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Raúl PLUS, S. J.

Aos rapazes

DIANTE DA VIDA
(PRIMEIRA SÉRIE)
3.• edição

Edição da • União Grárica


R. de Santa Marta
L I S B O A
NIHIL OBSTAT
Olisipone, 22 Maii 1947

Michael A. de Oliveira

IMPRIMATUR
Olisipone, 26 Maii 1947 t Em .• Card. Patria7'çha
PREFÁCIO

Quando Vítor Hugo mandou dizer ao gravador Celestino Nauteil qee' lhe arranjasse gente oça para ((dar calor» à
sua peça Os Burgraves, Nauteil respondeu simplesmt:t!i a quem lhe levara o pedido: _.....,. uDize a teu patrão que
hoje em dia não h4 rapazes».
Isto seria .verdade aí por 1840; hoje não. Hoje há rapazes. Muitos de e11tre eles pensarão 'inicamente em aplaudir
uma peça de teatro ·- ou coisa pior ainda! - mas não é para esses o presente livrinho. Nem tampouco para aqueles que
só sabem gemer ante as dificuldades da vida. Fora com os mo
lengas e choramingas!
Há centenas, milhares de jovens. que acalentam no peito sonhos de grandeza, a quem atanazam ambições magní-
6 DIANTE DA VIDA

ficas e que desejam nada menos que s santos, para b_em da sua Pátria e
glória do seu tempo.
É para estes que esçr.eJd.emos. Só para estes. Mas para todos eges.
Dizia JY.{aurício de Ga.tellier: y_Depois da guerra, como já antes dela, creio que só dos novos nos pode vir a
salvação».
Também assim pensamos. E foi por isso que em nós n.asceu o desejo de escrever este livro, quando o R. P. Corbillé,
Assistente Geral da Juventude Católica, nos escreveu da seguinte ma
neira: «Os assistentes eclesiás#ços da A. C. ]. F., reunidos para o Conselho Geral, pediram-me que obtivesse de V.
Rev.ci" um livrinho de meditações para a juventude ... Que diz a isto? Faria com ele um bem imenso. Por toda a parte
procuramos iniciar os nossos jovens na arte de meditar. V ai pegando, mas não há um livro adequado para lh,es meter
nas mãos. Dê-no
-lo V. Rev."1"ll.
Acabou de nos decidir idêntico pedido do Apostolado da Oração, para os
DIANTE DA VIDA 7

generosos mancebos formados na «Cruzada Eucarístican e que desejam perseverar e crescer no espírito d!a.
Eis a origem do presente trabalho, que, para mais fácil manejo, dividiremos em dois fascículos:
Conterá o primeiro:
Grandezas baptismais
Força de vontade
Virtudes necessárias.
E o segundo:
Deveres de estado
Apostolado
O problema do futuro Festas e devoções.
Deus queira que jovens e seus dirigentes não encontrem os .modestos opúsculos muito aquém dos seus dese
jos e das suas esperanças.
E Nossa Senhora, a luminosa donzela dos vinte anos, conceda a estas 'Pá
ginas uma virginal eficácia.
Instituto Católico de Artes e Ofícios Ulle
AVISOS PRELIMINARES
I - Procurar meditar :;em ter necessidade de recorrer ao pensamento alheio. Tenho a minha inteligência e a minha fé.
Tenho o meu coração. De que mais preciso para conversar com Deus um escasso quarto de hora?
Il - Se o pensamento alheio me fôr de todo indispensável (por exemplo,
para fixar as minhas próprias ideias em caso de distracção contínua) , recorrer a ele; mas só o bastante para puxar a
oração pessoal. Entre as camadas subterrâneas da minha fé e a «máquina de orarn, existe por vezes uma distância, um
<<tubo abdutom
muito comprido e . . . vazio. Que fazer? Deita-se um pouco de líquido e dá-se ao «êmbolon, e em breve a água sairá a
jorros. Pois bem: deitar no meu espírito alguns pensamentos, só os ne
cessários - mais não - (meditar não é ler-), para pôr em moyimento a re-
to DIANTE DA VIJ)A

flexão. Depois deixá-Ia seguir. . . Dar-me a mim mesmo a importância devida, para me estimular antes de recorrer a
estranhos, e para , recorrer a estranhos só para me estimular.

III Quando a secura fôr completa, servir-me então do método seguinte:

IJNTES

1.0 Adorara Deus presente em mim.


2.0 Humilhar-me. «Eu a falar com
Deus!. . . »

LIR

Lentamente, procurando compreender, saborear, sentir.

Perguntar-me:

I.0 Que quei dizer esta passagem?


2.0 Que devo concluir dela?
3·0 Que tenho eu feito até agora neste ponto?
4· o Que farei eara o futuro?
DIANTE DA VIDA li

DE·POIS de ter refletido:

I.0 Agradecer a Deus as luzes recebidas.


2.0 Oferecer-Lhe as resq)uções tomadas
3. o Pedir a graça de lhes ser fiel.
Grandezas baptismais

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!.

