Você está na página 1de 39

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RENATA PEDREÑO CIOCCHETTI

AUTISMO E INCLUSÃO ESCOLAR

SÃO PAULO

2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RENATA PEDREÑO CIOCCHETTI

AUTISMO E INCLUSÃO ESCOLAR

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)


apresentado à Faculdade de Educação,
curso de Pedagogia, como exigência
parcial para obtenção do diploma de
Pedagogo, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUCSP.

Orientadora: Profª. Dra. Marisa Del


Cioppo Elias

SÃO PAULO

2013

2
Dedico esse trabalho aos meus pais e aos pais das crianças com autismo de
todo o Brasil pela coragem, carinho e dedicação com essas crianças incríveis.

3
Agradecimentos

Agradeço a meu pai por ter me proporcionado apoio todos esses anos, ele é
minha estrela-guia

4
“O único lugar aonde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”.

Albert Einstein

5
CIOCCHETTI, Renata. Autismo e inclusão escolar, 2013. TCC (Trabalho de
Conclusão de Curso). São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2013, 39 págs.

Resumo

Este trabalho busca compartilhar o que é o autismo, sua história, seus


principais pensadores, suas causas, diagnóstico e tratamento. Partiu-se da
seguinte problemática: hoje em dia tem se falado muito no autismo, mas a falta
de clareza ainda é grande. Muitas professoras se deparam com crianças
autistas, e não sabem como lidar ou como incluí-las e aumentar seu potencial.
Isso a definição do objetivo, ou seja, clarificar o conceito de autismo, e
apresentar sugestões de atividades para um processo de inclusão mais
tranquilo. A pesquisa foi desenvolvida a partir de levantamento bibliográfico das
publicações existentes sobre a temática e, a nossa experiência de dois anos
trabalhando com crianças autistas em uma escola bilíngüe. Pesquisou-se a
inserção da criança autista na educação escolar regular e propôs-se medidas
para trabalhar com esse aluno. O trabalho está estruturado em quatro capítulos
os quais buscam definir o autismo e dissertar um pouco sobre a sua historia,
abordar as causas do autismo e seu diagnóstico, explicitar o debate entre
educação inclusiva e educação especial e, os tipos de intervenções com uma
criança autista na sala de aula e, nos diferentes ambientes da escola. O
resultado dessa pesquisa foi positivo, pois, além de ampliar o conhecimento
sobre esse tema tão importante, e tão presente nas nossas escolas poderá ser
usado como fonte de pesquisa para professores e estudantes que lidam com
crianças autistas nas escolas.
Palavras-chave: autismo, inclusão, educação escolar.

6
CIOCCHETTI, Renata. Autism and school inclusion. 2013. TCC
(monography). São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013,
39 págs.

Abstract

This work seeks to share what is autism, its history, its main thinkers, its
causes, diagnosis and treatment. Broke the following problematic: nowadays
has spoken much in autism, but the lack of clarity is still great. Many teachers
face with autistic children, and they don't know how to cope or how to include
them and increase their potential. That the definition of the objective, namely, to
clarify the concept of autism, and to present suggestions for activities to an
inclusion process more comfortable. The survey was developed from
bibliographic survey of existing publications on the subject and our experience
of two years working with autistic children in a bilingual school. You searched
for insertion of the autistic child in regular school education and proposed
measures to work with that student. The work is structured in four chapters
which seek to define autism and elaborate a little about its history, addressing
the causes of autism and its diagnosis, clarify the debate between inclusive
education and special education and the types of interventions with an autistic
child in the classroom and, in different school environments. The result of this
research was positive because, in addition to broaden the knowledge about this
very important subject, and so present in our schools can be used as a source
of research for teachers and students who deal with autistic children in schools

Keywords: autism, inclusion, school education

7
Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 09

1. Definindo o autismo ........................................................................... 11

1.1. Conceito ..................................................................................... 11

1.2. História ....................................................................................... 14

2. Causas ..................................................................................................18

2.1. O funcionamento cerebral no autismo .......................................19

2.2. Diagnóstico .................................................................................24.

3. Educação Inclusiva ..............................................................................27

3.1. Educação Especial ..................................................................... 29

4. Inclusão de crianças autistas nas escolas ........................................31

4.1. Tipos de intervenção ...................................................................31

4.2. Como trabalhar com a criança autista .........................................33

Considerações Finais ..................................................................................35

REFERENCIAS ..............................................................................................36

ANEXOS............................................................................................................37

8
Introdução

O presente trabalho é sobre autismo e inclusão escolar, suas causas,


tratamentos e como incluir a criança autista. Escolhemos trabalhar com esse
tema devido à nossa própria experiência com crianças autistas. Trabalhamos
em uma escola de educação infantil, onde tivemos a oportunidade de interagir
com duas crianças maravilhosas, e incrivelmente interessantes.

A partir dessa experiência com essas crianças quisemos entender um pouco


mais sobre o autismo, o que é e, como se deve trabalhar para que as crianças
sejam aceitas e, se desenvolvam plenamente.

O autismo é considerado um dos mais graves transtornos do desenvolvimento,


acarretando prejuízos em áreas nobres da maturação e da adaptabilidade. A
interferência qualificada no desenvolvimento dessas crianças precisa contar
com um profissional dotado de raciocínio clínico apurado, que possa elaborar
práticas de avaliação e intervenção, considerando a criança como um ser
integrado nas suas diferentes dimensões desenvolvimentais.

Partimos da seguinte problemática: hoje em dia tem se falado muito no


autismo, mas a falta de clareza ainda é grande. Muitas professoras se deparam
com crianças autistas, e não sabem como lidar ou como incluí-las e aumentar
seu potencial. Isso nos levou a definir o objetivo: clarificar o conceito de
autismo, e apresentar sugestões de atividades para um processo de inclusão
mais tranquilo.

A pesquisa foi realizada através de vasto levantamento bibliográfico das


publicações sobre o autismo, o relato de nossa experiência, bem como o
tratamento que tem sido dado ao tema.

O trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro capítulo


buscamos definir autismo e dissertar um pouco sobre a sua historia, como foi
descoberto, quem são os principais teóricos que se preocupam com o tema. No

9
segundo capítulo optamos por abordar as causas do autismo, e como é feito o
diagnóstico. Também discorremos sobre o funcionamento cerebral para
mostrar exatamente como ocorre o funcionamento de cada parte do cérebro do
autista. No terceiro capitulo falamos sobre a educação inclusiva e a educação
especial, suas diferenças, os debates atuais sobre a melhor forma de incluir
respeitando as diferenças. No quarto e último capítulo abordamos a inclusão e
os tipos de intervenções mais usados na atualidade, como funciona cada um e
como se deve agir com uma criança autista na sala de aula e, nos diferentes
ambientes da escola.

O resultado de nosso trabalho mostra que essas crianças podem, sim, se


desenvolver de maneira satisfatória em escolas regulares. Basta que sejam
aceitas, amadas e estimuladas. Receber uma criança portadora de
necessidades especiais não é uma crise, mas um desafio. Se tratado
corretamente, este pode ser um desafio positivo, e todos os envolvidos serão
beneficiados.

