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Suzana da Rosa Tolfo; Maria Chalfin Coutinho; Andrei Roberto de Almeida; Davi Baasch;
Joana Soares Cugnier.
RESUMO
As mudanças no “mundo do trabalho” contemporâneo são inquestionáveis. Questões como
globalização, desregulamentação, (des)emprego, precarização, dentre outras fazem parte da
agenda de discussões sociais. Além da preocupação social com os reflexos das mudanças, há
sociólogos que passam a questionar se o trabalho permanece sendo o principal fato social.
Como então pensar em definir quais os significados coletivos do trabalho? E os sentidos
pessoais que os sujeitos atribuem àquilo que fazem? O presente artigo propõe uma discussão
teórica com base em abordagens identificadas na literatura internacional e brasileira que
tratam da questão. Dada a revisão realizada, verificou-se que há diferentes bases
epistemológicas que dão suporte aos estudos. Por seu lado, quando se trata das definições,
preponderam os indicadores adotados pelos estudos precursores do MOW, independente da
abordagem que a sustente (histórico-crítica, cognitivista, construcionista, humanista). As
conclusões explicitam que há confusões conceituais, de modo que diferentes autores muitas
vezes adotam significados e sentidos do trabalho como se fossem o mesmo fenômeno.
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea tem sido marcada por uma série de transformações e
paradoxos que se fazem sentir em uma das principais categorias de análise social, que é o
trabalho. Genericamente o trabalho remete à capacidade do homem de transformar a natureza
e está associado ao alcance de objetivos. Do ponto de vista histórico, verifica-se que há um
questionamento quanto aos diferentes papéis que o trabalho tem ocupado conforme o sistema
político, econômico e social predominante.
A globalização, o processo de reestruturação produtiva, a competitividade, as
mudanças nas contratualidades do trabalho, dentre outros fenômenos, têm se refletido na
categoria trabalho. Emergem investigações voltadas para o estudo da alienação, do
desemprego, da precarização das relações de trabalho, da crise das motivações. Em meio a
essas temáticas, é relevante, social e cientificamente, compreender quais os significados do
trabalho nesta sociedade marcada pela multidiversidade e quais os sentidos pessoais que o
trabalho engendra para a classe que dele vive.
Para tratar da questão, o presente artigo teórico traz uma breve revisão sobre trabalho,
para, em seqüência, apresentar conceitos e definições sobre os seus significados e sentidos.
Por meio da revisão da literatura foi possível verificar que há diferentes bases epistemológicas
buscando conceituar e definir significados e sentidos do trabalho. A principal contribuição
deste estudo está na explicitação dessas diferentes perspectivas.
1 . A função semiótica equivale ao desdobramento do real em sua forma simbólica. (PINO, 1995).
evocação dos eventos psicológicos também se estende para além da palavra, compreendendo
os signos como um todo.
O sentido da palavra, diz Pauhlan, é um fenômeno complexo e móvel que, em certa
medida, se transforma constantemente de uma consciência para outra e de uma
situação a outra na mesma consciência. Neste aspecto, o sentido da palavra é
ilimitado (...). O verdadeiro sentido de cada palavra está determinado pela
abundância de elementos existentes na consciência e que se referem ao que é
expresso pela palavra em questão (...), o que quer dizer que nunca abarcamos o
sentido completo da coisa e tão pouco o sentido completo das palavras. A palavra é
uma fonte inesgotável de novos problemas, e seu sentido nunca está acabado. O
sentido das palavras depende conjuntamente da interpretação do mundo de cada um
e da estrutura interna da personalidade. (VYGOTSKI, 1991, p. 334)
Com base na figura 1, é possível constatar que a maioria dos autores utiliza como a
variável principal de estudo os significados do trabalho (RIGON e VILELA, 2004;
BORGES,1997, 1999; SALANOVA; GRACIA; PEIRÓ, 2001; DIAZ VILELA , 2001;
QUINTANILLA, 2001), ao passo que um número menor de estudos remete aos sentidos do
trabalho (MORIN, 2001; MORIN; TONELLI e PLIOPAS, 2003; OLIVEIRA; PICCININI;
FONTOURA e SCHWEIG, 2004). Quando se verifica as bases que deram suporte aos
estudos e as variáveis intermediárias, constata-se que elas são em grande parte coincidentes.
