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GREGORIANO:
I. DIVISÃO DO REPERTÓRIO:
PRÓPRIO
Definição: conjunto de todas as rubricas declamadas ou cantadas, quer no contexto do
cerimonial litúrgico da Missa, quer no contexto dos ofícios litúrgicos (“missas” bem mais breves,
mas várias durante todo o dia e noite), ou (como também são designadas) das «Horas» nos
mosteiros e conventos, que são específicas do tema religioso celebrado (Por exemplo, da época
do ano litúrgico em questão - Advento, natal, Quaresma, Páscoa/ressurreição de Cristo,
Pentecostes, entre outros - ou de celebração da vida de um santo, mártir, doutores da Igreja,
etc..
Tipo de Execução das Rubricas Cantadas do Próprio: por se tratar das rubricas especiais com
textos próprios, as antífonas (sinónimo de “melodias” na gíria técnica deste repertório), ou
cantilenas gregorianas têm uma execução responsorial, isto é, apenas o Schola Cantorum,
nome que se dá ao coro especializado, interpreta estas rubricas em alternância interna entre
a totalidade dos seus membros e um solista ou pequeno grupo de solistas. (Por exemplo, os
versículos dos Alleluias ou dos Graduais, sendo prolixos e muito desenvolvidos, bastante
ornamentados, costumam ser cantados por um solista, ou pequeno grupo de solistas).
ORDINÁRIO
Tipo de Execução das Rubricas Cantadas do Ordinário: por se tratar das rubricas comuns, com
textos sabidos de cor por todos os fiéis, a as rubricas cantadas do Ordinário têm uma execução
antifonal, isto é, a assembleia ou a congregação canta em alternância (por vezes ao mesmo
tempo) com o Schola Cantorum, (o coro especializado). O termo justifica-se aqui não pelo
significado de antífona como sinónimo de melodia ou cantilena, mas sim pelo efeito espacial
antifónico que decorre da localização bem demarcada na Igreja do coro com os fiéis, Para além
das diferenças de volume sonoro. Outra questão relevante que importa salientar é que as
rubricas do ordinário para além de servirem um propósito de fidelização cristã, ritualizada em
litanias, acaba por dar a oportunidade às pessoas comuns de terem uma participação menos
passiva (em vez de apenas receber a inquestionável palavra divina e comungar do espírito
gregário em torno da figura de Jesus Cristo, etc.). Consoante as épocas festivas do ano litúrgico,
e da maior ou menor simplicidade ou erudição musical das assembleias, as rubricas do Ordinário
podiam ser escolhidas em função do maior ou menor grau de dificuldade de interpretação. Por
isso, apesar de ser mais habitual existirem melodias mais acessíveis e simples no Ordinário, há
vários exemplos de por exemplo, Kyries, Santus, e Agnus Dei mais elaborados em termos de
composição.
Nota: Para ter conhecimento, a título meramente informativo (mas culturalmente estimulante), a
constituição e a ordem típica de todo o cerimonial de rubricas declamadas e cantadas numa missa ver o
canto inferior direito do documento 1A, e ler a secção “Chant in the mass” do documento 1C, da autoria
de Susan Boyton (pp. 7-12 do respetivo PDF).
Género silábico: neste caso, para cada sílaba, corresponde um neuma simples (nota: neuma é
o termo técnico que designa as figuras musicais em Canto Gregoriano, embora não indiquem
valores rítmicos), ou seja um neuma em média com uma só nota (por exemplo, um punctus ou
uma virga, as duas figuras mais simples em Canto Gregoriano, conforme 2º coluna do lado
direito do quadro D do documento 2A), com algumas sílabas a receberem, no máximo, neumas
de duas ou três notas. Há, portanto, uma intensa articulação silábica nestes casos. Isto acontece
habitualmente em textos mais longos, para que a melodia não fique muito longa, por exemplo
nos Credo e Gloria do Ordinário. Os salmos são por inerência silábicos, exceto no caso dos
graduais, alleluias, e tractus, por serem momentos altos da Liturgia (do cerimonial das missas),
destinados habitualmente aos melhores solistas. Mas este género, tal como os outros dois que
se seguem pode ocorrer em qualquer outra rubrica do Ordinário ou do Próprio.
Género Neumático: aqui em média as sílabas das palavras que constituem o texto das antífonas,
cantilenas, ou melodias gregorianas recebem neumas de pequeno, médio desenvolvimento, por
exemplo constituídos por 3 a 7 notas. É o género de intercalação textual mais transversal a todo
o repertório gregoriano.
Género Melismático: este é o mais prolixo, o mais desenvolvido de todos. As sílabas tónicas das
palavras mais relevantes, ou (quando as palavras têm mais de três sílabas) até as sílabas
secundárias e/ou as sílabas finais integram neumas (figuras em Canto Gregoriano, sem valor
rítmico quantificado, como já se disse em cima) muito desenvolvidos, podendo em alguns casos
serem constituídos por mais de duas dezenas de notas (havendo até exemplos realmente muito
espetaculares, em termos ornamentais, ultrapassando este número!): o chamado “Júbilo” do
Alleluia (a sílaba final «A»), o corpo melódico (1ª parte) dos Graduais e os salmos que lhes
seguem, tudo do Próprio) são os casos mais frequentes em que o género melismático se
manifesta (de modo quase exuberante).
