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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

RENAN NEGRÃO DE QUEIROZ

DESAFIOS NO ENSINO DE CRIANÇAS COM AUTISMO E A RELAÇÃO


ENTRE METODOLOGIA E CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

CURITIBA, 2018
RENAN NEGRÃO DE QUEIROZ

DESAFIOS NO ENSINO DE CRIANÇAS COM AUTISMO E A RELAÇÃO


ENTRE METODOLOGIA E CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

Trabalho apresentado ao Curso de


Artes Visuais, Setor de Artes,
Comunicação e Design, da
Universidade Federal do Paraná, como
parte das exigências para a obtenção
de nota na Disciplina de Didática.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eliane C. Alves


Precoma.

CURITIBA, 2018
3

AGRADECIMENTOS

Das muitas pessoas envolvidas neste trabalho, e que o fizeram possível em


sua abrangência e importância que o tema merece, meus primeiros e mais
sinceros agradecimentos são para as professoras que acompanham
diariamente seus alunos, abraçando suas condições e superando todas as
adversidades. Reconheço nestas Profissionais uma vocação, e o seu exemplo
inspirador também é uma forma legítima de ensinar - aprendi muito com elas.
Às outras pessoas que direta e indiretamente apoiaram este estudo, também
dedico minha gratidão, e, mesmo utilizando do recurso do anonimato para
preservar seus nomes, aos envolvidos, gostaria que soubessem que sempre
me recordarei quem são, tamanho impacto que este trabalho proporcionou na
minha vida e carreira acadêmica. À professora Eliane Precoma, muita gratidão
por me ajudar a construir algo que vai além de um trabalho acadêmico,
agradeço por ter proporcionado a oportunidade desta experiência. Não saio
apenas mais instrumentado em bases teóricas de sua Disciplina, saio mais
humano.
4

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 5
2 FOCO DE INVESTIGAÇÃO..............................................................................
7
2.1 OBJETIVOS.................................................................................................. 7
2.2 JUSTIFICATIVA............................................................................................ 7
2.3 APRESENTAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES.......................................................
8
3 METODOLOGIA DE PESQUISA......................................................................
9
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS....................................................
10
4 RESULTADOS............................................................................................... 12
4.1 METODOLOGIAS APLICADAS PELAS INSTITUIÇÕES............................
12
4.2 REALIDADE PEDAGÓGICA E SOCIAL......................................................
13
4.3 PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS.......................................................
13
4.4 RELAÇÃO ENTRE CRIANÇA, EDUCADORA, FAMÍLIA E
APRENDIZAGEM............................................................................................. 13
4.5 POSICIONAMENTO QUANTO A PERSPECTIVA DE FUTURO DE
CRIANÇAS COM AUTISMO............................................................................. 14
4.6 DESAFIOS NO ENSINO DE CRIANÇAS COM AUTISMO..........................
14
4.7 ANÁLISE DOS DESENHOS........................................................................
15
5 CONCLUSÃO PARCIAL.................................................................................
15
6 PAPÉIS RELACIONADOS A ARTE DE APRENDER E ENSINAR ................
16
5

7 PERCALÇOS DESTE CAMINHO...................................................................


17
8 ATUAÇÃO PROTAGONISTA.........................................................................
18
9 CONCLUSÃO.................................................................................................
18
10 REFERÊNCIAS............................................................................................
19
11 APÊNDICE 1................................................................................................ 20
11.1 TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS......................................................
20
12 APÊNDICE 2................................................................................................ 31
12.1 DESENHOS REALIZADOS NAS ATIVIDADES PROPOSTAS.................
33

INTRODUÇÃO

Antes de tudo, tenho que confessar que este estudo me gerou mais perguntas
do que respostas. De acordo com esta inquietação declarada no relato de
visita, parte precedente e integrante deste trabalho, parafraseando Paulo
Freire, a Professora Eliane Precoma utilizou adequadamente a palavra
“boniteza”, presente na afirmação do autor: “A alegria não chega apenas no
encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender
não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria” (Paulo Freire,
1996, pág. 53). No início do processo, eu tinha de maneira clara quais seriam
os pontos investigados, qual o método de análise utilizar e um vislumbre dos
resultados que este empreendimento poderia me gerar. Funcionaria muito bem
se o objeto de estudo não fosse o ser humano em sua infinita complexidade.
Desde este momento, posso assegurar que os dados obtidos e que serão
apresentados na sequência, não geram um fim em si; são um convite para
pesquisar mais sobre o tema. A “boniteza” e a importância maior deste trabalho
estão nos meios, mais do que nos fins.
6

Quando me propus a estudar métodos de ensino e didática aplicados a


crianças com autismo, não sabia muito bem o que poderia encontrar. De
acordo com a minha experiência de instrutor de ensino de desenho e tendo
assistido a algumas crianças (sem qualquer diagnóstico de dificuldade de
aprendizagem) durante os anos em que desenvolvo esta atividade, entendo um
pouco dos desafios pedagógicos para ensino deste público. Meu contato com
crianças com autismo especificamente sempre ocorreu de forma indireta: ou
através de poucos conhecidos com filhos com este diagnóstico (ou correlatos),
ou através da minha irmã, Profissional de Serviço Social e que há uma década
se dedica ao cuidado de crianças com deficiências e, por conseguinte, trata
também de crianças com autismo. Ela desenvolve seu trabalho em uma das
instituições que compuseram este estudo.

Transtornos de aprendizagem despontam como um desafio no ensino, e isso


não é novo. “Em 1911, Bleuler usou, pela primeira vez, a expressão “autismo”
para designar a perda de contato com a realidade, do que decorria grande
dificuldade ou impossibilidade na comunicação. ” (Carlos Gaia, 2006, pág.
423).

Segundo Carlos Gaia, neurologista e pesquisador, o termo autismo foi se


desdobrando com o passar do tempo e avanço diagnóstico da medicina, e hoje
é definido como um distúrbio complexo, que afeta várias áreas do
desenvolvimento da criança, sendo a habilidade cognitiva uma das mais
importantes. “Os comportamentos que definem o autismo incluem déficits
qualitativos na interação social e na comunicação, padrões de comportamentos
repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades. ”
(Carlos Gaia, 2006, pág. 423). Tendo como objeto de estudo a criança com
autismo, reconheço o espaço em que estou pisando: construído por bases
tradicionais e, de acordo com o conhecimento gerado em determinada época,
estão as pesquisas que vem sendo desenvolvidas sobre o tema. Como
mencionei anteriormente, a compreensão sobre o assunto hoje, é mais ampla e
abrangente, e o aumento nos casos de Transtornos de Aprendizagem pode
decorrer dos diagnósticos realizados em crianças menos gravemente
afetadas1, como um reflexo do avanço da ciência. Neste trabalho, utilizo o perfil

1
Carlos Gadia, 2006, pág.424
7

destas crianças já diagnosticadas, que recebem tratamentos e frequentam uma


instituição onde podem desenvolver atividades pedagógicas. Baseado nas
atividades observadas, coube a mim compará-las nos pontos em que se
aproximavam para gerar algumas reflexões, sem promover nenhum tipo de
juízo de valor.

