cuidados paliativos (57). Da mesma
saúde geralmente melhoram o acesso ao atendi- forma, se por um lado existem alguns indicadores
mento. O estudo constatou também, e de forma padronizados em relação à qualidade dos serviços
menos convincente, que essas intervenções podem de saúde, à equidade de acesso e à proteção contra
ter efeito positivo sobre a proteção contra risco risco financeiro, por outro lado ainda há muito a
financeiro e, em alguns casos, impacto positivo fazer para o aprimoramento dos métodos de coleta
sobre a saúde (68). Segundo outra conclusão da de dados e de medição.
análise, os efeitos de intervenções variam de acordo A cobertura universal de saúde é considerada
com contexto, projeto e processo de implementa- um meio para aprimorar as condições de saúde
ção. Essas variações são ilustradas mais adiante, e promover o desenvolvimento humano, o que
no Capítulo 3 deste relatório. coloca a pesquisa sobre cobertura universal em um
O segundo conjunto de questões sobre medição contexto mais amplo da pesquisa de desenvolvi-
é fundamental para responder ao primeiro conjunto. mento. As pesquisas desempenham seu papel não
Assim como os serviços de saúde necessários variam apenas no cumprimento dos ODM, mas também
entre os contextos, a combinação de indicadores no apoio à agenda de desenvolvimento pós-2015.
para a medição dos serviços de cobertura também Por exemplo, é necessário um número maior de
deve variar. Uma vez que não é possível medir a pesquisas para melhorar a resiliência de sistemas de
cobertura de todos os serviços, pode ser selecionado saúde quanto a ameaças ambientais, como aquelas
um conjunto de intervenções para a determinação provocadas por mudanças climáticas. Um desafio
22
Capítulo 1 O papel da pesquisa para a cobertura universal de saúde
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Capítulo 2
Pesquisa em ascensão 9
Crescimento desigual 16
Em Nyala, na região Sul de Darfur, no Sudão, equipe de campo da OMS examina criança pequena em um centro de nutrição
(WHO/Christina Banluta).
Aspectos-chave
■■ O Capítulo 1 analisou as formas de medir a distância entre a cobertura atual e a cobertura
universal de serviços de saúde. A questão de como superar essa distância é uma meta para a
pesquisa em todos os países. Pesquisas direcionadas à cobertura universal de saúde, apoiadas
pelas pesquisas para saúde, constituem um conjunto de métodos e resultados utilizados para
encontrar novas formas de prestação dos serviços de saúde de que todos necessitam.
■■ Há muitas ideias criativas sobre como alcançar atendimento integral de saúde, que provêm
tanto do próprio setor da saúde como de outras áreas, e que terão sucesso onde quer que haja
condições para que sua implementação seja permitida e encorajada.
■■ Vem aumentando em todo o mundo o número de pesquisas que buscam estimular e aproveitar
novas ideias. O crescimento é desigual, mas hoje a maioria dos países dispõe das bases sobre
as quais construir programas de pesquisa eficazes.
■■ As pesquisas não estão apenas crescendo em número, estão também sendo realizadas de
forma mais criativa. Um exemplo é o novo pensamento que modifica o modelo tradicional
de pesquisa e desenvolvimento (P&D), com a criação de mais produtos por meio de parcerias
entre universidades, governos, organizações internacionais e o setor privado.
■■ Os resultados de algumas pesquisas são amplamente aplicáveis, porém muitas questões sobre
cobertura universal de saúde precisam de respostas no nível local. Portanto, todos os países
devem ser, ao mesmo tempo, produtores e consumidores de pesquisas.
■■ Em países de renda média e baixa, os principais desafios são o fortalecimento dos sistemas
de pesquisa, a identificação de questões-chave e a criação de capacidade para transformar
pesquisas em aplicações práticas.
■■ A pesquisa está em ascensão, mas poucos países vêm avaliando de modo objetivo os pontos
fortes e fracos de seus programas nacionais de pesquisa, e poucos têm avaliado os benefícios
sociais, econômicos e de saúde que a pesquisa pode gerar. Todos os países terão ganhos com
a abordagem sistemática ao monitoramento e à avaliação dos investimentos em práticas,
resultados e aplicações relativos a pesquisas.
30
2
O crescimento da pesquisa para a cobertura
universal de saúde
O Capítulo 1 definiu a cobertura universal de saúde e discutiu formas práticas
de medir os progressos rumo a esse objetivo. O debate levou a dois tipos de
questões de pesquisa. O primeiro tipo refere-se a melhorias na área da saúde:
que tipo de sistemas e serviços de saúde são necessários, e para quem? De que
forma os serviços de saúde necessários podem ser prestados, e a que custo? De
que forma os serviços de saúde devem adaptar-se às mudanças esperadas no
ônus causado por doenças nos próximos anos?
O segundo tipo de questões refere-se à mensuração: qual é a melhor forma de
medir a cobertura de serviços e a proteção contra risco financeiro em qualquer
contexto? Como saberemos que atingimos a cobertura universal?
No contexto deste relatório, as pesquisas científicas fornecem um conjunto
de ferramentas utilizadas para estimular e aproveitar soluções criativas para essas
questões – ou seja, as pesquisas fornecem técnicas formais que transformam
ideias promissoras em métodos práticos para alcançar a cobertura universal
de saúde.
Este capítulo fornece uma visão geral das mudanças no cenário da pesquisa.
A primeira observação constata que criatividade, imaginação e inovação –
fundamentais em qualquer cultura de investigação – são universais. Uma das
premissas deste relatório estabelece que novas ideias irão florescer onde quer
que haja condições para que sua implementação seja permitida e estimulada.
A segunda observação constata um aumento notável na produtividade da
área da pesquisa nos países de renda média e baixa ao longo das últimas duas
décadas, na sequência do Relatório da Comissão de Pesquisa em Saúde para o
Desenvolvimento, de 1990, entre outros (1). Um maior reconhecimento do valor
da pesquisa para a saúde, a sociedade e a economia estimulou uma tendência
ascendente. Embora o crescimento seja desigual, hoje a maioria dos países dispõe
das bases sobre as quais construir programas de pesquisa eficazes.
O processo de realização de pesquisa coloca questões em diferentes níveis:
quais são os problemas de saúde que devem ser solucionados? No espectro que
abrange da etiologia da doença até políticas de saúde, que tipo de questões estão
sendo formuladas sobre esse problema?
31
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
32
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
mais fracas) para ensaios clínicos randomizados saúde, e descrevem atividades do ciclo de pesquisa
(inferências mais fortes), quais projetos de estudo (Quadro 2.1, Quadro 2.2 e Quadro 2.3). A intenção
serão utilizados? Em paralelo à principal narrativa é fornecer uma forma de pensar sobre o processo
deste capítulo, três quadros aqui inseridos definem de pesquisa e de apresentar uma classificação das
termos, categorizam os tipos de problemas abor- questões e dos procedimentos de pesquisa que
dados pela pesquisa para a cobertura universal de serão utilizados ao longo deste relatório.
33
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
O ciclo de atividades de pesquisa, dividido em cinco partes, é ilustrado aqui com referência à
desnutrição relacionada a micronutrientes
COM
ÇÃO PR
URA EEN
S S
EN
ÃO
M
Desnutrição por
M O N I TO R A M E N
micronutrientes
LUÇÕES
Criação de estruturas e Desenvolvimento de diretrizes
ferramentas de monitoramento, atualizadas, baseadas em
e avaliação das intervenções evidências, para intervenções
DE SO
N TO
de ações de nutrição
IM PLE
MENTAÇÃO
Nota: A pesquisa tem início com a mensuração e a compreensão do problema, prossegue com o desenvolvimento de
soluções e, a seguir, monitora o sucesso das intervenções. O monitoramento é a fonte de novas questões, iniciando, assim
um novo ciclo. Reproduzido de Pena-Rosas et al., mediante permissão do editor (13).
continua ...
34
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
... continuação
Como fica evidente na Estratégia da OMS para Pesquisas para a Saúde, pesquisas de boa qualidade precisam de um
ambiente propício, que inclua mecanismos de definição consensual de prioridades, desenvolvimento de capacidades
(equipes, financiamento, instituições), determinação de padrões na prática de pesquisa, e tradução dos resultados
em políticas (Capítulo 4) (2).
A consistência da inferência que pode ser feita a partir de estudos investigativos depende parcialmente do projeto
do estudo, variando de estudos observacionais (menos consistentes), passando por estudos transversais, de controle
de casos e de coortes, até ensaios randomizados controlados (mais consistentes) (14). A aplicação dos resultados de
um estudo investigativo em outro contexto exige que causas e efeitos sejam associados da mesma maneira: não é
uma questão de projeto do estudo.
O sistema GRADE – Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation avalia a qualidade das
evidências e a consistência das recomendações baseadas em evidências. Trata-se de um mecanismo transparente e
sistemático para avaliar se os resultados da pesquisa são suficientemente consistentes para subsidiar políticas (15, 16).
Atualmente, o GRADE constitui uma ferramenta eficaz para avaliar o valor de uma intervenção estudada por ensaio
clínico, mas não é tão adequada para analisar, por exemplo, a facilidade de implementação da intervenção em um
sistema de saúde, ou sua adequação em relação à equidade em saúde. O GRADE precisou de ajustes para tratar de
questões específicas de imunização, tais como o efeito das vacinas no nível da população, e para a utilização de
dados de sistemas de vigilância (17). Além disso, os produtos do GRADE devem ser apresentados de forma acessível
aos formuladores de políticas. Iniciativas como o DECIDE – Developing and Evaluating Communication strategies
to support Informed Decisions and practice based on Evidence (disponível em http://www.decide-collaboration.eu)
vêm possibilitando essas providências. O grupo de trabalho do GRADE (www.gradeworkinggroup.org) oferece cursos
e workshops visando à melhor utilização desse sistema.
35
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Zeinou Abdelyamin, da Argélia, preocupa-se com os resíduos químicos deixados pelo uso indiscriminado de inseticidas
e raticidas, prejudiciais para pessoas e animais domésticos. Em 2012, recebeu o African Prize for Innovation pela
realização de pesquisas para formulação de pesticidas não químicos, que não deixam traços no meio ambiente (19).
No mesmo ano, em Uganda, Aaron Tushabe e colegas da Universidade Makerere procuravam meios para tornar a
gestação mais segura para mulheres que não têm acesso a hospitais (20). Inventaram um scanner portátil para detec-
tar anormalidades gestacionais, tais como gestação ectópica e batimentos cardíacos fetais anormais (ver foto). Mais
barato do que o ultrassom, o scanner de mão tem forma de funil e produz uma leitura na tela de um telefone celular.
Ao mesmo tempo, em Tamil Nadu, na Índia, o Dr. V. Mohan criou a “clínica de diabetes autoexpansível”, que fornece
diagnóstico e cuidados a pessoas que vivem em áreas rurais remotas do país (21). Sua clínica móvel, abrigada em
um furgão que leva equipamentos monitorados via satélite, visita algumas das regiões mais remotas de Tamil Nadu,
conectando médicos urbanos a pacientes de áreas rurais, por meio de agentes comunitários de saúde. O furgão dispõe
de tecnologia de telemedicina para realizar testes diagnósticos, como exames de retina, e para transmitir em poucos
segundos os resultados para Chennai, mesmo de áreas muito distantes para conectividade via internet. A aplicação
mais abrangente dessas inovações deve ser orientada por avaliações de tecnologia em saúde (22).
Entretanto, o ponto fundamental é que os exemplos de criatividade e inovação podem ser encontrados em todos os
lugares.
36
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
Desenvolvimento, causou impacto duradouro, mos- Mais de duas décadas depois, o influente relatório
trando que menos de 10% da despesa global com de 1990 e os eventos subsequentes (Quadro 2.5)
pesquisa foram direcionados para as doenças respon- contribuíram para o crescimento da pesquisa em
sáveis por mais de 90% do ônus global de problemas todo o mundo. Praticamente todos os indicadores
de saúde (Quadro 2.5). Devido ao sucesso desse de atividades de pesquisa vêm aumentando. Desde o
relatório, a disparidade “10/90” passou a ser a forma início da década de 1990, avaliações sistemáticas do
reduzida para indicar para investimento insuficiente ônus de doenças vêm sendo amplamente estimuladas.
em pesquisas para saúde nos países de baixa renda. Segundo a literatura científica, a reação tem sido
37
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 2.1. Seis medidas do crescimento em pesquisa que apoiariam a cobertura universal de saúde
Número de publicações
C. Investindo em soluções D. Realizando revisões sistemáticas
1,5
P&D como % do PIB (PRMB)
P&D como % do PIB (PAR)
1,0
0,5
1,6
2,0
Fontes (milhares)
1,2
Publicações
1,5
0,8 1,0
0,4 0,5
PIB: Produto Interno Bruto; PAR: Países de Alta Renda; PBR: Países de Baixa Renda; PRMB: Países de Renda Média Baixa; PRM: Países
de Renda Média; OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos; P&D: Pesquisa e Desenvolvimento.
Fontes: A e B: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed; C: OECD; D: Law et al. (30); E: World Bank; F: www.base-search.net.
38
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
39
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 2.2. Parcela de artigos de coautoria internacional sobre ciência e engenharia, em todo o
mundo, por país, 2000 e 2010
2000
2010
Artigos de coautoria
internacional (%)
10
1
Estados Unidos Reino Unido Japão Federação China Brasil Índia
da Grã-Bretanha Russa
e Irlanda do Norte
Nota: Estados Unidos e Reino Unido tinham níveis de coautoria elevados, mas estáveis; em 2010, pesquisadores dos EUA foram
coautores em 43% do número total de artigos de coautoria internacional. No Brasil e na Índia, a parcela de coautorias era pequena
e vem crescendo vagarosamente; na China, o número de coautorias era pequeno, mas vem crescendo rapidamente (4).
40
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
O HINARI é hoje um dos quatro programas que O escopo da pesquisa para a saúde também
compõem o Research4Life (ao lado de Pesquisas vem sendo ampliado. À medida que o mundo
em Agricultura, Pesquisas em Meio Ambiente, e contempla a transição dos ODM para uma agenda
Pesquisas para Desenvolvimento e Inovação). Por de desenvolvimento pós-2015, aumenta a ênfase
volta do décimo aniversário desse programa, o sobre a pesquisa realizada em todos os setores que
Research4Life forneceu pesquisadores a seis mil afetam a saúde (a abordagem “saúde em todos os
instituições em cem países em desenvolvimento, setores”) – por exemplo, agricultura, educação, meio
com acesso gratuito ou de baixo custo a nove mil ambiente e finanças (Quadro 2.6) (51).
periódicos sobre saúde, agricultura, meio ambiente Por fim, é cada vez mais vibrante o debate sobre
e tecnologia (45). como responder às questões de saúde pública –
Quadro 2.6. Pesquisas em saúde ambiental, “saúde em todos os setores”, e cobertura universal
de saúde
Uma parcela de aproximadamente 25% do ônus global de doenças pode ser atribuída a fatores de risco ambiental
modificáveis (46) – uma estimativa aproximada, uma vez que nossa compreensão das associações entre meio ambiente
e saúde, e de como mitigar os riscos para a saúde, está longe de ser completa. Portanto, são necessárias novas pesquisas
para cobrir uma ampla variedade de investigações, desde a avaliação de riscos associados com a exposição ambiental,
passando por mecanismos de prevenção, até formas de incorporar essas medidas à prestação de serviços (Quadro 2.2).
As soluções que reduzem os riscos ambientais à saúde virão do próprio setor da saúde, além de outros setores.
Fatores ambientais de risco são ocorrências físicas, químicas e biológicas que afetam diretamente a saúde, assim como
fatores que exacerbam comportamentos não saudáveis – por exemplo, inatividade física. Os fatores ambientais de risco
incluem água não tratada e condições precárias de saneamento e higiene, que são fontes de infecções que causam doenças
diarreicas. De acordo com uma avaliação global, água de má qualidade e saneamento precário tornaram-se menos impor-
tantes na classificação de fatores de risco para a saúde; no entanto, em 2010 responderam por 0,9% de todos os anos de
vida saudável perdidos – ou seja, anos de vida ajustados por deficiência, ou AVAQ (47). Fatores ambientais de risco incluem
poluição do ar em ambientes fechados, principalmente devido ao uso de combustíveis sólidos nas residências, e poluição
do ar externo, que facilita e exacerba infecções respiratórias das vias aéreas inferiores. Em 2010, na África ao sul do Saara e
na Ásia Meridional, a poluição nas residências foi um dos principais fatores de problemas de saúde (47). Os fatores de risco
incluem lesões decorrentes de ocorrências no local de trabalho, radiação e acidentes de trabalho. Contribuem também
para a disseminação de doenças transmitidas por vetores: a malária está associada a políticas e práticas sobre uso da terra,
desmatamento, gestão de recursos hídricos, implantação de assentamentos e projeto de moradias.
A cobertura universal de saúde inclui explicitamente medidas preventivas (Capítulo 1), cujo objetivo primário é melhorar
a saúde. No entanto, as oportunidades de prevenir problemas de saúde têm sido frequentemente negligenciadas, dentro
e fora do setor da saúde. O projeto “Saúde na Economia Verde” fornece inúmeros exemplos de pesquisa que identifi-
cam benefícios ambientais para a saúde provenientes da redução das mudanças climáticas. Tais exemplos ilustram de
que forma políticas cujo objetivo primário não é alcançar a cobertura universal de saúde, mas sim enfrentar ameaças
ambientais podem resultar em benefícios colaterais importantes para a saúde. O sistema de saúde pode desempenhar
um importante papel na defesa de tais políticas, que são complementares aos esforços para promover a cobertura
universal de saúde. Dois exemplos de setores nos quais as pesquisas demonstraram benefícios colaterais para a saúde
são transporte urbano e moradia.
■■ Transporte urbano. Mais investimentos no transporte público (ônibus e trens), assim como em redes para
ciclistas e pedestres, podem reduzir a poluição urbana, estimular a atividade física, reduzir acidentes de trânsito
e os custos da mobilidade para grupos pobres e vulneráveis (48). Estudos realizados com passageiros urbanos
em Xangai e Copenhague, por exemplo, mostraram que as taxas de mortalidade entre ciclistas ficaram, em
média, 30% abaixo das taxas de mortalidade para outros passageiros (49).
continua ...
41
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
... continuação
■■ Moradia e sistemas domésticos de energia. Melhor isolamento térmico da residência, além de sistemas de
eficiência energética para aquecimento e cozimento sem fumaça e ventilação interior podem reduzir doenças
respiratórias, entre as quais asma, pneumonia e tuberculose. Podem reduzir também a vulnerabilidade ao calor
e ao frio extremos. Na Nova Zelândia, estudos de acompanhamento relativos ao isolamento térmico de mora-
dias de baixa renda observaram uma economia significativa nos custos com tratamentos para asma e outras
doenças respiratórias. Nesse país, a promessa de ganhos imediatos na saúde ajudou a direcionar investimentos
públicos de larga escala para a melhoria das residências. A esses ganhos de curto prazo deve-se acrescentar o
valor econômico da redução na emissão de carbono no futuro (50).
Pesquisas econômicas podem ajudar a definir em que locais o desenvolvimento tecnológico produz os maiores
benefícios para a saúde, pelo menor preço, originando um círculo virtuoso de investimentos verdes “saudáveis”. Por
exemplo, melhores tecnologias de fornos e combustíveis aplicadas nas residências mais pobres da África ou da América
Latina tendem a ser mais baratas e eficazes. No entanto, ainda é preciso avaliar as melhores tecnologias disponíveis.
Mudar o combustível diesel utilizado para transporte e geração de energia não só reduz a exposição a substâncias
cancerígenas prejudiciais como também reduz a mudança climática decorrente do carbono negro.
Na sequência da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20 –, um diálogo entre
governos, agências das Nações Unidas e a sociedade civil resultará em um novo conjunto de objetivos de desenvol-
vimento (51, 52). É uma oportunidade para destacar as conexões entre políticas que afetam a saúde por meio dos
diferentes setores da economia – não apenas meio ambiente e saúde, mas também agricultura, educação, finanças,
políticas sociais e saúde. Para tanto, são necessários dados e indicadores adequados (ver também Quadro 1.2). Na
definição abrangente utilizada neste relatório, a pesquisa que sustenta “saúde em todos os setores” é a pesquisa
para a cobertura universal de saúde.
um sinal do saudável ambiente de pesquisas (53). mais consistentes do que alguns comportamentos
Uma área de debates refere-se a estudos sobre os humanos (ver também Capítulo 3).
sistemas de saúde. Victora e colegas argumentam Nenhum dos indicadores do aumento da ati-
que ensaios randomizados controlados, embora vidade de pesquisa, em qualquer contexto, garante
essenciais para medir a eficácia de intervenções intervenções capazes de alcançar a cobertura uni-
clínicas, não são adequados para intervenções de versal de saúde. No entanto, a cobertura universal
saúde pública nas quais há inúmeras etapas entre não pode ser alcançada sem tecnologia, sistemas
a possível causa sob investigação e o efeito final, e e serviços, e a pesquisa é o mecanismo pelo qual
quando uma ou mais dessas etapas dependem de hardware e software são criados.
circunstâncias locais (54). Por outro lado, Banerjee
e Duflo têm defendido a utilização de ensaios Crescimento desigual
randomizados controlados para testar, de maneira A pesquisa está em ascensão e os resultados pro-
rigorosa, ideias sobre como obter maior cobertura movem benefícios para a saúde em todos os lugares
para as intervenções que dependem do comporta- do mundo. Entretanto, o processo de fazer pesquisa
mento humano (55, 56). A discussão destaca uma – estabelecer prioridades de pesquisa, construir
verdade fundamental sobre ensaios randomizados capacidade, formular e adotar padrões de práticas, e
controlados: um experimento controlado produz traduzir resultados em políticas (Quadro 2.3) – cer-
resultados rigorosos sob as condições em que é tamente não apresenta um padrão uniformemente
realizado. No entanto, a aplicação dos resultados elevado. Em muitos contextos, as práticas de pesquisa
fora do experimento depende da natureza do ficam muito aquém do ideal global. No entanto,
sistema que está sendo investigado. Em termos de ao definir as conquistas, e não apenas os defeitos,
consistência de um contexto para outro, as vias estaremos em uma posição mais consistente para
bioquímicas humanas, por exemplo, tendem a ser explorar o potencial oferecido pela pesquisa.
