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O QUE SIGNIFICA PARTIR DA CRIANÇA?

Não são poucos os professores que vêm “pedir” um ajuda para entender como levantar os focos
de interesse das crianças. Uma inquietação que se tornou mais acentuada com o retorno
atribulado das atividades presenciais nas escolas.

As crianças estão chegando com diversos aspectos do desenvolvimento a serem observados,


analisados e considerados nas propostas de atividade e nas rotinas. Algumas crianças pequenas
nunca frequentaram a escola e outras passaram um tempo significativo de suas vidas fora dela,
assim, o clima está confuso para os professores! O que fazer? Como dar conta do currículo? Como
resolver a questão: será que sou eu que não escuto ou as crianças não estão me mostrando seus
interesses?

PARA COMEÇAR, VAMOS ALINHAR A QUESTÃO DO PROTAGONISMO E DOS INTERESSES DAS


CRIANÇAS?

As perguntas e a curiosidade sobre um objeto ou uma situação surgem a partir do encontro entre
as experiências pessoais das crianças e aquilo que lhes é apresentado. Esta é a base da teoria da
Aprendizagem Significativa, proposta pelo pesquisador e psicólogo educacional norte americano,
David Paul Aussubel. Segundo ele, o conhecimento prévio da criança é a base para o processo de
aprendizagem. Ou seja, a criança aprende recheando os conteúdos que ela já possui sobre alguma
coisa. Assim, ao introduzir algo novo, é fundamental procurar os pontos de conexão que as
crianças possuem sobre o conteúdo e expô-los.

Isso me lembra uma situação de formação na qual analisávamos uma proposta de atividade sobre
alimentação saudável, realizada por uma dupla de professoras de crianças 3 a 4 anos. Elas
construíram um cartaz verde e um vermelho para que as crianças colassem uma série de imagens
de alimentos do dia a dia de acordo com critérios de saúde: saudáveis no verde e prejudiciais no
vermelho. Antes de iniciar a proposta, explicaram que frituras, gorduras e doces não fazem bem à
saúde.
A primeira criança foi direto na imagem do chocolate e a colou no cartaz verde. A segunda pegou
a imagem da batata frita e levou ao quadro verde. Uma das professoras ficou indignada e
perguntou: batatinha frita e chocolate são bons para a saúde? As crianças responderam com um
retumbante SIIIIMMMM!

Eu achei que a turma estava com a razão! Entenderam que o cartaz verde era destinado a coisas
boas, e o vermelho, para coisas ruins! Gordura, fritura, açúcar… o que elas sabiam sobre isso? O
que elas compreendiam sobre alimentos gordurosos e açúcar em demasia? Será que já tinham
ouvido falar sobre estes conceitos? Em quais situações?

Este é um exemplo de prática pedagógica que passou longe de identificar os significados que a
turma já possuía (ou não!) em relação a um conceito. Quais seriam os significados de saúde e
comida saudável para estes pequenos?

PARA APROFUNDAR VAMOS RECORRER AO VYGOTSKY?

Num processo de construção de conhecimentos, de um lado temos a criança e suas experiências


individuais. Do outro, temos algo a ser conhecido ou a questão a ser trabalhada. Entre os dois está
o adulto ou mediador, aquele que promove interações focadas na construção de aprendizagens.

Para Vygotsky, as crianças constroem conceitos espontâneos nas experiências individuais que
adquirem por meio das interações sociais. Estes conceitos são noções sobre os objetos e situações
que vivenciam diretamente.

Nas propostas mediadas pelo professor, as crianças testam e investigam aspectos que confirmam
ou alteram suas noções iniciais. Vygotsky denominava os novos conceitos adquiridos na escola
como científicos, porque não são obtidos espontaneamente pela criança. Assim, os conceitos
espontâneos trazidos pelas crianças alcançam níveis cada vez mais complexos (mais abstratos) e
os conceitos científicos vão ficando cada vez mais próximos, concretos e conhecidos pelas
crianças.

Isso é muito lindo! Vygotsky dizia que os conceitos construídos na escola estariam num nível mais
elevado e aqueles trazidos pelas crianças, num nível mais inferior, mas um precisa do outro
porque eles se constituem ao se encontrar! E aí está a explicação para a aprendizagem
significativa: os conteúdos trabalhados na escola precisam de uma âncora concreta de
entendimento prévio da criança.

VAMOS VOLTAR AO QUESTIONAMENTO INICIAL: O QUE SIGNIFICA PARTIR DA


CRIANÇA?

É fazer escolhas de temas e situações que encontrem algum significado nas crianças, ou, segundo
Vygotsky, que elas possuam conceitos espontâneos que as aproximem do assunto.
Mas isso quer dizer que não podemos apresentar “novidades” para os pequenos? Se a novidade
não despertar o interesse da turma, saberemos que não houve nenhum ponto de contato com as
experiências prévias e provavelmente não ocorrerão “teorias provisórias”, para ficar no jargão de
Reggio Emília. Neste caso, o professor tem duas saídas, ou busca uma outra conexão com
conhecimentos que as crianças possuam (mesmo que as noções não sejam “corretas”), ou muda
de assunto!

Mas, o que responder aos professores que não estão encontrando os conceitos espontâneos das
crianças “espontaneamente”? Ora, como parceiro experiente e conhecedor da faixa etária e do
contexto, o professor pode fazer propostas apresentando objetos, cenários de brincadeiras,
temas para roda de conversa, histórias etc., para colher os conceitos espontâneos que as suas
crianças estão produzindo sobre o mundo. Desse modo, ao provocar o grupo com algo
interessante e fazer uma escuta ativa e generosa, o professor terá elementos para perseguir os
interesses da turma.

Mas não é só isso! O professor pode e deve oportunizar situações de aprendizagem que partam
da leitura das fragilidades e necessidades das crianças. Se o corpo e os movimentos estão
precisando se desenvolver – fato muito comum nesta pandemia – vamos propor brincadeiras e
cenários de faz de conta que convoquem o corpo!

Finalmente, é não perder de vista a qualidade dos conteúdos trabalhados na escola. Cultura, arte,
natureza, ciência, língua escrita e falada e matemática precisam permear as aprendizagens com
intencionalidade pedagógica. Não é porque as crianças estão interessadas no tal personagem do
vídeo, que temos que acreditar que esta é uma pista adequada para desenvolver processos
investigativos com a turma! Conforme Vygotsky apontou, escola é lugar de construção de
conceitos científicos.

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