FOCO DE INVESTIGAÇÃO

O foco da investigação é o ensino de crianças com diagnóstico de autismo, em


realidades socioeconômicas distintas. Este intuito se manteve e foi
concretizado, somente quero acrescentar que o fator socioeconômico obteve
um peso relevante no desenvolvimento do trabalho. O tema foi desenvolvido
através da comparação das metodologias aplicadas em escolas diferentes,
uma situada em uma grande capital, de caráter particular e que promove a
inclusão de crianças com autismo com outras crianças; a outra escola está
situada em uma cidade do interior, é uma instituição privada que se mantém
através parcerias e eventos, e tem uma turma composta somente por crianças
com autismo.

OBJETIVOS
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O objetivo principal do trabalho é conhecer as realidades distintas nas quais as


crianças com autismo estão inseridas, quais os meios pedagógicos de ensino
para atende-las e como reagem a estes métodos e estímulos.
Como objetivo específico, propor a comparação das metodologias (em campos
em que as mesmas possam ser comparadas, sem dissonância), utilizando o
recurso da visita in loco, entrevista etnográfica e ação de desenho
desenvolvida com as crianças.

JUSTIFICATIVA

A relevância da investigação justifica-se no fator de impacto social em que este


estabelece, tendo em vista os dados que corroboram com o aumento de
diagnósticos da doença no país. Diante deste cenário, é de responsabilidade
social promover a inclusão destes indivíduos na sociedade, e através da
informação e educação, minimizar os efeitos do preconceito gerado pela
ignorância do tema. Tenho consciência que esta pesquisa compreende um
olhar sobre uma pequena parte de um mecanismo muito maior, mas mesmo
que diminuta, é de uma importância quase urgente, que serve de caminho para
futuras discussões e diálogos sobre como promover a inclusão de acordo com
a abrangência contida no próprio conceito da palavra.

APRESENTAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES

Escola Como Viver, Curitiba - PR - será mencionada como instituição 1.


Dados gerais: escola regular de ensino infantil e fundamental, localizada no
bairro Ecoville, na cidade de Curitiba.
Público atendido: crianças de 6 a 14 anos, promove inclusão de crianças com
transtornos de aprendizagem. É privada; oferece descontos nas mensalidades
caso os familiares se comprometam em trabalhar na escola (nos mais diversos
serviços) ao menos uma vez por semana.
Categorias didáticas: método próprio, denominado Pedagogia da Integração,
que tem como lema “Liberdade e Responsabilidade”.
Dados extraídos do site da instituição:
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Resgatar a criança como centro do processo educacional; desenvolvimento


integral da criança; integração na família e à sociedade; desenvolvimento da
consciência educacional; a criança dá aulas a partir da 2ª série; coerência com
o padrão familiar através de palestras nos eventos; cursos de qualidade de vida
Nível I, II e III (gratuitos para pais); consultas individuais e sistêmicas (gratuitas
para pais); pedagogia adaptada à realidade da criança, sinestésica, lúdica e
com laboratórios; avaliação e assessoria psicopedagógica gratuita; lição de
casa feita no colégio com assessoria da própria professora; técnicas de
memorização diárias; calendário mais extenso por trabalhar desenvolvimento
integral.
A escola está corretamente regulamentada e cumpre com os requisitos básicos
exigidos para formação de crianças do maternal ao quinto ano. Além disso,
oferece apoio terapêutico e terapia com florais, meditação, reiki, yoga, entre
outros. Está vinculada a Associação pelo Meio Ambiente e pela Paz, uma
organização sem fins lucrativos, que visa promover a completa realização do
homem em todos os seus aspectos, de forma integrada e levando em
consideração a complexidade das suas expressões e compromissos.

APAE - Associação dos Pais e Amigos dos Especiais, Itaporanga - SP -


será mencionada como instituição 2.
Dados gerais: associação cujo objetivo principal é promover a atenção integral
à pessoa com deficiência. Localiza-se no centro da cidade de Itaporanga.
Público atendido: não possui limite de idade, atende pessoas com deficiência,
prioritariamente aquelas com deficiência intelectual e múltipla. É privada, sem
fins lucrativos, se mantém através de parcerias com o Município, Estado e
União.
Categorias didáticas: Para este estudo, o método pesquisado refere-se
exclusivamente ao ensino de crianças com casos clínicos de autismo. Desta
forma, não foram abordadas outras categorias didáticas.
Método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handicapped Children). Fundamenta-se em pressupostos da
psicologia linguística, da teoria comportamental e da psicopedagogia. Da
psicologia linguística, vem a ideia de que a imagem é geradora de
comunicação, no âmbito comportamental, o profissional procurará a
10

manipulação do ambiente para evitar a inserção nos comportamentos


indesejados. Por fim, na linha psicopedagógica, trabalha-se
concomitantemente com a linguagem expressiva e receptiva.

METODOLOGIA DE PESQUISA

Este trabalho se estrutura com base em uma pesquisa etnográfica, que possui
caráter antropológico e tem como foco entender a cultura de comunidades e
grupos sociais. Utilizei uma análise qualitativa, buscando compreender a teia
de relações envolvidas no meio social sobre o qual a pesquisa lançava luz.
Ainda sobre minha intenção inicial, e que até certo ponto foi cumprida,
estabeleci uma comparação entre metodologias aplicadas em dois tipos de
escolas que atendem crianças com essas características. O que ficou evidente
durante meu percurso, e que redirecionou e ampliou o estudo, foi a importância
do contexto socioeconômico no desenvolvimento destas relações entre
educador, aluno, aprendizagem e meio. A comparação entre as realidades
distintas das escolas (de classes geográfica, econômica e social, sobretudo) foi
a chave para gerar novos questionamentos. Além da pesquisa desenvolvida
com a participação das professoras, utilizei também uma abordagem específica
com as crianças: uma atividade lúdica, em que elas tinham a possibilidade de
se expressar através de desenhos. A linguagem verbal é apenas uma das
formas que o ser humano possui para se comunicar, e tendo em vista que
algumas das crianças com as quais eu iria interagir poderiam apresentar
alguma dificuldade na fala¹, tentei explorar outras formas de expressão. A
análise dos desenhos pretende ser psicopedagógica, levando em consideração
o recorte tempo-espacial em que foi desenvolvida. Cabe ressaltar que não
executei uma análise profunda, primeiro porque não sou profissional da área de
psicologia, minha experiência com desenhos me conduz sempre para uma
análise mais técnica do que simbólica; segundo porque uma análise profunda
necessita de um entendimento mais amplo sobre a criança, o ambiente que
está inserida, enfim, um conhecimento muito maior e afetado por outras
variáveis que não foram exploradas neste estudo. A análise de desenhos se
deu de forma comparativa, entre crianças típicas e com diagnóstico de autismo,
11