42
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
Qualquer levantamento sobre o aumento dos para tratamento, quem são essas pessoas e onde
pontos fortes da pesquisas expõe também as fra- vivem (58-60).
gilidades residuais. Tendo em vista o ambiente O crescimento no esforço de pesquisa, tratando
necessário para a realização de pesquisas e a sequência muitas questões diferentes em uma ampla variedade
de etapas do ciclo de pesquisa, programas desse tipo de contextos, está fadado a ser desigual. Existem
em todo o mundo podem ser reforçados em várias hoje centenas de estudos publicados que focalizam
áreas (Quadro 2.3). doenças e condições específicas – em meio a uma
O número e a proporção de idosos nas popula- gama de lesões e de doenças transmissíveis e não
ções vêm aumentando em todos os países, e mesmo transmissíveis (61). Em comparação, sob o ponto
assim algumas causas importantes de doenças em de vista dos governos, são relativamente poucos os
meio a esse grupo não são definidas adequadamente. estudos que tentam definir prioridades de pesquisa
Em países da região das Américas, por exemplo, para todos os aspectos da saúde (Capítulo 4) (62, 63).
há imensa variação nas taxas relatadas de mortes Isso decorre do número reduzido de avaliações da
causadas pelo mal de Parkinson. Essa variação tende necessidade de pesquisa iniciadas por governos
a ser explicada mais por imprecisões de diagnóstico nacionais, embora tais avaliações sejam parte vital
e de elaboração de relatórios do que por diferenças do planejamento da cobertura universal de saúde.
reais nas taxas de mortalidade. Mas a verdade sobre Em sua maioria, portfólios nacionais de pes-
a doença de Parkinson somente será determinada quisa não são planejados, mas talvez não sejam
por meio de investigação sistemática. Em termos totalmente desiguais. O 2010 African Innovation
gerais, não são consistentes os dados que definem Outlook constatou que quatro países de baixa renda
a frequência dos transtornos mentais e do sistema concentraram-se em pesquisa aplicada, ao passo
nervoso e suas consequências para a saúde (57). que dois países mais ricos distribuíram recursos
São necessárias informações de melhor qualidade de forma mais uniforme entre estudos básicos,
para determinar o número de pessoas em risco de aplicados e experimentais (Figura 2.3). Uma análise
apresentar essas doenças ou que sejam elegíveis mais sistemática da área de pesquisa nesses países
Fig. 2.3. Investimento dos setores público e privado em P&D, pesquisas classificadas como
básica, aplicada e experimental, para seis países africanos classificados em ordem
crescente da renda nacional bruta (da esquerda para a direita)
100
Alocação dos gastos com P&D (%)
Básica
80 Aplicada
Experimental
60
40
20
0
Malaui Moçambique Uganda Tanzânia Nigéria África do Sul
43
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
pode constatar que o equilíbrio está correto, ou que empírica do potencial de pesquisa. Os dados
pode mudar. A questão é que algumas perguntas apresentados na Figura 2.4 mostram de que forma
sobre cobertura universal de saúde têm respostas a produtividade em pesquisa aumenta despropor-
amplamente aplicáveis – por exemplo, a eficácia cionalmente com a riqueza nacional. Como regra
de um medicamento contra uma condição médica geral, para um aumento de dez vezes na RNB per
definida –, mas outras precisam de soluções locais capita, o número de publicações científicas per
– por exemplo, a melhor forma de distribuir um capita aumenta no máximo em cerca de 50 vezes
medicamento a todos os que dele necessitam (64, 65). (Figura 2.4, linha diagonal). Esse aumento des-
Por esse motivo, todos os países devem tornar-se proporcional ocorre também em outras medidas
não só produtores, mas também consumidores de produção de pesquisa, tais como o número de
de pesquisas. Especialistas, processos, iniciativas pesquisadores e o número de patentes per capita.
e instituições locais devem ser valorizados, e não Essas dados mostram ainda que, embora alguns
ignorados (64, 66). países explorem ao máximo a produtividade empí-
A captação de recursos é um dos desafios na rica (situados perto da linha diagonal na Figura 2.4),
transformação de prioridades de pesquisa em muitos não o fazem – e, portanto, ficam abaixo
estudos, e as restrições impostas a essa captação da linha diagonal) (67). Alguns dos países que se
têm diversas formas. No nível de riqueza nacional, situam abaixo da linha têm populações pequenas
a Renda Nacional Bruta (RNB) é uma medida (< 20 milhões), e podem optar por não investir
Fig. 2.4. A riqueza nacional facilita, mas não garante a produtividade da pesquisa nacional
Potencial de pesquisa
0,1
0,01
0,1
RNB per capita (PPC, em milhares de US$)
44
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
em pesquisa. No entanto, nem todos os países que forma que as falhas de mercado sejam corrigidas
investem pouco são países pequenos. Considerando pela produção de bens públicos (67, 68, 73).
a riqueza nacional na comparação entre países, Nos países de baixa renda, o problema do
pode-se afirmar que há um enorme potencial para baixo investimento em pesquisa (Figura 2.4) é
pesquisas que não é realizado. Assim, maior nível ampliado por um viés relativo ao tipo de pesquisa
de riqueza aparentemente abre o potencial para que traria benefícios a esses países. No total, mais
a pesquisa, mas outros fatores são necessários de US$100 bilhões são gastos anualmente em todo
para que esse potencial seja realizado plenamente. o mundo com pesquisas sobre saúde (71). O setor
Embora tais fatores devam ser compreendidos, privado responde por cerca de 50% desse montante,
é evidente que os países e seus governos podem principalmente nas indústrias farmacêutica e de
decidir quanto investir em pesquisa e quais tópicos biotecnologia, e os produtos dessa pesquisa são
devem ser priorizados. direcionados principalmente aos mercados de
Nos países de baixa renda, empresas privadas países de alta renda (71, 74). O desenvolvimento
envolvidas com P&D citam frequentemente a falta de medicamentos é um bom exemplo: de 1.556
de recursos e a escassez de pesquisadores qualifi- novos medicamentos desenvolvidos durante o
cados como os principais obstáculos à inovação período de 30 anos – de 1975 a 2004 –, apenas 21
(35). A escassez de pesquisadores qualificados (1,3%) destinavam-se a doenças não encontradas
surge como uma restrição geral para P&D, mas em países de alta renda (75). Apesar do ônus
também é encontrada em áreas específicas, como persistentemente alto causado por infecções em
a pesquisa sobre sistemas de saúde (36). Um países de renda média e baixa, e da disseminação
desestímulo para a pesquisa tecnológica privada da resistência a antibióticos, o desenvolvimento de
é o domínio de P&D por algumas empresas já novos antibióticos está nas mãos de apenas algu-
estabelecidas, que, aparentemente, oferecem poucas mas das principais empresas farmacêuticas (76).
oportunidades às recém-chegadas. Nos países de No entanto, e de forma mais positiva, os métodos
baixa renda, o acesso insuficiente a informações para prevenir e tratar doenças não transmissíveis,
sobre tecnologias e a mercados para os produtos amplamente desenvolvidos nos países mais ricos,
constitui outro empecilho (35). devem ajudar a enfrentar o ônus crescente desse
Há também desestímulos associados ao direito tipo de doença nos países mais pobres.
de propriedade intelectual. A proteção de novas Além disso, o investimento financeiro em pes-
ideias como propriedade intelectual estimula o quisas básicas e em descobertas e desenvolvimento
desenvolvimento de novos medicamentos e novas (produtos farmacêuticos e de biotecnologia) ofusca
tecnologias. No entanto, os produtos são vendidos os investimentos no suprimento. Um levantamento
a pessoas que podem pagar por eles, geralmente realizado entre 140 financiadores de pesquisa para
excluindo aqueles que mais necessitam. Tanto o saúde em todo o mundo constatou que a maior parte
conhecimento gratuito (como um bem público) das pesquisas é direcionada ao desenvolvimento de
quanto o conhecimento altamente restrito (limi- novas tecnologias em saúde, e não para melhorar
tado por sua natureza de propriedade) podem ser a utilização das já existentes (77).
obstáculos ao aprimoramento da área da saúde: o Uma vez que os investimentos favorecem
primeiro pode desencorajar a inovação, e o último algumas infecções e doenças em detrimento de
pode limitar o acesso a produtos inovadores. “Falhas outras, há um desequilíbrio em relação a doenças
de mercado” são inimigas da cobertura universal de negligenciadas. Recursos para P&D são destinados
saúde, e os fatos sobre essas falhas em diferentes con- predominantemente para HIV/aids, tuberculose e
textos apresentam algumas questões essenciais para malária, com relativamente pouco investimento em
a pesquisa (Quadro 2.7) (71, 72). Nesse contexto, outras causas importantes de problemas de saúde,
os grupos de trabalho compostos por especialistas tais como dengue, doenças diarreicas e infecções
da OMS vêm procurando promover P&D de tal por helmintos (37).
45
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Quadro 2.7. Estratégia global e plano de ação para saúde pública, inovação e propriedade
intelectual
Nascida da preocupação dos países de renda média e baixa em relação ao acesso desigual a produtos de pesquisa, a
Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública tem o objetivo de promover inovação
e acesso a medicamentos. O trabalho da Comissão resultou no documento “Global Strategy and Plan of Action on
Public Health, Innovation and Intellectual Property – GSPA-PHI” (Estratégia Global e Plano de Ação sobre Saúde
Pública, Inovação e Propriedade Intelectual), aprovado pela Organização Mundial da Saúde em 2009 (68).
A GSPA-PHI é constituída por oito elementos que visam promover inovação, construir capacidade, melhorar o acesso
e mobilizar recursos. São eles:
1. priorizar as necessidades de pesquisa e desenvolvimento;
2. promover a pesquisa e o desenvolvimento;
3. construir e aprimorar a capacidade de inovação;
4. transferir tecnologia;
5. aplicar e gerenciar a propriedade intelectual, visando contribuir para a inovação e promover a saúde pública;
6. aprimorar o provimento e o acesso;
7. promover o financiamento sustentável; e
8. criar sistemas de monitoramento e de elaboração de relatórios.
Há trabalhos em andamento em diversas áreas relativas ao GSPA-PHI: produção local de produtos médicos e trans-
ferência de tecnologia (elemento 4); construção de capacidade na gestão e utilização de propriedade intelectual em
favor da saúde pública (elemento 5); elaboração de relatórios sobre modelos de financiamento sustentável e melhor
coordenação de pesquisas e desenvolvimento (elemento 7) por meio de grupos de especialistas da OMS; e criação de
sistemas de monitoramento e elaboração de relatórios (elemento 8), tais como observatórios de pesquisa (Capítulo 4)
(69, 70).
A implementação eficaz da GSPA-PHI depende da solidez do sistema nacional de pesquisa em saúde em cada país. Ao
longo do tempo, monitoramento e avaliação revelarão se a GSPA-PHI resulta em maior inovação e acesso facilitado
em termos financeiros, e leva a maior equidade em relação aos benefícios e produtos da pesquisa, principalmente
em países de renda média e baixa.
Com relação à prestação de cuidados de saúde, prioridade a essa área. Uma observação recorrente
as pesquisas em serviços e sistemas de saúde em diferentes contextos mostra que muito pouca
obtêm relativamente pouco apoio e tendem a atenção é dedicada à tradução dos conhecimentos
receber pouca atenção, o que ocorre em países de existentes sobre produtos e processos em políticas
baixa e de alta renda. Em 2006, no Reino Unido, e práticas (79-81). Além disso, a contribuição das
pesquisas em serviços de saúde (incluídas na ciências sociais para a pesquisa nessa área, que
categoria 8, no Quadro 2.2) receberam de 0,4% a vai além de estudos clínicos e de epidemiologia, é
1,6% de todos os recursos de pesquisa alocados normalmente subvalorizada (2).
por quatro importantes organismos de financia- Mesmo quando são fornecidos aos países de
mento (78). Embora no Reino Unido o National baixa renda como ajuda oficial ao desenvolvi-
Institute for Health Research (Instituto Nacional de mento, os recursos de pesquisa nem sempre são
Pesquisa em Saúde) venha ajudando a impulsionar considerados uniformemente benéficos. Na opinião
o financiamento para estudos sobre serviços e de alguns pesquisadores africanos, a ajuda externa
sistemas de saúde, os dados mostram que algumas prejudica os esforços para convencer os governos
agências de financiamento importantes dão pouca africanos a investir mais em pesquisa (82). Uma
46
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
47
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Reino Unido. Juntas, resultam no Reino Unido, ao medicamentos que deverão ter efeitos clínicos
longo de um período de 17 anos, em uma taxa de desproporcionalmente grandes.
retorno anual total de 39% para pesquisas sobre Uma característica evidente de estudos que
doenças cardiovasculares e saúde mental. avaliam o valor econômico da pesquisa é que,
Nem todos os benefícios da pesquisa podem de acordo com uma revisão, até este momento
– ou devem – ser medidos em termos monetários nenhuma pesquisa foi realizada em países de
(91). Para captar a diversidade dos benefícios da renda média e baixa. Portanto, uma preocupação
pesquisa, a Payback Framework avalia os resultados importante é avaliar em que medida esses países
em cinco categorias: conhecimentos; benefícios podem confiar em pesquisas médicas realizadas
para pesquisas futuras e utilização de pesquisa; em outros lugares (91).
benefícios resultantes de subsídios para políticas
e desenvolvimento de produtos; benefícios para a Conclusões: avançando
saúde e o setor da saúde; e benefícios econômicos a partir das bases
(91-96). Este modelo de avaliação tem um atrativo
lógico: ao mesmo tempo em que reconhece comple- Pesquisas sobre a cobertura universal de saúde não
xidades e ciclos de feedback, acompanha a evolução são supérfluas: são fundamentais para a descoberta,
de uma ideia de pesquisa desde a sua criação, através o desenvolvimento e o provimento de intervenções
do processo de pesquisa e até a divulgação, assim necessárias para que as pessoas mantenham boas
como seu impacto sobre a saúde, a sociedade e a condições de saúde (100). Se “os melhores dias para
economia. O modelo acompanha o ciclo de pesquisa a saúde pública estão por vir”, isso se deve, em parte,
apresentado no Quadro 2.3. ao fato de que os melhores dias para a pesquisa em
saúde também estão por vir (101).
A Payback Framework vem sendo utilizada na
O relatório de 1990 da Commission on Health
Irlanda para avaliar, por exemplo, os benefícios
Research for Development (Comissão sobre Pesquisa
de um projeto-piloto sobre a detecção precoce de
em Saúde e Desenvolvimento), deixou um legado
psicoses (98). O estudo descreveu de que forma
(102): gerou uma ampla avaliação do deficit de inves-
serviços de intervenção precoce, contribuindo para
timentos em pesquisa e da fragilidade das pesquisas
o serviço de saúde mental irlandês, poderia reduzir
em saúde nos países de renda média e baixa. Mais de
a duração de psicoses não tratadas, a gravidade 20 anos depois, é evidente que a pesquisa na área da
dos sintomas, o comportamento suicida, a taxa de saúde está em ascensão em todo o mundo. Hoje os
recidiva e a subsequente hospitalização. O estudo problemas de saúde são mais bem definidos do que
sugere que a detecção precoce reduz os custos do há duas décadas. Há mais recursos e maior capaci-
tratamento, salva vidas, e merece alta consideração dade de pesquisa para abordar questões básicas de
por parte dos usuários do serviço e suas famílias. saúde. As investigações seguem, cada vez mais, as
Além de avaliar retornos de pesquisas, é preciso melhores práticas em projetos, ética e elaboração de
considerar também a fonte do investimento inicial, relatórios sobre os resultados. Cresceu o número de
e de que forma esse investimento afeta o acesso instituições e de redes de pesquisas, assim como a
aos produtos da pesquisa. Nos Estados Unidos, colaboração nacional e internacional – do “Sul para
por exemplo, o número de pesquisas aplicadas o Sul” e do “Norte para o Sul” (103). A revisão do
realizadas por instituições de pesquisa do setor panorama de pesquisas apresentada neste capítulo
público é maior do que às vezes se supõe. Em ainda não é uma história do potencial pleno da área,
determinada área, contribuíram para a descoberta mas mostra o fortalecimento das bases a partir das
de 9% a 21% de todos os medicamentos envolvidos quais melhores programas de pesquisas podem
em aplicações de novas drogas aprovadas entre 1990 avançar atualmente.
e 2007 (99). Naquele país, a pesquisa financiada Criatividade e imaginação são aspectos fun-
com recursos públicos tende também a descobrir damentais para o empreendimento de pesquisas.
48
Capítulo 2 O crescimento da pesquisa para a cobertura universal de saúde
Uma premissa deste relatório estabelece que sempre equilíbrio das atividades relacionadas com o ciclo
que pessoas apresentarem problemas de saúde de pesquisa: medir as dimensões do problema de
serão propostas novas ideias para solucioná-los. As saúde; compreender suas causas; elaborar solu-
limitações concentram-se nos meios de transformar ções; traduzir evidências em políticas, práticas e
essas ideias em aplicações confiáveis e práticas. produtos; e avaliar a eficácia das intervenções após
Se os resultados não forem implementados, nem sua implementação. Além disso, para qualquer
mesmo pesquisas da melhor qualidade conseguirão problema estudado em qualquer contexto, deve
transformar-se automaticamente em melhores haver um debate sobre os métodos de pesquisa,
condições de saúde. o significado das constatações e as inferências a
Para compreender melhor a tarefa à frente, é serem extraídas.
preciso avaliar sistematicamente os pontos fortes Os meios de criar um ambiente saudável de
e fracos da pesquisa em saúde, país por país, em pesquisa e de avaliar seu desempenho são descritos
todo o mundo. Sempre que recursos públicos são com mais detalhes no Capítulo 4. No entanto, antes
gastos com pesquisa, devem existir mecanismos de considerar de que forma devem ser estabelecidos
para debate de prioridades, desenvolvimento programas de pesquisa eficazes, o Capítulo 3 mostra
de capacidade de realização, estabelecimento como as pesquisas podem abordar algumas das
de padrões e transformação dos resultados em grandes questões sobre a cobertura universal de
políticas e práticas. Para avaliar as prioridades de saúde, visando oferecer respostas confiáveis para
investimento, é preciso que haja consenso sobre o subsidiar políticas e práticas. n
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53
Capítulo 3
Em um centro de nutrição de Koubigou, no Chade, agente de saúde mede a circunferência braquial de uma criança.
A cor amarela na braçadeira indica que a criança está desnutrida. (© UNICEF/NYHQ2011-2139/Esteve)
Aspectos-chave
■■ As pesquisas mostram o caminho para a cobertura universal de saúde e para melhores
condições de saúde. Este capítulo apresenta 12 estudos de caso que investigam questões sobre
temas que variam de prevenção e controle de doenças específicas ao funcionamento dos
sistemas de saúde.
■■ Diversos estudos de caso mostram de que forma o caminho para a cobertura universal de
saúde está associado aos progressos rumo aos ODM relacionados à saúde materna e infantil,
assim como ao controle das principais doenças transmissíveis.
■■ Pesquisas para a cobertura universal de saúde abordam questões em três níveis. Em primeiro
lugar, qual é a natureza do problema de saúde, ou seja, está relacionado com doenças ou
com o sistema de saúde? Em segundo lugar, qual questão específica está sendo formulada, e
onde essa questão se situa no ciclo de pesquisa entre a compreensão das causas e a aplicação
de soluções? Em terceiro lugar, qual é o projeto de estudo mais adequado para abordar essa
questão específica?
■■ Os estudos de caso ilustram questões nos três níveis. Em particular, destacam a gama de
métodos normalmente utilizados em pesquisas sobre saúde, desde estudos observacionais até
ensaios randomizados controlados.
■■ Esses exemplos também levam a algumas conclusões gerais sobre a pesquisa para a cobertura
universal de saúde. Ilustram a diversidade de problemas para os quais a pesquisa pode
oferecer soluções, os benefícios de dispor de evidências a partir de múltiplas fontes, a natureza
do ciclo de pesquisa, a relação entre projeto de estudo e poder de inferência, o desafio de
aplicar constatações de pesquisa de um contexto a outro, e a associação entre pesquisa,
políticas e práticas.
3
De que forma a pesquisa contribui para a
cobertura universal de saúde
59
Tabela 3.1. Estudos de caso de pesquisa para a cobertura universal de saúde descritos neste capítulo
60
Número Classificação Problema de saúde Tipo de estudo País Principais constatações Implicações para a
do da pesquisa identificado cobertura universal de saúde
estudo (categorias no
de caso Quadro 2.2)
1 Prevenção Altas taxas de transmis- Meta-análise 22 países O uso de MTI foi associado a redu- Evidências apoiam os esforços para
de doenças e são e de mortalidade por de dados de africanos ções na parasitemia por malária e expansão e manutenção da cobertura de
de condições malária. pesquisas na mortalidade de crianças MTI, mostrando o efeito de intervenção
de saúde, e domiciliares (3) pequenas devido a essa doença. testada em contexto real (4).
promoção do
bem-estar
(categoria 3)
2 Prevenção Altas taxas de transmis- Ensaio randomi- 9 países na Início precoce de TAR reduziu O estudo apoiou o uso estratégico de TAR
de doenças e são de infecções por HIV zado controlado África, na Ásia, significativamente as taxas de para reduzir a disseminação de infecções
de condições por via sexual. multinacional (5) na América transmissão de HIV por via sexual. por HIV, e fortaleceu a base de evidências
de saúde, e Latina e na para o desenvolvimento de novas políti-
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
continua ...