Esperamos poder ajudar a esclarecer mais e mais este tema e contribuir com
informações úteis para os profissionais, estudantes e familiares que se
depararam com essas crianças incríveis, que tem muito para nos ensinar.

10
1 Definindo o autismo

O presente capítulo tem como objetivo a definição do conceito de autismo,


abordando de um modo geral o que a Psiquiatria apresenta como distúrbio ou
transtorno global do desenvolvimento e síndrome autista.

1.1 Conceito

Segundo o Dicionário Aurélio, o Autismo é considerado “ (...) traço mórbido da


personalidade que se caracteriza pela tendência do indivíduo a ensimesmar-se,
alheando-se do mundo exterior. Tem influência genética e é causado por
defeitos em partes do cérebro, como o cerebelo, por exemplo. É um dos
sintomas fundamentais da esquizofrenia.1.

Podemos considerar o autismo como um transtorno do desenvolvimento, no


qual ocorre uma ruptura nos processos fundamentais de socialização,
comunicação e aprendizado, chamado também de Tríade. Esse transtorno é
conhecido como Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD).

A definição mais recente parece ser a de que o Autismo consiste, pois, na


presença de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal
da interação social e da comunicação e um repertório muito restrito de
atividades e interesses.

Sendo um distúrbio do comportamento, o autismo apresenta uma tríade de


dificuldades:

1
Dicionário Aurélio Online.

11
 Dificuldade de comunicação - caracterizada pela dificuldade em utilizar
com sentido todos os aspectos da comunicação verbal e não verbal. Isto
inclui gestos, expressões faciais, linguagem corporal, ritmo e modulação
na linguagem verbal. (MELLO, 2007, p.20)

Dessa forma, dentro do espectro do autismo é possível vermos crianças que


não se comunicam de forma verbal e nos casos mais severos que não
possuem expressão alguma ou expressões incompreensíveis.

Outras crianças repetem frases ouvidas há horas, ou até mesmo dias antes é a
chamada ecolalia tardia. Em uma escola de classe média na zona leste de São
Paulo acompanhamos um aluno de inclusão e pudemos observar que ele
apresentava a ecolalia e repetia frases que pronunciamos no dia anterior e
essas frases sempre estavam fora do contexto.

 Dificuldade de sociabilização - este é o ponto crucial no autismo, e o


mais fácil de gerar falsas interpretações. Significa a dificuldade em
relacionar-se com os outros, a incapacidade de compartilhar
sentimentos, gostos e emoções e a dificuldade na discriminação entre
diferentes pessoas. (MELLO, 2007, p.21)

Muitas vezes a criança com autismo aparenta ser muito afetiva, por aproximar-
se das pessoas abraçando-as e mexendo, por exemplo, em seu cabelo, ou
mesmo beijando-as, quando na verdade ela adota indiscriminadamente esta
postura, sem diferenciar pessoas, lugares ou momentos. O aluno que
acompanhamos tinha um costume de dar “abraços de urso” nos colegas de
classe,porém ele os apertava muito e por isso eu e a professora titular
conversamos com os pais e eles nos informaram que ensinaram isso ao filho
para tentar ajudar na socialização.

 Dificuldade no uso da imaginação - se caracteriza por rigidez e


inflexibilidade e se estende às várias áreas do pensamento, linguagem e

12
comportamento da criança. Isto pode ser exemplificado por
comportamentos obsessivos e ritualísticos, compreensão literal da
linguagem, falta de aceitação das mudanças e dificuldades em
processos criativos. (MELLO, 2007, p.21)

Durante as brincadeiras esse aluno sempre ficava em um canto da sala e


exprimia um apego bastante forte com os blocos de montar. No mesmo ano e
na mesma escola acompanhamos outra criança com autismo. Ela durante o
momento de parque gostava muito de um brinquedo e todos os dias ia no
mesmo. Essa segunda aluna costumava colocar tudo em sua boca, desde um
pincel durante a aula de artes até a areia encontrada no caixa de areia
localizada fora da sala.
As mudanças de rotina, como mudança de casa, dos móveis, ou até mesmo
de percurso, costumam perturbar bastante algumas destas crianças. Um
exemplo disso era a volta do parque para a sala. A segunda aluna observada
tinha uma grande resistência para voltar a sala, nos lembramos de ter visto ela
se jogar no chão em algumas ocasiões.
O autismo se manifesta de forma grave durante toda a vida e pode ser
diagnosticado tipicamente antes dos três anos de idade. Entretanto, as
manifestações desta perturbação variam muito em função do nível de
desenvolvimento e da idade cronológica do sujeito.

Comportamentos típicos em crianças autistas:


- usa as pessoas como ferramentas;
- resiste a mudança de rotina;
- não se mistura com outras crianças;
- não mantém contato visual;
- age como se fosse surdo;
-apresenta risos e movimentos não apropriados;
- resiste ao contato físico;
- apresenta apego não apropriado a objetos.

13
1.2. História

A palavra “autismo” deriva do grego “autos”, que significa “voltar-se para si


mesmo”. A primeira pessoa a utilizá-lo foi o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler,
em 1911, para descrever uma das características de pessoas com
esquizofrenia, se referindo ao isolamento social das pessoas acometidas,
porém, antes disso “O psiquiatra inglês Maudsley é tido como pioneiro na
literatura sobre a psicose na criança, ao incluir um capítulo intitulado “Insanity
of early life” em seu livro “Phisiology and pathology of mind”, de 1867.
Entretanto, o alemão Griesinger, em 1845, já fazia referência às diferenças
entre a loucura do adulto e a da criança (Griesinger, 1845 apud Krynski, 1977).
Pode-se considerar que as primeiras descrições de psicoses especificamente
infantis incluíram a dementia precocissima, pelo italiano De Sanctis, em 1906 e
1908, e a dementia infantilis, pelo austríaco Heller, em 1908, ambas tendo
como referência a dementia praecox do alemão Emil Kraepelin (KANNER,
1971a; WING, 1997)”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p. 16)

Em 1933, o médico do New York State Psychiatric Institute and Hospital,


Howard Potter, se baseou na esquizofrenia descrita pelo Eugen Bleuler,
apresentou e discutiu seis casos nos quais os sintomas tiveram início antes da
puberdade e que incluíam altercações comportamentais, falta de conexão
emocional e a ausência do instinto de integração. Após esses casos Potter
propôs que esse quadro fosse chamado de esquizofrenia infantil.