Nota: para procurar saber classificar diferentes melodias/antífonas gregorianas quanto ao género de
intercalação, tem muito material no Documento 6.
Ora, uma vez que o processo de escrita era de facto muito demorado e moroso, de
modo a potenciar o gosto pela aquisição das novas informações, ideias ou novos
feitos, os grandes doutores da Igreja desenvolviam dotes expressivos de oratória,
ou seja procuravam aprofundar a sua arte de persuasão oral junto dos seus
“públicos” – uns mais, outros menos eruditos, mas todos socialmente privilegiados
-, em reuniões, serões de leitura e de escuta atenta de mestre e seus discípulos, de
encontros ou reuniões magnas, de “virtuosas” assembleias conciliares. Por outras
palavras, qualquer texto literário, filosófico, científico, e/ou teológico para ter maior
sucesso na sua apresentação, tinha de ser veiculado oralmente com expressividade,
e dramatismo para convencer os ouvintes no decurso da comunicação. Para isso,
não só a linguagem tinha de ser gramaticamente correta, os raciocínios logicamente
apresentados, e a escolha de um vocabulário simultaneamente claro e eloquente
(ainda que de quando enigmático para criar maior expectativa ou suspense nos
ouvintes), como também tinha de ser emocionante e cativante na forma de
comunicação, ou seja os oradores tinham de ter realmente um excelente poder de
retórica. (Está mais do que provado que se um orador ou comunicador não for
suficientemente convincente na sua performance, por muito interessante que seja
um tema ou assunto, este poderá não passar aos recetores; e o mesmo se diz de
qualquer peça musical em qualquer época e dos seus intérpretes/performers.)
Para os grandes oradores otimizarem a sua retórica, aos textos escritos que eles
liam junto das suas audiências eram previamente adicionados, por entre as palavras
e/ou entre as linhas do discurso, sinais não só de pontuação, mas também de
respiração, de articulação das palavras, de dicção, de velocidade no debitar das
palavras umas em relação às outras, de maior ou menor leveza, de maior clareza ou
escurecimento do timbre da voz, de entoação enfática nas sílabas principais, de
“fade-outs” finais, etc.; ou seja sinais que estavam próximos de parâmetros que
podemos associar a qualidades sonoras da música. Todos estes aspetos de elocução
e expressão dos textos literários eram o que constituíam as notações de retórica.
Ora, entrando agora diretamente no caso da música, quando começaram a
desenvolver-se cada vez mais os primeiros ritos religiosos locais no séc. VII, as
primeiras formas de notação musical basearam-se essencialmente nas notações
de retórica literária em vigor em cada região. Portanto, as notações “musicais”
serviam apenas como um auxiliar de memória, pois o repertório era cantado
quase sempre de cor pelos coros e os seus solistas. Estas notações não indicavam
quais as notas, nem possuíam quaisquer indicações de ritmo. Porém, os sinais
utilizados (muitos emprestados diretamente dos da retórica literária, e alguns deles
já reconfigurados para se aproximarem da componente mais musical), permitiam
aos cantores lembrarem-se do contorno melódico, bem como doutros aspetos
performativos, em tudo semelhantes aos da respiração, fraseado, timbre, ênfase de
volume sonoro, maior ou menor peso de articulação, aceleração do tempo,
entoação, já previstos no exercício sofisticado da oratória.
Quando o Canto Gregoriano se forma em Aix-la-Chapelle, a disseminação do
repertório é feita através do envio de manuscritos para todas as regiões do Império
de Carlos Magno, de modo a preservar aquilo que a equipa de Alcuino de York (entre
outros) tinha fixado como o rito carolíngio (constituído, como já vimos, pelo rito
romano antigo revisto agora uma “2ª vez”, mas baseado no trabalho de S. Gregório,
acrescido de algumas fórmulas galicanas). Todavia, o choque entre as notações
primitivas existentes nos diferentes pontos do Império de Carlos Magno antes da
unificação, não se apagou de um dia para o outro, e apesar de com o tempo elas se
terem vindo a aproximar umas das outras, continuaram a existir várias notações
locais com traços distintivos. Pelo que nunca terá existido, nesta altura, uma
absoluta uniformidade e unicidade composicional do Canto Gregoriano.
Quanto ao sistema de 4 pautas que se vê nos livros atuais de Canto Gregoriano: a
notação quadrada em sistema de pauta só se iniciou já bem dentro do séc. X, XI, e
foi-se desenvolvendo com a evolução da escolástica medieval e das suas sete artes
liberais - Quadrivium e Trivium (que hão de ser mais explicitamente abordadas
mais à frente na matéria), e à medida que o cristianismo foi ganhando cada vez mais
fiéis até ao séc. XIII.