e entre crianças com autismo das escolas diferentes. Os elementos de criação,


liberdade na utilização do espaço e composição foram analisados para melhor
entendimento da maneira como as crianças com autismo podem se expressar.
Além do produto em si, a forma como se comportaram durante o processo
também foi observada, suas dificuldades, habilidades e inteiração. Essa troca
foi benéfica na criação de uma relação mais próxima com as crianças. Chamo
a atenção também para o uso do desenho no sentido de tentar conciliar a
licenciatura com a arte, e assim, começar a exercitar o que está por vir.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho foi desenvolvido de acordo com a proposta da Disciplina


de Didática, através de validação dos métodos apresentados e
acompanhamento da Docente responsável.

PRÉ VISITA FORMAL:


Criação de questionário com caráter etnológico, desenvolvido para educadores
e responsáveis técnicos (1 educador e 1 RT de cada instituição);
Desenvolvimento de atividade para estímulo da criatividade das crianças
através de experimentações com desenho - após aceite da administração dos
colégios aproximadamente 1 hora. A proposta é aplicar uma atividade em
formato de oficina, conduzida por mim, para que exista maior integração com
as crianças, levando em consideração que em alguns casos, algumas não
dispõem de oralidade para se expressar através da fala, e consequentemente,
através de uma entrevista. Durante esta atividade, vou observar coordenação
motora, percepção espacial e resposta à proposição feita;
Consulta bibliográfica e documental sobre temas correlatos: autismo,
metodologia de ensino, ensino inclusivo, pedagogia e arte.

DURANTE A VISITA FORMAL:


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Aplicação de entrevista para educadores e responsáveis técnicos (1 educador


e 1 RT de cada instituição);
Observação do espaço e participação na rotina da escola em um período
(aproximadamente 4 horas);
Aplicação de atividade de desenho e observação do desenvolvimento da
proposta; de que forma as crianças se expressam e solucionam questões
espaciais, como desenvolvem sua coordenação motora e entendimento da
proposta.
Interação com as crianças além das formalidades propostas pelas atividades
acima mencionadas, sempre com respeito e profissionalismo.

PÓS VISITA FORMAL:


Transcrição das entrevistas realizadas. Neste ponto, chamo a atenção para o
fato de que as entrevistas eram diferentes para professoras e responsáveis
técnicos, sendo que para as professoras, se apresentava mais completa.
Tendo obtido respostas uníssonas quando se comparam entre professora e
responsável técnico de cada instituição, e tendo nas respostas das professoras
uma amplitude de visão sobre o tema, optei em transcrever apenas as
entrevistas das professoras, com o objetivo de sintetizar o trabalho e torna-lo
mais objetivo.
Análise das respostas obtidas nas entrevistas, dando enfoque para questões
relacionadas a convivência com crianças com autismo, bem como as
metodologias desenvolvidas pelas instituições e percepções nas falas dos
entrevistados;
Análise dos desenhos gerados na atividade supramencionada;
Análise comparativa entre os métodos aplicados nas instituições, bem como os
desenhos produzidos pelas crianças;
Revisão bibliográfica, compilação e síntese de dados para desenvolvimento
deste trabalho.

RESULTADOS
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As questões e transcrições das entrevistas se encontram no Apêndice 1 deste


trabalho. Para chegar as conclusões apresentadas em seguida, me baseei nas
respostas das professoras e no diálogo que estabeleci com as instituições.

PESQUISA ETNOGRÁFICA
Tipo de Tipo de Atende ao Família
instituição metodologia aluno? participa?
Instituição 1 Privada Pedagogia da Sim Sim
integração
Instituição 2 Privada TACCH Sim Sim

METODOLOGIAS APLICADAS PELAS INSTITUIÇÕES

Instituição 1: Pedagogia da integração. Aplicada para crianças típicas e


crianças com autismo.
Instituição 2: Método TEACCH. Aplicado somente para crianças com autismo.

REALIDADE PEDAGÓGICA E SOCIAL

Apesar de nenhuma das perguntas formuladas fazer menção direta ao contexto


socioeconômico das instituições avaliadas, esta é a questão fundamental de
todo este trabalho. Como as condições socioeconômicas interferem no
desenvolvimento da criança - desde o diagnóstico precoce até acesso a
terapias específicas para estimular a fala, coordenação motora e cognição - as
realidades confrontadas eram bem diferentes, e mesmo ambas as instituições
tendo um espaço aberto grande, e estrutura similar (no que diz respeito ao
corpo docente, estrutura física, alimentação, etc.) os alunos que as acessam
são de contextos muito distintos. Isso explica as percepções das professoras,
uma visão influenciada pelas suas vivências e rotinas diárias.
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PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS - COMO SE SENTEM TRABALHANDO


COM CRIANÇAS COM AUTISMO

Em ambos os casos, as entrevistadas disseram se sentir realizadas, e sentem


que fazem diferença na vida das crianças. Em ambos os casos, partiram de
uma intenção de cursar Psicologia, e por diferentes motivos acabaram
cursando Pedagogia. Não se arrependem da mudança. No geral, as
entrevistadas disseram possuir autonomia de ação na instituição da qual fazem
parte, tendo um papel ativo. Foi visível a forma como se demonstraram
apaixonadas pelo que fazem e pude observar que o carinho é recíproco por
parte das crianças.

RELAÇÃO ENTRE CRIANÇA, EDUCADORA, FAMÍLIA E APRENDIZAGEM

Ambas têm uma boa percepção das relações que a instituição estabelece com
a família e a comunidade.
No caso da Instituição 1, Ana desenvolve um trabalho de inclusão, e, devido ao
tipo de público que frequenta a escola - de poder aquisitivo maior - a inclusão
se dá de forma mais fácil neste contexto de turma de alunos menor e escola
com metodologia não tradicional. Mesmo quando uma criança chega sem
saber ler, como ela relata, a criança já foi estimulada e encontra na escola o
ambiente adequado para se desenvolver mais. A relação com a família nem
sempre é perfeita, Ana menciona casos em que os pais querem que os filhos
sejam tratados como iguais, mas quando são tratados dessa maneira,
retrocedem e afirmam que os filhos são diferentes. O impacto da relação da
família no desenvolvimento da criança é muito importante.
No caso da instituição 2, Maria desenvolve trabalhos somente com crianças
com deficiências, e de uma classe socioeconômica menos favorecida. Desta
maneira, as crianças muitas vezes não são estimuladas em casa, e seu
desenvolvimento é comprometido pela falta de informação dos pais. Maria
comenta que até questões básicas de higiene precisam ser ensinadas para os
familiares. Outro fator preocupante é como a família trata a criança dentro de
casa, muitas vezes fazendo pela criança o que ela aprendeu a fazer na escola,
e minando sua autonomia. Maria comenta que as vezes é mais rápido fazer
15

para a criança do que esperar que ela faça e isso atrapalha muito o seu
desenvolvimento.