Nos anos 1940, dois médicos apresentaram as primeiras descrições modernas


daquilo que hoje é nomeado de Transtorno do Espectro do Autismo infantil ou
transtorno autista. Leo Kanner, médico nascido no antigo Império Austro-
Húngaro que emigrou para os Estados Unidos em 1924, tornando-se chefe do
serviço de psiquiatria infantil do Johns Hopkins Hospital de Baltimore, publicou
em 1943 o artigo “Os distúrbios autísticos do contato afetivo”. Utilizando-se da
noção de “Transtorno do Espectro do Autismo ” consagrada por Eugen Bleuler
como um dos principais sintomas da esquizofrenia, Kanner descreveu 11
14
crianças cujo distúrbio patognomônico seria “a incapacidade de se
relacionarem de maneira normal com pessoas e situações, desde o princípio
de suas vidas” (KANNER , In: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p. 17)

Kanner (Id) criou o conceito da “mãe geladeira”, colocando a culpa no


comportamento dos filhos nas respectivas mães que demonstravam um
contato afetivo frio, mecanizado e obsessivo.
Responsabilizar a mãe ainda é muito comum hoje em dia por diversos
profissionais da área da saúde, que ficaram parados no tempo e reproduzem a
teoria de Leo Kanner. É uma teoria equivocada, mas que foi muito divulgada.
No entanto, o que poucas pessoas sabem é que anos mais tarde o mesmo
psiquiatra veio a público para retratar-se por essa consideração. (SILVA,
GAIATO, REVELES, 2012, p.160)

Apenas um ano após a publicação do texto de Kanner, Hans Asperger, médico


de Viena, escreveu o artigo “„Psicopatia autística‟ na infância”. Nele, o médico
de Viena também tomou de empréstimo de Bleuler o termo “Autismo” para
descrever quatro crianças que apresentavam como questão central o
transtorno no relacionamento com o ambiente a seu redor, por vezes
compensado pelo alto nível de originalidade no pensamento e atitudes. As
características autistas apareceriam a partir do segundo ano de vida e seriam
persistentes. Haveria pobreza de expressões gestuais e faciais e, quando as
crianças eram inquietas, sua movimentação era estereotipada e sem objetivo,
podendo haver movimentos rítmicos repetitivos. Sua fala seria artificial, mas
teriam atitude criativa em relação à linguagem, exemplificada pelo uso de
palavras incomuns e neologismos. Outro ponto positivo seria a capacidade de
enxergar eventos a partir de um ponto de vista original, com campos de
interesses diferentes das outras crianças de sua idade (especialmente ligado
às ciências naturais), o que desvelaria sua “surpreendente maturidade”.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p. 19)

15
Mudanças na concepção do autismo foram ocorrendo na década de 1960.
Podem ser citados três componentes importantes dessas mudanças. O
primeiro foi o suporte das teses biológicas e ganha o aval de Kanner. O
segundo foi a emancipação das pessoas com autismo que começaram a
escrever biografias e a dar depoimentos. Essa foi uma forma de mudar a
imagem que estava sendo mostrada às pessoas, e uma forma de defender o
investimento a pesquisas inteiramente voltadas para o autismo. O terceiro
componente são as teses psicodinâmicas voltadas para o cognitivismo, até
então ignorado.

Mais tarde, Ritvo (1976) também relacionaria o autismo a um déficit cognitivo,


considerando-o, não mais uma psicose, e sim um distúrbio do
desenvolvimento. Isso preparou o terreno para que, a partir dos anos 1980, se
desenvolvessem teses como as do déficit autista da teoria da mente, da
coerência central ou das funções executivas. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013,
p. 23)

O início dos anos 1980 também foi marcado pelo artigo de Lorna Wing, mãe de
uma criança autista, sobre a síndrome descrita por Hans Asperger em 1944.
Após modificar parte da descrição clínica feita por esse autor, Wing (1981)
defendeu que tanto o Transtorno do Espectro do Autismo quanto aquela
síndrome compartilhavam da mesma tríade sintomática: ausência ou limitações
na interação social recíproca; ausência ou limitações no uso da linguagem
verbal e/ou não verbal; e ausência ou limitações das atividades imaginativas,
que deixavam de ser flexíveis para tornarem-se estereotipadas e repetitivas.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p. 23).

No Brasil, o conhecimento sobre o Transtorno do Espectro do Autismo foi se


instalando gradualmente, seja pela difusão dos conceitos da psiquiatria de
Kanner, da psiquiatria infantil francesa (como a de Ajuriaguerra) ou das
abordagens psicanalíticas. (Id, p. 25).

Em 1983 surgiu a primeira Associação de Amigos de Autistas do Brasil, a AMA-


SP, que hoje conta com duas grandes unidades, uma em São Paulo e, outra,

16
na região de Parelheiros, tendo como principal mentor o Dr. Raymond
Rosemberg.

As causas do autismo ainda não estão muito claras, existem algumas teorias,
como as alterações genéticas. É isso que veremos no próximo capítulo, assim
como se chega às causas, ao diagnóstico e quem o faz.

17
2 Causas

Nesse capítulo nos deteremos a conhecer quais são as causas do autismo e


suas bases para se chegar ao diagnóstico do espectro do autismo.

Muitos estudos e pesquisas estão sendo desenvolvidas para se chegar a uma


causa do autismo. A maior pesquisa envolve o autismo e sua ligação com os
genes, seu nome é Projeto Genoma do Autismo (Autism Genome Projecct) da
Aliança Nacional para Pesquisa sobre Autismo (National Alliance for Autism
Research – NAAR). Esse estudo está sendo realizado em quase 50 instituições
de pesquisa, envolve 19 países e investigam os 30 mil genes que formam o
genoma humano, tem o objetivo de identificar aqueles que desencadeiam o
autismo.

De acordo com o médico e escritor Schwartzman “cabe observar que a


presença de anormalidades neurobiológicas, em boa parte dos casos de TEA
(Transtornos do Espectro do Autismo), não significa que tenhamos encontrado
a “causa” do autismo, mas indica que, pela freqüência que estes marcadores
estão presentes, deva haver alguma relação entre as alterações do SNC
(Sistema Nervoso Central) observadas (marcadores) e os distúrbios
comportamentais que caracterizam os TEA”. (SCHWARTZMAN, 2011, p. 65)

Ainda é bastante difícil determinar exatamente em que medida e segundo quais


modalidades os fatores genéticos e não genéticos contribuem no processo de
etiopatogênese. (SURIAN, 2012, p. 49).

Os estudos genéticos podem ser feitos através da avaliação de gêmeos.


Quando se trata de irmãos gêmeos idênticos, se um deles tem autismo, a
chance do outro irmão também ter é de 90%. Já quando se trata de gêmeos
não idênticos, essa chance cai de 90 para 4,5%, que é o mesmo risco de um
irmão não gêmeo.

Alguns autores associam o autismo à alguma síndrome genética bem


determinada, como a síndrome do X-frágil, a síndrome de Algelman, a
esclerose tuberosa complexa, a fenilcetonúria, a síndrome de Down, entre

18
outras. Mas por que eles associam o autismo com essas síndromes? Pessoas
com disfunções em determinado gene teriam uma chance maior de
desenvolver o autismo. Vale lembrar que nem todos os pacientes portadores
dessas doenças genéticas desenvolvem o autismo, porém a probabilidade de
apresentarem o autismo ou traços deles é maior do que na população geral.