Antes do séc. IX/X, as notações eram, na melhor das hipóteses, diastemáticas, isto
é: indicavam o contorno melódico e se determinados neumas caiam ou não na
mesma altura (se tivessem escritos na mesma linha imaginária em campo aberto –
ver o quadro dado na aula), sem definir concretamente as notas; ou então eram
não-diastemáticas: isto é, davam o contorno melódico, mas não permitiam
relacionar as alturas dos neumas entre si ao longo das
antífonas/cantilenas/melodias, o que para nós, hoje em dia, é aparentemente uma
desvantagem. Porém, na realidade, trazem outras vantagens, mais subliminares.
Efetivamente, a maior parte das notações mais antigas são deste tipo, isto é, não-
diastemáticas, ou adiastemáticas. As duas mais importantes que servem de
referência ao Gradual Romano são as de Laon (ou Messina, da região de Metz) e
de St. Gall, sobre as quais recaíram muitos dos estudos mais desenvolvidos sobre
a composição do Canto Gregoriano, e assim continua: apesar de através delas não
se poder ter acesso imediato às notas específicas das várias melodias (e a este nível
até menos do que nas notações diastemáticas), as outras informações de execução
e de interpretação (como as que se referiram em cima a propósito da retórica
literária) são muito úteis. Posteriormente, surgiram notações com i) uma ou duas
linhas coloridas para situar, por exemplo, os meios-tons acima ou abaixo das
mesmas, sendo de certo modo as precursoras das claves; ii) outras notações em que
sobre os neumas se colocavam letras do alfabeto para identificar as notas; até iii) se
chegar ao sistema de notação quadrada em pauta de 4 linhas que se generalizou
essencialmente, mas lentamente, a partir do séc. XI e se tornou suficientemente
“prescritivo” no séc. XIII. (Nota: para uma ilustração esclarecedora deste assunto,
ver as tabelas A, B, e C do documento 2A, e – por curiosidade - os dois exemplos no
documento 2B, extraídos de duas fontes primárias.)
Introdução: O Canto Gregoriano, desde a sua formação oficial no séc. IX, ao ser
disseminado por toda a Europa Cristã, atingiu uma população cada vez mais
numerosa. Efetivamente, com a necessidade de deslocação de séquitos
religiosos de umas regiões para outras, muitas vezes bastante afastadas umas
das outras e cuja duração das viagens era enorme obrigando a várias estadias
intermédias ao longo do percurso (pequena nota: temos de ter em conta que
estamos na Idade Média e os meios de transporte eram comparativamente
ainda muito rudimentares), o nº de fiéis cresceu, e com eles também
aumentou o nº de figuras de referência, mártires, santos padroeiros, a par do
desenvolvimento da arquitetura monumental gótica (em extensão e altitude
das Igrejas), face ao românico.
2.1. Os Tropos
2.1.1. Tropo Textual: neste caso os monges fragmentavam os longos melismas
sobre uma sílaba em tantos punctus (figuras mais simples) quanto o nº de
notas que os constituíam, inventando um texto com o exatamente o mesmo
nº de sílabas, para assim melhor fixarem, memorizarem cada nota. Depois, na
“hora de verdade” executavam o melisma mantendo-se na sílaba original,
embora mentalmente pudessem estar a lembrar-se do texto de “aide de
mémoire”, de mnemónica inventado. Estes textos eram muitas vezes
descabidos e por isso não passava pela cabeça dos monges executá-los “live” na
liturgia, nas missas. Porém, alguns textos inventados até vinham a propósito,
tendo alguns deles se tornado apetecíveis, pelo que alguns destes tropos
“ajuizados” ganharam popularidade e foram ficando como hipótese de
contemplação litúrgica (pelo menos até à Contra-Reforma Católica na 2ª
metade do séc. XVI.); é o caso do Kyrie “Fons bonitatis”, explicado
esquematicamente no topo da pág. 3 do documento 5, e reproduzido
iintegralmente logo na sua pág. 1).
2.1.2. Tropo Melódico: neste caso os monges, porventura os mais dotados
vocalmente e expressivos, sendo solistas na execução responsorial das rubricas
cantadas do Próprio, ou mesmo no cântico dos salmos, no momento da sua
intervenção individual ornamentavam ad libitum, a seu belo prazer, as linhas
melódicas, fossem elas relativamente simples e silábicas, ou já de si prolixas, em
qualquer dos casos desenvolvendo, especialmente as primeiras, e também as
segundas. Porém nas partes melismáticas, poderia dar-se o caso de terem de
abreviá-las em função do tempo disponível, ou do grau de solenidade ou
cativação junto da assembleia. Grande parte destes tropos melódicos eram
feitos no momento, pelo que os desconhecemos em larga maioria. Os que
ficaram escritos, sabemos que foi porque os próprios autores perceberam que
eles teriam sempre sucesso (fazendo parte do repertório de “star” de cada um
deles, para seu uso em futuras ocasiões, e para que a memória oral nos
atraiçoasse com o passar do tempo, ou para ficar para a posteridade, por
acharem que mereceria a pena outros solistas os usarem).
FIM.
Post scriptum: outra leitura que certamente fornecerá uma visão geral da unidade e
diversidade europeia e do “mundo civilizacional” a que temos pertencido, recomenda-
se o documento 7, “The geography of medieval music, de Christopher Page.