... continuação
Número Classificação Problema de saúde Tipo de estudo País Principais constatações Implicações para a
do da pesquisa identificado cobertura universal de saúde
estudo (categorias no
de caso Quadro 2.2)
6 Desenvol A doença cardiovascular Ensaio randomi- Índia A “polipílula” – pílula única contendo O uso da polipílula pode reduzir a
vimento de é uma doença não zado controlado uma combinação de medicamentos ocorrência de morbidade cardiovascular
tratamentos e transmissível importante – reduziu com eficácia os múltiplos e morte quando integrado a outras
intervenções e um problema global de fatores de risco de doença cardio- atividades preventivas, como exercícios e
terapêuticas saúde pública. vascular. dietas saudáveis.
(categoria 5)
7 Avaliação de Depois da malária, a Ensaio randomi- Etiópia, Quênia, O tratamento combinado de SSG e As evidências levaram a OMS a recomen-
tratamentos leishmaniose visceral é a zado controlado Sudão, Uganda PM foi eficaz, de menor duração, e dar que SSG e PM poderiam ser utilizados
e de inter- segunda parasitose que multinacional (10) foi associado à redução do risco de como tratamento combinado de primeira
venções mais mata em todo o desenvolvimento de resistência a linha para leishmaniose visceral na África
terapêuticas mundo. Mas as opções de medicamentos. Oriental.
(categoria 6) tratamento são limitadas.
8 Gestão de A falta de profissionais de Estudo observa- Bangladesh, A transferência de tarefas de profis- A transferência de tarefas é uma estratégia
doenças e de saúde qualificados afeta cional multina- Brasil, Tanzânia, sionais de saúde com formação mais eficaz para fortalecer sistemas de saúde,
condições a cobertura de interven- cional Uganda longa para aqueles com formação e para aumentar a cobertura da Gidi e
de saúde ções de sobrevivência mais curta não comprometeu a de outras intervenções de sobrevivência
(categoria 7) infantil. qualidade do tratamento ministrado infantil, em áreas carentes que dispõem
pela Gidi. de recursos limitados e que enfrentam
escassez de profissionais.
9 Pesquisas Altas taxas de mortali- Estudo retrospec- Burundi O provimento de acesso a cuidados O atendimento obstétrico emergencial
sobre políticas dade materna na África tivo de coorte (12) obstétricos emergenciais foi é uma forma, entre outras, de alcançar o
e sistemas associado a uma redução rápida ODM 5 nas regiões rurais da África.
de saúde e substancial taxa na mortalidade
(categoria 8) materna, em um distrito rural.
10 Pesquisas Barreiras financeiras Revisão sistemá- Brasil, Colôm- As TMC aumentaram a utilização dos Programas de TMC constituem incentivo
sobre políticas influenciam negati- tica (13) bia, Honduras, serviços de saúde e foram associadas financeiro para aumentar a demanda
e sistemas vamente o acesso a Malaui, México, a melhoria nos resultados de saúde. por serviços de saúde e sua utilização,
de saúde serviços de saúde e à sua Nicarágua reduzindo ou eliminando as barreiras
(categoria 8) utilização. financeiras ao acesso.
11 Pesquisas Despesas pagas com Ensaio rando- México Programa nacional de seguro público Esse programa nacional de seguro
de políticas recursos do próprio mizado por de saúde reduziu os gastos pagos de saúde levou o México a celebrar a
e sistemas usuário e gastos familiares agrupamento (14) com recursos do próprio usuário realização da cobertura universal de saúde
de saúde catastróficos são barreiras e os gastos catastróficos, gerando em 2011.
(categoria 8) à realização da cobertura benefícios que alcançaram as famílias
61
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
lidade materna em 75% entre 1990 e 2015; PM – sulfato de paromomicina; SSG – estibogluconato de sódio; TB – tuberculose; UNICEF – Fundo das Nações Unidas para
– Mosquiteiros Tratados com Inseticida; ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; ODM 5 – quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio: reduzir a morta-
TAR – Terapia antirretroviral; TMC – Transferência Monetária Condicionada; HIV – vírus da imunodeficiência humana; Gidi – Gestão integrada de doenças infantis; MTI
mento não implique custos adicionais de
selecionados visando refletir uma ampla gama de
de saúde
Para cada tipo de questão, a investigação tem
início com a compreensão do problema, segue com
o desenvolvimento de uma solução, para então
década de 2030.
Eslovênia,
envelhecimento
da população,
saúde pública
2010-2060 (1).
associados ao
quantitativas
de caso Quadro 2.2)
de saúde
62
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
63
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
64
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
65
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Probabilidade cumulativa
na transmissão do HIV e na incidência de novas
infecções. 0,6 Com atraso
0,1
Projeto do estudo
Em nove países da África, Ásia, América Latina e 0,4 Precocemente
0,0
América do Norte, 1.763 casais foram inscritos em 0 1 2 3 4 5
um ensaio randomizado controlado com placebo 0,2
(HPTN 052), no qual um dos parceiros era HIV
positivo e o outro HIV negativo (ou seja, casais
0,0
sorodiscordantes) (5). Pessoas infectadas com HIV 0 1 2 3 4 5
cuja contagem de linfócitos CD4 ficava entre 350 e
Número de anos desde a randomização
550 células/uL foram designadas para receber TAR
imediatamente (grupo TAR precoce), ou após o TAR – Terapia Antirretroviral; HIV – vírus da imunodeficiência
declínio da contagem de CD4 para um valor menor humana.
ou igual a 250 células/uL, ou após o desenvolvimento Adaptado de Cohen et al., mediante permissão do editor (5).
de uma enfermidade relacionada à aids (grupo TAR
tardio). Parceiros não infectados com HIV foram
estimulados a retornar em todas as consultas para resultando em uma redução de 96% (IC de 95%:
receber orientação sobre redução de riscos e utiliza- 72%-99%) no risco de transmissão de HIV (razão
ção de preservativos, para tratamento de infecções de risco de 0,04; IC de 95%: 0,01-0,27, Figura 3.2).
sexualmente transmissíveis e para acompanhamento O início precoce com TAR foi associado também
de outras condições médicas. A condição básica da a uma redução individual de eventos clínicos
prevenção primária era a transmissão do HIV para associados ao HIV, principalmente aqueles devido a
parceiros HIV negativos. tuberculose extrapulmonar (razão de risco de 0,59;
IC de 95%: 0,40-0,88).
Resumo das constatações Estudos observacionais de coortes realizados
Foi observado um total de 39 transmissões de HIV previamente sugeriram que o início precoce da
(taxa de incidência de 1,2 por 100 pessoas/ano; IC TAR causou um efeito de prevenção de HIV, mas
de 95%: 0,9-1,7), das quais 28 foram associadas, este foi o primeiro ensaio randomizado controlado
em termos de vírus, ao parceiro infectado (taxa que estabeleceu uma prova definitiva. O mecanismo
de incidência de 0,9 por 100 pessoas/ano; IC de mais provável é a supressão sustentada de HIV
95%: 0,6-1,3) Das 28 contaminações associadas a em secreções genitais. O estudo fornece um apoio
transmissão de HIV, apenas uma ocorreu no grupo consistente para a utilização precoce de TAR em
TAR precoce, e 27 ocorreram no grupo TAR tardio, casais sorodiscordantes como componente de uma
66
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
67
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Tabela 3.3. Número de diagnósticos realizados em clínicas por funcionários da área médica em
grupos designados para receber zinco e placebo, Daca, Bangladesh
Risco relativo
Zinco Placebo
(intervalo de confiança Valor P
(crianças-anos = 427)a (crianças-anos = 511)a
de 95%)
na redução do número de episódios de diarreia e para determinar se uma grande dose semanal de
pneumonia, assim como na redução da gravidade zinco (70mg) reduziria a frequência de pneumonia,
das doenças (28, 29). Considerando os benefícios diarreia e outras morbidades clínicas em crianças
da suplementação com zinco, o Fundo das Nações menores de 2 anos de idade (6). Foram medidos
Unidas para a Infância (UNICEF) e a OMS editaram também os efeitos do zinco sobre o crescimento,
uma declaração em 2004, afirmando que todas as as concentrações de hemoglobina e o cobre sérico.
crianças com diarreia em países em desenvolvimento Crianças a partir de 60 dias e até 12 meses de idade
devem ser tratadas com zinco (30). foram designadas aleatoriamente para receber zinco
No entanto, ainda há questões a responder. As ou placebo, via oral, uma vez por semana, por 12
pesquisas sobre suplementação com zinco para a meses. A equipe de pesquisa avaliou as crianças
prevenção de diarreia e pneumonia incluíram, em semanalmente para resultados primários de pneu-
sua maioria, crianças acima de 2 anos de idade, monia e diarreia, por meio de um procedimento
ao passo que crianças mais novas de fato podem padrão. Resultados secundários incluíram taxas de
ser mais vulneráveis a essa morbidade. Portanto, outras infecções do trato respiratório.
qual seria o efeito da suplementação com zinco
em crianças mais novas? Na maioria dos estudos Resumo das constatações
anteriores, o zinco foi ministrado diariamente, o No total, 809 crianças receberam zinco e 812 rece-
que pode ser muito menos aceitável ou viável do beram placebo. O número de casos de pneumonia
que uma dose semanal. Além disso, a ingestão de no grupo que recebeu zinco foi significativamente
zinco a longo prazo pode afetar negativamente o menor em comparação com o grupo que recebeu
metabolismo do ferro e do cobre, micronutrientes placebo (199 versus 286; risco relativo, RR: 0,83;
também essenciais. Ficou a percepção de que IC de 95%: 0,73-0,95). Na incidência de diarreia
respostas a essas questões ajudariam a orientar foi observada uma redução significativa, embora
políticas internacionais sobre a utilização do zinco. modesta (1.881 casos versus2.407; RR: 0,94; IC de
95%: 0,88-0,99). A frequência das demais enfer-
Projeto do estudo midades – otite média, doença reativa das vias
Um ensaio randomizado controlado foi realizado respiratórias e bronquiolites – foi significativamente
com população urbana pobre em Daca, Bangladesh, menor no grupo que recebeu zinco em comparação
68
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
com o outro grupo (Tabela 3.3). Foram registradas de episódios de diarreia e a melhorar o
duas mortes no grupo que recebeu zinco e 14 no crescimento.
grupo que recebeu placebo. No grupo que recebeu ■ A dose semanal de zinco foi considerada
zinco, não foram registradas mortes relacionadas viável e segura, e foi associada a potenciais
com pneumonia, mas houve dez mortes por esse vantagens programáticas e à ausência de
motivo no outro grupo. Aos dez meses, o grupo impacto negativo mensurável sobre o nível
de zinco registrou um pequeno ganho em altura. sérico de cobre e hemoglobina.
Após dez meses de suplementação com zinco, as
concentrações de cobre sérico e hemoglobina não Estudo de caso 4
foram afetadas de modo adverso.
Telemedicina para melhorar
Rumo à cobertura universal de saúde
Tais constatações comprovaram que a suplemen- a qualidade do atendimento
tação com zinco em meio a crianças pequenas pediátrico: uma pesquisa
apresentou efeito protetor substancial contra epi- operacional realizada na Somália
sódios de pneumonia e otite média supurativa; e
o que é mais importante, houve uma redução de A necessidade de pesquisa
85% na mortalidade graças à prevenção de mortes A Somália vem sendo devastada pela guerra há
causadas por pneumonia. mais de duas décadas, e as unidades de saúde do
Essas constatações forneceram evidências para país estão enfrentando grave escassez de médicos
ampliar as recomendações divulgadas em 2004 pelo especialistas. O serviço de atendimento de saúde
UNICEF e pela OMS para gestão do uso de zinco é prestado por um número limitado de clínicos
no controle de doenças respiratórias(30). Houve somalis que, devido às circunstâncias de guerra,
ainda várias outras implicações para políticas. A têm pouca ou nenhuma oportunidade de educação
otite média é uma infecção pediátrica comum continuada, praticamente não contam com qualquer
em contextos em que os recursos disponíveis são supervisão local por médicos de nível sênior, e não
limitados, e deixa sequelas clínicas importantes. têm acesso a suprimentos e equipamentos médicos.
Ao reduzir a incidência de otite média, o zinco A qualidade do atendimento, principalmente para
consegue reduzir deficiências auditivas e custos de crianças doentes internadas nas enfermarias dos
tratamento, melhorando assim a qualidade de vida. hospitais, é uma grande preocupação. Atingir a
A dosagem semanal ministrada a crianças cobertura universal de saúde significa alcançar
pequenas é também um passo importante para populações afetadas por conflitos e locais remotos,
reduzir a contagem de comprimidos e melhorar onde são imensos os desafios de uma infraestru-
os aspectos práticos da gestão programática da tura em ruínas e da escassez de recursos humanos
suplementação com zinco. São necessários novos habilitados e qualificados.
estudos para avaliar a dose ideal e a duração da Uma solução para reduzir a falta de espe-
proteção após a suplementação semanal com zinco. cialização nesse contexto é utilizar tecnologia de
informação e comunicação, na forma de teleme-
Principais conclusões dicina (31-34). Telemedicina significa “medicina
■ A suplementação com zinco em meio a distância”, e o fundamento para introduzi-la na
a crianças menores de 2 anos de idade Somália é simples: exportar especialização (mas
apresenta efeito protetor substancial contra não especialistas) para a Somália (33).
pneumonia, otite média supurativa e mor-
talidade relacionada à pneumonia. O trata- Projeto de estudo
mento com zinco ajuda também – embora Um estudo observacional prospectivo de coorte
modestamente – a reduzir a frequência avaliou o impacto da introdução da telemedi-
69
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
cina na qualidade do atendimento pediátrico. (ano de controle: 2010). Foi utilizado também um
Segundo médicos locais que utilizam o serviço, o questionário visando obter a percepção dos médicos
valor agregado também foi avaliado por meio de sobre o valor agregado da telemedicina.
um questionário (7). O local do estudo foi uma
enfermaria pediátrica em um hospital distrital Resumo das constatações
(Hospital Guri’el), que atende uma população de De 3.920 internações pediátricas, 346 (9%) foram
aproximadamente 327 mil habitantes. Esse hospital encaminhadas ao serviço de telemedicina. Para 222
abrigava a única unidade de internação pediátrica crianças (64% daquelas que foram encaminhadas),
em um raio de 250 km. A telemedicina envolveu a o pediatra especialista modificou significativamente
troca, em “tempo real”, de informações audiovisuais a gestão inicial do caso, e para 88 crianças (25% das
sobre casos pediátricos entre médicos na Somália encaminhadas) foi diagnosticada uma condição de
e um pediatra especialista sediado em Nairóbi, no risco de vida que não havia sido percebida inicial-
Quênia. O equipamento incluiu uma câmera móvel, mente. Nesses casos, a telemedicina serviu como
um microfone e um autofalante conectados a um intervenção salvadora (Tabela 3.4). Ao longo do
computador na enfermaria pediátrica na Somália, período de um ano, houve melhorias progressivas
e uma configuração semelhante em um consultório na capacidade dos médicos para gerenciar casos
no Quênia. Os dois locais foram conectados por complicados, como foi demonstrado por uma
meio de um serviço de internet de banda larga redução linear significativa nas mudanças feitas na
(Figura 3.3). O impacto sobre a qualidade do gestão inicial de casos de meningite e de convulsões
atendimento foi avaliado por comparação entre (de 92% para 29%, P = 0,001), de infecções do trato
diagnóstico e prescrição iniciais (gestão inicial) de
cada caso pediátrico e diagnóstico e tratamento finais
Tabela 3.4. Condições de saúde que
(gestão final) realizados pelo pediatra especialista,
ameaçam a vida, que de
e pela comparação entre os resultados hospitalares
início foram negligenciadas e
adversos obtidos no período em que foi utilizada a
que a telemedicina ajudou a
telemedicina (ano de intervenção: 2011) e os resul-
diagnosticar, ala pediátrica do
tados obtidos em um período sem a telemedicina
hospital Guri’el, Somália, janeiro-
dezembro, 2011
Fig. 3.3. Em Nairóbi, no Quênia, sala de
Condições de saúde que ameaçam a vida, No (%)
consulta e pediatra especialista diagnosticadas por meio da telemedicina
realizando uma consulta de
Meningite bacteriana e meningite por 39 (44)
telemedicina com colegas do tuberculose
hospital Guri’el, na Somália Tuberculose pulmonar com efusões pleurais 11 (13)
e/ou pericárdicas graves
Septicemia neonatal 11 (13)
Septicemia/choque séptico 6 (7)
Insuficiência cardíaca congestiva 5 (6)
Asfixia perinatal grave 3 (3)
Enterocolite necrozante 2 (2)
Artrite séptica grave 2 (2)
Pielonefrite grave 2 (2)
Outras 7 (8)
Rony Zachariah
TOTAL 88 (100%)
70
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
respiratório inferior (de 75% para 45%, P = 0,02), Rumo à cobertura universal de saúde
e de desnutrição complicada (de 86% para 40%, Embora este seja um estudo observacional, e
P = 0,002) (Figura 3.4). É pouco provável que a não experimental, as constatações sugerem que
perda de interesse em meio àqueles que utilizam a telemedicina pode fornecer expertise clínica a
a telemedicina possa explicar essas constatações, áreas remotas e inacessíveis. No entanto, eficácia,
uma vez que todas as crianças com as condições viabilidade e aceitabilidade para introduzir tal tec-
descritas foram sistematicamente encaminhadas nologia, assim como seu impacto sobre a melhoria
para a telemedicina, de acordo com o protocolo do acesso e sobre a qualidade do atendimento em
do estudo, e os casos foram revistos pelo mesmo contextos semelhantes e pós-conflito devem ser
médico especialista. Resultados adversos – mortes e avaliados preferencialmente com uma abordagem
interrupções de acompanhamento – nas enfermarias experimental mais rigorosa (35).
pediátricas diminuíram em 30% entre 2010 (sem
telemedicina) e 2011 (com telemedicina) (razão Principais conclusões
de probabilidade: 0,70; IC de 95%: 0,57-0,88). ■ Os esforços rumo à cobertura universal
Os sete médicos envolvidos com a telemedicina de saúde devem incluir indivíduos para os
classificaram-na como tendo alto valor agregado quais há pouca possibilidade de acesso e
para melhorar o reconhecimento de sinais de risco para aqueles afetados por conflitos.
e práticas de prescrição. ■ Na Somália, a tecnologia de telemedicina
reduziu os resultados adversos nas enfer-
marias pediátricas (mortes e interrupção de
Fig. 3.4. Redução nas tendências de acompanhamento) em 30% entre 2010 (sem
mudanças na gestão inicial de telemedicina) e 2011 (com telemedicina).
caso feitas após consultas de ■ A telemedicina é uma forma de levar exper-
telemedicina com um especialista tise médica a serviços remotos de saúde,
no Quênia, expressa como sem realocar os próprios especialistas.
porcentagem de todos os casos,
hospital Guri’el, Somália, janeiro- Estudo de caso 5
dezembro, 2011
Novos diagnósticos para tuberculose:
uma avaliação de validade do ensaio
Mudanças realizadas na gestão
71
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 3.5. Máquina Xpert® MTB/RIF sendo utilizada em um centro de saúde na África do Sul
Foundation for Innovative New Diagnostics
com TB pulmonar, dos quais apenas 60 mil foram (principalmente aqueles em estado avançado da
diagnosticados e tratados (36). infecção por HIV/aids). Além disso, a bacilos-
Uma razão importante para a precariedade copia não permite o diagnóstico da tuberculose
na identificação de casos de TB e de inscrições multirresistente.
para tratamento é a inadequação dos instru-
mentos de diagnóstico. Durante décadas, a base Projeto do estudo
para o diagnóstico de TB foi a baciloscopia O mais revolucionário desenvolvimento de diag-
para pacientes com suspeita de TB pulmonar, nóstico para tuberculose até o presente é um teste
seguido por radiografia de tórax para aqueles que específico de amplificação de ácido nucleico – o
apresentaram resultados negativos no primeiro teste XpertR MTB/RIF (Cepheid Inc., Sunnyvale,
exame. Esse processo consome tempo, é oneroso CA, EUA), que utiliza uma plataforma comum para
para o paciente, que precisa realizar múltiplas diagnosticar tuberculose micobacteriana (MTB) e a
visitas à clínica, e leva a um diagnóstico pouco resistência à rifampicina (RIF) (Figura 3.5). Baseado
sensível, o que é especialmente verdadeiro para em cartucho, o sistema requer perícia laboratorial
pacientes com tuberculose infectados com HIV, mínima, e os resultados, totalmente automatizados,
entre os quais uma parcela significativa apresenta são disponibilizados em menos de duas horas. O
baciloscopia negativa e Raio-X torácico normal desempenho do XpertR MTB/RIF foi avaliado em
72
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
73
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
rifampicina, que é um indicador de “polipílula”, como estratégia para reduzir esse tipo
MDR-TB. O teste é particularmente útil para de doenças (44). O conceito é simples. Vários medi-
detectar TB em pacientes com infecções camentos diferentes – aspirina, betabloqueadores,
por HIV, permitindo assim o diagnóstico inibidores de enzima conversora de angiotensinas
precoce de pacientes no curso de sua doença. e estatinas – estão disponíveis genericamente, e a
■ Seguindo as recomendações de dezembro baixo custo, para tratamento de diversos fatores de
de 2010 formuladas pela OMS, aproxima- risco de doenças cardiovasculares, principalmente
damente 900 instrumentos Xpert MTB/RIF a doença cardíaca isquêmica. A combinação de
haviam sido adquiridos pelo setor público diversos medicamentos em uma única polipílula é
em 73 países até o final de setembro de 2012. atraente devido à sua simplicidade e à sua aceitação,
■ Outras pesquisas estão em andamento e porque é mais fácil manter a rotina de tomar uma
para confrontar desafios operacionais e única pílula do que tomar várias.