Muitos estudos apontam os fatores pré-natais ou fatores ambientais como uma


possível causa, Por exemplo, o uso de medicamentos durante a gestação,
intoxicações alimentares, bebidas alcoólicas e o uso de substâncias abortivas.
“O autismo pode ser provocado por agentes químicos presentes no ambiente
intrauterino. Um exemplo tristemente conhecido é aquele da talidomida, um
medicamento utilizado nos anos 1960 para aliviar os mal-estares da gravidez,
mas que na realidade tinha efeitos devastadores no feto. Nas crianças
expostas a esse medicamento no período pré-natal a probabilidade de serem
autistas era cinqüenta vezes superior àquela da população comum”. (Id, p. 52).

Também devemos considerar o nível de stress da mãe, pois esse ajuda a


elevar o nível de dopamina na criança.

2.1 O funcionamento cerebral no autismo

A Neurociência é a área que estuda o cérebro e suas estruturas, seu


desenvolvimento e funcionamento, sua relação com o comportamento e suas
alterações. (SILVA, GAIATO, REVELES, 2012, p. 178)

Alguns exames precisam ser pedidos para se investigar as causas do autismo.


Nas últimas décadas, os exames que mostram a imagem do cérebro sofreram
grandes avanços. Hoje temos a tomografia computadorizada por emissão de
fóton único (SPECT), a tomografia por emissão de pósitrons (PET), a
ressonância nuclear magnética funcional (RMF) e a imagem por tensor de
difusão. Todos esses exames fornecem uma medida de como o cérebro esta
trabalhando.
19
Como funcionam esses exames: a área com maior desempenho utiliza mais
energia e por isso tem um maior fluxo sanguíneo que facilita a captação de
imagens. Esses exames funcionam medindo a conexão entre a ação sendo
praticada e, quais áreas são ativadas no cérebro.

Quando pessoas no espectro autista são submetidas às técnicas de


neuroimagens, podemos saber exatamente quais são as áreas ativadas,
conforme a ação praticada. Comparamos, então, essa ativação com as que
ocorrem nas pessoas sem diagnóstico de autismo, o que nos permite dizer se
determinada área está mais ou menos ativada do que na população geral.
(SILVA, GAIATO, REVELES, 2012, p. 179)

Temos que lembrar que, no autismo, mais de uma área é prejudicada, sendo
elas a da comunicação, no uso da imaginação e, da sociabilização. Por isso é
impossível apenas uma área do cérebro estar comprometida.

De acordo com as pesquisas mais recentes, e as investigações clínicas,


podemos observar alterações nas seguintes estruturas cerebrais (Id, p. 180):

 Sistema límbico: área responsável pelas emoções.

 Corpo caloso: estrutura que conecta o lado direito com o esquerdo do


cérebro.

 Gânglios da base: grupos de núcleos responsáveis pelo controle motor,


cognição, emoções e aprendizado.

 Tálamo: área que esta envolvida com a regulação do estado de


consciência, alerta, atenção e controle das emoções.

 Cerebelo: área responsável pela manutenção do equilíbrio, pelo controle


do tônus muscular, dos movimentos voluntários, enfim, de toda a
aprendizagem que envolve movimentos, como andar, correr, pular,
andar de bicicleta.

 Substância branca: responsável pela comunicação entre as partes do


cérebro.
20
 Região frontotemporal: responsável pela interação social e pela
linguagem.

Outra alteração observada é o tamanho do cérebro. As pessoas autistas têm a


tendência para ter cérebros mais volumosos. Uma técnica tradicional prevê a
medição do peso, do volume e da superfície do sistema nervoso central. Um
cérebro humano adulto pesa cerca de 1.400 gramas. (SURIAN, 2012, p. 31).

Mais de 60 anos atrás, em sua descrição original de crianças com autismo,


Kanner (1943) mencionou que elas tinham cabeças grandes e, a macrocefalia
tem sido uma de suas características físicas mais consistentes. (BAILEY,
STEVENSON, In: TUCHMAN e RAPIN, 2009, p. 96).

Porém, não podemos afirmar que cérebros grandes são uma “marca registrada
no autismo”, pois, a grande maioria das pessoas com cabeça e volume
cerebral avantajado, não apresentam autismo.

Outros recursos, além da neuroimagem como, a técnica de varredura visual


mostraram que indivíduos com autismo, quando estão observando uma face
humana, tendem a olhar muito mais para a boca, diferentemente das pessoas
sem autismo, que olham principalmente para a região dos olhos. (SILVA,
GAIATO, REVELES, 2012, p. 181)

Outros estudos com ressonância magnética funcional (RMf) mostraram que o


giro fusiforme (área de identificação de leitura de faces) não fica tão ativado
quando as pessoas do espectro autista observam diferentes mímicas faciais.
Ou, ainda, não altera sua ativação quando a foto de uma pessoa triste é
trocada por outra com expressão facial feliz, por exemplo. (Id p. 181)

Funções importantes de monitoramento e controle da atenção são


normalmente desenvolvidas, tanto pelo córtex frontal, quanto pelo cerebelo, e a
presença de anomalias em ambos impede que o mau funcionamento de uma
estrutura seja compensado por outra. (SURIAN, 2012, p. 39)

Ainda outra técnica, se baseia nas analises feitas com o microscópio óptico.
Essas análises propiciaram a descoberta de células muito especiais, os
21
neurônios. A partir desses estudos, os pesquisadores concluíram que os
neurônios em pessoas com autismo também tem o seu funcionamento
comprometido. O impulso nervoso se propaga de um neurônio ao outro,
através de trocas químicas que ocorrem nas sinapses, e que são governadas
por substâncias chamadas neurotransmissores (dopamina, serotonina,
noradrenalina, responsáveis pela transmissão de informações e
aprendizagens). Logo, o cérebro das pessoas com autismo não funciona como
uma unidade coesa, o que reflete nos comportamentos mencionados no
capítulo anterior.

Até aqui já podemos perceber que, devido a todas essas alterações e falhas de
comunicação no cérebro da pessoa com autismo, muito dos comportamentos e
atitudes já podem ser explicados.

A seguir vamos tratar das quatro teorias que servem para explicar o
funcionamento cerebral das pessoas com autismo. São elas: teoria dos
neurônios-espelho, teoria da mente, déficit das funções executivas ou no lobo
frontal e teoria da coerência central.

 Teoria dos neurônios-espelho: essa teoria é bem interessante e foi


descoberta por pesquisadores ao observar que alguns neurônios do córtex
motor disparavam quando um macaco executava alguma ação e, também
quando observava os outros macacos praticando alguma ação.

O que acontece no caso das pessoas com autismo é a redução na ativação


dos neurônios-espelhos. Então podemos supor que, quando eles praticam uma
ação os neurônios são ativados normalmente, porém, quando observam outra
pessoa praticando a mesma ação, os neurônios não respondem da mesma
forma.