POSICIONAMENTO SOBRE PERSPECTIVAS DE FUTURO DAS CRIANÇAS


COM AUTISMO

Neste ponto, as opiniões divergem de maneira polarizada. Novamente o fator


socioeconômico é preponderante.
Ana - É otimista, acredita que hoje existe uma sociedade que está se abrindo
parar receber pessoas com autismo no mercado de trabalho, realidade que não
era possível antigamente. Acredita que estamos em um processo de mudança.
Maria - Mantém uma posição mais realista e se diz preocupada. Primeiro pelo
fato do ensino inclusivo não ser uma realidade disponível para todas as
crianças, o que compromete seu desenvolvimento intelectual, segundo pela
influência negativa das famílias, que muitas vezes superprotegem os filhos,
interferindo em sua autonomia. Apesar da postura moderada, diz que não se
pode generalizar e acredita que existam meios de melhorar a qualidade de vida
destes indivíduos.

DESAFIOS NO ENSINO DE CRIANÇAS COM AUTISMO

Em ambos os casos, o desafio está na inclusão. As entrevistadas concordam


que a escola regular não está preparada para receber e desenvolver essas
crianças, que o atendimento é precário e que não beneficia o aluno.
Maria - Vai mais além, acredita que o assunto tenha que ser mais discutido
para viabilizar formas de inclusão e principalmente desenvolvimento de
professores, que pelo pouco treinamento, não sabe como lidar com essa
criança e acaba não sendo figura ativa de mediação.

ANÁLISE DOS DESENHOS

Os desenhos se encontram no Apêndice deste trabalho. Para efeitos de


comparação, foram selecionados os desenhos de 2 alunos autistas de cada
instituição, além do desenho de um aluno típico.
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Quando analisados à primeira vista, os desenhos não apresentam grandes


diferenças, mesmo quando comparados a desenhos de crianças típicas. Todos
que puderam participar da atividade demonstraram interesse, entendimento da
proposta e soluções gráficas interessantes. Quase todos trabalharam com cor,
utilizaram o espaço de maneira esperada e aparentemente se divertiram
realizando a atividade. Um saldo positivo do caminho percorrido para
desenvolvimento da atividade, em que eu fui o mais recompensado, pela
experiência e aprendizado. Em uma análise mais aprofundada, e lançando mão
da comparação com crianças típicas, pude verificar que as crianças com
autismo possuem algum grau de dificuldade motora (expressos no
preenchimento não uniforme de espaços ou traçado instável, por exemplo),
mas que a abstração e criação simbólica se desenvolvem, mesmo que não na
mesma velocidade que uma criança típica. Reitero que meu objetivo não é
promover juízo de valor, até porque, de acordo com a qualidade dos desenhos,
podemos ter em mãos material de futuros grandes artistas.

CONCLUSÃO PARCIAL

Tendo em vista os dados supracitados, e a experiência de ter participado


ativamente deste processo, cabe pontuar que, ao início deste estudo, as
palavras integração e inclusão me pareciam sinônimas, mas descobri que, se
tratando de ensino-aprendizagem, a elas são atribuídos conceitos
completamente diferentes. De maneira sucinta:
Integração: consistia em localizar no sujeito o foco da mudança, com o objetivo
de normaliza-lo e integra-lo a sociedade; é unilateral.
Inclusão: por um lado, consiste no processo de desenvolvimento do sujeito, e
por outro, no reajuste da realidade social; é bilateral.
Tendo estes conceitos agora bem definidos, os pontos principais que com
segurança posso definir como conclusivos até esta parte do trabalho, são:
Existem alternativas de escolas regulares inclusivas e especializadas;
Tais escolas desenvolvem metodologias que são adequadas para o
desenvolvimento de crianças com autismo;
O contexto socioeconômico é crucial para o desenvolvimento pleno da criança
com autismo.
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PAPÉIS RELACIONADOS A ARTE DE APRENDER E ENSINAR

Questões como “o que significa ser professor, educador, aluno atualmente? ”,


“quais seriam as funções da escola e de instituições não-escolares na
contemporaneidade? ” e “quais seriam os papéis do professor/educador em
escolas e nas instituições não-escolares?” podem assustar em um primeiro
momento, uma vez que convidam a uma reflexão profunda dos papéis que
assumimos na sociedade, quando se trata de nomear os indivíduos envolvidos
em aprender/ensinar. De maneira geral, a vida é didática e estamos, a todo
momento (querendo ou não, sabendo ou não), tanto na posição de professores
como de alunos. O papel do professor/educador, estendido por missão,
vocação, interesse ou o que quer que seja para uma profissão, requer a
consciência de que agimos e influenciamos pessoas, e sobre os ombros do
professor/educador repousa uma imensa responsabilidade. Se, enquanto
aluno, sou responsável pelo meu aprendizado, enquanto professor/educador,
sou responsável pelo aprendizado de outras pessoas, e mais tantas outras
coisas que compõem este contexto, como emoções, expectativas, alegrias,
tristezas e tudo o que constitui o ser humano, sempre complexo. Professor e
educador possuem formalmente a diferença de um ser profissão e o outro,
vocação. Porém, ambos cumprem com uma mesma proposta, e me aproximo
muito da opinião do psicanalista e educador Rubem Alves, quando diz que “a
missão do professor é provocar inteligência, é provocar espanto, é provocar
curiosidade”. Ainda sobre o pensamento deste grande autor, o professor
desempenha um papel social importante e tem como missão “fazer as coisas
essenciais no ambiente em que a criança vive”. Neste ponto também
compartilho com Paulo Freire a ideia presente em sua Carta aos Professores:
“o aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica a medida em que o
ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o
pensado e rever-se em suas posições. Desta forma, respondendo a primeira
questão, não há dicotomia: somos sempre professores/educadores e alunos ao
mesmo tempo, e, em todas as ocasiões, em maior ou menor escala, isso
acarreta responsabilidade social. Para responder as outras duas questões, sigo
18

na linha de pensamento mencionada acima, as instituições devem ser lugares


de troca, onde se estimule o pensar, o debater, o discutir. Platão compôs sua
obra através de diálogos em que, geralmente o personagem principal era seu
mestre Sócrates discutindo com seus discípulos. Assim, acreditava Platão,
através do estímulo a reflexão, o aprendizado era legítimo. O papel do
professor/educador nas instituições deve ser sempre mutável: nunca um
professor, pela titulação, status, trajetória ou qualquer outra coisa que o valha,
deve se esquecer de ser humano e estar aberto ao aprendizado.