de logística nas áreas laboratoriais e de
campo, e para avaliar a acessibilidade Métodos
financeira, o impacto epidemiológico e a Em 2009, a fase II de um estudo duplo cego ran-
relação custo/eficácia. domizado foi realizada em 50 centros de saúde da
Índia, para avaliar os efeitos de uma polipílula sobre
Estudo de caso 6 fatores de riscos em pessoas de meia idade sem
doença cardiovascular. O estudo foi denominado
“Polipílula” para reduzir mortes por “The Indian Polycap Study – TIPS” (Estudo Indiano
sobre a Polipílula) (9). A polipílula consistia de
doença cardiovascular: um ensaio uma combinação de doses baixas de um diurético
randomizado controlado na Índia tiazida, atenolol, ramipril, sinvastatina e aspirina, e
seu uso foi comparado com agentes únicos ou com
A necessidade de pesquisa combinações de agentes isolados. Foi medido o efeito
Há uma epidemia global crescente de doenças não da medicação sobre os fatores de risco, entre os
transmissíveis – basicamente doenças cardiovas- quais pressão sanguínea alta, concentração elevada
culares, diabetes, câncer e doenças respiratórias de colesterol e batimentos cardíacos elevados. A
crônicas –, responsáveis por dois terços dos 57 ingestão da polipílula foi avaliada também quanto
milhões de mortes anuais em todo o mundo, sendo a viabilidade e tolerabilidade.
que 80% delas ocorrem em países de renda média
e baixa. A projeção para mortes por doenças não Resumo das constatações
transmissíveis indica um aumento de 36 milhões, em Foram incluídos no estudo 2.053 indivíduos entre
2008, para 52 milhões, em 2030 (42). Em resposta 45 e 80 anos de idade, sem doença cardiovascular e
a essa epidemia, os Estados Membros da OMS com no mínimo um fator de risco. O Indian Polycap
estabeleceram um conjunto de metas para, até 2025, Study reduziu a pressão sanguínea sistólica em
reduzir em 25% o número de mortes causadas por 7,4mmHg (IC de 95%: 6,1-8,1), a pressão sanguí-
quatro das principais doenças não transmissíveis, nea diastólica em 5,6mmHg (IC de 95%: 4,7-6,4),
entre indivíduos de 30 a 70 anos de idade (43). A e o colesterol de lipoproteína de baixa densidade
OMS propôs dez metas para atingir esse objetivo: (LDL) em 0,70mmol/L (IC de 95%: 0,62-0,78). A
uma delas é a terapia medicamentosa para reduzir redução na frequência cardíaca foi, em média, de
a prevalência de fatores de risco de ataque cardíaco 7,0 batimentos por minuto. Essas reduções foram
e acidentes vasculares (42). melhores ou semelhantes àquelas conseguidas com
Uma pílula combinada para prevenção de medicamentos isolados ou combinações de medica-
doenças cardiovasculares foi descrita pela primeira mentos isolados, e a tolerabilidade foi semelhante à
vez em 2000, e logo em seguida foi apresentada a de outros tratamentos. Os efeitos da polipílula para
74
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
uma população mais ampla podem ser afetados pela múltiplos fatores de risco e doenças cardio-
adesão. É importante observar que um terço dos vasculares, um problema de saúde pública
participantes do TIPS apresentava diabetes mellitus, importante em todo o mundo.
uma população em que o agrupamento de fatores de ■ É preciso realizar a fase III dos ensaios
risco é sabidamente comum. A comorbidade oferece clínicos para avaliar de forma mais precisa
potencial para tratamento direcionado, se e quando a eficácia da polipílula, assim como são
uma polipílula for utilizada como prevenção primária. necessárias pesquisas operacionais para
avaliar a viabilidade da utilização desse
Rumo à cobertura universal de saúde tratamento na prática.
Os resultados do estudo mostraram que cada um ■ O efeito da polipílula deve ser avaliado em
dos componentes da polipílula reduziu o risco de
combinação com outros meios de reduzir
doença cardiovascular. Diversos outros ensaios
os riscos de doença cardiovascular, como
foram realizados desde então para demonstrar os
diferentes efeitos de polipílulas na redução da pressão mudanças na dieta, prevenção do taba-
sanguínea e do colesterol, geralmente com bons gismo e prática de exercícios físicos.
resultados, embora tenham sido constatadas questões
de adesão e benefícios abaixo das expectativas (45). Estudo de caso 7
As evidências atuais devem ser ampliadas por
meio da realização de amplos ensaios da fase III, Tratamento combinado com
visando investigar a eficácia da polipílula na redução estibogluconato de sódio (SSG)
da incidência de doenças cardiovasculares e de
acidentes vasculares, assim como da mortalidade e paromomicina em comparação
associada a essas condições em grupos abrangentes com monoterapia com SSG
de sujeitos humanos, ao longo de períodos mais para leishmaniose visceral:
extensos (46). Questões operacionais constituem
um desafio à tradução das evidências existentes ensaio randomizado controlado
em políticas. Essas questões devem ser respondidas realizado na Etiópia, no Quênia,
por estudos clínicos e observacionais que incluam: no Sudão e em Uganda
(i) o perfil de segurança e o que fazer caso um dos
componentes da polipílula seja contraindicado ou A necessidade de pesquisa
cause efeitos colaterais; (ii) as doses dos diversos A leishmaniose visceral humana (LV), também
componentes; e (iii) se uma pílula que deve ser conhecida como calazar, é uma doença parasitá-
considerada como solução mágica para doenças ria, potencialmente fatal, causada por Leishmania
não transmissíveis poderia levar os indivíduos donovani e transmitida por mosquitos flebótomos
a abandonar outras medidas preventivas, como (Figura 3.7). Depois da malária, a LV é a segunda
dietas apropriadas, mudanças de comportamento e causa mais importante de mortes por parasitas em
exercícios. Antes que sejam desenvolvidas políticas
todo o mundo, com incidência mundial de apro-
baseadas no estudo TIPS, são necessárias novas
ximadamente 500 mil casos por ano (47). Trata-se
pesquisas para medir o potencial dessa intervenção
de uma doença importante na Ásia – Bangladesh,
na redução do ônus global de doenças cardiovascu-
Índia, Nepal – e na África Oriental. Nesta última
lares e o mérito da mesma e relação à saúde pública.
região, a incidência é de 30 mil casos, com quatro
Principais conclusões mil mortes por ano (48). O parasita leishmania
■ Pesquisas iniciais mostram que a formu- migra para os órgãos internos, como fígado, baço
lação da polipílula – uma pílula única que e medula óssea (daí o termo “visceral”) e, caso não
combina diversos medicamentos – pode seja tratado, frequentemente resultará em morte.
ser um meio simples e prático de reduzir Não há medidas eficazes para erradicar o mosquito
75
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 3.7. Exames clínicos de uma menina de 4 anos de idade com leishmaniose visceral
(Calazar), no Sudão
WHO/TDR/Crump
palha, as taxas de mortalidade são altas, e há poucas momicina (PM) (49). No entanto, há poucas
opções de tratamento eficazes e acessíveis em informações sobre a eficácia do PM para LV no
termos financeiros. Esta situação e a limitação de contexto africano, onde respostas ao tratamento
pesquisas e desenvolvimento de medicamentos para talvez sejam diferentes. No Sudão do Sul, um amplo
a doença mostram que a LV pode ser considerada estudo observacional, com 4.263 pacientes com LV,
uma “doença negligenciada”. mostrou que uma associação de SSG e PM por um
Na África Oriental, o tratamento para LV é período de tempo mais curto (17 dias) produziu
basicamente limitado ao estibogluconato de sódio melhores resultados do que a monoterapia com
antimonial (SSG), que é eficaz, mas requer quatro SSG (50). Na África Oriental, para registro do PM
semanas de hospitalização e injeções intramuscula- e avaliação da eficácia do tratamento combinado
res diárias, e está associado a graves eventos adversos, de SSG e PM, foram exigidos dados sobre eficácia
como cardiotoxidade. Portanto, o medicamento é e segurança extraídos de uma terceira fase de um
difícil de ser ministrado, constituindo um ônus para ensaio randomizado controlado.
o paciente e para o sistema de saúde. Além disso, o
parasita vem-se tornando cada vez mais resistente Projeto do estudo
ao medicamento. Um ensaio randomizado controlado multicêntrico
Na Índia, ficou demonstrada a eficácia de foi realizado em quatro países da África Oriental:
um medicamento alternativo – sulfato de paro- Etiópia, Quênia, Sudão e Uganda (10). O estudo foi
76
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
desmembrado em três componentes: (i) monote- resistência do parasita ao SSG também foi limitado
rapia com SSG (uma dose de 20mg/kg/dia por 30 pela terapia combinada. As constatações apoiam
dias) utilizado como componente de referência; (ii) a introdução de terapia combinada com SSG/PM
monoterapia com PM (20mg/kg/dia por 21 dias); para o tratamento de LV na África Oriental. O
e (iii) uma combinação de SSG e PM ministrada Comitê de Especialistas da OMS recomendou sua
por um período mais curto (20mg/kg/dia de SSG; utilização como tratamento de primeira linha para
15mg/kg/dia de PM, por 17 dias). O objetivo era LV nessa região.
comparar a eficácia e a segurança da monoterapia
com PM e da combinação de SSG e PM com o Principais conclusões
componente de referência de monoterapia com SSG. ■ O tratamento mais curto, de 17 dias, utili-
O critério básico de eficácia era a cura definitiva, zando a combinação de SSG/PM para LV
definida pela eliminação do parasita do baço, da mostrou eficácia semelhante ao tratamento
medula óssea ou de aspirados de linfonodo, seis padrão monoterápico com SSG por 30
meses após o final do tratamento. dias, e apresentou bom perfil de segurança.
Portanto, a mudança para essa terapia com-
Resumo das constatações binada pode reduzir o ônus do tratamento
Na comparação entre monoterapia com PM e para pacientes e centros de saúde, e limitar
monoterapia com SSG, 205 pacientes foram ins- os riscos de desenvolvimento de resistência
critos em cada componente do estudo, com dados ao medicamento.
básicos de eficácia disponíveis para 198 e 200 ■ As constatações apoiam a introdução da
pacientes, respectivamente. Na comparação entre terapia combinada de SSG/PM como trata-
a combinação SSG/PM e a referência SSG, 381 e mento de primeira linha para LV na África
386 pacientes foram inscritos em cada componente Oriental.
do estudo, respectivamente, com dados de eficácia
disponíveis para 359 pacientes por componente. Estudo de caso 8
A eficácia da monoterapia com PM foi signi-
ficativamente menor do que aquela observada no Transferência de tarefas na expansão
componente de referência de SSG – 84,3% versus
94,1%, diferença de 9,7%; IC de 95%: 3,6%-15,7%. de intervenções para melhorar
A eficácia da combinação SSG/PM ministrada por taxas de sobrevivência infantil: um
um período mais curto de 17 dias foi semelhante estudo observacional multinacional
àquela registrada pela monoterapia com SSG por 30
dias – 91,4% versus 93,9%, diferença de 2,5%; IC de realizado em Bangladesh,
95%: 1,3%-6,3%. Não foram registradas diferenças Brasil, Tanzânia e Uganda
aparentes no perfil de segurança dos três regimes
de tratamento. A necessidade de pesquisa
A OMS estima que a força de trabalho global na
Rumo à cobertura universal de saúde área da saúde apresenta um deficit de mais de quatro
A duração mais curta do tratamento com a combi- milhões de pessoas (51). Países com altas taxas de
nação de SSG/PM em comparação com a monote- mortalidade também tendem a registrar falta de
rapia com SSG (17 versus 30 dias) reduziu o ônus agentes de saúde qualificados. A estratégia global
do tratamento para pacientes e centros de saúde, Gestão Integrada de Doenças Infantis (Gidi) vem
e diminuiu os custos associados. O custo dos sendo adotada por mais de cem países, visando
medicamentos favoreceu também o tratamento reduzir a mortalidade infantil. As diretrizes clínicas
combinado em detrimento da monoterapia com da Gidi descrevem como avaliar, classificar e admi-
SSG (US$44 versus US$56). O risco potencial de nistrar crianças menores de 5 anos de idade com
77
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Tabela 3.5. Avaliação, classificação e gestão de crianças por profissionais de saúde capacitados
em Gidi, classificados por tempo de formação pré-serviço
Formação de longa duração Formação de curta duração
Índice de avaliação de crianças a
doenças comuns (52). Uma das principais barreiras Bangladesh, no Brasil, na Tanzânia e em Uganda
para a expansão da cobertura da Gidi é a falta de (11). O desempenho clínico de profissionais de
agentes de saúde qualificados. A transferência de saúde com formação profissional pré-serviço mais
tarefas é vista como uma opção para abordar a longa – como médicos e profissionais clínicos – foi
escassez de pessoal qualificado – é essa a expressão comparado ao desempenho daqueles que possuem
utilizada para descrever o processo pelo qual tarefas formação profissional mais curta – todos os demais
específicas são transferidas, sempre que adequado, profissionais de saúde, tais como enfermeiros,
para agentes de saúde menos qualificados e um parteiras e auxiliares de enfermagem que prestam
período mais curto de capacitação pré-serviço (53). serviços de atendimento clínico. A qualidade do
São escassas as publicações que abordam avalia- atendimento foi avaliada por meio de indicadores
ções da qualidade do atendimento clínico prestado padronizados, levando em consideração se a ava-
por agentes de saúde não formados em medicina que liação, a classificação e a gestão de crianças doentes
administram a Gidi. Essas evidências são necessárias haviam sido plenamente realizadas de acordo com
para avaliar se a transferência de tarefas pode ser as diretrizes da Gidi. Todas as crianças passaram
promovida como uma estratégia para ampliar a Gidi por duas avaliações: a primeira, realizada pelo
e para melhorar a saúde infantil em áreas carentes. profissional de saúde capacitado em Gidi que estava
sendo avaliado; e a segunda, por um supervisor que
Projeto do estudo não havia tido acesso ao diagnóstico e ao tratamento
Um estudo observacional multinacional foi rea- originais feitos pelo profissional de saúde. Embora
lizado em unidades básicas de saúde pública em essa pesquisa tenha sido classificada como estudo
78
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
de gestão de doenças e condições, é também uma formação pré-serviço por períodos relativamente
pesquisa sobre políticas e sistemas de saúde. curtos. Embora aparentemente todos os profissio-
nais de saúde precisem de capacitação adicional
Resumo das constatações em certos contextos, a transferência de tarefas tem
O estudo incluiu um total de 1.262 crianças, de potencial para expandir a capacidade da Gidi e de
265 unidades de saúde do governo: 272 crianças outras intervenções de sobrevivência infantil em
de Bangladesh, 147 do Brasil, 231 da Tanzânia e áreas carentes que enfrentam escassez de profis-
612 de Uganda. No Brasil, 58% dos profissionais sionais (54-56). Ensaios randomizados também
de saúde com formação de longa duração admi- mostraram que é possível a transferência de tarefas
nistraram corretamente a estratégia Gidi, em de médicos para outros profissionais de saúde menos
comparação com 84% daqueles com formação qualificados, e que pode ser benéfica nos locais em
mais curta. Em Uganda, os números foram 23% que há falta de equipes para o provimento desse
e 33%, respectivamente (Tabela 3.5). Também em tipo de serviços (57-59).
Bangladesh e na Tanzânia as proporções de crianças
gerenciadas corretamente pelas duas categorias de Principais conclusões
profissionais de saúde foram aproximadamente ■ A transferência de tarefas de profissionais
equivalentes. Portanto, nenhum dos quatro con- da saúde com formação mais longa (médi-
textos produziu evidências de que a formação de cos com formação completa, profissionais
curta duração possa comprometer a qualidade do formados em clínica) para aqueles com for-
atendimento à criança. mação mais curta (enfermeiros, parteiros
Uma ressalva importante é que, em Uganda, as e auxiliares de enfermagem) não compro-
duas categorias de profissionais da saúde apresen- meteu a qualidade do atendimento infantil
taram fraco desempenho (por exemplo, “crianças oferecido como parte da Gidi.
gerenciadas corretamente”), cujos motivos não são ■ A transferência de tarefas pode ser utilizada
conhecidos. É preciso observar que essas avaliações para aumentar a cobertura da Gidi e de
foram realizadas no nível de atendimento básico, outras intervenções de sobrevivência infan-
em que poucas crianças apresentam doenças graves til em áreas com deficiência de atendimento
– a proporção de encaminhamentos para hospitais e que enfrentam escassez de profissionais,
variou de 1%, no Brasil, a 13%, em Uganda. Além embora, em alguns contextos, a capacitação
disso, profissionais de saúde com formação mais adicional talvez seja necessária.
curta podem apresentar maior disposição para
cumprir as diretrizes clínicas padronizadas – e por- Estudo de caso 9
tanto, receber boa avaliação quanto ao tratamento
adequado das crianças –, ao passo que profissionais Melhorias no acesso ao atendimento
com formação mais longa podem utilizar uma obstétrico emergencial:
variedade mais ampla de procedimentos e ainda
obter resultados igualmente bons. Ademais, não
pesquisa operacional realizada
foram levados em consideração a idade e os anos de em áreas rurais do Burundi
prática dos profissionais de saúde, o que, de certa
forma, pode compensar a duração da capacitação A necessidade de pesquisa
profissional. O ODM 5 estabelece a meta de reduzir a taxa de
mortalidade materna (TMM) em 75% entre 1990
Rumo à cobertura universal de saúde e 2015. Trata-se de uma medida de saúde materna
Essas constatações sugerem que a Gidi pode ser importante no nível da população, e é definida como
implementada por profissionais de saúde sem o número de mortes maternas em determinado
formação em medicina e que tenham recebido período por cem mil partos de crianças nascidas
79
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
vivas durante o mesmo período (60). Embora a O impacto da intervenção foi calculado por
mortalidade materna tenha diminuído em países meio da estimativa do número de mortes evitadas
de renda média e baixa – de 440 mortes por cem em meio a mulheres com morbidade materna
mil partos de crianças nascidas vivas, em 1990, para aguda grave (MMAG), que foram transferidas para
290 por cem mil, em 2008 –, essa redução de 34% um posto AEMOB para tratamento. Esse cálculo
fica muito aquém da meta de 75% estabelecida por foi feito por meio da comparação entre o número
esse ODM para 2015, que, ao ritmo atual, parece de mortes em meio a mulheres com MMAG que
inatingível (61). A TMM do Burundi situa-se entre foram beneficiadas pela intervenção AEMOB e o
as mais altas do mundo: 800 por cem mil partos de número esperado de mortes em meio ao mesmo
crianças nascidas vivas. Em comparação, a Suécia grupo de mulheres, presumindo que a intervenção
registra uma taxa de duas mortes por cem mil partos não existisse (63). A MMAG foi definida em termos
de crianças nascidas vivas (62). de um conjunto específico de condições, incluindo
Embora o acesso a um pacote de Atendimento trabalho de parto prolongado ou obstruído, exigindo
em Emergência Obstétrica (AEMOB) seja uma operação cesariana ou parto instrumental (parto
intervenção amplamente aceita para reduzir o por sucção), aborto complicado (espontâneo ou
número de mortes maternas, não existem dados induzido), pré-eclâmpsia/eclâmpsia, e hemorragia
publicados relacionados à África que quantifiquem pré ou pós-parto (Tabela 3.6). Utilizando a estimativa
o impacto da melhoria no acesso e na disponibi- de mortes evitadas, a TMM teórica resultante em
lidade desse atendimento no nível da população. Kabezi foi calculada e comparada à meta do ODM 5
O provimento de instalações centralizadas para para o Burundi.
AEMOB em um distrito rural, em parceria com Resumo das constatações
um sistema eficaz de encaminhamento e transfe- Ao longo de 2011, foram transferidas para o posto
rência de pacientes com complicações obstétricas, AEMOB 1.385 mulheres, das quais 765 (55%) apre-
poderia reduzir substancial e rapidamente o sentavam uma condição de MMAG (Tabela 3.6). A
número de mortes maternas, visando alcançar a intervenção evitou aproximadamente 74% (IC de
meta do ODM? 95%: 55%-99%) das mortes maternas no distrito –
o equivalente a uma TMM distrital de 208 mortes
Projeto do estudo
por cem mil partos de crianças nascidas vivas (IC
Um estudo retrospectivo de coorte, realizado no
de 95%: 8-360). Essa TMM situava-se dentro da
distrito rural de Kabesi, no Burundi, estimou o
faixa estipulada pelo ODM 5 para 2015 no Burundi
impacto da criação de um posto central de AEMOB
(275 mortes por cem mil partos de crianças nas-
e de um sistema de transferência por ambulância
cidas vivas), e foi alcançada muito antes do prazo
sobre a redução da mortalidade materna, de acordo
estipulado (Figura 3.8).
com o ODM 5 (12). Todas as unidades de materni-
Uma limitação potencial do estudo é o fato de
dade dos centros de saúde na periferia do distrito
as mulheres terem sido diagnosticadas com uma
foram conectadas ao posto central de AEMOB e a
MMAG com base em discernimento clínico, o que
um serviço de ambulância acionado por telefone
pode ter influenciado o número de casos de MMAG.
celular ou por rádio de alta frequência. Ao receber
No entanto, definições de casos padronizados de
uma mulher com uma complicação obstétrica, a
MMAG estavam disponíveis, e os médicos foram
equipe do centro de saúde entrava em contato com
capacitados em sua utilização, o que deve ter redu-
o posto AEMOB, e uma ambulância era acionada
zido qualquer erro nas estimativas.