 Teoria da mente: de acordo com a teoria da mente todos somos capazes


de ler a mente das pessoas. Essa habilidades permite perceber a intenção das
pessoas, mesmo sem elas pronunciarem uma palavra sequer.

22
As pessoas com autismo levam mais tempo para perceber e aprender o
significado de certas atitudes e demoram a interagir, pelo fato de não
entenderem as sensações e emoções alheias. Um fato interessante é que elas
não conseguem imaginar que outra pessoa esteja pensando de forma diferente
delas.

Um exemplo bem claro da teoria da mente é ver pessoas com autismo serem
mal-interpretadas em suas colocações, podendo passar por grosseiras,
somente pelo fato de não compreenderem uma situação.

 Déficit das funções executivas ou no lobo frontal: as funções executivas


são um conjunto de habilidades que incentivam a pessoa a escolher ou,se fixar
em estratégias, na resolução de problemas e auto avaliar o próprio
comportamento.

Os traços específicos nos lobos frontais também aparecem nos exames


histológicos2 e nos estudos conduzidos com a ressonância magnética. “Estes
últimos registraram uma correlação negativa entre as dimensões dos lobos
frontais e as do cerebelo.” (SURIAN, 2012, p. 39).

As crianças com autismo têm dificuldade de planejar tarefas, de inibir respostas


irrelevantes, de controlar suas ações e de encontrar estratégias diferentes para
resolver problemas. Em vez disso, permanecem com os mesmos recursos,
ainda que eles não estejam funcionando. (SILVA, GAIATO, REVELES, 2012, p.
185).

 Teoria da coerência central: a coerência central refere-se à tendência


normal de agregar as partes de uma informação para formar o conjunto todo.

Nas pessoas com autismo existe uma alteração no processamento da


informação desde a percepção até o significado, resultando em um
processamento exclusivamente nos detalhes. Por exemplo: ao assistir um filme

2
Exames que a partir de uma análise mais profunda tentam chegar a apenas um resultado.

23
é bem normal ver uma pessoa com autismo mais preocupada com um
personagem especifico do que com o filme todo.

Relacionando a teoria da coerência central com o aprendizado, a pessoa com


autismo pode se apropriar das informações de forma fragmentada e, dessa
forma, não juntá-las para criar uma representação apropriada do que deveria
ser captado.

A partir da fragmentação das possíveis causas do autismo, ainda não é


possível fazer um diagnóstico a partir de uma avaliação genética. Para isso,
apresentamos, a seguir, um aprofundamento, do que temos hoje em matéria de
diagnóstico do autismo.

2.2 Diagnóstico

O diagnóstico do autismo deve ser realizado por um especialista, que pode ser
um médico, Psiquiatra ou Neuropsiquiatra infantil, ou Psicólogo..

É preciso deixar bastante claro que, o diagnóstico de TEA é, antes de tudo, um


diagnóstico clínico que se baseia no achado dos prejuízos, mais ou menos
característicos, presentes nas áreas da relação interpessoal, comunicação e
comportamento. (SCHWARTZMAN, 2011, p. 105)

Os critérios normalmente usados pelos médicos são a DSM-IV (Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e a ICD-10 (Diretrizes
Diagnósticas para o Autismo Infantil), ambos acordos internacionais.

Para que o diagnóstico seja realizado com sucesso é muito importante que o
profissional seja experiente no assunto, e que entenda sobre comportamentos
infantis de forma geral.

24
Em um primeiro momento é feito uma vasta pesquisa sobre a vida dessa
criança, desde a gestação até o momento da análise. Podemos dividir isso em
quatro fases.

1ª fase: como foi o nascimento, se houve complicações, se a criança precisou


ser entubada, ou precisou de algum medicamento e, se apresentou crises
convulsivas.

2ª fase: depois da fase do nascimento se investiga o primeiro ano de vida,


como é o bebê em casa, se dorme bem, quando começou a engatinhar e a
andar, quando pronunciou as primeiras palavras.

3ª fase: a partir do segundo ano de vida, o enfoque é no comportamento, nas


habilidades motoras e na interação social da criança.

A partir dos 3 a 4 anos de idade é importante saber como foi o ingresso na


escola, as brincadeiras que a criança mais gosta, como é o seu relacionamento
com os colegas de classe.

4ª fase: aos 5 ou 6 anos de idade é importante que se pesquise o aprendizado


e a fase da alfabetização.

É de extrema importância a riqueza nos detalhes para que o médico possa


avaliar cada alteração no desenvolvimento da criança.

Um instrumento muito utilizado é o CHAT 3, que consiste em uma listagem para


verificar a presença do autismo em crianças de 1 a 3 anos de idade. O
diagnóstico nas crianças autistas é muito importante e deve ser feito o quanto
antes.. Na minha experiência, durantes as aulas que ministro em uma escola
bilíngüe, a mãe da aluna autista começou a perceber que alguma coisa não
estava muito certa depois que colocou a sua filha na escola. A criança já
estava com quase dois anos e, ainda não pronunciava nenhuma palavra, não
mantinha contato visual, e não brincava como as outras crianças. A mãe

3
Check-list for Autism in Toddlers.( Lista de verificação para autismo em crianças).

25
resolveu falar com a professora e a coordenadora pedagógica que
aconselharam-na a procurar uma psicoterapeuta.

Além do CHAT existem outros três instrumentos, hoje traduzidos para o


português, e que estão parcialmente validados para a nossa população. São
eles: a Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA), o Inventário de
Comportamentos Autísticos (ABC) e o Questionário de Verificação do Autismo
(ASQ). Esses recursos ainda estão em fase de validação.

Alguns exames podem ser solicitados porém, isso varia de criança para
criança. Para alguns pacientes pode ser necessário a realização de exames de
neuroimagens. Outros podem precisar de eletroencefalograma (EEG),
eletrocardiograma (ECG), avaliações de erros do metabolismo e exames
laboratoriais, etc. (SILVA, GAIATO, REVELES, 2012, p. 202)

Agora que já vimos as causas e como é feito o diagnostico, no próximo capítulo


vamos o período escolar de uma criança autista. Nele vamos mostrar as
diferenças entre educação inclusiva e educação especial, e a nossa percepção
de como o aluno com autismo tem sido acolhido nas escolas de educação
regular.

26
3 Educação Inclusiva

Esse capítulo tem como objetivo mostrar as diferenças entre educação


inclusiva e a educação especial, e seus objetivos.

Em junho de 1994, vários países se juntaram para escrever sobre os direitos


das pessoas com deficiências a uma educação de qualidade. O documento
resultante é conhecido como a Declaração de Salamanca, referendado pela
Organização das Nações Unidas (ONU).

