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Enoturismo no Vale do Napa - Impressões

Depois de muita espera e muita preparação, finalmente conhecemos, no


último mês de setembro, o Vale do Napa, a região vinícola mais visitada do mundo. Naturalmente, a
expectativa era muito grande e então fica mais fácil a gente se decepcionar. Eu diria que algumas
coisas atenderam à expectativa, outras a superaram e alguma outras decepcionaram. Vamos por
partes.

Muita gente me dizia que a região era lindíssima (como de resto é muito
bonita a maioria das regiões vinícolas do mundo), com cidades pequenas e adoráveis, algumas
parecendo um pedaço da França na Califórnia. É verdade. Trata-se de uma área rural
valorizadíssima (o hectare - ou acre - mais caro dos EUA), por isso mesmo muito bem cuidada.

Estando num país de primeiro mundo, toda a infraestrutura é de primeira


qualidade (estradas, sinalização, postos de combustível etc.). Localizando-se numa região que dá
muita importância à gastronomia em geral, não apenas aos vinhos, isso repercute numa valorização
também de outras áreas, como arquitetura, design e arte. O resultado são pequenas cidades muito
bem cuidadas, organizadas com muito bom gosto, onde se vive com bastante qualidade. É o caso de
Calistoga e, especialmente, de Santa Helena, entre outras. Não chega a ser um pedaço da França na
Califórnia, porque é muito marcante, nas construções e nas ruas, um visual bem americano, herança
do tempo do velho oeste, com ruas desertas e largas, abrigando prédios amplos e baixos; mas o
estilo de vida é o mais francês a que eles poderiam chegar.

Também ouvi falar muito das vinícolas como verdadeiros parques temáticos.
Igualmente verdade. Há de tudo um pouco: vinícolas com museus de arte, com prédios
moderníssimos e arquitetura arrojada, com teleféricos, com lindos jardins. Até mesmo vinícolas
centenárias, com sedes em estilo castelo, como na Europa.

Cheguei lá sabendo que o Vale do Napa é uma das maiores concentrações de


bons restaurantes dos EUA. De novo, é a pura verdade. Querendo restaurantes laureados, a oferta é
farta. Mas come-se muito bem mesmo nos restaurantes mais simples. O nível é alto e a concorrência
não permite a presença de amadores. Para se estabelecer ali, é preciso conhecer do ramo e praticar
preços condizentes com o mercado.

O que não me disseram e tive de perceber pessoalmente é a enorme


disposição que aquela gente tem para aprender mais e aperfeiçoar o vinho que estão fazendo e o
modo como é possível extrair prazer dele. Isso me impressionou. Não faltam escolas, cursos,
seminários, não falta gente interessada neles (atraídas do mundo todo, como é comum nos EUA),
não falta quem esteja disposto a estudar e pensar em como fazer e consumir vinhos de maneira cada
vez melhor.

Parece mesmo ter contagiado a todos aquela “chama” que movia o grande
Robert Mondavi, de sempre melhorar, aperfeiçoar, progredir, avançar. Como ele mesmo dizia,
“líder não é o que conduz, líder é o que inspira”. Foi o que ele fez e continua fazendo mesmo
depois de morto, sem nenhuma dúvida, já que não é preciso estar presente para inspirar, basta a
lembrança de uma vida inspiradora. E houve também outros grandes exemplos de pioneiros da
indústria vinícola californiana de qualidade, como Agoston Haraszthy e André Tchelistcheff (só
nomes estrangeiros, bem a cara dos Estados Unidos...). Para a concorrência, principalmente no
“Velho Mundo” do vinho, isso deveria ser preocupante.

Mas houve também algumas decepções. Começaram quando percebi que,


em muitas situações, o lema norte-americano “time is money” fala mais alto. Grande parte das
vinícolas nem se preocupa em oferecer visitas às suas instalações. Não estão interessadas em
mostrar seus vinhedos, cantinas ou processos de produção, não estão preocupadas em divulgar a
cultura do vinho. Recebem visitantes de segunda à segunda, mas só para degustação, paga, bem
paga. É como num bar: você entra e tem um enorme balcão, com alguns atendentes; na frente deles,
estrategicamente voltada para o cliente, está posicionada uma ficha com os preços dos “pacotes” de
degustação, para serem feitas de pé, como num “saloon” do velho oeste.

Foi bem assim na Clos Pegase. A arquitetura arrojada e as obras de arte no


jardim não bastaram para tornar a visita minimamente interessante.