(acompanhada por uma parteira qualificada) para
transferir a mulher para o posto. A distância entre Rumo à cobertura universal de saúde
os centros de saúde e o posto AEMOB variava de As constatações indicam que o provimento de
1km a 70km. AEMOB, associado a um sistema funcional de
80
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
Emergência No (%)
Total 765 (100)
Trabalho de parto prolongado/obstruído, exigindo operação cesariana ou parto instrumental 267 (35)
Aborto complicado (espontâneo ou induzido) 226 (30)
Hemorragia pré ou pós-parto 91 (12)
Operação cesariana devido a útero excessivamente elevado ou a apresentação anormal do bebê, exigindo o 73 (10)
procedimento
Bebê morto no útero com contrações uterinas > 48 horas 46 (6)
Pré-eclâmpsia 18 (2)
Septicemia 15 (2)
Ruptura uterina 14 (2)
Gestação ectópica 5 (0,7)
Malária 4 (0,5)
Anemia grave 4 (0,5)
Histerectomia emergencial 2 (0,3)
81
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 3.9. Cartões de identificação fazem parte dos esquemas que oferecem transferência
monetária condicionada em programas de saúde e de educação
UNDP Brazil
82
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
83
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
TMC possam melhorar a qualidade do atendimento avaliar o impacto da intervenção sobre a saúde e
em qualquer contexto (68). Este é um objetivo para sobre os encargos financeiros (70).
futuras pesquisas.
Projeto do estudo
Principais conclusões Em um estudo randomizado por agrupamento,
■ Programas de TMC servem como incentivo cem pares de áreas de influência das unidades
financeiro para aumentar a demanda por de saúde (“agrupamentos de centros de saúde”)
serviços de saúde e sua utilização, redu- foram designados aleatoriamente para receber a
zindo ou eliminando barreiras financeiras intervenção ou para fazer parte do agrupamento de
ao acesso. controle. A intervenção Seguro Popular forneceu um
■ Estudos realizados em diversos países de pacote de benefícios que incluía a cobertura para
renda média e baixa mostram que, em 266 intervenções de saúde e 312 medicamentos,
determinadas circunstâncias, programas e aumentou os recursos destinados às secretarias
de TMC podem aumentar a utilização de estaduais de saúde proporcionalmente ao número
serviços de saúde, o que leva a melhores de famílias inscritas no programa. Também foram
resultados na área da saúde. captados recursos para cobrir gastos catastróficos
com saúde associados a determinadas doenças. Nos
Estudo de caso 11 agrupamentos de centros de saúde que receberam
a intervenção, foi realizada uma campanha para
Seguro para o provimento de persuadir as famílias a inscrever-se no Seguro
serviços de saúde acessíveis Popular. Nos pares do agrupamento de controle,
as famílias receberam o atendimento de saúde
física e financeiramente: um normal, pelo qual tinham que pagar (14). Um dos
ensaio randomizado controlado principais resultados foi o detalhamento dos gastos
realizado no México em duas categorias: desembolsos individuais feitos
pelos usuários para todos os serviços de saúde, e
A necessidade de pesquisa gastos catastróficos, que são os gastos com saúde
Em 2003, o México deu início a um novo conjunto superiores a 30% da capacidade de pagamento
de reformas na área da saúde, que visaram fornecer (medida em termos de rendimento).
cobertura de saúde a aproximadamente 50 milhões
de pessoas que não dispunham de nenhuma forma Resumo das constatações
de proteção financeira para a saúde. Antes de 2003, Nos agrupamentos de intervenção, desembolsos
o direito ao atendimento de saúde era um benefício individuais feitos pelos próprios usuários e gastos
do emprego, restrito à força de trabalho assalariada. catastróficos ficaram 23% abaixo daqueles regis-
Uma grande parte da população pobre ou estava trados nos agrupamentos de controle. Em meio
desempregada ou não era assalariada formalmente, às famílias dos grupos de intervenção inscritas no
e uma parcela significativa estava em risco de gastos Seguro Popular (44%, em média), gastos catastrófi-
catastróficos com a saúde ou de empobrecimento cos foram reduzidos em 59%. Entre pessoas inscritas
devido a esses gastos. no programa Seguro Popular, 69% classificaram
Realizada em 2003 pelo México, a reforma da a qualidade dos serviços de saúde como boa ou
saúde criou o Sistema de Proteção Social em Saúde, muito boa, e 85% relataram que os benefícios do
do qual o Seguro Popular foi o novo regime de programa foram explicados de maneira clara pelos
seguridade pública, garantindo o acesso legal ao funcionários. Surpreendentemente, e contrariando
atendimento abrangente de saúde. Nos primeiros estudos observacionais anteriores, não houve
anos do programa, e tirando partido de sua implan- nenhum efeito substancial do Seguro Popular sobre
tação gradual, o Seguro Popular foi importante para a qualidade do atendimento – como melhoria no
84
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
85
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
de 2030 (Figura 3.10). Na Holanda, por exemplo, de saúde devem aumentar apenas 0,7% – para
espera-se que o aumento nos gastos por pessoa 7,4% do PIB.
alcance seu pico entre 2020 e 2025, resultando em Pesquisas sobre o custo da morte mostram que
uma taxa média anual de crescimento de 0,9%, sua proximidade é um preditor de altos gastos com
devido ao envelhecimento da população, e caindo atendimento de saúde mais importante do que o
para zero entre 2055 e 2060, quando a probabilidade envelhecimento (85, 86). Uma grande parcela dos
é que, em média, a população do país torne-se gastos com atendimento de saúde ao longo da
mais jovem. vida normalmente ocorre no último ano de vida,
principalmente nas últimas semanas que precedem
Rumo à cobertura universal de saúde a morte (87), e os gastos com atendimento de saúde
A suposição comum de que o envelhecimento da tendem a ser mais baixos para os mais idosos (> 80
população elevará as despesas de saúde a níveis anos). Além disso, embora os idosos estejam entre os
insustentáveis no futuro não é apoiada por essa principais consumidores do atendimento de saúde,
análise. Esses resultados concordam com algumas outros fatores – principalmente o desenvolvimento
outras avaliações que constataram que o envelhe- tecnológico – causam impacto maior sobre os custos
cimento não implicará aumentos substanciais nos totais dos cuidados de saúde (74).
custos da saúde (83). Um estudo realizado para a No entanto, a crescente proporção de idosos
Comissão Europeia prevê aumentos moderados nas populações europeias apresenta desafios para
nos gastos públicos com a saúde resultantes do a saúde e o bem-estar quando, por exemplo, uma
envelhecimento da população na UE: de 6,7% do pequena fração da população tiver que arcar com
PIB, em 2007, para 8,2%, em 2060 (84). Supondo-se custos crescentes da saúde, da assistência social e das
que a proporção de vida em boas condições de aposentadorias. Mesmo assim, esses desafios não são
saúde não se modifica com o aumento na expecta- insuperáveis. As medidas que podem ser tomadas
tiva de vida, os gastos públicos com o atendimento incluem: promover boas condições de saúde ao longo
Fig. 3.10. Mudanças projetadas nos gastos per capita com saúde pública associados ao
envelhecimento da população em cinco países europeus, 2010-2060
1,0
com saúde devido ao envelhecimento
Mudança nos gastos per capita
0,8
0,6
(% anual)
0,4
0,2
0
-0,2
Nota: os pontos significam aumentos percentuais médios anuais, calculados como média de cinco anos, derivados de dados
sobre envelhecimento projetado da população e padrões atuais de gastos com saúde por idade.
Reproduzido de Rechel et al., mediante permissão do editor (74).
86
Capítulo 3 De que forma a pesquisa contribui para a cobertura universal de saúde
da vida, aumentando, desse modo, a chance de que projeto experimental e força de inferência. Revelam
os anos adicionais de vida sejam vividos com boa a natureza do ciclo da pesquisa, em que questões
saúde; minimizar a gravidade de doenças crônicas levam a respostas que, por sua vez, levam a outras
por meio de detecção e de atendimento precoces; questões. E mostram de que forma a pesquisa faz
melhorar a eficácia dos sistemas de saúde, de modo conexão com políticas e práticas.
que tenham maior capacidade para lidar com as Seis características desses estudos de caso mere-
necessidades dos idosos; e aumentar a participação cem destaque. Em primeiro lugar, os métodos de
dos idosos na força de trabalho (74, 88). pesquisa mais apropriados – aqueles que constatam
o melhor comprometimento entre custo, tempo e
Principais conclusões validade – variam ao longo do ciclo de pesquisa. Em
■ Entre 2010 e 2060, o aumento anual esti- termos gerais, ensaios randomizados e controlados
mado dos gastos com saúde devido ao e ensaios que utilizam um método de minimização
envelhecimento da população fica abaixo para alocação provêm as respostas mais consistentes
de 1%, e vem diminuindo em cinco países às questões sobre a eficácia de uma intervenção,
europeus. desde que tenham sido validados por rigorosa
■ Apesar da expectativa de aumento no avaliação crítica. No entanto, é mais difícil analisar
número de idosos que sofrem com doen- a eficácia de intervenções durante a prática roti-
ças crônicas e incapacitação, os custos neira, uma vez que não há controles experimentais
com atendimento de saúde tornam-se (75, 76). Entretanto, questões operacionais relativas
substanciais apenas no último ano de vida. às necessidades de pessoal, infraestrutura e redes de
■ Nos países europeus, embora não seja abastecimento de bens de consumo frequentemente
esperado que o envelhecimento implique são respondidas por um processo de “aprender
custos adicionais significativos, os sistemas fazendo” – ou seja, prática e repetição, correção
de atendimento de saúde, de assistência de erros e realização de melhorias após avaliações,
social e de bem-estar de longo prazo devem geralmente com pequenas inovações. Na África e
adaptar-se à população em processo de na Ásia, esse parece ser o método dominante de
envelhecimento. abordar reformas relativas a seguro de saúde. No
entanto, fica aberta a discussão sobre a possibilidade
Conclusões: lições de alcançar os melhores resultados por meio de
gerais extraídas de intervenções não controladas – ou seja, aquelas não
testadas por um experimento formal (77).
exemplos específicos Diante de emergências de saúde, alguns projetos
Os 12 estudos de caso apresentados neste capítulo, experimentais apresentam desvantagem por serem
que variam do controle da malária até o provimento mais caros, lentos e logisticamente complexos, ao
de seguro de saúde, são exemplos de pesquisas que passo que estudos observacionais podem ser realiza-
iluminam o caminho para a cobertura universal dos rapidamente e a um custo mais baixo – embora
de saúde. Abordam uma diversidade de questões apresentem o risco de levar a conclusões errôneas.
sobre a realização da cobertura universal. Utilizam Mas há exemplos nos quais vale a pena assumir esse
uma gama de métodos de pesquisa – avaliações risco, chegando a resultados positivos. Para respon-
quantitativas e qualitativas, estudos observacionais der à enorme demanda por terapia antirretroviral
e de controle de casos, estudos não randomizados para HIV/aids, pesquisas observacionais realizadas
de intervenção, ensaios randomizados controlados, na África ao sul do Saara sobre transferência de
revisões sistemáticas e meta-análises. Mostram os tarefas e descentralização dos serviços de saúde
benefícios potenciais de dispor de evidências oriun- produziram dados importantes que podem subsidiar
das de múltiplas fontes, e exploram a conexão entre políticas e práticas antes mesmo que experimentos
87
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
controlados disponibilizem evidências (78, 79). No as políticas e as ações relacionadas à saúde não são
entanto, esforços bem-sucedidos empreendidos determinadas apenas por evidências (Quadro 2.1).
recentemente para modificar e aplicar projetos de Alguns motivos comuns para que as constatações
experimentos formais (principalmente desenhos de pesquisas não sejam utilizadas incluem: a ques-
randomizados) a serem utilizados além de ensaios tão pesquisada não é relevante para os problemas
clínicos (por exemplo, para resolver problemas de enfrentados pelos profissionais de saúde ou pelos
acesso e provimento de serviços de saúde) sugerem formuladores de políticas; embora publicadas em
que o rigor experimental nem sempre precisa ser periódicos revisados por pares, as constatações das
sacrificado em favor da obtenção de resultados mais pesquisa não são explicadas de forma clara para
rápidos e de menor custo (80). aqueles que deveriam utilizá-las; e as soluções que
Em segundo lugar, o ciclo contínuo de formular surgem a partir das pesquisas têm custo excessiva-
perguntas e respostas permite que a implementação mente alto ou são muito complexas para que sejam
das soluções de pesquisa (as melhores respostas implementadas (81).
em determinado momento) seja monitorada com Em quinto lugar, embora os 12 exemplos aqui
eficácia. No entanto, a métrica utilizada atualmente apresentados estejam relacionados a uma ampla
para avaliar o sucesso de novas intervenções e gama de problemas de saúde e de métodos de
os sistemas de coleta de dados relevantes ainda estudo, os exemplos inevitavelmente apresentam
demandam adequação (81). algumas falhas. Alguns dos tópicos não mencionados
Em terceiro lugar, o objetivo deste relatório neste capítulo são tão importantes quanto aqueles
é promover pesquisas que tornem a cobertura que foram abordados, tais como a descoberta de
de intervenções de saúde realmente universal. O meios para preparar a abordagem de pandemias,
acesso a serviços de saúde não pode ser um pri- para mitigar riscos ambientais, ou para avaliar os
vilégio daqueles que vivem nas regiões do mundo benefícios da agricultura para a saúde (Quadro 2.6).
relativamente pacíficas. Ocorreram 31 conflitos Por fim, os exemplos aqui apresentados indicam
armados em todo o mundo apenas em 2009 (82). as vantagens de criar um sistema estruturado para
Essas circunstâncias demandam métodos criativos realizar pesquisas em países de renda média e baixa,
para o provimento de cuidados de saúde. Nesse e para aprofundar a cultura da investigação em todos
contexto, a telemedicina é um exemplo de tecnologia os contextos em que a pesquisa é realizada. Para
facilitadora (Estudo de caso 4). desenvolver este tema, o Capítulo 4 descreve a arqui-
Em quarto lugar, embora alguns dos estudos tetura de sistemas que possam efetivamente realizar
de caso apresentados neste capítulo mostrem de pesquisas para a cobertura universal de saúde. n
que forma a pesquisa pode influenciar a prática,
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Documento WHO/DCO/WHD/2012.2.
92
Capítulo 4
Monitorando e coordenando a
pesquisa, nos níveis nacional e 26
internacional
Na região Norte da Nigéria, programa conduzido pela comunidade atua na gestão de oncocercose, malária e tuberculose, e na
distribuição de vitamina A para bebês (WHO/TDR/Andy Craggs).
Aspectos-chave
■■ Os sistemas de pesquisa em saúde têm quatro funções essenciais: estabelecer prioridades de pesquisa,
desenvolver capacidade de pesquisa, definir normas e padrões para pesquisa e traduzir evidências em
práticas. Essas funções dão apoio à saúde em geral e à cobertura universal de saúde em particular.
■■ Foram desenvolvidos métodos padronizados para estabelecer prioridades de pesquisa, porém os
exemplos mais bem documentados são aqueles que dizem respeito a tópicos específicos de saúde –
como controle da malária e da tuberculose e redução da mortalidade infantil. Todos os países devem
definir prioridades nacionais em todos os aspectos relacionados à saúde, para determinar a melhor
maneira de usar os limitados recursos financeiros disponíveis para pesquisa.
■■ A pesquisa eficaz requer métodos transparentes e responsabilidade pelas decisões em relação à
alocação de recursos, e também instituições e redes de pesquisa bem equipadas. Entretanto, o
componente mais crítico para o êxito do empreendimento de pesquisa são os pesquisadores, com seus
atributos de curiosidade, imaginação, motivação, capacidade técnica, experiência e conexões.
■■ Os códigos de práticas – pedra angular de qualquer sistema de pesquisa – já são utilizados em muitos
países. Restam as tarefas de garantir que sejam abrangentes e aplicáveis em todos os países e de
incentivar a adesão em todos os lugares.
■■ Alcançar a cobertura universal de saúde depende de pesquisas que abrangem desde o estudos das
causas até o funcionamento dos sistemas de saúde. Uma vez que muitas intervenções já existentes,
cujos custos são compensadores, não são amplamente utilizadas, é particularmente necessário
reduzir a lacuna entre o conhecimento existente e a ação. Para atingir essa meta, a pesquisa deve
ser reforçada não somente nos centros acadêmicos, mas também nos programas de saúde pública,
aproximando-se dos locais de serviços de saúde e de demanda por esses serviços.
■■ Muitos dos determinantes de saúde e de doenças situam-se fora do sistema de saúde. Portanto, a
pesquisa precisa investigar o impacto de políticas para a “saúde em todos os setores”. A pesquisa
acrescentará às evidências o modo como as atividades humanas afetam a saúde – por exemplo,
por intermédio de práticas agrícolas e de mudanças no ambiente natural.
■■ Os mecanismos de apoio à pesquisa incluem monitoramento (observatórios nacionais e
internacionais); coordenação (compartilhamento de informações, pesquisa em colaboração);
e financiamento (obtenção e distribuição de recursos que apoiem prioridades de pesquisa nos
níveis nacional e mundial).
4
Construindo sistemas de pesquisa para a
cobertura universal de saúde
Os estudos de caso abordados no Capítulo 3 mostram de que forma a pesquisa
pode lidar com algumas questões essenciais relativas à cobertura universal de
saúde. Mostram como a pesquisa pode produzir resultados para orientar políticas
e práticas. O êxito desses estudos selecionados, e também de qualquer estudo
cujo propósito seja apoiar a cobertura universal de saúde, depende da existência
de um ambiente propício à pesquisa de alto nível. A pesquisa mais confiável, que
envolve o maior número de pessoas e produz os maiores benefícios para a saúde,
será realizada onde existir uma cultura de investigação estabelecida, um conjunto
de procedimentos para apoio e execução de investigações, e um diálogo frequente
entre os pesquisadores e os formuladores de políticas.
Um sistema eficaz de pesquisa em saúde precisa desempenhar quatro funções
em particular: definir questões e prioridades de pesquisa; obter recursos e desen-
volver infraestrutura e capacitação das equipes de pesquisa; estabelecer normas e
padrões para a prática de pesquisa; e traduzir as descobertas da pesquisa em um
formato que possa orientar políticas. A Estratégia de Pesquisa para a Saúde, da
OMS, abrange essas quatro funções (Quadro 4.1). Sistemas de pesquisa eficazes
permitem que os investigadores percorram a totalidade do ciclo de pesquisa, que
inclui medir a dimensão dos problemas de saúde, entender suas causas, planejar
soluções, traduzir evidências em políticas, práticas e produtos, e avaliar a eficácia
após a implementação (Quadro 2.3).
Embora um levantamento dos sistemas de saúde, realizado em 26 países,
tenha investigado o tipo de pesquisa em curso, a capacidade para sua realização
e a utilização de seus resultados na prática (Quadro 4.2), há poucas avaliações
sobre o modo como os sistemas de pesquisa realizam suas funções essenciais.
Para mostrar de que forma é possível construir sistemas de pesquisa capazes
de dar apoio à cobertura universal de saúde, este capítulo estabelece os princípios
que sustentam cada uma das quatro funções essenciais, e utiliza exemplos para
mostrar como funcionam. Em seguida, o capítulo identifica os mecanismos que
dão apoio a essas funções, nos âmbitos nacional e internacional, por meio de
monitoramento, coordenação e financiamento. A intenção não é oferecer um
manual abrangente, mas sim uma visão geral do processo de pesquisa. Para aqueles
97
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
que estão envolvidos na construção ou no desen- junto o que deve ser prioritário para investigação
volvimento de sistemas de pesquisa em saúde, nos e, portanto, para os investimentos. Apresentamos
níveis provincial, nacional ou regional, alguns dos a seguir um guia de etapas para o estabelecimento
detalhes práticos podem ser encontrados em um de prioridades, destacando as questões-chave (1).
número cada vez maior de diretrizes operacionais, ■ Contexto. A que se relaciona o exercício, e
embora estas ainda não sejam exaustivas (4-9). Os para quem se destina? Quais são os recursos
exemplos apresentados neste capítulo, ao lado das disponíveis?
experiências resumidas nos capítulos preceden- ■ Quais são os valores ou princípios subjacen-
tes, levam a algumas recomendações específicas tes? Quais são os contextos em termos de
sobre o desenvolvimento do ambiente de pesquisa, saúde, pesquisa e política?
principalmente em países de renda média e baixa. ■ Abordagem. Deve-se adotar uma das
abordagens padronizadas, ou as circunstân-
Estabelecendo prioridades cias exigem o desenvolvimento de métodos
de pesquisa novos ou adaptados? As três abordagens
padronizadas são:
Confrontados com uma lista interminável de – Matriz de Abordagens Combinadas 3D
questões sobre saúde pública, pesquisadores e (CAM) – coleta estruturada de informa-
formuladores de políticas devem decidir em con- ções (10);
98
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Conclusões:
■■ Países de baixa renda realizaram menos pesquisas em sistemas de saúde em comparação aos países de renda
média, mas alguns destes últimos demonstraram que sua capacidade de pesquisa ainda é muito reduzida.
■■ Com algumas exceções – como Gana e África do Sul –, a maioria dos países africanos tem pouca capacidade de
pesquisa. Na Ásia, os resultados para a Índia são inferiores aos da China.
■■ Na maioria dos países, programas de capacitação em pesquisa são limitados ou inexistentes.
■■ Países de renda média têm maior número de pesquisadores e maior variedade disciplinar do que países de baixa
renda.
■■ A pesquisa em países de baixa renda tende a ser promovida por doadores, agências ou consórcios internacionais.
O financiamento externo ainda desempenha um papel importante em muitos países de renda média.
■■ Em mais da 50% dos países pesquisados, o interesse em pesquisa de sistemas de saúde vem aumentando de
maneira constante.
■■ Em cerca de dois terços dos países avaliados, algumas decisões baseiam-se em evidências, mas isso não se
aplica a todas as políticas de saúde.
■■ É baixo o número de países que demonstraram preferência pela utilização de evidências nacionais ou de boas
práticas internacionais adaptadas ao contexto local – em especial, China e Tailândia.
99
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
100
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
101
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Complexo industrial
Pesquisa clínica
transmissíveis
transmissíveis
tecnologia em saúde
Atendimento
Saúde da mulher
Epidemiologia
Saúde mental
Sistemas de saúde
farmacêutico
Doenças não
Doenças
Avaliação de
de saúde
Nota: O complexo industrial de saúde é descrito no texto. A avaliação da tecnologia em saúde inclui estudos específicos,
revisões sistemáticas e avaliações econômicas.