PERCALÇOS DESTE CAMINHO

Como mencionei no início, minha proposta de pesquisa foi muito bem recebida
pelas instituições e pelas pessoas que com ela colaboraram. O maior desafio
não se apresentou através de fatores externos: foram fatores internos que
ocuparam meu tempo em reflexões, uma vez que tive que lidar com o
direcionamento que o trabalho estava tomando e meu espírito cartesiano, que
vê na linha reta uma perfeição da natureza. Naturalmente, na prática, as coisas
não são bem assim. Mas, tendo sido este ponto o único que considero como
dificultoso, o restante - inclusive os rumos que a pesquisa tomou por si - me
parecem satisfatórios e vejo nas conclusões e nas novas indagações um valor
que, talvez, se tudo fosse como eu planejei no começo, o trabalho não teria
tanta relevância.

ATUAÇÃO PROTAGONISTA

Como proposta da Disciplina de “Fazer com as Pessoas e a Comunidade”,


tenho interesse em desenvolver uma relação próxima com ambas as
instituições com as quais tive oportunidade de trabalhar. Ambas possuem
espaço para o ensino de arte e criatividade através de ferramentas plásticas e
ambas me convidaram para desenvolver, mesmo que pontualmente, atividades
futuras junto com as crianças. Pretendo manter contato com as instituições,
uma vez que fui muito bem recebido e apoiado por todos.

CONCLUSÃO
19

Quais foram as aprendizagens construídas durante o processo de elaboração


da definição do foco de investigação, protocolo de entrevistas, realização das
visitas, transcrição das entrevistas, relato das visitas, análise das questões e
elaboração em grupo do primeiro trabalho da disciplina Didática?

Fazendo um recorrido sobre todas as experiências, de maneira sintética, todas


foram válidas em graus diferentes. Desde o contato com as pessoas, trocas de
informações, tudo foi um grande aprendizado. Mas faço um destaque para o
contato com as crianças com autismo, e no caso da APAE, crianças com
outras deficiências: são pessoas invisíveis que a sociedade tenta esconder. O
brilho no olhar de uma criança, a curiosidade, a inocência, nada disso tem cor,
sexo, raça e nem condição física ou mental que as diferencie. Falamos de
inclusão desde uma vida de privilégios, de casas boas, de cidades grandes, de
corpos perfeitos e condições na maioria das vezes favoráveis. A consciência se
manifesta através do contrate. Você percebe a felicidade quando encontra a
tristeza, e encontrar crianças sendo crianças, apesar das dificuldades, e com
pessoas tão envolvidas com o seu desenvolvimento foi gratificante, uma
experiência acolhedora e que acredito que todos deveriam vivenciar em algum
momento.

REFERÊNCIAS

DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o


pensamento das crianças. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

_______. Carta de Paulo Freire aos professores: ensinar, aprender: leitura


de mundo, leitura da palavra. Estudos Avançados 15(42), 2001.
20

PIAGET, J. A representação do mundo na criança. Trad. Rubens Fiúza. Rio


de Janeiro: Editora Record, 1978.

ROTTA, N. T., OHLWEILER, L., RIESGO, R. D. Transtornos da


Aprendizagem: Abordagem Neurobiológica e Multidisciplinar. Porto Alegre:
Artmed, 2006.

SZYMANSKI, H. A entrevista ne educação: a prática reflexiva. Brasília: Líber


Livro Editora, 2004.

Vídeo documentário Paulo Freire Contemporâneo, disponível no YouTube -


https://www.youtube.com/watch?v=5y9KMq6G8l8

Vídeo entrevista Rubem Alves, A Escola Ideal: o papel do professor, disponível


no YouTube - https://www.youtube.com/watch?v=qjyNv42g2XU&t=192s

Vídeo apresentação Escola Como Viver, disponível no YouTube -


https://www.youtube.com/watch?v=B1OAeB8h7G0

APÊNDICE 1

TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

Abaixo, relato das professoras entrevistadas: a primeira, Ana, do Colégio Como


Viver, em Curitiba - PR; a segunda, Maria, da APAE de Itaporanga SP. Para
ambas foram atribuídos nomes fictícios com o intuito de preservar sua
identidade. As entrevistas foram realizadas por mim, cumprindo com o
direcionamento proposto, através de contato inicial (por telefone e
presencialmente), envio do Termo de Solicitação de Autorização de Visita,
21

respeitando horários de disponibilidade para atendimento, bem como as


particularidades de cada escola e educadora. As entrevistas foram realizadas
entre os dias 16 e 20 de abril de 2018.

PERFIL DAS ENTREVISTADAS


Ana - Professora em escola Regular que promove inclusão, 12 alunos, turma
de 4º ano, crianças entre 10 e 12 anos, sendo 4 crianças com autismo (ou
outros transtornos de aprendizagem. Menciona que é uma turma atípica,
nenhuma outra turma tem um índice tão alto.
Maria - Professora em APAE (atende somente crianças especiais), 6 alunos,
turma de crianças entre 10 e 12 anos, sendo 3 autistas, 1 Down e 2 com
deficiência intelectual.

QUESTÕES DE AQUECIMENTO
Boa tarde, como você está? Obrigado pela sua disponibilidade e pelo seu
tempo, seu trabalho como educadora é muito importante e eu gostaria de
começar a nossa conversa com você contando um pouco sobre a sua trajetória
de vida e sobre sua opção por educação, especialmente trabalhar com
crianças.
Da questão de aquecimento surgiram outras perguntas pontuais que serviram
para enriquecer a entrevista.

Ana - A princípio eu prestei vestibular para Psicologia e fiz 3 anos, mas


acabou acontecendo uma reviravolta na minha vida e acabei fazendo
Pedagogia. Mas mesmo quando eu fazia Psicologia, já pensava em
trabalhar com crianças, sempre pensei nisso, e na Pedagogia acho que
me encontrei, se eu tivesse terminado Psicologia não seria a mesma
coisa. Minha primeira turma, quando comecei a fazer estágio, foi em
uma escola especial, foi em 1999 ou 2000. Eu trabalhei 5 anos naquela
escola, mas sentia que não era bem aquilo. A gente trabalhava lá com
os alunos até certo ponto, mas eu sabia que tinha gente lá que poderia ir
além, e (nesse momento) eu comecei a pensar seriamente na inclusão e
como ela é feita. Eu digo que para ser minha turma tem que ter alguém
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de inclusão, eu nunca tive uma turma que não tivesse alguém de


inclusão. Caí de paraquedas, foi um processo.