Esses oHos estão vivos


(Do profeta Ezequiel)
Antes de mais nada, 6 jovem, dizP.-me se vives, isto é, se ((estás v- ivo». f:s um vivo ou um morto?
Um vivo, não é verdade? É lá possível que este livrinho tenha ido parar às mãos de um cadáver!. ..
Tu compreendes. Trata-se- da única Vida que deve interessar, da Vida Di vi na, da vida divina em ti .. , Vives dessa
vida?
Falemos claro. Estás em graça ou não?
Ouço que me respondes com Joana d' Are: -- «Se não estou, Deus me ponha nela; se estou, Deus me cooserven.
Se não estou I ...
Pois quê? Poderei admitir tal hipótese?... Tu, com esse5 vinte e tantos anos, havias de estar em pecado mor•
16 DIANtE DA VlDA

tal? . . . Não pode ser! Dize lá: Não é verdade que não pode ser? .. .
Mas se por acaso fôsse . ., Sabes a maneira de não ficar nem mais um segundo nesse estado. Já, já um acto de
contrição, bem do íntimo da alma, com a promessa de te confessar logo que possas; e depois, logo que realmente
possas, vai ter com o sacerdote.
E erguer-te-ás vivo .. . Vivo I
Se já o estou, oh! Deus se digne consetvar-me.
Não é fácil, bem no sei. Disse alguém que uo estado de graça era um estado heróico» . . . .mas é um dogma que,
a cada momento, até no mais forte da tentação e no mais aceso da luta, tenho sempre a graça requerida para resistir,
para permanecer .fiel, para ficar intacto, vivo I
Também é certo que, para obter essa graça, preciso de orar muito, pois é Deus quem assegura as vitórias, todas as
vitórias.
Deus, meu Deus! Maria, Mãe Imaculado! Eu estou vivo! Conservai-me vivo!

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DIANTE DA VTDA í7

2.

Sai dee, 'espírito imundo, e dá lugar ao 'Espírito Santo

(Palavras do meu Baptismo)

Que clareza e que vigor de expressão! Tendo aparecido no mundo com a nódoa do pecado original, eu era
possessão do demónio, nest sentido pelo menos, que estava privado da graÇa santificante, cujo principal efeito é o de
fazer viver em nós, por uma presença especial e toda amor, as Três Pessoas da Santíssima Trindade.
Foi preciso um sacramento para usurpar ao demónio os direitos que sobre mim tinha, para me repor nos meus
privilégios divinos, para me conceder tudo o que no princípio Deus quis dar a Adão, além dos dons naturais (corpo,
alma) , isto é, a vida SQbrenatural.
Foi o sacramento do baptismo, No momento em que o recebi, o sacerdote, revestido da omnipotência do Sal-

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IR IHANTE nA VIDA

vador, cujo ministro era, recitou sobre mim aquela frase admirável, perfeitamente autêntica e tudo o que há de mais
eficaz:- ((Sai dele, espírito imun do, e dá lugar ao Esprito Santo)), E pela força do rito essencial «eu te baptizo, etc . . .) ) ,
operou -se uma incrível
substit!lição: Satanás perdeu os seus direitos sobre mim,. e o Espírito Santo (toda a Santíssima Tr_indade) fêz a sua
entrada triunfal na minha alma ino
cente de criançá.
Agora mesmo, neste momento que corre; se persevero e estado de graça, Deus vive ainda em mim! . . .

Portador de Deus

Um dia, nas Catacumbas, perguntaram a um menino cristão se teria a co


ragem de ir .levar a Sagrada Eucaristia a um moribundo. Eta preciso subir à luz do sol, atravessar a cidade pagã,
expor-se a ser descoberto ... Adianta-se
Tarcísio. Entregam-lhe o cibório em
DIANTE DA VIDA 19

que vai encerrado o Pão da Vida, e Tardsio parte.


Cá em cima os seus companheiros brincam e, ao vê-lo, chamam-no:---' C<Vem jogar connosco!» ----'- «Esperai um
pouco. . . Agora não posso». Insistem; recusa sempre. - ((Mas que é isso?
Levas aí qualquer coisa!. .. Deixa ver!)) Os pagãos vão-se juntando e, por fim, lapidam-no.
Também eu sou 'portador de Deus ! A presença em mim do Espírito Santo (de toda a Santíssima Trindade) , pelo
baptismo, não é menos real que a presença da Hwnanidade de Cristo na Eucaristia. Uma é espiritual (presença de
espírito, um pouco parecida com a presença da minha alma no meu corpo); a outra é material, corporal. Mas tão real é
uma como a outra.
E então por que não ter pela presença real (espiritual) de Deus na minha alma, pelo baptismo, o mesmo culto que
pela presença l'eal eucarística? Fazer acabar este ilogismo.
Tenho a Deus presente em mim: res· peitar esta presenfa. Portanto, fuga do
20 DIANTE DA VIDA

pecado mortal. Que seria um pecado mortal? A inversão das palavras do meu baptismo: «Sai de mim, Espírito Santo;
entra em mim, espírito imundo)).
Que horror!
Tc nho . a Deus presente em mim: honrar esta presença. Diante da presença real eucarística arde constantemente uma
luzinha. Lembrar-me também, se não a todo o momento, pelo menos amiudadas vezes, de que ·sou portador
de Deus e tabernáculo vivo.