Fonte: Pacheco Santos et al. (44).
Durante esse período, cerca de quatro mil subvenções para pesquisa foram concedidas, e até 2010 foram investidos
cerca de US$545 milhões na pesquisa em saúde em todo o país. A região Sudeste (que inclui Rio de Janeiro e São Paulo)
realizou 40% de todos os projetos, e recebeu 60% dos recursos. A pesquisa ajudou a aperfeiçoar tratamentos, prevenção
e diagnósticos, a desenvolver novos produtos e serviços, e a reforçar o sistema de saúde orientado para o paciente
(44). As prioridades são atualizadas periodicamente, como no relatório “Investigações Estratégicas para o Sistema de
Saúde”, de 2011, que identifica 151 tópicos de pesquisa baseados nas políticas nacionais de saúde para 2012–2015.
Aids: síndrome de imunodeficiência adquirida; HIV: vírus da imunodeficiência adquirida;
ODM: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
102
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
103
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Desenvolvimento organizacional
Desenvolvimento institucional
Conselhos Nacionais de
Pesquisa em Saúde
Capacitação individual
OMS/PDT
US NIH
PDT (TDR): programa especial para Pesquisa e Capacitação em Doenças Tropicais; US NIH, Institutos Nacionais de Saúde dos
Estados Unidos. Adaptado de Lansang & Dennis, mediante permissão do editor (52).
104
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Tabela 4.1. Uma estrutura para orientar a construção de capacidade, destacando abordagens e
metas, a probabilidade de sustentabilidade e o foco de pesquisa
Entidade-alvo Abordagem ao reforço de capacidade
Capacitação pós-gradua- Aprender Parcerias institucionais Centros de
ção ou superior fazendo entre países excelência
Indivíduoa +++ + ++ +
Instituição +++ ++ +++ +++
Rede ++ ++ +++ ++
Nível nacional + ++ ++ +++
Nível supranacional ++ +++ ++
Investimento financeirob ++ + +++ +++
Foco de pesquisa Habilidades de pesquisa Programa, política, desenvolvimento de sistema
Probabilidade de + +++
sustentabilidadec
a
Os sinais (+) indicam que a entidade é alvo: +, às vezes; ++, muitas vezes; +++, frequentemente.
b
Os sinais (+) nesta linha indicam que o volume de investimento financeiro necessário aos sistemas nacionais de pesquisa em
saúde ou às agências financiadoras é: +, baixo; ++, médio; +++, alto.
c
Os sinais (+) nesta linha indicam que a probabilidade de sustentabilidade de diversas abordagens é: +, razoável; +++, alta.
Reproduzido de Lansang & Dennis, mediante permissão do editor (52).
com estruturas dessa natureza, a abordagem à monitorar e avaliar o êxito – uma área em que
construção de capacidade em qualquer contexto o conhecimento ainda é escasso (52, 53, 58-60).
depende de uma visão estratégica da pesquisa e do Um simples mapeamento geográfico da atividade
que é necessário a partir dela. Embora não seja uma de pesquisa pode ser esclarecedor (Figura 4.2),
regra, algumas vezes convém considerar instituições porém medir o êxito leva a uma compreensão
abrigadas em organizações. Assim, a Força-Tarefa mais profunda. Uma avaliação analisou quais são
para o Fortalecimento da Capacidade de Pesquisa os indicadores de capacidade de pesquisa mais
sobre a Malária na África faz parte da Iniciativa úteis em quatro contextos diferentes: serviços de
Multilateral sobre a Malária, coordenada pelo saúde baseados em evidências, em Gana; serviços
Programa Especial para Pesquisa e Treinamento voluntários de orientação e exames de HIV, no
em Doenças Tropicais (TDR). Quênia; pobreza como determinante de acesso a
Os pontos de vista diferem também quanto à serviços de TB, em Malaui; e promoção de saúde
ênfase que se deve dar, por exemplo, à construção comunitária, na República Democrática do Congo
de instituições de elite, à criação de redes interna- (6). À medida que os programas evoluíram, os
cionais, ao impulso à pesquisa translacional, aos indicadores mais apropriados foram modificados.
métodos de compartilhamento de conhecimentos O envolvimento dos interessados e o planejamento
e informações, e à recompensa pela qualidade (57). para ampliação foram críticos no início, ao passo
Além disso, a Tabela 4.1 mostra interações entre que inovação, recursos financeiros e instituciona-
os vários componentes. Por exemplo, a formação lização de atividades ganharam importância no
no nível de graduação e pós-graduação tem maior estágio de expansão. O financiamento de atividades
probabilidade de ser eficaz quando as instituições essenciais e a gestão local foram vitais durante a
onde essa capacitação foi obtida também são sólidas etapa de consolidação.
(Tabela 4.1, coluna 1, linha 2). As seções a seguir examinam mais detidamente
Desde o início, qualquer programa para três componentes de capacidade, universalmente
reforçar a capacidade de pesquisa deve definir, importantes: criação de mão de obra de pesquisa,
105
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Produção de pesquisa
(Número de artigos por cidade)
31–99
100–249
250–499
500–999
>1000
106
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
exemplo, aqueles oferecidos pelos programas Por meio desses diversos programas, cientistas
TDR (www.who.int/tdr), os Programas de dos países de mais baixa renda estão conseguindo
Treinamento em Epidemiologia e Rede de In manifestar-se com mais confiança. Por exemplo,
terv enções em Saúde Pública (TEPHINET, pesquisadores africanos sustentaram que o apoio
www.tephinet.org), a Iniciativa Fundação Europeia à pesquisa sobre doenças tropicais negligenciadas
para a pesquisa Africana em Doenças Tropicais não deve ser responsabilidade exclusiva de doadores
Negligenciadas (EFINTD, www.ntd-Africa.net), externos. Acreditam que seus próprios governos
o Programa Ciência sem Fronteiras, do Brasil também devem assumir a responsabilidade pelo
(www.cienciasemfronteiras.gov.br), e cursos fornecimento de infraestrutura e por oportunidades
de pesquisa operacional orientada para produ- de trabalho (65, 68).
tos, oferecidos pela União Internacional contra
Tuberculose e Doenças Pulmonares e Médecins Garantindo transparência e
Sans Frontières (MSF) Luxembourg (65-67). gestão responsável em relação
Na África, mesmo nos locais onde os recursos
financeiros para a pesquisa são escassos, existe
ao financiamento de pesquisas
apetite pelo desenvolvimento da carreira por meio Assim como a pesquisa requer recursos financeiros,
de programas de orientação, cursos de gestão o desenvolvimento da capacidade de pesquisa
de projetos, oficinas de redação de propostas e requer um mecanismo para controlar os gastos com
treinamento em linguagem, e desenvolvimento cada tipo de pesquisa. As oito áreas de pesquisa
de redes de contatos em conferências (65). esquematizadas no Quadro 2.2 – que variam de
107
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Porcentagem de financiamento
de saúde (Inglaterra e Escócia) estão voltados
para avaliação de tratamento, gestão de doenças
de pesquisa
e serviços de saúde (69, 70). Trata-se de focos
diferentes e complementares, e indicam lacunas
de financiamento que precisam ser preenchidas,
talvez com recursos de outras fontes. Os dados
da Figura 4.3 indicam que o Wellcome Trust, o
MRC e os departamentos de saúde destinam rela-
tivamente poucos recursos financeiros à pesquisa
sobre prevenção (grupo 3) ou sobre detecção e Tipo de estudo
diagnóstico (grupo 4). Este é um argumento não
apenas em favor do monitoramento da pesquisa,
mas também de maior harmonização entre os
organismos financiadores. B. Departamentos nacionais de saúde
As vantagens de dispor de um método padro-
nizado para o controle dos recursos são evidentes
Porcentagem de financiamento
108
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Pesquisa
Medicamentos
Vacinas
Diagnósticos
operacional
básica
Pesquisa
perigo é concluir que a necessidade de pesquisa
operacional foi amplamente atendida. Embora o
Plano Global para Eliminar a Tuberculose tenha
Deficit orçamentário Gastos
destacado com sucesso a necessidade de investir
em P&D em tecnologia, é necessário um método P&D: Pesquisa e desenvolvimento.
mais objetivo para calcular o orçamento da pes- Nota: Em termos relativos, pouco dinheiro é gasto em pes-
quisa operacional sobre TB, principalmente à luz quisas operacionais e sobre diagnóstico; o orçamento para
da visão amplamente difundida de que é muito pesquisa operacional é excepcionalmente baixo.
Reproduzido de Treatment Action Group, mediante permis-
modesto o esforço dedicado à pesquisa operacional são do editor (73).
(28, 74, 75).
No que diz respeito a custos, o cálculo de
gastos diretos é relativamente claro. Refere-se a Construindo instituições
custos indiretos mais difíceis de definir, incluindo
recursos necessários para construção e atualização
e redes de pesquisa
de infraestrutura (76). Cabe às instituições de pes- A rede Global Health Trials formulou um ponto
quisa em países de renda média e baixa persuadir de vista sobre construção de capacidade que é
doadores externos a contribuir para custos indiretos, compartilhado por outras redes de pesquisa no
e também alinhar suas prioridades de pesquisa, campo da saúde (Quadro 4.7). No contexto das
contribuindo para custos diretos. Em 2006, esses dois redes de pesquisa, “capacidade” é entendida como
problemas foram enfrentados – e resolvidos – pelo o estabelecimento de uma comunidade de pesqui-
Centro Internacional para a Pesquisa sobre Doenças sadores em países de mais baixa renda que possa
Diarreicas, em Bangladesh (ICDDR,B) (77). Em desenvolver e validar métodos e ferramentas ope-
parte, soluções foram encontradas com a adoção racionais para melhorar a saúde, e que compartilhe
de uma abordagem transparente ao monitoramento soluções locais e globais para tornar possível o
e à avaliação das finanças. O ICDDR,B definiu e desenvolvimento pragmático e realizado localmente
mediu de maneira explícita atividades, produtos e (79). O Quadro 4.8 descreve o êxito de uma rede
resultados nas áreas de pesquisa, serviços clínicos, multinacional que conseguiu avaliar o diagnóstico
ensino, gestão e operações. e o tratamento da sífilis.
109
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
continua ...
110
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
... continuação
Ao mesmo tempo, em 2011, um grupo de 14 países da África Ocidental lançou um projeto de quatro anos dedicado
ao fortalecimento dos sistemas de pesquisa em saúde. O projeto é financiado pela entidade canadense IDRC e pela
Organização da Saúde da África Ocidental (WAHO), com apoio técnico do COHRED. Uma avaliação da pesquisa em
saúde nesse grupo de países da África Ocidental identificou Guiné Bissau, Libéria, Mali e Serra Leoa como aqueles
que mais necessitam de apoio. A WAHO e o COHRED ajudam a construir sistemas de pesquisa nesses países, com base
em planos de ação definidos pelos próprios países.
P&D: Pesquisa e Desenvolvimento
Quadro 4.8. Como prevenir e tratar a sífilis: uma rede de pesquisa operacional que conecta seis
países
A cada ano, dois milhões de gestantes são infectadas pela bactéria da sífilis. Mais de 50% dessas mulheres transmitem
a infecção aos recém-nascidos, o que resulta em nascimento de prematuros, de natimortos e de bebês com peso
abaixo da média. Além disso, a sífilis aumenta a transmissão do HIV, tanto por via sexual como de mãe para filho.
Entretanto, a sífilis é facilmente diagnosticada e tratada, e o tipo congênito é evitável. Testes diagnósticos e tratamentos
com penicilina, realizados nos próprios locais de atendimento, custam cada um menos de US$1. A London School
of Hygiene & Tropical Medicine coordenou um projeto de pesquisa de implementação multinacional, com duração
de três anos, para determinar a viabilidade e a relação custo/eficácia da utilização de testes diagnósticos simples e
de tratamento imediato em populações de alto risco em atendimento pré-natal, em países de renda média e baixa
(80). O estudo abrangeu mais de 150 mil indivíduos, em seis países. As intervenções foram introduzidas por meio dos
serviços já existentes, de modo que não houve necessidade de nova infraestrutura.
China
> 5 mil examinados
População-alvo:
atendimento
Zâmbia pré-natal e alto risco
> 12 mil examinados
População-alvo:
integração a
programas PTMC Uganda
para HIV > 13 mil examinados
População-alvo:
integração em
programas PTMC
para HIV
Peru
> 17 mil examinados
População-alvo: Brasil Tanzânia
atendimento pré-natal > 45 mil examinados > 58 mil examinados
População-alvo: População-alvo:
comunidades remotas atendimento pré-natal
e autóctones e alto risco
continua ...
111
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
... continuação
Um trabalho preparatório inicial – que incluía a verificação de que o exame seria culturalmente aceitável – foi crítico
para o êxito do projeto. Na China, mulheres profissionais do sexo foram capacitadas para falar com outras colegas e
incentivá-las a participar da triagem. Em um sétimo país – o Haiti –, curandeiros tradicionais receberam formação
sobre os sinais e sintomas da sífilis, o que lhes possibilitou encaminhar pacientes a clínicas de saúde.
Os ministérios da saúde foram consultados sobre as evidências necessárias antes de considerar mudanças em políticas.
Um levantamento de base sobre serviços e barreiras ajudou a projetar intervenções específicas visando superar os obs-
táculos e medir o aumento na cobertura. Os ministérios da saúde receberam atualizações sistemáticas, o que lhes deu
um sentido de propriedade e facilitou a mudança no âmbito das políticas. A ênfase foi colocada no estabelecimento
de sistemas sustentáveis, tanto no nível de equipes quanto no de equipamentos.
Em todos os países participantes, o estudo alcançou aumentos consideráveis de cobertura de testagem diag-
nóstica para a sífilis, o que reduziu a prevalência de sífilis e o risco de infecção por HIV. Alguns benefícios foram
imediatamente visíveis e conduziram a mudanças rápidas nas políticas que, em alguns casos, foram implementadas
mesmo antes do término da pesquisa.
A pesquisa ajudou também a reforçar os serviços de saúde em alguns dos países participantes. No Brasil, por exemplo,
forneceu um modelo para a prestação de serviços de saúde para populações autóctones, bem como um padrão para
introdução de novas tecnologias.
PTMC: Prevenção de transmissão da mãe para a criança.
Ressaltar a colaboração entre países de mais Esta seção descreve as principais responsabilidades
baixa renda não significa negligenciar os vínculos atribuídas a instituições e pesquisadores em relação
tradicionais por meio dos quais os países de mais à realização de pesquisas responsáveis. Uma vez
alta renda continuam a fornecer recursos e expertise que esses princípios são claramente detalhados em
a países de mais baixa renda, nos quais a ênfase das diretrizes internacionais, a tarefa não é necessaria-
pesquisas, ainda que estas sejam complementares, mente desenvolvê-los ainda mais, e sim zelar para
difere de um grupo para outro. Por exemplo, que sejam sempre aplicados.
pesquisas clínicas em países mais pobres têm-se
concentrado em doenças transmissíveis, e não em Ética e revisão ética
doenças não transmissíveis. Já os pesquisadores
Os princípios éticos que orientam o comportamento
em países mais ricos têm expertise considerável no
dos pesquisadores, supervisionados por comitês
estudo de doenças não transmissíveis. A expertise
desses pesquisadores será necessária, uma vez que a éticos, são assegurar honestidade, objetividade,
demanda por pesquisas sobre tais doenças continua integridade, justiça, responsabilização pelas deci-
a crescer em todo o mundo (79). sões, propriedade intelectual, cortesia e probidade
profissionais, proteção de participantes em estudos
Definindo e implementando de pesquisa, e boa gestão da pesquisa em benefício
do próximo (83-88).
normas e padrões A OMS definiu dez padrões que devem ser
Muitas organizações de pesquisa em todo o mundo seguidos em revisões éticas de pesquisas em saúde
elaboraram códigos de práticas para a realização que envolvem participantes humanos (Quadro 4.9).
responsável da pesquisa. Entre elas estão o Medical Esses padrões são planejados para complementar
Research Council (Conselho de Pesquisa Médica), leis, regulamentações e práticas existentes, e para
do Reino Unido, e o National Health and Medical fornecer uma base sobre a qual os comitês de ética
Research Council (Conselho Nacional de Pesquisa em pesquisa possam desenvolver suas próprias
sobre Saúde e Medicina), da Austrália (81, 82). práticas específicas e seus procedimentos registrados
112
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Quadro 4.9. Padrões para revisão ética de pesquisa com seres humanos
Esses padrões – aqui resumidos – são concebidos para servir de orientação aos comitês de ética em pesquisa e para os
pesquisadores que planejam e realizam pesquisa em saúde (88). A tarefa de rever os aspectos éticos envolve mais do que
comitês permanentes, e inclui, por exemplo, equipes independentes de assessores externos capacitados para investigar
alegações de conduta imprópria em pesquisa (89).
1. Responsabilidade para estabelecer o sistema de revisão de aspectos éticos da pesquisa
A revisão de aspectos éticos em pesquisa deve ser apoiada por um arcabouço jurídico adequado. Os comitês de ética
em pesquisa devem ser capazes de fornecer revisões independentes de todas as pesquisas ligadas à saúde, nos níveis
nacional, subnacional e/ou institucional (público ou privado).
2. Composição dos comitês de ética em pesquisa
Os comitês de ética em pesquisa devem ser multidisciplinares e multissetoriais, incluindo indivíduos com expertise
relevante em pesquisa.
3. Recursos dos comitês de ética em pesquisa
Os comitês de ética em pesquisa devem ter recursos adequados – equipes, instalações e recursos financeiros – para
levar a cabo suas responsabilidades.
4. Independência dos comitês de ética em pesquisa
Deve ser garantido o funcionamento independente dos comitês de ética em pesquisa , para proteger a tomada de decisões
contra a influência de qualquer indivíduo ou entidade que patrocina, realiza ou abriga as pesquisas analisadas pelo comitê.
5. Capacitação do comitê de ética em pesquisa
Deve-se oferecer capacitação em aspectos éticos da pesquisa com seres humanos relacionada à saúde, na aplicação
de considerações éticas a diferentes tipos de pesquisa, e na realização de revisões pelos comitês de ética em pesquisa.
6. Transparência, responsabilização e qualidade dos comitês de ética em pesquisa
Existem mecanismos para garantir que as operações dos comitês de ética em pesquisa sejam transparentes, responsáveis
pelas decisões, consistentes e de alta qualidade.
7. Base ética para a tomada de decisões do comitês de ética em pesquisa
As avaliar uma pesquisa, o comitê de ética baseia suas decisões na aplicação coerente e consistente dos princípios éticos
articulados em documentos de orientação e em instrumentos de direitos humanos internacionais, bem como em leis ou
políticas nacionais coerentes com esses princípios.
8. Procedimentos de tomada de decisões para comitês de ética em pesquisa
As decisões sobre protocolos de pesquisa baseiam-se em um processo de discussão e deliberação que deve ser abran-
gente e inclusivo.
9. Políticas e procedimentos formalizados por escrito
Políticas e procedimentos formalizados por escrito incluem especificação de pertencimento ao comitê de ética em
pesquisa, governança do comitê, procedimentos de revisão, tomada de decisões, comunicações, acompanhamento e
monitoramento, documentação e arquivo, capacitação, garantia de qualidade e procedimentos para coordenação com
outros comitês de ética em pesquisa.
10. Responsabilidades dos pesquisadores
A pesquisa somente será realizada por pessoas com qualificação relevante nas áreas científica, clínica ou de outros tipos
que sejam apropriadas ao projeto, em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo comitê de ética em pesquisa.
113
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
114
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Governança
e políticas
Recursos Prioridades
de informação de pesquisa
Projetos
Health
Principais
de pesquisa Research instituições
Web
Organizações Revisão de
da sociedade civil aspectos éticos
Financiamento
de pesquisas
O número de usuários da plataforma vem aumentando, tanto no nível regional como no nível nacional. Nas Américas,
a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) desenvolveu a Health Research Web – Americas (www.healthre-
searchweb.org/en/americas), vinculada à EVIPNet (Quadro 4.12) e a centenas de comitês de ética em pesquisa ativos
na América Latina. Na África, a Comissão Tanzaniana para a Ciência e a Tecnologia (COSTECH) utiliza a plataforma para
divulgar editais para propostas de pesquisas. Essa plataforma permite que a COSTECH identif ique quais estudos
vêm recebendo apoio, verif ique de que forma respondem às prioridades nacionais de pesquisa e quais são
os recursos públicos alocados, e consulte as constatações das pesquisas.
A Health Systems Evidence (www.healthsystemsevidence.org), uma iniciativa do McMaster Health Forum, é um local
de armazenamento de evidências sobre governança e financiamento de sistemas e prestação de serviços na área da
saúde, que passa por atualizações contínuas – principalmente por meio de revisões sistemáticas.
PDQ-Evidence (www.pdq-evidence.org), mantida pela unidade de Medicina Baseada em Evidências da Pontifícia
Universidade Católica do Chile, também fornece evidências sobre saúde pública e sobre sistemas e serviços de saúde.
As informações são apresentadas principalmente sob a forma de resumos estruturados e revisões sistemáticas.
115
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
implementando intervenções
0,8
TCA
da teoria, geralmente são frágeis as evidências sobre Hep B
Proporção de países
como alcançar rapidamente uma ampla cobertura de 0,6
intervenções (59, 107). Para simplificar o problema, TDR
0,4
quatro questões ajudam a compreender por que
intervenções reconhecidamente eficazes não são 0,2
implementadas em escala (108).