Entrevistador: Quando você menciona sua primeira experiência, ela se


deu em uma escola somente de crianças especiais?

Ana - Sim.

Entrevistador: Hoje você trabalha em uma escola que promove a


inclusão. O que você identifica como principal diferença entre as duas
experiências?

Ana - O jeito como a gente trata as crianças, que aqui, com a


metodologia da integração, não tem diferença nenhuma, todos fazem
tudo aqui. Todas as crianças, com autismo ou não, se desenvolvem
melhor em determinadas áreas, trabalhamos com o potencial humano.
Acho que nessa escola acontece a inclusão de verdade. Tanto que na
minha sala, eles não atribuem a ela (aluna com autismo) essa palavra
(autista); quando ela chora, eles (a) chamam de mimada, eles não
entendem que ela é uma autista, eles não têm essa palavra. As crianças
se entendem como diferentes iguais.
_

Maria - Então, comecei a fazer faculdade em 2013, queria fazer o curso


de Psicologia, mas acabei fazendo Pedagogia (Faculdade FAFIT -
Itararé, cidade próxima). Já em 2013 me inscrevi para ser monitora na
APAE (de Itaporanga), mas nunca tinha trabalhado em escola e nem tido
contato com pessoas com necessidades especiais. Como monitora,
auxiliava as professoras de manhã e à tarde fazia atividades práticas
com os alunos. Fiquei 4 anos como monitora, que foi todo o período da
minha faculdade. Depois que me formei, já sabia que queria trabalhar
com isso, então fiz pós-graduação em educação para pessoas com
necessidades especiais, e agora estou no meu primeiro ano como
professora contratada (na mesma instituição). Tenho na minha turma
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crianças com problemas variados, são 6 alunos no total, 3 com autismo,


(sendo que) uma delas é uma menina em uma situação bem difícil, não
tem oralidade e ainda não consigo trabalhar com ela a parte pedagógica
e nem atividades da vida prática diária. Tenho também uma com
síndrome de Down, 2 com deficiência intelectual, então tenho que
passar atividades diferentes para cada aluno.

Entrevistador: Você disse que, depois da sua experiência com crianças


especiais, se especializou na área. Como você se sente no que diz
respeito a essa escolha?

Maria - Olha, me sinto realizada por atuar nesse campo e o meu sonho
é um dia poder dar palestras para compartilhar as minhas experiências
com essas crianças, contar sobre os desafios, que são muitos, e falar
sobre os novos aprendizados, a gente aprende a cada dia com o
convívio com elas. Tenho vontade também de trabalhar em escola
regular, para fazer acontecer a verdadeira inclusão de crianças especiais
com os outros alunos.

1. Qual o tipo de metodologia aplicada pela escola no ensino de crianças


com autismo?

Ana - A metodologia é dessa escola, se chama Pedagogia da


integração, e o seu objetivo é trabalhar todas as áreas do cérebro, sem
sobrecarregar a crianças, todos (crianças com ou sem autismo) fazem
todas as atividades, não são repetitivas. Por exemplo, eles têm 50
minutos de português, 50 de matemática, não é repetitivo. Eles nunca
têm De acordo com a concentração da idade, os menores (pré, primeiro
ano), duram de 20 a 30 minutos, de acordo com a concentração daquela
idade. As minhas crianças (turma de 4º ano) conseguem se desenvolver
em uma atividade em 50 minutos, mais do que isso perdem o foco. Eles
têm muitos jogos, usamos muito o espaço externo, temos horta e
sustentabilidade, e as crianças com autismo se encontram, conseguem
mostrar seu potencial nessas atividades.
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Maria - Na APAE aplicamos o método TEACCH (Treatment and


Education of Autistic and Related Communication Handicapped
Children), que estimula a independência e autonomia do aluno. Eu
trabalho com figuras para estimular a criança a se comunicar, não dou
respostas prontas, quero que a criança desenvolva o pensamento e
resolva problemas. Por exemplo, se a criança quer ir ao banheiro, ela
me mostra a plaquinha com a figura do banheiro, é uma forma da
criança se comunicar, até aquelas que ainda não têm oralidade
desenvolvida. Autistas verbais gostam de desenhar e pintar, a (menina)
que ainda não tem comunicação verbal prefere roda de contação de
histórias.

2. Qual o tipo de atividade as crianças mais gostam ou mais se


identificam?

Ana - Sustentabilidade, horta, matemática, porque é muito do concreto.


Estudamos geometria através da nossa horta que é em forma de
manda, eles conseguem ver a matemática. Em sustentabilidade, as
crianças do pré foram passear na escola e encontraram lixo; isso gerou
uma discussão bem bacana sobre lixo na natureza e disso foi produzido
um livro. Os maiores estão estudando permacultura, a escola também
tem tirolesa, compostagem, minhocário, várias coisas e várias
atividades.
_

Maria - Autistas verbais gostam de desenhar e pintar, a (menina) que


ainda não tem comunicação verbal prefere roda de contação de
histórias.

3. As crianças com diagnóstico de autismo respondem bem a essa


metodologia? Por que?
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Nesta pergunta, eu estimulei as professoras para que comentassem


sobre a quantidade de alunos em sala, qual é a sua realidade e qual
seria o ideal.

Ana - Muito, justamente pela metodologia não ser maçante, porque a


criança com autismo se interessa por períodos curtos. Eu sei quando
minha aluna não está bem, não está aprendendo, e ela sai, dá uma
volta, conversa com a terapeuta. Eu tenho 12 alunos, e esse é o número
ideal, e eu conheço os meus alunos, o que eles aprendem e quais são
as dificuldades de cada um, como eles agem, as famílias. Esses dias
identifiquei em uma aluna uma dificuldade pontual, ela foi para o apoio
pedagógico e isso já foi resolvido.
_

Maria - Sim, o método auxilia nas dificuldades do aluno com autismo,


para desenvolver uma boa comunicação visual; ele consegue se
organizar a partir do método, o aluno com autismo precisa de rotina,
precisa entender a rotina. Na casa ele tem que fazer a higiene, depois
tomar café (da manhã), depois escovar os dentes, o autista precisa
disso. Com o método ele aprende a organizar e sinalizar as atividades,
facilita a comunicação e aprendizado do aluno. Minha turma tem 6
alunos, acho que é um número bom, porque consigo desenvolver as
atividades de acordo com cada um.

