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DCSH. Filosofia da Religião, I Semestre 2014/2015.

3º Ano: Religião e Filosofia

“A dificuldade de estabelecer uma dintição radical entre as esferas da filosofia e da


religião e, ao mesmo tempo, a forma correcta de superar esta dificuldade, aparece-nos
na sua forma mais clara quando comparamos duas figuras representativas de duas
esferas – Epicuro e Buda. (...) Não só ensina Epicuro, que existem deuses, i.é, seres
imortais e perfeitos, que habitam espaços compreendidos entre os mundos e, sem dúvida,
carecem de poder sobre o mundo ou de interesse nele; sustenta também que se deve
adorá-los atarvés de representações piedosas e através de ritos tradicionais, em especial
através os sacrifícios devotos e adequados. (...) Quando se digne mencioná-los, Buda
trata dos deuses da crença popular com calma e ponderada boa vontade, não isenta de
ironia. Estes dioses são, sem dúvida, poderosos e, diferentemente dos deuses de Epicuro,
preocupam-se com o mundo humano. Mas, encontram-se aprisionados, como os homens,
por cadeais de desejo; são figuras celestiais ligadas tais como os homens, por uma roda
de nascimentos (da qual Buda está livre)”.
(...) Toda a grande religiosidade mostra-nos que a realidade da fé significa viver numa
relação com o Ser “no qual se cré”, i.é, o Ser absoluto, incondicionalmente afirmado.
Ao contrário, qualquer grande filosofia mostra-nos que a verdade cogitativa significa
fazer do absoluto um objecto do qual se derivam todos os objectos. Inclusive, se o crente
concebe um absoluto ilimitado e sem nome, que não se pode conceber na forma pessoal,
se realmente pensa no Ser como existente situado à sua frente, a sua crença tem
realidade existencial. Inversamente, se se pensa o absoluto como limitado dentro da
forma pessoal, se se pensa sobre ele como um objecto faz-se a filosofia. Quando também
não se solicita ao “Não originado” com voz ou a alma, mesmo assim a religião se
fundamenta na dualidade do Eu (Ich) e Tu (Du). Também quando o acto filosófico
culmina na visão da unidade, a filosofia fundamenta-se numa dualidade de sujeito e
objecto. A dualidade do Eu e Tu encontra a sua realização plena na relação religiosa; a
dualidade de sujeito e objecto sustenta a filosofia... A primeira surge de uma situação
original do indivíduo... A segunda surge da cisão desta contiguidade dos dois modos de
expressão inteiramente distintos: um incapz de outra coisa que não seja observar e
reflectir, outro incapaz de outra coisa que não seja ser observado e ser motivo de
reflexão. “O Eu e o Tu existem em e por virtude da realidade vivida; sujeito e objecto
são productos da abstração e subsistem nesse esforço”.

in BUBBER, Martin. Eclipse de Dios, Ediciones Sígueme, Salamanca, 2013 pp.27-11.

“Os conceitos da vida e do mundo que chamamos "filosóficos" são produtos de dois
fatores: um constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de
investigação que podemos denominar "científica", empregando a palavra em seu sentido
mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às
proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de
ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia.
"Filosofia" é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais
amplas, outras mais restritas. Pretendo empregá-la em seu sentido amplo, como
procurarei explicar adiante. A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo
intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações
sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como
ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da
revelação. Todo conhecimento definido - eu o afirmaria - pertence à ciência; e todo
dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas
entre a teologia e a ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos
os campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia. Quase todas as questões do máximo
interesse para os espíritos especulativos são de tal índole que a ciência não as pode
responder, e as respostas confiantes dos teólogos já não nos parecem tão convincentes
como o eram nos séculos passados.
RUSSELL, Bertrand. A filosofia entre a religião e a ciência, p. 1.

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