Em primeiro lugar, como apresentar os resulta-
dos da pesquisa de forma compreensível e verossímil
para a população de usuários potenciais? Número de anos desde a regulamentação
Em segundo lugar, qual é a melhor maneira
de divulgar ativamente os resultados, uma vez Intervenções: TCA: terapias de combinação baseadas em
artemisina; Hep B, vacina Hepatite B; HiB, vacina contra
claramente descritos? Nesse contexto, qual é
haemophilus influenza tipo B; MTI, mosquiteiro tratado com
a audiência e por meio de que canais pode ser inseticida; TDR teste rápido de diagnóstico de malária.
atingida? O Quadro 4.11 contém uma lista de Adaptado de Brooks et al. sob licença de Open Access (102).
armadilhas que podem ocorrer na divulgação, com
algumas orientações sobre como evitá-las (111). Para responder a essas quatro perguntas em
Nem todos concordarão com todos as indicações. relação a intervenções diversificadas em diferentes
Sendo assim, em vez de alertar contra a publici- contextos, existe uma variedade de redes, ferramen-
dade prematura, Brooks et al. argumentam que a tas e instrumentos disponíveis, incluindo EvipNet,
divulgação, que pode demorar décadas (Figura 4.5), SURE, TRAction e SUPPORT (Quadro 4.12). No
pode ser feita mais rapidamente com a antecipação contexto do desempenho de sistemas de saúde, os
e a remoção dos prováveis empecilhos durante a métodos para avaliar as evidências sobre a eficácia
fase de P&D (102). das intervenções estão bastante desenvolvidos.
Em terceiro lugar, quais são os critérios utili- Entretanto, novas ferramentas são necessárias
zados por usuários potenciais para decidir sobre a para avaliar as evidências de revisões sistemáticas,
adoção de uma nova intervenção? Em condições em termos não só da aceitabilidade de opções de
ideais, a decisão de adotar uma intervenção for- políticas por parte dos envolvidos e viabilidade de
malmente será, em última instância, incorporada implementação, mas também em termos de equi-
a políticas públicas. dade. Há necessidade de pesquisas também sobre
Em quarto lugar, uma vez tomada a decisão modos de desenvolver, estruturar e apresentar
de adotar a intervenção, como implementá-la e opções de políticas em relação às funções dos
avaliá-la? Na prática, há uma tensão entre a pre- sistemas de saúde (114, 115).
servação da intervenção em sua forma original e Pesquisadores e tomadores de decisões nor-
sua adaptação às circunstâncias locais. De modo malmente trabalham em comunidades distintas,
geral, pode-se esperar que os programas funcionem e a maioria das pessoas que tomam grande parte
inicialmente de maneira imperfeita, requerendo das decisões tem dificuldade para avaliar pesquisas
adaptações e refinamento (105). descritas em publicações técnicas e jornais científicos
116
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Quadro 4.11. Dez erros comuns na divulgação de novas intervenções, e sugestões para evitá-los
1. Assumir que evidências são importantes para os possíveis interessados em adotá-las
Sugestão: As evidências são muito importantes apenas para uma parte dos possíveis interessados em adotá-las, e muitas
vezes são utilizadas para rejeitar intervenções propostas. Portanto, ao comunicar inovações, enfatize outras variáveis,
como compatibilidade, custo e simplicidade.
2. Substituir as percepções dos pesquisadores pelas dos possíveis interessados
Sugestão: Ouça os representantes dos possíveis interessados para compreender suas necessidades e reações diante
de novas intervenções.
3. Utilizar os criadores das intervenções como comunicadores
Sugestão: Permita o acesso a especialistas, mas recorra a comunicadores capazes de atrair a atenção dos possíveis
interessados em adotar as intervenções.
4. Introduzir intervenções antes que estejam prontas
Sugestão: Não divulgue as intervenções antes de obter resultados claros.
5. Assumir que informações influenciam a tomada de decisões
Sugestão: A informação é necessária, mas a influência normalmente também é. Portanto, é aconselhável combinar fontes
de informação a fontes de influência social e política.
6. Confundir autoridade com influência
Sugestão: Reúna dados sobre quais dos interessados potenciais são considerados fontes de aconselhamento, e
utilize-os para acelerar a difusão.
7. Permitir que os primeiros a adotar (os inovadores) ganhem primazia nos esforços de difusão
Sugestão: Os primeiros a adotar a intervenção nem sempre são típicos ou influentes. Descubra qual é a relação existente
entre os interessados potenciais e os principais usuários, para identificar aqueles cuja influência pode ser mais significativa
(109).
8. Não identificar as diferenças entre agentes de mudança, figuras de autoridade, líderes de opinião e
defensores de inovações
Sugestão: Não é comum que indivíduos, isoladamente, desempenhem múltiplos papéis; portanto determine o papel
que cada pessoa pode desempenhar no processo de difusão.
9. Selecionar locais de demonstração com base em critérios de motivação e capacidade
Sugestão: A difusão de uma intervenção depende de como os demais consideram os locais iniciais de demonstração.
Sendo assim, ao selecionar os locais de demonstração, tenha em mente quais locais terão influência positiva.
10. Defender intervenções isoladas como a solução para um problema
Sugestão: É improvável que uma única intervenção se adapte a todas as circunstâncias; normalmente é mais eficaz
oferecer um conjunto de práticas baseadas em evidências (105, 110).
Adaptado de Dearing (111)
(ver avaliação de evidências para políticas e práticas deve estar bem posicionado para transferir consta-
no Quadro 2.3, sobre o sistema GRADE) (116). A tações de pesquisas formuladores de políticas, e para
influência da pesquisa depende de como atividades supervisionar práticas nacionais de pesquisa – por
de pesquisa se posicionam em relação aos organismos exemplo, criando bancos nacionais de dados sobre
responsáveis pela criação de políticas e práticas. Para projetos de pesquisa aprovados e concluídos, publi-
obter um efeito máximo, a pesquisa em saúde deve cações científicas produzidas e patentes concedidas.
ser incorporada como uma função essencial em Sempre que existe um vínculo estreito entre
todo sistema de saúde (54). Um departamento de pesquisadores e formuladores de políticas, há
pesquisa situado dentro de um ministério da saúde condições não apenas de produzir resultados sob
117
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
demanda, mas também de formatar a agenda de constantemente propostos como formas de pro-
pesquisa (117). Por exemplo, a avaliação rotineira de mover e apoiar pesquisas de alta prioridade
programas de saúde pública é uma fonte importante (120-122). Mais recentemente, o relatório do
de questões para a pesquisa; no entanto, poucos Consultative Expert Working Group on Research
países dispõem de leis e políticas que exijam a and Development: Financing and Coordination
realização dessas avaliações (118). Um ponto fraco (CEWG) (Grupo de Consultores Especialistas
dos programas de promoção da cobertura universal em Pesquisa e Desenvolvimento: Financiamento
de saúde existentes é o fato de não envolverem e Coordenação) fez uma série de recomendações
avaliadores desde seu início (119). A inclusão de para dar apoio a P&D em tecnologia na área da
cientistas pesquisadores em programas de saúde saúde; e a Alliance on Health Policy and Systems
estimularia o monitoramento e a avaliação. Research (Aliança para Pesquisa em Políticas e
Sistemas de Saúde) fez o mesmo para a pesquisa
Monitorando e coordenando HPSR (Quadro 4.13) (117, 123, 124). Muitas das
a pesquisa, nos níveis ideias para promover P&D e HPSR são aplicáveis
a todos os aspectos da pesquisa em saúde e, por-
nacional e internacional tanto, são descritas em conjunto neste relatório.
Os mecanismos para estimular e facilitar a pes- Quando existe um compromisso com o com-
quisa para a cobertura universal de saúde incluem partilhamento de dados, um observatório global,
monitoramento, coordenação e financiamento, baseado em observatórios nacionais e núcleos
que estão estreitamento relacionados e têm sido regionais, pode, em princípio, adotar os seguintes
118
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
procedimentos para apoiar a pesquisa para a cober- ■ gerar e promover padrões de pesquisa,
tura universal de saúde: aumentar a responsabilidade por decisões
■ compilar, analisar e apresentar dados sobre voltadas a ações e fornecer apoio técnico;
fluxos financeiros relativos à área da saúde; ■ facilitar a colaboração e a coordenação,
■ atuar como repositório de dados sobre principalmente entre países, por meio do
constatações de pesquisas e sobre eficácia, compartilhamento de informações disponí-
segurança, qualidade e viabilidade finan- veis no repositório de dados.
ceira de intervenções, incluindo o registro Na prática, o cumprimento de todas essas
de ensaios clínicos; funções depende dos recursos disponíveis e da
■ em colaboração com outras organizações vontade de desenvolver observatórios nacionais,
que atualmente coletam dados sobre indica- regionais e globais. Essas ideias fazem parte do
dores de ciência e tecnologia (por exemplo, debate contínuo sobre como promover P&D para
UNESCO, OCDE, Rede de Indicadores de a saúde em países de baixa renda (126).
Ciência e Tecnologia – Ibero-americana O monitoramento cria oportunidades para
e Inter-americana, Organização Mundial coordenar atividades de pesquisa: compartilhamento
de Propriedade Intelectual), reunir infor- de informações, construção de redes e colaboração
mações sobre publicações de pesquisas, são ingredientes essenciais da coordenação. As
ensaios clínicos e patentes, como propõe a vantagens da coordenação estão no desenvolvimento
Estratégia Global e Plano de Ação em Saúde conjunto de soluções para problemas comuns, às
Pública, Inovação e propriedade Intelectual vezes com recursos compartilhados. Entretanto,
(Quadro 2.7) (125); também há desvantagens. Um dos dilemas de coor-
■ demonstrar graficamente os progressos em denação é como criar oportunidades para tornar a
pesquisa para cobertura universal de saúde, pesquisa mais eficaz – por exemplo, buscando ser
medindo insumos e impactos sobre a saúde complementar e evitando duplicidade – sem impor
ao longo da cadeia de resultados (Capítulo 1); restrições indevidas à criatividade e à inovação.
119
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
120
Capítulo 4 Construindo sistemas de pesquisa para a cobertura universal de saúde
Fig. 4.6. Oito aspectos de governança e gestão dos sistemas nacionais de pesquisa em saúde
(SNPS) em dez países da Região do Mediterrâneo Oriental
Tunísia
Líbano
Barein
Iêmen
Kuait
Catar
Omã
Gestão e governança
Prioridades nacionais de saúde
Declaração de propósitos para SNPS
Estrutura formal de governança de SNPS
Estrutura formal de gestão de SNPS
Prioridades nacionais de pesquisa em saúde
Política/Plano/Estratégia Nacional de pesquisa em saúde
Declaração de valores para SNPS
Sistema de monitoramento e avaliação para SNPS
estão em diferentes estágios de desenvolvimento. cisam ser mais desenvolvidos e adaptados a novos
Consequentemente, os componentes do sistema contextos e a novas circunstâncias. Ainda há uma
que exigem maior atenção variam de um país para tarefa importante a enfrentar: garantir a adesão
outro. Portanto, a conclusão da visão global aqui nacional e internacional a padrões consensuais de
apresentada destaca um aspecto de cada função conduta em pesquisa.
que é importante para todos os sistemas nacionais Em quarto lugar, embora uma ampla gama de
de pesquisa em saúde. pesquisas fundamentais e aplicadas seja essencial
Em primeiro lugar, ao escolher os tópicos para para atingir a cobertura universal de saúde, há
pesquisa, é preciso concentrar mais esforços no esta- uma necessidade particular de preencher a lacuna
belecimento de prioridades nacionais de pesquisa existente entre conhecimento e ação. Para atingir
em saúde, o que não é o mesmo que estabelecer essa meta, a pesquisa deve ser reforçada não
prioridades para tópicos de saúde selecionados. somente nos centros acadêmicos, mas também
Em segundo lugar, a capacidade de um país nos programas de saúde pública, aproximando-se
de realizar as pesquisas necessárias depende de dos locais de serviços de saúde e de demanda por
financiamento, instituições e redes. Entretanto, o esses serviços.
elemento mais crítico para o êxito do empreendi- Além de discutir a forma como as pesquisas são
mento em pesquisa são os pesquisadores, com seus realizadas, principalmente em termos nacionais, este
atributos de curiosidade, imaginação, motivação, capítulo descreveu também métodos para apoiar
capacidades técnicas, experiência e conexões. a pesquisa em âmbito nacional e internacional. O
Em terceiro lugar, os códigos de práticas – a apoio provém de três mecanismos: monitoramento,
pedra angular de qualquer sistema de pesquisa – já coordenação e financiamento. Uma das formas
são utilizados em muitos países. Entretanto, pre- mais eficazes de monitorar a pesquisa é a criação de
121
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
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127
Capítulo 5
Apoiando pesquisadores 10
133
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Quadro 5.1. Principais ações e questões relativas à pesquisa para a cobertura universal de saúde
Este quadro identifica as questões-chave sobre a pesquisa para cobertura universal de saúde que emergem da discussão
apresentada no texto principal, assim como algumas ações importantes que podem ser empreendidas no intuito de
ajudar a responder a essas perguntas.
Perguntas sobre a pesquisa
Melhorando a cobertura de serviços de saúde:
■■ Como agir para que os serviços essenciais de saúde e a proteção contra o risco financeiro passem a ser acessí-
veis a todos? De que maneira uma cobertura mais ampla de serviços, melhor proteção financeira e, em última
análise, a cobertura universal de saúde podem levar a melhores condições de saúde?
Medindo a cobertura de serviços de saúde:
■■ Quais indicadores e dados podem ser utilizados para monitorar os avanços rumo a uma cobertura universal de
serviços essenciais de saúde e de proteção contra riscos financeiros em cada contexto?
Ações sobre a realização de pesquisas, principalmente em relação a sistemas nacionais de pesquisa em saúde
Estabelecendo prioridades de pesquisa:
■■ Estabelecer prioridades para a pesquisa, especialmente no nível nacional, com base em avaliações das principais
causas dos problemas de saúde.
Fortalecendo a capacidade de pesquisa:
■■ Dar prioridade ao recrutamento, à capacitação e à retenção de pesquisadores; a equipe é o principal ativo em
qualquer empreendimento de pesquisa.
■■ Proporcionar capacitação não apenas em métodos de pesquisa, mas também em condutas adequadas de
pesquisa – responsabilização, ética, integridade e administração de informações no interesse dos demais.
■■ Capacitar os formuladores de políticas no uso de evidências de pesquisa, e capacitar pesquisadores no entendi-
mento do processo de tomada de decisões e na compreensão dos profissionais da saúde.
Estabelecendo padrões:
■■ Refinar e implementar códigos de práticas para realizar pesquisas éticas e responsáveis em cada contexto.
■■ Classificar tipos de estudos e dados de pesquisas de acordo com padrões internacionais comparáveis e
consensuais.
Traduzindo pesquisas em políticas e práticas:
■■ Incorporar a pesquisa aos processos de formulação de políticas, para facilitar o diálogo entre ciência e prática.
■■ Estabelecer procedimentos formais para traduzir evidências em práticas.
■■ Assegurar que os programas de desenvolvimento profissional continuado e de melhoria de qualidade dos
serviços reflitam as melhores evidências disponíveis.
■■ Aumentar os incentivos para a realização de pesquisas relevantes para políticas de saúde.
■■ Envolver empresas privadas de pesquisa com instituições públicas na descoberta, no desenvolvimento e no
fornecimento de novas tecnologias.
Garantindo participação e entendimento público em relação à pesquisa:
■■ Incluir representação ampla da sociedade no processo de governança da pesquisa.
■■ Ampliar o acesso público a debates e a avaliações de políticas, tanto por meio da mídia como em consultas e
encontros públicos.
Ações para apoiar a pesquisa, nos âmbitos nacional e internacional
Monitorando a pesquisa:
■■ Desenvolver observatórios nacionais e internacionais de pesquisa para compilar e analisar dados sobre o
continua ...
134
Capítulo 5 Ações relativas à pesquisa para a cobertura universal de saúde
... continuação
processo de realização de pesquisa (financiamento, prioridades, projetos etc.) e sobre os resultados de pesquisa
– incluindo a pesquisa que visa à cobertura universal de saúde.
Coordenando pesquisas e compartilhando informações:
■■ Promover compartilhamento de conhecimentos, construção de redes e colaboração, especialmente dentro dos
países e entre países que começam a desenvolver sua capacidade de pesquisa.
Financiando pesquisas:
■■ Desenvolver mecanismos mais aperfeiçoados para levantar e desembolsar recursos para a pesquisa, seja por
intermédio dos organismos nacionais e internacionais existentes, seja por meio da criação de outras entidades.
■■ Estabelecer mecanismos flexíveis de financiamento que possibilitem a pesquisa transversal entre disciplinas,
tanto dentro como fora do setor de saúde.
■■ Estabelecer critérios para investimento em pesquisa na área da saúde.
Gerenciando e administrando a pesquisa em saúde:
■■ Avaliar sistematicamente a gestão e a governança nos sistemas nacionais e internacionais de pesquisa em
saúde, verificando a existência de mecanismos para a execução das funções essenciais acima mencionadas
(prioridades, capacidade, padrões e tradução).
■■ Avaliar sistematicamente políticas públicas e programas sociais de ampla escala que se baseiam em pesquisa
para a saúde, e tornar seus resultados amplamente acessíveis.
Entretanto, a pesquisa é mais do que uma média e baixa. Hoje, em todas as partes do mundo,
ferramenta essencial: é também fonte de inspiração a maioria dos países já dispõe pelo menos das
e de motivação em saúde pública. As constatações bases para a construção de sistemas nacionais
da pesquisa incitam o desejo de vencer os maiores eficazes de pesquisa em saúde. Alguns têm muito
problemas de saúde pública, como mostram dois mais do que bases: têm prósperas comunidades
exemplos recentes. No primeiro caso, após o desen- de pesquisa.
volvimento de uma nova vacina meningocócica A
conjugada, de alta eficácia (MenAfriVac), cem Definindo e medindo os
milhões de pessoas foram imunizadas no período progressos rumo à cobertura
de dois anos em todo o cinturão de meningite do
continente africano (2, 3). No segundo caso, o hoje universal de saúde
famoso ensaio clínico HPTN 052 – a “descoberta Tendo em vista que as causas de problemas de saúde
do ano” de 2011, segundo a revista Science – mos- e a capacidade de proteção financeira diferem de um
trou como a terapia antirretroviral pode prevenir país para outro, cada nação deve determinar quais
praticamente toda a transmissão de HIV por via são seus problemas de saúde prioritários, decidir
sexual entre casais, suscitando novos debates sobre quais são os serviços necessários para abordar esses
a erradicação do HIV/aids (4). problemas, e investigar como fornecer tais serviços.
Nenhum dos indicadores do crescimento Normalmente, o número de serviços que compõem
da atividade de pesquisa descritos no Capítulo 2 um sistema nacional de saúde é grande demais
garante, por si só, produtos e estratégias que para que este possa ser monitorado de maneira
ajudarão a alcançar a cobertura universal de abrangente. A alternativa prática é escolher um
saúde. Coletivamente, porém, essas tendências conjunto de indicadores de cobertura mensuráveis
ascendentes indicam o volume cada vez maior para representar, como sinalizadores, o valor total
de informações e evidências que influenciarão da quantidade, da qualidade e da prestação equi-
políticas e práticas de saúde em países de renda tativa dos serviços fornecidos, incluindo meios de
135
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
garantir proteção financeira. Isso conduz a uma comum de indicadores para comparar os progressos
interpretação pragmática da cobertura universal em rumo à cobertura universal em todos os países.
qualquer contexto, de modo que cada intervenção Muitas vezes, será possível satisfazer a definição
representativa esteja acessível a todos os que a de cobertura universal com relação a um, a vários
ela têm direito, seja um serviço de saúde ou um ou talvez a todos os serviços de saúde monitora-
mecanismo de proteção financeira. dos – imunização contra sarampo, acesso à terapia
Por definição, a cobertura universal garante o retroviral para pessoas infectadas com HIV, um tipo
acesso a serviços e a proteção financeira para todos. particular de seguro de saúde, e assim por diante.
Entretanto, quando a cobertura é parcial, é possível Entretanto, atingido esse ponto, inevitavelmente
que algumas pessoas sejam mais beneficiadas que surgirão novas questões relativas a melhores con-
outras. Por essa razão, as medidas de cobertura dições de saúde, e a lista de questões vai aumentar
devem revelar não apenas a acessibilidade média à medida que as causas dos problemas de saúde,
de serviços em uma população, mas também a em constante transformação, sejam identificadas,
cobertura em meio a diferentes grupos de pessoas graças a novas intervenções e tecnologias. A resposta
classificadas por renda, gênero, etnia, geografia etc. a sucessos anteriores e a novos desafios é formular
O Capítulo 1 ressaltou o fato de que os grandes uma definição mais ambiciosa de cobertura univer-
progressos em relação à prestação de serviços para a sal – uma nova agenda para pesquisa – e gerar um
saúde materna e infantil ocorreram graças à redução número de evidências ainda maior para subsidiar
da disparidade entre a faixa de renda mais alta e políticas e práticas de saúde. A busca pela cobertura
a faixa de renda mais baixa (5). Esta é uma forma universal de saúde constitui um mecanismo pode-
de “universalismo progressivo”, segundo o qual os roso para a continuidade da busca por melhores
indivíduos mais pobres progridem tanto quanto condições de saúde.
os mais ricos rumo à cobertura universal (6). No
entanto, quanto à mensuração, dados desagregados
devem ser aplicados aos indicadores corretos, a fim
Caminhos para a cobertura
de monitorar a implementação de uma determinada universal de saúde e para
política de equidade.