4. Quais os pontos que você mudaria na metodologia aplicada hoje na


escola? A metodologia é flexível? Você possui autonomia para propor
novos métodos?

Ana - Não consigo pensar em nada na metodologia, mas poderia ser o


material didático. Tudo é produzido aqui, mas se o professor precisa
mostrar alguma coisa, e precisa desse recurso, ele precisa buscar por
outros meios, mas teria que ser um material muito bem pensado. Possuo
muita autonomia, aqui existe uma coordenação colaborativa, todo
mundo participa e todo mundo conversa, existe esse contato para tudo.
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Existe um coordenador formal, mas se surge um projeto interessante na


minha turma, eu posso compartilhar direto com os outros professores,
não preciso pedir autorização para o coordenador.

Maria - Na escola regular não existe método inclusivo, a maioria das


escolas regulares trabalham com o método tradicional, o professor
apenas deposita o conhecimento e o aluno não possui voz ativa. A
inclusão não acontece, não adianta dizer que acontece, porque as
professoras não sabem, não estão preparadas para (atender) as
crianças com necessidades.
Na APAE, eu consigo me adaptar de acordo com as necessidades dos
alunos, eu dou as atividades de acordo com o tipo de diagnóstico do
aluno. Na APAE eu tenho autonomia para propor e seguir novos
métodos, tenho voz ativa nas reuniões e sempre sugiro novas
abordagens, de acordo com as necessidades dos meus alunos.

5. O que te motiva a trabalhar com crianças, incluindo crianças com


autismo?

Ana - Olha, não tenho resposta para te explicar, eu acho que eu me


apaixono, não é pelo dinheiro, é porque eu gosto, eu vejo as conquistas
e eu fico tão feliz, uma das crianças com diagnóstico não escrevia nem o
nome, e em um ano e meio eu vejo a criança aprendendo, escrevendo,
ensinando os outros, é demais, não sei explicar o que é essa motivação,
mas é isso é a alegria de ver as coisas acontecendo.
_

Maria - A minha maior motivação é saber que nós, professores, fazemos


diferença na vida dos alunos. É muito gratificante ver os alunos se
desenvolvendo, mesmo que os avanços sejam pequenos, mas para
mim, são avanços muito grandes. A minha aluna autista que não tem
oralidade, ela é muito dependente, minha maior realização vai ser
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quando ela conseguir falar. Ela não gosta de barulho, e na sala de aula
tem uma porta que de vez em quando bate, e esses dias ela segurou a
porta. Eu saí contando para todo mundo, porque ela fez isso. Parece
pouco, mas esses pequenos avanços são muito gratificantes, passos de
formiguinha, não (se) pode nunca perder a esperança em qualquer
aluno. Eu não leio relatórios das outras professoras dos anos anteriores,
eu quero conhecer o aluno antes. Eu não escuto quando falam “nossa,
esse aluno é difícil”, ou “se prepara porque esse aluno não vai para a
frente”. Não quero criar preconceitos e nem rotular o aluno, eu preciso
conhecer primeiro porque eu sei que todo mundo pode se desenvolver,
mesmo que seja um pouquinho.

6. Me fale um pouco sobre os desafios de desenvolver trabalho com


crianças com autismo.

Ana - O desafio é principalmente de fora para dentro, é com os pais,


mas eles também nem sempre sabem o que fazer, não sabem se tratam
com mais ou menos limites, o desafio vem mais de fora. No fundo, os
pais querem que eles sejam tratados como iguais, e você fica meio sem
saber o que fazer em determinadas situações.
_

Maria - Os desafios são diários, a rotina precisa ser totalmente flexível,


de acordo com o psicológico dos alunos. Às vezes eles estão sonolentos
ou irritados. Quando o aluno desenvolve fuga de demanda, se ele não
quer fazer alguma atividade, nesse caso é preciso ignorar o
comportamento ruim, e não o aluno, quando faz birra para fugir da
atividade. Semana passada a minha aluna chorou das 8h às 11h da
manhã, não consegui fazer atividade pedagógica com os outros alunos,
porque eles não conseguiam prestar atenção. Essas dificuldades
atrapalham porque eu desenvolvo trabalhos específicos com cada aluno,
de acordo com as suas necessidades.
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7. Qual a participação da família das crianças na sua educação? A escola


estabelece vínculo com a comunidade na intenção de melhorar a
qualidade de vida das crianças? Se sim, cite algumas das ações que
são praticadas.

Ana - As famílias são participativas e, inclusive, existe apoio terapêutico


para as famílias, tudo é conversado com as famílias, levando em
consideração que a atitude da criança na sala de aula é uma
consequência da relação da criança com a família. O mais trabalhoso da
parte terapêutica é olhar caso por caso. Quanta gente que eu já vi vir
para cá e resolver a vida, de você ver uma criança problemática, aí a
família vem, começa a participar da vida da escola, terapêutico e
começa a desenrolar, é indicado, constelação familiar, tratamento com
florais.
Ano passado houve um problema no lago da escola, não sei o que
aconteceu, mas o lago foi contaminado por esgoto e as crianças ligaram
para a Sanepar, salvaram os peixes e fizeram tudo.
A escola oferece um sistema de bolsas, o pai pode trabalhar na escola e
trocar o serviço por uma porcentagem de desconto. Uma mãe de um
aluno meu dá aula de yoga, outra que escreve artigos para a escola, a
participação é ativa, e só não participa quem não quer, a regra é a
família participar.

Neste momento, a entrevista foi interrompida por uma turma de crianças


que passava perto do local onde estávamos. Aproveitando a pausa na
conversa, a professora deu um exemplo do trabalho desenvolvido com
os alunos, com o objetivo de criar malhas mentais:
Bimestre passado estudamos o Renascimento, mas não de forma
acadêmica. Fizemos comida do Renascimento, nos vestimos como eles
se vestiam, nós brincamos de Renascimento. Cada um fez a Monalisa
do seu jeito, estudamos a vida do Da Vinci, assistimos filmes sobre isso.
A Pedagogia chama isso de criar malhas mentais, quando a criança for
ver isso lá no colegial, ela já vai ter uma imagem sobre isso e vai facilitar
o aprendizado.
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Maria - As famílias, de forma geral, sempre participam das reuniões e


são informadas sobre todas as atividades realizadas na APAE, mas essa
relação precisa ser mais próxima. Eles participam nos eventos de
arrecadação de dinheiro e melhoria da APAE, e esses eventos
promovem a interação da APAE com a comunidade. Eu faço visita nas
casas dos alunos, as vezes levo toda a turma para conhecer a realidade
das outras crianças. A maioria das crianças é carente, mas a família
também precisa de um cuidado especial. Por não possuírem
informações, tem que instruir sobre higiene pessoal, tomar banho e
escovar os dentes, criar rotinas. Muitas vezes as crianças são carentes
financeiramente e não possuem uma estrutura familiar sólida.