Sim, em geral o atendente nessas vinícolas conhece bem os vinhos e fica


descrevendo-os para você, dizendo como eles são bons e depois querendo saber o que você achou.
Em seguida você paga a partir de US$ 20,00 pela degustação de uns 30 ml de quatro vinhos de
qualidade média (120 ml, mais ou menos), mesmo que você compre algum vinho. Mais caro que
num bom “bar a vin”, onde você paga US$ 10,00-15,00 por uma dose generosa de cada um dos
mesmos vinhos (100ml), tem possibilidade de comparar com vinhos de outras vinícolas e bebe
confortavelmente sentado, sem ninguém lhe incomodando.

Há honrosas exceções (Mondavi, por exemplo, que visitamos), em que


diversas opções de visitas são oferecidas, mas essa não é a regra. Para quê ir até a vinícola só para
provar os seus vinhos, quando eles estão disponíveis em todo lugar?

Escapamos desse esquema “business” apenas quando fomos indicados pelos


importadores brasileiros, como aconteceu no Chateau Montelena e na Hess Colection. Nesse caso o
tratamento é diferente e pode até mesmo haver uma rápida visita às instalações, além de alguma
explicação sobre como as coisas são feitas na vinícola. Mas a gente percebe a presença de outros
visitantes, vindos sem intermediação, fazendo apenas uma degustação, paga e de pé.

Outra decepção é a que acontece quando a gente se dá conta do padrão de


vinhos que domina o Vale do Napa propriamente dito. É verdade que existem várias exceções, ou
seja, vinhos que se destacam por serem diferenciados, mais elegantes e gastronômicos, como o
Robert Mondavi Cabernet Sauvignon Reserve, o Beaulieu Georges Latour, o Caymus Special
Selection, o Opus One ou o Dominus, entre outros. Mas esses são os poucos que, dentro de um
padrão rígido, conseguem se diferenciar.

E o padrão rígido a que me refiro é o branco de Chardonnay e,


principalmente, o tinto de Cabernet Sauvignon, ambos alcoólicos, encorpados, frutados e
exuberantes. Eles adoram o vinho tinto pesado e uniforme que geralmente resulta da adoção desse
padrão, referindo-se a ele, com orgulho, como “napa cab”. A predileção por esse estilo de vinhos
por parte do mercado, não apenas americano, aparentemente inspirada pelos críticos de maior
sucesso, parece deixá-los satisfeitos em só investir nele. Não se vê mais iniciativas criativas como o
“Fumé Blanc” mondaviano. Até mesmo a Zinfandel é claramente relegada a um segundo plano.

Mas há esperança. O panorama nos principais distritos vizinhos já é bem


diferente. Em Carneros, os espumantes de Chardonnay, cortados ou não com Pinot Noir, já estão
entre os melhores do mundo. Em Sonoma, há bem mais exploração séria de Pinot Noir, Merlot e
Syrah, além de cortes bordaleses, entre os tintos, e de Sauvignon Blanc, Pinot Gris e Viognier, entre
os brancos, como vimos na Buena Vista Vineyard e na Kendall-Jackson (esta última oferecendo
uma degustação harmonizada sensacional e uma visita aos seus jardins de especiarias, flores e frutas
muito caprichada, ambas imperdíveis). Em outras regiões da Califórnia, como nas Montanhas de
Santa Cruz (da Ridge Vineyards, de Paul Draper, e da Bonny Doon Vineyard, de Randall Grahm),
ou no Vale de Santa Inês (da Andrew Murray Vineyards), a adoção de estilos diferenciados de
vinhos é intensa, seja apurando-se vinhos de castas californianas tradicionais, como a Zinfandel,
seja com a exploração de cepas mediterrâneas, especialmente do Vale do Ródano.

De todo modo, o Vale do Napa, pela pujança e importância histórica dentro


do “Novo Mundo” do vinho, é uma experiência marcante que o enófilo viajante não deve perder.
Nem mesmo o risco de um tremor deve impedir uma visita. O terremoto de 24/08/14 trouxe
prejuízos, mas nada que pudesse impedir o enorme fluxo de turistas na região. Chegamos lá dezoito
dias depois do sismo e sequer ouvimos falar que eles tivessem cancelado qualquer reserva por terem
ficado impedidos de atender os visitantes, seja nos hotéis, restaurantes, visitas ou passeios,
incluindo o “Trem do Vinho”, que fizemos e gostamos. Só ouvimos queixas por causa das muitas
reservas canceladas pelos turistas, no entender deles, por receio exagerado de um novo terremoto.
Tivemos que procurar bastante para ver algum vestígio de destruição e todos os que encontramos já
estavam em pleno processo de restauração. Em resumo, primeiro mundo.

Sergio Bonachela

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