Dentre os estudos predominam investigações pautadas nos estudos desenvolvidos pelo
Meaning of Work (MOW), que é um grupo de pesquisas internacional, sediado no Canadá
que, desde a década de 1970, investiga o sentido e a centralidade do trabalho em diversos
países. Dentre as variáveis intermediárias, têm destaque aquelas identificadas pelo MOW
como representativas dos significados do trabalho e que são: a centralidade do trabalho, os
objetivos e resultados valorados e as normas sociais. A Figura 1 e a descrição dos seus
principais elementos em comum permitem verificar que embora utilizem definições comuns
(variáveis intermediárias coincidentes), autores diferentes utilizam como variável principal
sentido ou significado do trabalho distintamente. Isso demonstra que não há adoção das
conceituações que caracterizam os significados como relativo ao conceito social de trabalho,
ao passo que estudos sobre sentidos do trabalho deveriam remeter ao sentido pessoal do
mesmo. Aí reside uma confusão conceitual que vai se verificar de mesmo modo com a
apropriação do conceito de centralidade utilizado em uma perspectiva sociológica, mais
tradicional, que identifica o trabalho como o principal fato social, a categoria sociológica
chave. Por outro lado, a centralidade do trabalho também é adotada em uma perspectiva mais
psicológica, ou seja, como a identificação de quão central e, portanto, cercado de sentido, o
trabalho é para as pessoas. Para evitar confusões conceituais os estudos deveriam identificar
se estão interessados em compreender qual a percepção sobre os significados sociais do
trabalho ou se sobre a percepção dos sentidos que o trabalho adquire para as pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto contemporâneo o trabalho assume uma pluralidade de formas. Na
perspectiva marxista, que predomina na literatura, o trabalho pode ser compreendido de forma
genérica, como uma transformação sobre a natureza para atender necessidades humanas. Por
seu lado, o emprego configura uma forma de trabalho assalariado tradicionalmente
característica do capitalismo, o que pode levar a uma equiparação equivocada dos significados
relativos aos dois conceitos. Ainda que se mantenha o trabalho assalariado, característico do
capitalismo, se ampliam a diversidade, a heterogeneidade e a complexidade da classe
trabalhadora, incluindo aí “(...) todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em
troca de salário...” (ANTUNES, 2000, p. 103), ainda que sob relações precárias, terceirizadas,
informais, temporárias, etc. Desta forma, é possível pensar também em uma ampliação dos
significados coletivos atribuídos ao trabalho e ao emprego, bem como dos sentidos pessoais
apreendidos no cotidiano das diferentes formas de trabalho.
A revisão da literatura permitiu verificar que parte dos estudos empíricos sobre
sentidos e significados do trabalho busca identificar quais as atividades que têm sentido para
os trabalhadores e quais as que não têm. A idéia aqui não é compreender os sentidos
produzidos cotidianamente no trabalho, mas sim pensar trabalhos com maior ou menor
significado na vida de cada um. A maior parte destes estudos utiliza apenas um dos conceitos,
sentidos ou significados, apresentando diferentes compreensões para os mesmos.
Apesar das diferenças, as abordagens sobre sentidos e significados apresentadas têm
em comum a concepção que estes são produzidos pelos sujeitos a partir de suas experiências
concretas na realidade. Sendo assim, neste estudo compreendemos os significados como
construções elaboradas coletivamente em um determinado contexto histórico, econômico e
social concreto. Já os sentidos são uma produção pessoal decorrente da apreensão individual
dos significados coletivos, nas experiências cotidianas. É importante ressaltar as
transformações porque passam os sentidos e os significados, uma vez que são construídos em
uma relação dialética com a realidade.
As diferentes abordagens demonstram que embora a temática venha tomando cada vez
mais vulto, ela é complexa e ainda está em construção. Autores utilizam definições de
significados e de sentidos do trabalho como se estivessem tratando do mesmo fenômeno e em
um mesmo nível de análise, o que dificulta a construção de um conhecimento mais amplo
sobre a questão.
Por outro lado, a dificuldade em estabelecer um “paradigma” em relação ao que
significa trabalhar e o que é um trabalho com sentido pode estar associada à diversidade, à
modernidade e ao pluralismo, conforme asseveram Berger e Luckman (2004). Para os autores,
a indissociabilidade do sentido é possível quando existem comunidades de vida que têm como
função manter o sentido, ou seja, grupos sociais que compartilham experiências semelhantes
na vida cotidiana e são portadores de valores sociais. As comunidades ao compartilharem as
experiências de vida representam o agir que se repete com regularidade e são verificáveis em
relações sociais mais duráveis. As instituições têm um papel importante para a manutenção e
durabilidade da comunidade, que pressupõe um mínimo de compartilhamento de valores e de
sentido. À medida que os cientistas atualmente também estão sujeitos à crise das instituições e
ao zeitgest, tendem a encontrar mais dificuldades de manter regularidade nos significados e
nos sentidos do trabalho e, conseqüentemente, na sua conceituação.
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