8. Na sua opinião, quais as perspectivas das crianças com autismo para o


futuro?

Ana - Eu sou positiva sobre isso, cada vez eu vejo mais empresas
trabalhando, não existem dois autistas iguais. Eu vejo pessoas autistas
incluídas no mercado de trabalho, outro dia eu li um livro escrito por uma
autista e fiquei encantada - não glamourizar essa condição, mas fazer
com que eles sejam indivíduos participativos da sociedade. Eu tenho
bastante otimismo em relação a isso, antes olhávamos com outro olhar,
quando eu era criança, eu lembro do irmão de um amigo que tinha
autismo e ficava trancado em casa, quando estávamos brincando
escutávamos gritos e ninguém sabia o que estava acontecendo. Hoje as
pessoas sabem e é compreendido na maioria das vezes. Estamos em
processo de mudança.
_

Maria - Olha, eu acho que o que é mais preocupante é a questão da


autonomia e independência, se algum dia eles ficarem sem os pais ou
responsáveis por perto, quem vai cuidar deles. Não pode generalizar,
tem que entender cada caso de acordo com o contexto e desenvolver
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independência, mas hoje a maioria dos alunos não é desenvolvida pela


família. As famílias superprotegem, precisam ser preparados para a
vida. Infelizmente, na minha realidade, a opinião (sobre as perspectivas)
é negativa. O que é desenvolvido na APAE, muitas vezes é perdido nas
casas. Às vezes é mais fácil fazer as coisas porque é mais rápido, tenho
alunos com 12 anos que (em casa) ainda mamam na mamadeira, ou
recebem comida na boca.

9. Na sua opinião, quais são os desafios para a sua escola no ensino de


crianças com autismo?

Ana - De olhar cada um como um indivíduo, e a educação formal não


faz isso, ela coloca todo mundo dentro de um pacote, fecha e pronto. A
questão de colocar um tutor (no caso de escolas regulares que recebem
crianças com deficiências) já vira não-inclusão. Acho que (as crianças)
têm que participar da escola regular sim, e têm que ser vistas como
indivíduos únicos, como todos os outros.
_

Maria - O maior desafio, de forma geral é a inclusão, porque na APAE


ficou a minoria dos autistas, a maioria está na escola regular. O maior
desafio não é o aluno, é o professor não capacitado e a sua falta de
interesse pelo aluno.

10. Se você pudesse resumir a importância das crianças com autismo na


sua vida em uma palavra, qual seria?

Ana - Paciência. Hoje eu sou muito mais paciente, sei escutar mais. O
mundo de hoje não tem muita paciência. Com as minhas crianças eu
tenho que ter muita paciência. Gosto de trabalhar aqui, mas fico triste
porque existem tantas crianças no mundo que poderiam ter acesso a
esse ensino, aqui existe respeito e não medo, e tem que entender que
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criança é criança, que vai aprontar, vai bagunçar. Tem que lembrar que
também já fomos crianças.

Maria - Esperança. Eu acho que nunca se deve desistir de um aluno, é o


maior pecado que o professor comete, é rotular o aluno (“ele é assim
mesmo”, “você vai pegar esse aluno?”). Tem sempre que ter esperança
de que o aluno é capaz, eu não aceito que um professor fale que um
aluno não consegue. Enquanto eu estava respondendo as questões, eu
refleti sobre as minhas práticas para tentar melhorar e gostei muito de
participar, achei muito importante.

Cabe ressaltar que, nas duas instituições fui bem recebido e todas as pessoas
com as quais tive contato foram sempre solícitas e gentilmente cederam seu
tempo para me apoiar com este trabalho.
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APÊNDICE 2

PROPOSTA DE ATIVIDADE COM AS CRIANÇAS

A atividade foi realizada com apoio e supervisão da professora responsável.


Alguns desenhos serviram para complementar o estudo, sendo assim,
compõem o Apêndice deste trabalho. Após serem usados, os desenhos serão
devolvidos para as crianças.

OBJETIVO
Analisar como a criança se expressa através do desenho, seja pelo seu
significado simbólico, tipos de traço, cores utilizadas, etc. A análise busca,
especificamente, entender como a criança com autismo desenvolve sua
autonomia em trabalhos manuais. Além disso, a meta da atividade é
proporcionar momentos de diversão para todas as crianças envolvidas.

JUSTIFICATIVA
Entendendo que para algumas crianças com autismo uma entrevista possa ser
uma atividade pouco interessante, enquanto a ação de desenhar pode ser mais
divertida e leve. Para isso, e através da linguagem não verbal, os trabalhos
desenvolvidos servirão como complemento para a pesquisa.

ATIVIDADES
Através do desenho, com linguagem simples e lúdica, propor a construção de 3
figuras, a partir das formas geométricas básicas (triângulo, círculo e quadrado).
Ao final, propor a construção de uma figura utilizando todas estas formas.

RESULTADOS ESPERADOS
Envolvimento da criança na atividade proposta, interação entre o entrevistador
e os alunos; desenhos expressivos e que demonstrem o que a criança sente
naquele momento. O foco deste exercício está no seu desenrolar e em
proporcionar um momento divertido para as crianças.
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Cabe considerar que não existe certo ou errado quando se trata de desenho,
para tanto, qualquer que seja a forma como as figuram serão apresentadas,
serão válidas para enriquecimento da pesquisa.

TEMPO DE DURAÇÃO: 30MIN - 40MIN


Materiais: Papel branco em formato A4 e materiais de desenho (lápis de cor,
giz de cera).
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DESENHOS REALIZADOS NAS ATIVIDADES PROPOSTAS

DESENHO CRIANÇA 1 - AUTISTA


INSTITUIÇÃO 1

Desenho 1

Desenho 2

Desenho 3

Desenho 4
35

DESENHO CRIANÇA 2 - AUTISTA


INSTITUIÇÃO 1

Desenho 1

Desenho 2

Desenho 3

Desenho 4
36

DESENHO CRIANÇA 3 - TÍPICA


INSTITUIÇÃO 1

Desenho 1

Desenho 2

Desenho 3
37

Desenho 4

DESENHO CRIANÇA 1 - AUTISTA


INSTITUIÇÃO 2

Desenho 1

Desenho 2

Desenho 3
38

Desenho 4

DESENHO CRIANÇA 2 - AUTISTA


INSTITUIÇÃO 2

Desenho 1

Desenho 2

Desenho 3
39

Desenho 4

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