O objetivo da declaração: o documento demanda que os Estados assegurem


que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema
educacional. Notamos, com satisfação, um incremento no envolvimento de
governos, grupos de advocacia, comunidades e pais e, em particular de
organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso
à educação para a maioria daqueles cujas necessidades especiais ainda se
encontram desprovidas. Pode-se reconhecer, por exemplo, como evidência
para tal envolvimento, a participação ativa do alto nível de representantes e de
vários governos, agências especializadas, e organizações inter-
governamentais naquela Conferência Mundial, inclusive a participação do
Brasil, com o envio de representantes do Minstério da Educação e Cultura
(MEC).
Podemos entender a educação inclusiva como um dever do Estado e,
principalmente das escolas particulares ou públicas, de promover uma
educação para todos, sem importar com a deficiência.
No papel é muito bonito e significativo, mas o que vemos hoje em dia nas
escolas é que isso não acontece bem assim.
Os sistemas escolares também estão montados a partir de um pensamento
que recorta a realidade, que permite dividir os alunos em normais e deficientes,
as modalidades de ensino em regular e especial, os professores em
especialistas nesta e naquela manifestação das diferenças. A lógica dessa
organização é marcada por uma visão determinista, mecanicista, formalista,

27
reducionista, própria do pensamento cientifico moderno, que ignora o subjetivo,
o afetivo, o criador, sem os quais não conseguimos romper com o velho
modelo escolar para produzir a reviravolta que a inclusão propõe. (MANTOAN,
2003, p. 27).
A perspectiva da Educação Inclusiva (EI) é, sim, bem oposta à da escola
tradicional: é inclusiva ao promover uma escola de sucesso para todos, ao
encarar os alunos como todos diferentes e necessitados de uma pedagogia
diferenciada (PERRENOUD, 1996) e, ao cumprir o direito à plena participação
de todos os alunos na escola regular. (RODRIGUES, 2006, p. 304)
Heward (2003) afirma que, o fato de os alunos serem todos diferentes não
implica que cada um tenha de aprender segundo uma metodologia diferente;
isso nos levaria a uma escola impossível de funcionar nas condições atuais.
(RODRIGUES, 2006, p. 305)
Ainda sobre as diferenças Rodrigues Id) diz: Mas o certo é que a diferença não
é estruturalmente dicotômica – isto é, não existe um critério generalizado e
objetivo que permita classificar alguém como diferente. A diferença é, antes de
tudo, uma construção social histórica e culturalmente situada. Por outro lado,
classificar alguém como “diferente” é partir do princípio de que o classificador
considera existir outra categoria – que é a de “normal”, na que um sujeito
naturalmente se insere. (RODRIGUES, 2006, p. 305)
A inclusão propõe a desigualdade de tratamento como forma de restituir uma
igualdade que foi rompida por formas segregadoras de ensino especial e
regular. (ARANTES, 2006, p. 16)
A partir dessas colocações é possível perceber que, ainda temos um longo
caminho a percorrer quando se trata da inclusão do aluno com dificuldades.
São muitas barreiras e, os profissionais, despreparados para trabalhar com o
diferentes, continuam tratando o aluno com deficiência como aquele aluno que
nunca aprenderá nada de fato.
Em uma pesquisa feita em Portugal sobre o que era ensinado nos cursos de
formação para professores sobre Necessidades Educacionais Especiais, se
concluiu que, a maioria do conteúdo era sobre as deficiências e suas etiologias.

28
Regressando ao domínio da educação, constatamos que, se a ênfase da
formação de professores for dada à diferença e aos casos mais profundos,
acabamos por proporcionar (ainda que com boas intenções...) um argumento
para que o jovem professor avalie a sua futura tarefa como quase
inultrapassável e até a rejeitar a inclusão de alunos com dificuldades, devido
exatamente, ao conhecimento das reais dificuldades que esses alunos tem.
(RODRIGUES, 2006, p. 308)
Esses autor aponta a escola inclusiva como uma alternativa séria às escolas
especiais e, ainda aponta que, uma escola inclusiva que atenda, por exemplo,
alunos com deficiência mental tem de ser capaz de proporcionar, pelo menos,
o mesmo tipo de serviços da escola especial. Ele nos trás a seguinte questão:
se não, por que irão os pais preferir a inclusão, se isso pode ter um efeito
devastador em sua qualidade de vida?

3.1 Educação Especial

Como pudemos observar, a educação inclusiva abrange muito além do que as


pessoas com alguma deficiência; ela visa garantir direitos igualitários às
pessoas excluídas da sociedade.
Já a escola de educação especial é aquela organizada exclusivamente para
atender alunos classificados como portadores de necessidades educacionais
especiais.
A Política Nacional de Educação Especial estabelece quais são os alunos
portadores de necessidades especiais: são aqueles que apresentam
deficiências (mental, auditiva, física, visual e múltipla), superdotação ou altas
habilidades ou condutas típicas devido a quadros sindrômicos, neurológicos,
psiquiátricos e psicológicos que alterem sua adaptação social a ponto de exigir
intervenção especializada. (CAMPBELL, 2009, p. 133)
Existe um conflito sobre o entendimento da educação especial. Muitos acham
que a criança com necessidade especial freqüenta apenas a escola especial e
29
que essa substitui a escolarização. Isso significa que crianças e adolescentes
com deficiências passariam muito tempo somente com colegas que tem o
mesmo tipo de deficiência, e recebendo conteúdos escolares adaptados.
Após a implementação da escola inclusiva isso caiu por terra, porque o
atendimento especializado é apenas um complemento da escolarização, não
um substituto.
Na nossa experiência com alunos autistas percebemos claramente que, a troca
entre os colegas de sala é muito importante e significativo. Ajudar a criança a
completar uma atividade proposta para a sala toda é bem diferente de fazer
uma atividade específica, de acordo com a deficiência que esse aluno
apresenta.
Também achamos importante e, muito educativo a forma como a escola citada
inclui essas crianças em todas as atividades. Em momento algum elas são
excluídas. Todos os dias o professor, dentro da rotina diária propõe a roda e,
nela apresenta o que vai ser feito durante o dia, as aulas que serão dadas e as
atividades. Logo após essa breve apresentação as crianças cantam algumas
canções, geralmente solicitadas por elas. A escola na qual nós trabalhamos era
uma escola bilíngüe, então as canções eram todas em inglês. As crianças
fazem movimentos com as mãos durante as canções e, depois de alguns
meses, podemos perceber que os alunos gostam mais de escutar e repetir os
movimentos. Ficamos muito felizes com isso, pois percebemos que os alunos
estão se conectando através da música.
Antes de trabalhar com crianças pequenas não tínhamos uma visão muito clara
sobre a educação inclusiva. Pensávamos que as crianças, com algum tipo de
deficiência deveriam receber um tratamento específico e, dessa forma, também
em um espaço apropriado. Após a nossa experiência em escolas, e com
alunos autistas, percebemos que não precisava ser dessa maneira, tão
exclusiva, que poderia sim, existir uma mediação.
No próximo capítulo mostramos um pouco mais clara a inserção da criança
autista em um ambiente escolar regular.

30
4 Inclusão de crianças autistas nas escolas

Neste capítulo vamos apresentar alternativas de como é possível incluir a


criança autista na escola regular.