A partir dessas considerações, surgem dois
melhores condições de saúde
tipos de questões para pesquisa. O primeiro grupo O Capítulo 3 apresentou 12 estudos de caso que
de questões diz respeito a melhores condições de mostraram, por meio de exemplos, de que modo a
saúde. Considerando-se o ônus da doença em pesquisa pode ajudar a alcançar a cobertura universal
qualquer contexto, quais são os serviços necessários, de saúde e fornecer resultados que influenciem, de
como a cobertura universal desses serviços pode ser fato ou potencialmente, as políticas e os resultados
alcançada, e como a cobertura mais ampla resulta de saúde. Muitos desses exemplos não são descritos
em melhores condições de saúde? A principal neste relatório, mas dois deles, que dizem respeito à
preocupação deste relatório refere-se ao primeiro cobertura de serviços de saúde e ao financiamento,
grupo de questões. são aqui revisitados. Em primeiro lugar, ensaios
O segundo conjunto de questões diz respeito à controlados randomizados realizados na Etiópia,
mensuração: qual é a definição prática de cobertura no Quênia, no Sudão e em Uganda mostraram que
universal de saúde em qualquer contexto, e quais são a associação do estibogluconato de sódio (SSG)
os indicadores e os dados que podem ser utilizados à paromomicina (PM) é eficaz no tratamento da
para medir os progressos rumo a esse objetivo? As leishmaniose visceral. A duração do tratamento
respostas virão, em parte, do vasto corpo de infor- pode ser mais curta em relação à monoterapia
mações já existentes sobre indicadores específicos, com SSG, e a probabilidade de gerar resistência ao
mas novas pesquisas também serão necessárias. medicamento é menor (7). Com base nessas evidên-
Um dos produtos dessa pesquisa será um conjunto cias, a OMS recomendou o uso de SSG e PM como
136
Capítulo 5 Ações relativas à pesquisa para a cobertura universal de saúde
tratamento de primeira linha para a leishmaniose os estudos com base em observação muitas vezes
visceral na África Oriental. Em segundo lugar, são utilizados para resolver questões operacionais
uma revisão sistemática de evidências obtidas em sobre a melhor forma de distribuir medicamentos e
vários países – Brasil, Colômbia, Honduras, Malaui, vacinas pelos serviços de saúde, o que é influenciado
México e Nicarágua – identificou uma associação por sistemas e comportamentos locais. A pergunta
entre transferências monetárias condicionadas inevitável com a qual se defronta qualquer pesquisa
(TMC) e a utilização cada vez maior de serviços e é: “Quanto tempo e quanto dinheiro podemos gastar
melhores resultados em saúde (8). Essas constatações na investigação?”
estimularão novas pesquisas sobre a utilidade das Embora tenha focalizado diretamente a pesquisa
TMC em outros países. voltada para a cobertura universal de saúde, este
Além de vincular a pesquisa à cobertura dos relatório destacou também os benefícios adicionais
serviços e, como consequência, à saúde, os 12 para a saúde que resultam da pesquisa em outros
estudos de caso fornecem também conclusões gerais setores, tais como agricultura, educação, meio
sobre a realização de pesquisas, e algumas delas ambiente e transporte (Quadro 2.6). O relatório
dizem respeito ao escopo da pesquisa. As questões não discutiu pesquisas que mostram como tornar
sobre como alcançar cobertura universal de saúde sistemas de saúde mais resilientes diante de ameaças
variam de questões ligadas às causas dos problemas ambientais, tais como eventos climáticos extremos,
de saúde, passando por métodos de prevenção e ou como os sistemas de saúde podem reduzir suas
tratamento, até questões ligadas ao desempenho próprias emissões de gases que contribuem para
dos serviços de saúde. A pesquisa deve descobrir de o efeito estufa. São temas importantes, porém
que forma melhorar a cobertura atuais e introduzir complementares ao tema principal da pesquisa
novas intervenções. A pesquisa deve explorar o para uma cobertura universal de saúde.
desenvolvimento e a utilização de recursos como
software (por exemplo, os de programas de prestação Pesquisa para a cobertura
de serviços) e hardware (P&D para commodities universal de saúde em
e tecnologia). Pesquisas são necessárias também
para investigar formas de melhorar a saúde tanto
todos os países
no setor da saúde como em outros setores. Como ficou evidente no Capítulo 3, os resultados
Os estudos de caso ilustram também métodos, de algumas pesquisas são amplamente aplicáveis,
processos e resultados de pesquisas. Em geral, a pes- mas muitos dos passos rumo à cobertura univer-
quisa bem-sucedida estimula um ciclo de investigação sal de saúde dependerão de respostas locais para
– que, por sua vez, também estimula a pesquisa –, no questões locais. Portanto, todas os países devem ser
qual questões levam a respostas que levam a outras produtores e consumidores de pesquisa.
questões. Em termos gerais, o projeto de um estudo Tornar-se produtivo em pesquisa requer um
constitui um compromisso, porque as evidências sistema nacional de pesquisa que funcione. Tal
mais sólidas e as inferências mais fortes normalmente sistema precisa ser capaz de estabelecer prioridades;
provêm de estudos mais prolongados e dispendiosos recrutar pessoal e construir instituições de pesquisa;
(por exemplo, ensaios randomizados controlados). A adaptar, adotar e manter padrões de pesquisa; utilizar
escolha do desenho do projeto depende também da a pesquisa para influenciar políticas e práticas de
necessidade de generalizar de um contexto para outro: saúde; e monitorar e relatar processos, produtos,
a probabilidade de aplicação ampla dos resultados é resultados e impacto.
maior quando os processos que vinculam causas e Em cada contexto, as prioridades para a pesquisa
efeitos são menos numerosos e menos variáveis. Assim devem ser determinadas pelos problemas de saúde
sendo, a tendência é favorecer ensaios clínicos – por predominantes. Embora as investigações movidas pela
exemplo, para avaliar a eficácia de medicamentos curiosidade tenham um lugar de destaque no cenário
e vacinas (regidos por fatores fisiológicos) –, mas da pesquisa, este relatório valoriza especialmente os
137
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
138
Capítulo 5 Ações relativas à pesquisa para a cobertura universal de saúde
139
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
140
Capítulo 5 Ações relativas à pesquisa para a cobertura universal de saúde
criado ou desenvolvido por organizações já existen- Mundial da Saúde. Ao longo do relatório, foi
tes. Vários organismos internacionais – tais como explicado por que a pesquisa é vital para alcançar a
TDR, Aliança GAVI, Fundo Global de Combate cobertura universal de saúde, e, consequentemente,
à Aids, Tuberculose e Malária, e UNITAID – têm para melhorar as condições de saúde de todas as
potencial para administrar os recursos e distribuí-los pessoas do mundo.
para pesquisas em países de renda média e baixa. A estratégia da OMS para a Pesquisa em Saúde
Qualquer que seja, o mecanismo de finan- (Quadro 4.1) é um mecanismo de apoio à pesquisa
ciamento escolhido deve incentivar ativamente a em saúde, por meio do qual a OMS trabalha em
pesquisa interdisciplinar, não só no setor de saúde, conjunto com governos, agências financiadoras,
mas também em outros setores. Como foi argumen- parceiros, organizações não governamentais e da
tado ao longo de todo o relatório, a pesquisa para a sociedade civil, entidaes filantrópicas e investidores
cobertura universal de saúde reconhece que saúde, comerciais, entre outros. Em termos mais simples, o
e particularmente prevenção, dependem de ações objetivo da estratégia da OMS é promover pesquisa
realizadas fora do setor da saúde – em agricultura, da mais alta qualidade para produzir os maiores
educação, emprego, política fiscal, serviços sociais, benefícios de saúde para o maior número possível
comércio etc. Uma política de saúde abrangente de pessoas. De acordo com as funções essenciais
deve considerar a “saúde em todos os setores” de necessárias para a pesquisa (Capítulo 4 e acima),
governança, e a pesquisa também deve cobrir todos o papel da OMS é desenvolver pesquisas ligadas às
esses setores. necessidades predominantes no âmbito da saúde de
Essa posição ficará ainda mais evidente quando, seus Estados Membros, apoiar sistemas nacionais
a partir de 2015, o mundo adotar uma nova agenda de pesquisa em saúde, criar normas e padrões
de desenvolvimento que sucederá os Objetivos de de conduta apropriada em pesquisa, e acelerar a
Desenvolvimento do Milênio. Na era pós-2015, tradução das constatações em políticas e práticas
a saúde deve desempenhar um papel claramente de saúde.
articulado no desenvolvimento social, econômico Sendo a principal agência internacional para
e humano (16). Para gerar evidências sobre o apoio a saúde, a OMS tem um papel-chave na promoção
a um desenvolvimento sustentável, é preciso que e na realização da pesquisa para a cobertura uni-
o financiamento esteja disponível para subsidiar a versal de saúde. Em termos de monitoramento,
pesquisa para a saúde em diversas disciplinas. Os um observatório global de pesquisa requer uma
comitês nacionais e internacionais de consultoria representação ampla, deve ser capaz de desenvolver e
em pesquisa de saúde devem preparar-se para esse aplicar padrões apropriados, e deve angariar o apoio
novo desafio. internacional necessário. Em termos de coordena-
ção, a OMS mantém inúmeros comitês consultivos
O papel da OMS na de pesquisa com ampla representação. Em termos
pesquisa para a cobertura de financiamento, TDR e UNITAID, ambos man-
tidos pela OMS, são mecanismos potenciais para
universal de saúde desembolsar recursos destinados à pesquisa. À
Este relatório teve início com a observação de medida que essas possibilidades vêm sendo mais
que a cobertura universal de saúde é a base para exploradas, a OMS trabalha para reforçar suas
que “todas as pessoas tenham acesso às melhores funções essenciais. Uma delas é garantir que as
condições de saúde possíveis” – um princípio que próprias diretrizes da Organização Mundial da
fundamenta a constituição da OMS e uma força Saúde reflitam as melhores evidências disponíveis
norteadora em todo o trabalho da Organização obtidas por meio de pesquisas. n
141
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
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142
Índice remissivo
143
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Instituições e redes, ver instituições e redes (pesquisa) Sinalizadores para acompanhar os progressos, 15-16, 18q
Rede Global Health Trials, 109, 110q “Terceira transição global da saúde”, 5
Renda Nacional Bruta (RNB), 44, 44f, 100 “universalismo progressivo”, 20, 136
China, pesquisa, colaboração internacional, 40f, 40-41 Cochrane Collaboration, 39
Classificação das pesquisas, 33q, 59, 60t, 61t, 62t (ver Código de doenças, 109
também estudos de caso (de pesquisa)), 62 Códigos de práticas, 120-122, 134q, 138
Avaliação de tratamento e de intervenções, 33q, 61t Ensaios clínicos, registros, 114
Código de doenças, 109 Ética e revisão ética ver ética e revisão ética
Desenvolvimento de tratamentos e de intervenções, 33q, Políticas, práticas e produtos, 114
61t Colaboração interacional para pesquisa, 40f, 40-41, 107,
Detecção, exames e diagnósticos, 33q, 60t 138
Etiologia (causas), 33q China, 40f, 40-41
Financiamento proporcional a, ver financiamento (pesqui- Pesquisa multinacional, 77-79, 78t, 111q, 120
sa) Princípios, 107q
Gestão de doenças e condições de saúde, 33q, 61t Colaboração, pesquisa, ver pesquisa internacional,
Pesquisa básica ou fundamental, 33q colaboração
Pesquisas sobre políticas e sistemas de saúde, 33q, 61t, 62t
Prevenção de doenças e condições de saúde, 33q, 60t
Comissão sobre Pesquisa em Saúde para o Desenvolvi-
Promoção de bem-estar, 33q, 60t mento (Relatório 1990), 37, 37q, 48-49
Sistemas de Classificação de Pesquisas em Saúde (HRCS), Considerações jurídicas, direitos de propriedade intelec-
33q, 60t, 61t, 62t, 138 tual, 44
United Kingdom Clinical Research Collaboration, 59 Consórcio Pan-africano para Avaliação de Antibióticos
Cobertura (serviços/atendimento de saúde), 7f, 15-19 Antituberculose (PanACEA), 110q
Mensuração, 15-16, 16f, 18q, 22, 134q Coordenando pesquisa, 135q, 141 (ver também obser-
ODM ver Objetivos de Desenvolvimento do Milênio vatórios)
(ODM) Criatividade, em pesquisa, 31, 35, 36q, 48-49
Pesquisa, papel da, 134q
Cuidados primários, papel nos sistemas de saúde, 6q
Qualidade do atendimento de saúde, ver qualidade do at-
endimento de saúde Universal, ver cobertura universal
de saúde [D]
Cobertura universal de saúde, 88 Declaração de Helsinki (1964-2008), ensaios clínicos,
Cobertura, ver cobertura registro, 114
Conceito, 6,-11, 136 Definições, pesquisa, 32q
Dimensões, 7f
Desenvolvimento de medicamentos, 45
Proteção contra risco financeiro, ver proteção contra
risco financeiro
Desenvolvimento de produtos, 114
Serviços de saúde, ver serviços de saúde Desnutrição, micronutrientes, ciclo de pesquisa, 34q
Direito à saúde, 5 Detecção, pesquisas, 33q
Disponibilidade de medicamentos genéricos, 15-16, 19, Determinantes sociais, prevenção/tratamento de
19f doenças, 9, 10q
Equidade, ver equidade Diagnósticos, pesquisas, 33q
Era pós-2015, 141 Diarreia
Implicações de pesquisas, 59-92 (ver também estudos de Centro Internacional para a Pesquisa sobre Doenças Diarre-
caso) icas, Bangladesh (ICDDR,B), 112
Melhores condições de saúde e, 136-137 Estudo de caso, 67-69, 68t
Mensurando progressos, 135-136 Direitos de propriedade intelectual, 44
Meta, 5
“disparidade 10/90”, 37, , 37q
Observatórios, 118-120
Pesquisa, 120 (ver também pesquisa)
Disponibilidade de medicamentos genéricos, 15-16, 19,
Crescimento, ver pesquisa, crescimento 19f
Papel da, 5,-22, 133 Divulgação (pesquisa), 114, 117q
Problemas prioritários de saúde, 135 Atrasos na, 114, 116f
Recursos para pesquisa, 120 Erros, 114, 116f
Saúde ambiental, 40-41, 41q, 43 Doadores externos, financiamento (pesquisa), 109
“Saúde para Todos”, 5, 6q Doença cardiovascular
Serviços de saúde, ver serviços de saúde Pesquisa, 46-47
144
Índice remissivo
145
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Tuberculose (TB), 109, 109f National Institute for Health Research (Reino Unido), 46-47
Força de trabalho (pesquisa), ver pesquisadores Parcerias para Ensaios Clínicos em Países Europeus e em
Desenvolvimento (EDCTP), 110q
Pesquisa para a Saúde na África (R4HA), 110q
[G]
Rede Africana para a Inovação em Medicamentos e Diag-
Gastos (atendimento de saúde), 7 nóstico (ANDI), 110q
Europa, população em processo de envelhecimento, 85-87, Rede Global Health Trials, 109, 110q
86f Sífilis, rede de pesquisas operacionais, 112q
Financiando pesquisa de maneira proporcional, 120 Intervenções
PIB e, ver Produto Interno Bruto (PIB) Adotantes, 116, 117q
Tributação, 7, 8q Avaliação, 116
Gestão (doenças e condições de saúde), pesquisas, 33q Pesquisa
Gestão (pesquisas em saúde), 120, 135q Estudos, 33q
Gestão Integrada de Doenças Infantis (Gidi), 77 Implicações de, 59-92 (ver também estudos de caso
Governança (pesquisa em saúde), 120, 121f (de pesquisa)
GRADE, 35q, 116-117 Tradução de evidências, ver traduzindo evidências em
Guiné Bissau, ministérios da saúde, papel dos, 103q políticas e práticas
Investimentos financeiros em atendimento de saúde, 9,
[H] 9f
Harmonização, Iniciativa ESSENCE on Health Research, Investimentos, financeiros, 9, 9f
Acidente vascular cerebral isquêmico, taxas de letalidade,
103-104 20-21, 21f
Health Research Web, 115q Irlanda, Payback Framework, 47-48
Health Systems Evidence, 115q Retorno sobre, ver retorno sobre investimentos
HIV
“acesso universal” à terapia antirretroviral (TAR), 15-16
[M]
Cobertura de intervenções, 15-16, 17f
Ensaio HPTN 052, 65-67, 66f Malária
Prevenção, estudo de caso, 65-67, 66f Cobertura de intervenções, 15-16, 17f
Transferência monetária condicionada (TMC), estudo de Estudo de caso, 64f, 64-65
caso, 82f, 82-84 Instituição de pesquisa, 104-105
Recursos para controle, 64f, 65
[I] Mapeamento de atividades, pesquisa, 105-106, 106f
Implementação (políticas, práticas, intervenções) Medical Research Council, 108, 108f
Divulgação de evidências de pesquisas, ver divulgação Medicamentos genéricos, disponibilidade, 15-16, 19, 19f
(pesquisa) MenAfriVac (vacina contra meningite A), 39, 135
Tradução de evidências, ver traduzindo evidências em Prioridades em comum para pesquisa, 120
políticas e práticas Meta-análise, 65
Iniciativa ESSENCE on Health Research, 101-102 México, provimento de seguro de saúde, estudo de caso,
Princípios, 101-102, 103-104 84-85
Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas Micronutrientes, desnutrição, ciclo de pesquisa, 34q
(MDN), 39 Ministérios da Saúde, o papel dos,
Iniciativa para fortalecer a Capacidade de Pesquisa em Guiné Bissau, 103q
Saúde na África (ISHReCA), 110q Paraguai, 103q
Inovação, 32q Monitorando, pesquisa, 134q
Em pesquisa, 31, 32q, 35, 36q Moradias e sistemas de energia, pesquisa de saúde
Restrições, 48-49 ambiental, 42q
Instituições e redes (pesquisa), 109 Morbidade Materna Aguda Grave (MMAG), 79-81, 81t
Comunicação, 138 Mortalidade infantil, estudos de caso, 64f, 64-65, 67, 69,
Consórcio Pan-Africano para a Avaliação de Antibióticos 77-79, 78t, 83
Antituberculose (PanACEA), 110q
Construção, 109
[N]
Iniciativa para Fortalecer a Capacidade de Pesquisa em
Saúde na África (ISHReCA), 110q National Institute for Health Research (Reino Unido),
Malária, 104-105 46-47
146
Índice remissivo
147
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
148
Índice remissivo
149
Pesquisa para a cobertura universal de saúde
Saúde infantil, equidade da cobertura de serviços, 20, Telemedicina, estudo de caso, 69-71, 70f, 70t, 71f
20f “Terceira transição global da saúde”, 5
Saúde materna Teste Xpert MTB/RIF, 71-74, 72f, 73f
Ensaio HPTN 052, 65-67, 66f Traduzindo evidências em políticas e práticas, 114, 118q,
Equidade na cobertura de serviços, 20, 20f 134q, 139
Estudo de caso, 79-81, 81f, 81t Adaptação a serviços locais, 116
Melhorando a saúde materna (ODM 5), 79-81, 81f, 81t Apresentação de evidências de pesquisa, 114
Morbidade materna aguda grave (MMAG), 79-81, 81t Atraso na, 114, 116f
Saúde mental, retorno sobre investimentos, 47-48 Pesquisa translacional, ver, pesquisa translacional
Seguro Popular, 84-85 Pesquisadores, o papel dos, 139
Serviços de saúde, 5, 6, 15-16, 16f (ver também atendi- Políticas, 59-92
mento de saúde) Ferramentas SUPPORT para elaboração de políticas
Acesso a, 88 orientadas por evidências, 118q
ODM, ver Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) Redes de políticas orientadas por evidências (EVIPNet),
Papel dos cuidados primários, 6q 118q
Projeto Translating Research into Action (TRAction), 118q
Requisitos, 21-22
Sistema GRADE, 35q, 116-117
Sinalizadores para acompanhar os progressos rumo à
Universal, cobertura universal de saúde, 59-92
cobertura universal, 15-16, 18q
Transferência de tarefas, 77-79, 78t
Sífilis
Exames, 112q Transferência monetária condicionada (TMC), 82f, 82-84,
Rede de pesquisas operacionais, 112q 83
Sinalizadores (progressos rumo à cobertura universal), Translacional, pesquisa, 32q, 134q
Financiando pesquisas, 107-109
15-16, 18q, 22
Incentivos, 139
Sistema de Classificação de Pesquisas em Saúde (HRCS), Prioridades para pesquisa, 100
138 Transparência
Sistemas de pesquisa em saúde, 97 Transporte urbano, pesquisa em saúde ambiental, 41q
Avaliação de, 97, 99q Tributação, 7, 8q
Funções, 97, 121
Tuberculose (TB), 10q
Códigos de práticas, ver códigos de práticas Barreiras ao acesso, 10q
Construção de capacidade, ver capacidade (pesquisa) Cobertura de intervenções, 15-16, 17f
Estratégia da OMS para Pesquisa em Saúde, ver Organ- Estudo de caso, 71-74, 72f, 73f
ização Mundial da Saúde (OMS) Financiamento para pesquisa, 109, 109f
Prioridades, ver prioridades para pesquisa Gastos com tratamento, 10q
Tradução de evidências, ver traduzindo evidências em Indicadores mensuráveis, 11q
políticas e práticas Programas de controle, 11q
Governança e gestão, 120, 121f, 135q Proteção social, 10q
Observatórios, 118-120, 122 TB multirresistente (MDR-TB), 71
Países africanos, 99q Teste Xpert MTB/RIF, 71-74, 72f, 73f
Países de baixa renda, 99q
Países de renda média, 99q
Sistemas nacionais (NHRS), 120, 121f, 137 [U]
Sistemas nacionais de pesquisa em saúde (NHRS), 120, Ucrânia, sinalizadores dos progressos rumo à cobertura
121f, 137 universal, 15-16, 18q
Suplementos de zinco, estudo de caso, 67-69, 68t United Kingdom Clinical Research Collaboration, 59
“universalismo progressivo”, 20, 136
[T]
Tabagismo, 9 [V]
Tailândia, Programa de Avaliação de Intervenções e Vacina, MenAfriVac, 39
Tecnologias na área da Saúde (HITAP), 7, 8q Visceral, leishmaniose (LV), 136
Taxa de mortalidade materna (TMM), 79-81, 81f Estudo de caso, 75-77, 76f
Taxas de letalidade, 20f, 20-21
Variação, 21 [W]
TB multirresistente (MDR-TB), 71 (ver também tubercu- Wellcome Trust (Reino Unido), financiamento de pesqui-
lose (TB)) sas, 108, 108f
150
Escritórios da Organização Mundial da Saúde