Gostaríamos de salientar o respeito da questão diferenças, lembrando que


todos nós somos diferentes em muitos aspectos, e nenhum deve ser ignorado.

Antes de qualquer intervenção dentro da escola o mais necessário é o afeto.


Não é possível passar todos os ensinamentos se você não desenvolver um
laço de carinho com as crianças, porque é comprovadamente experimentado
que a carga afetiva é fundamental para a superação das dificuldades de
aprendizagem.

4.1 Tipos de intervenção

Existem três tipos de intervenções que são as mais utilizadas com crianças
autistas, o TEACCH, o ABA e os PECS. Abaixo falaremos um pouco sobre
cada um.

TEACCH - Tratamento e educação para crianças autistas e com distúrbios


correlatos da comunicação. (MELLO, 2007, p. 36)

Foi desenvolvido nos anos 60, nos Estados Unidos, pelo médico Eric Shoppler.
O TEACCH é atualmente muito utilizado, inclusive pelo AMA (Amigos do
Autista).

O método TEACCH (Id) utiliza uma avaliação chamada PEP-R (Perfil


Psicoeducacional Revisado) para avaliar a criança, levando em conta os seus
pontos fortes e suas maiores dificuldades, tornando possível um programa de
tratamento individualizado.

O TEACCH (Id) se baseia na organização do ambiente físico através de rotinas


- organizadas em quadros, painéis ou agendas – e, sistemas de trabalho, de
forma a adaptar o ambiente para tornar mais fácil, para a criança compreendê-
lo, assim como compreender o que se espera dela.

31
Esse método visa à independência da criança; ela irá, sim, precisar do
professor, mas, de forma geral, vai aprender a fazer as coisas sozinhas.

ABA - Do inglês Applied Behavior Analysis, consiste na análise aplicada do


comportamento. Segundo MELLO (2007) visa ensinar à criança habilidades
que ela não possui, através da introdução destas habilidades, por etapas. Cada
habilidade é ensinada de forma geral, em esquema individual, inicialmente
apresentando-a associada a uma indicação ou instrução. (Id)

Quando necessário é oferecido algum apoio (por exemplo, apoio físico), que
deverá ser retirado, assim que possível, para não deixar a criança dependente
dele. A resposta adequada da criança tem como conseqüência a ocorrência de
algo agradável para ela, o que na prática é uma recompensa.

O primeiro ponto importante é tornar o aprendizado agradável para a criança. O


segundo ponto é ensinar a criança a identificar os diferentes estímulos.

A repetição é um ponto importante neste tipo de abordagem, assim como o


registro exaustivo de todas as tentativas e seus resultados.

PECS – Do inglês Picture Exchange Communication System é o sistema de


comunicação através da troca de figuras . Foi desenvolvido para ajudar
crianças e adultos com autismo a se comunicarem e, sua execução é feita em
seis passos.

O PECS para Mello (2007) é mais utilizado com crianças que não se
comunicam de forma verbal ou com aqueles que se comunicam, porém, de
forma menos eficiente. Ele ajuda a criança a perceber que se comunicar é a
forma mais rápida de conseguir aquilo que deseja, fazendo com que os
problemas de conduta sejam reduzidos rapidamente.

Esse método é bem aceito em vários lugares do mundo porque não demanda
muito material, e é bem fácil de aprender. Na nossa experiência, em uma
escola bilingue, usávamos cartões com o nome da atividade que vamos
desenvolver e, ao lado uma foto. Acredito que isso ajuda muito as crianças
autistas.

Já vimos nos capítulos anteriores que as crianças típicas aprendem por meio
de brincadeiras, com os pais, os colegas. De forma descomplicada, elas vivem,
elas aprendem.

32
Para a criança autista, as coisas não são bem assim. Há uma relação diferente
entre o cérebro e os sentidos, e as informações nem sempre se tornam em
conhecimento. (CUNHA, 2012, p. 31)

4.2 Como trabalhar com a criança autista

As crianças autistas precisam aprender o nome e a função correta dos objetos.


Cabe ao professor desenvolver isso com calma e paciência, pois
provavelmente terá que repetir essa ação várias vezes. É aconselhável sempre
mostrar os objetos às crianças e, sempre repetir o nome.

A educação nas escolas inclusivas deve ter momentos individuais com a


criança em salas de recursos ou nos centros de aprendizagem. A sua
concentração para atividades pedagógicas é bem reduzido, porém, devemos
insistir. Isso deve ser repetido dia após dia, de maneira lúdica e agradável para
não tornar esses momentos cansativos.

Para o aluno com autismo, a princípio, o que importa não é tanto a capacidade
acadêmica, mas, sim, a aquisição de habilidades sociais e a autonomia.
(CUNHA, 2012, p. 34)

Na capacidade sensorial há um interesse em tocar os objetos estranhos ou


levá-los a boca. Um dos nossos alunos autistas tem o hábito de levar tudo à
boca, areia, tinta, massinha de modelar, sendo que, durante o lanche da tarde
tem uma grande resistência para se alimentar.

O professor pode propor atividades que estimulem a imaginação e a


criatividade, como, por exemplo, copiar e recopiar desenhos. Para trabalhar
com coordenação muitas atividades podem ser desenvolvidas como rasgar
jornal e brincar com água para a coordenação motora fina; usar tinta para
rabiscar papéis indiscriminadamente com os dedos em forma de pinça, a fim de
desenvolver a “pega do lápis”; subir escadas e rolar pneus para atividades
motoras amplas. (CUNHA, 2012, p. 63)

Para trabalhar com a subjetividade é preciso ter objetivo claro e funcionalidade.


Sempre será necessário esclarecer o que representa emoções que sentimos.
Na educação é relevante que os comandos sejam diretos e com objetivos
evidentes. Por exemplo, ao invés de dizer: olha, a porta está aberta querendo
que a criança feche a porta é melhor dizer: feche a porta.

33
Enquanto o aluno com autismo não adquire a autonomia necessária é
importante que ele permaneça sob o auxilio de um profissional capacitado ou,
um psicopedagogo; alguém que dê suporte ao professor em sala de aula.
(CUNHA, 2012, p. 55)

Segundo Cunha (Id) é importante:

 Penetrar no mundo do autista.

 Concentrar-se no contato visual.

 Trazer sempre o olhar do autista para as atividades que ele esta


fazendo.

 Entreter-se com as brincadeiras do autista.

 Procurar sempre enriquecer a comunicação.

 Mostrar a cada palavra, uma ação e, a cada ação, uma palavra.

 Tornar hábitos cotidianos agradáveis.

 Fazer tudo com serenidade, mas com voz clara e firme.

Trabalhar com o aluno autista, não é fácil. Nossa experiência mostra que é
necessário toda uma infraestrutura para incluir a criança autista no ambiente
escolar regular. Durante o nosso trabalho sentimos muita dificuldade, porque
não temos apoio por parte da coordenação.

Tudo que aprendemos sobre o autismo foi através de cursos que nós
buscamos. Com a rotina é possível perceber o que eles gostam e não gostam
e, assim, ir adaptando o planejamento das aulas.

34
Considerações Finais

Neste trabalho abordamos o autismo e a inclusão escolar. Dividimos o trabalho


em quatro capítulos e abordamos os aspectos que julgamos mais importantes
para uma compreensão clara do que é o autismo. Escrevemos sobre as
causas, sua historia, o funcionamento do cérebro do autismo, como é feito o
diagnóstico e por quem pode ser feito. Incluímos uma discussão sobre
educação inclusiva e a introdução de crianças autistas nos espaços educativos
regulares, além de pontuar algumas possibilidades de intervenção.

Concluímos que não é tão difícil trabalhar com crianças autistas como
supúnhamos no começo. A grande questão é entendê-los, e criar um ambiente
onde todos podem aprender.

Cumprimos com os objetivos propostos que eram os de esclarecer o autismo e


mostrar que essas crianças podem, sim, se desenvolver de maneira satisfatória
em escolas regulares. Basta que seja aceita, amada e estimulada. Receber
uma criança portadora de necessidades especiais em nossa escola não é uma
crise, mas um desafio. Se tratado corretamente, este pode ser um desafio
positivo, e todos os envolvidos serão beneficiados.

Este trabalho foi muito importante para o nosso desenvolvimento como futura
educadora porque nos permitiu compreender melhor para respeitar ainda mais
essas crianças. Como já trabalhamos com crianças autistas em escolas
regulares pudemos agregar exemplos reais, e ser um exemplo de
comportamento de aceitação.

35
REFERENCIAS

CHIOTE, Fernanda de Araújo Binatti. Inclusão da Criança com Autismo na


Educação Infantil. São Paulo, Editora WAK, 2013.

CUNHA, Eugênio. Autismo e Inclusão. São Paulo, Editora WAK, 2012

DICIONÁRIO AURÉLIO Online . Disponível em


http://www.dicionariodoaurelio.com, Acesso em: 23/09/2013

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: O que é? Por que? Como
fazer? São Paulo, Editora Moderna, 2003

MELLO, Ana Maria S. Ros de, Autismo: guia prático. 5 ed. São Paulo: AMA;
Brasília: CORDE, 2007. 104 p.

MINISTÉRIO DA SAÚDE, Cartilha de autismo, Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 07/10/2013

SÃO PAULO (São Paulo). Defensoria Pública do Estado de São Paulo.


Cartilha Direitos das Pessoas com Autismo. 2011 Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em
12/10/2013

SCHWARTZMAN, José Salomão e ARAÚJO, Ceres Alves de. Transtornos do


Espectro do Autismo. São Paulo, Ed: MEMNON, 2011.

SURIAN, Luca. AUTISMO – Informações essenciais para familiares,


educadores e profissionais da saúde. São Paulo, Ed. Paulinas, 2012.

TUCHMAN. Roberto e RAPIN, Isabelle. Autismo – abordagem


neurobiológica. Porto Alegre, RS, Ed: Artmed, 2009

36
Anexo 14

4
SCHWARTZMAN, 2011, p. 68.

37
Anexo 25

CHECKLIST FOR AUTISM IN TODDLERS (CHAT)

Prontuário Nº_______________ Data ____/____/_______


Nome da criança: ___________________________________________
Data de nascimento: ___/___/____ Idade_______ meses
Pessoas (s) entrevistadas (s):
[ ] MÃE [ ] PAI [ ] AMBOS OUTROS __________________

PARTE A: PERGUNTE AOS PAIS:

1. Seu filho gosta de ser balançado, de sentar em seu joelho e pular, etc?
[ ] SIM / [ ] NÃO

2. Seu filho se interessa por outras crianças? [ ] SIM / [ ] NÃO

3. Seu filho gosta de escalar objetos, tal como subir escadas?


[ ] SIM / [ ] NÃO

4. Seu filho gosta de brincar de esconde-esconde, de esconder o rosto e


achar? [ ] SIM / [ ] NÃO

5. Seu filho alguma vez brinca de “faz de conta”, por exemplo, fazer de
conta que está fazendo uma xícara de chá usando uma xícara ou bule
de brinquedo ou brincar fazendo de conta com outros brinquedos ou
objetos? [ ] SIM / [ ] NÃO

6. Seu filho alguma vez usou o dedo indicador para apontar ou PEDIR
alguma coisa? [ ] SIM / NÃO

7. Seu filho alguma vez usou o dedo indicador para apontar, indicando
interesse por alguma coisa? [ ] SIM / [ ] NÃO

8. Seu filho consegue brincar adequadamente com brinquedos pequenos


(ex. carrinhos ou blocos para empilhar/montar) sem se limitar somente a
levá-los à boca, manipulá-los sem uma utilidade evidente ou jogá-los/
derrubá-los? [ ] SIM / [ ] NÃO

5
MELLO, 2007, p. 68. Disponível em: http://www.nas.org.uk/profess/chat.html. Acesso em
9./10/13.

38
9. Seu filho alguma vez levou objetos até você (pai/mãe) para te
MOSTRAR alguma coisa? [ ] SIM / [ ] NÃO

PARTE B: OBSERVAÇÃO DO AGENTE PRIMÁRIO DE SAÚDE


(pediatra ou outro)

i. Durante o encontro a criança estabeleceu contato ocular com você?


[ ] SIM / [ ] NÃO

ii. * Obtenha a atenção da criança, então aponte para algum objeto


interessante da sala e diga: “Olha! Um... (nome do brinquedo!)”. Olhe
para o rosto da criança. Ela olhou em volta para ver o que você estava
apontando? [ ] SIM / [ ] NÃO*

iii. Obtenha a atenção da criança, depois dê a ela uma miniatura de


uma xícara de brinquedo ou bule e diga: “Você pode fazer uma xícara
de chá para mim?”. A criança fez de conta que servia, bebia, etc?
[ ] SIM / [ ] NÃO**

iv. Diga para a criança: “Onde está a luz?” ou “Mostre-me a luz”. A criança
APONTA para a luz usando seu dedo indicador?
[ ] SIM / [ ] NÃO***

v. A criança consegue construir uma torre com blocos? (Se positivo com
quantos blocos?) (número de blocos _________ ).
[ ] SIM / [ ] NÃO
________________________________
* (Para pontuar SIM neste item, tenha certeza que a criança não olhou
simplesmente
para a sua mão, mas olhou realmente para o objeto que você está apontando).
** (Se você conseguir realizar um outro exemplo da “faz-de-conta” com algum
outro jogo, pontue SIM neste item).
*** (Se a criança não entende a palavra luz, repita o mesmo tipo de instrução
usando a frase: “Onde está o ursinho?” ou algum outro objeto que não esteja
à mão. Para pontuar SIM neste item, a criança tem que ter olhado para o seu
rosto mais ou menos no momento em que você apontou).

39

Você também pode gostar