Custas tanto a lev•ar!

A lenda de S. Cristóvão: Cristóvão era barqueiro. Um dia de inverno em que o rio tinha crescido muito, apareceu-
lhe em casa um menino a pedir que o transpor.tasse para a outra banda. O barqueiro carregou· com ele ao ombro. A
meio da travessia, o peso, até ali insignificante, aumentou de tal maneira, c1ue Cristóvão disse ao menino: «Cu-

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DIANTE DA VIDA 2t

tas tanto a levar!» -Era o Filho de Deus!


Pela virtude do meu baptismo, sou portador de Deus. Título sublime,
mas também sublime responsabilidade! . . . Se toda a nobreza acarreta obrigações, quanto mais estai Vejo o sacerdote levar o
sagrado Viático a um enfermo ou, num dia de festa, segurar a custódia debaixo do pálio: que
recolhimento profundo, que íntimo sentimento de humildade e de alegria incomparável!. Pelo facto de não ser a
mesma que a presença eucarística, nem por isso a presença de Deus na mi1ha
alma pelo baptismo deixa de ser igualmente real e do mesmo modo auti>ntica.
Ufano-me quanto devo dessa presença?
H umilho-íne quanto devo?
Sou bastante recolhido? Imagina que chís vida a uma píxide; qual não seria
a sua estima pelo tesouro que encerra? Seria eu tão inconstante, tão rebelde à oração, s e tivesse mais ((consciência»
elo c:;ouro que em nim levo? ...
22 DIANTE DA VIDA

Irradio os fulgores desse tesouro? Mais que cibório vivo, eu devia antes ser um ostensório . . .
Pesar as minhas responsabilidades.
Não é verdade que ·também eu sou uCristforo», isto é, porta-Cristo?, ..

Recothimen·to

Um régulo de Benoné, na Africa, perdeu os dois filhos numa batalha. Para· esqucê-la, mandou que dois escravos o seguissem por toda a
parte, desde pela manhã até à. noite, rufando tambores, chocalhando latas, gritando .e fazendo toda a espécie de alarido.
Seria bom que eu pensasse com mais frcquência na finalidade e no fim da vida: para que estou neste mundo e até quando viverei nele? ...
Mas tambores, chocalhos, alarido . . . envolvem-me constantemente numa sarabanda infernal.
Não é preciso pagar a escravos·.. . A mi-
DI_ANTlt TlA VIDA 3

nha existência quotidiana disso se encarrega. Nem um minuto sequer para pensar no essencial, nas riquezas do
baptismo, no meu deti. no eterno!. . . Só há lugar na vida para· ó acessório.
uBuscai primeiro o reino de Deus; o
resto dar-se-vos-á por acréscimo». Pa
ra mim é o contrário: o resto é que
abrange tudo. '
«Ocupados como andamos com coisas estranhas, não temos vagar de entrar dentró em nós. Que ficaria da nossa
existência, se lhe .tirássemos o tempo dado ao sono, irmão da morte, e o tempo dado aos negócios alheios, e o tempo
perdido, e o inútil e vãmente dissipado?.... A maior parte das nossas acções, dos nossos pensamentos e afectos, assim
a distrair-nos com frivolidades, não terão por fim oculto o desviar-nos um pouco do caminho direito que nos. leva à
morte?)) (H. Bordeaux) .
:::!4 DIANTE DA VIDA

6.

O deserto é muito grande, mas· só para aquetes que defe são dignos
(Ernesto Psichari (1))

A solidão é a pátria dos fort·es, ·O nosso silêncio marca o nível da nossa acção. O bem não faz barulho e o barulho pouco bem produz.
O silêncio foi sempre apanágio das grandes santida
des. Nos claustros é obrigatório. Devia sê-lo por toda a parte onde quer que se exigisse uma acção fecunda.

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Para comemorar o armistício e honrar o soldado desconhecido, que ·é que se pede? Um minuto, alguns minutos de silêncio. Silêncio
consecutivo à vitória. Bem entendido, o silêncio .é antes gerador de vitórias. Para transfor-
(1) Incrédulo, neto de Renan, oficial de artilharia colonilll e convertido duran te os seus cruzeiros pelo Saará. Morto lo go no
princípio da grande guerra, precisamente quando pensava em vestir o hábito de· S. Domingos.

DIANTE DA VIDA 25

mar o mundo, a Sagrada Escritura só requer uma coisa. Nem um grande conquistador, nem um senado de
legisladores, nem acções sem precedente. Nada disso! Apenas um silêncio de meia hora!
_, Só isso? !. . . - Só isso!. . . 1- Mas há alguma relação entre a transformação radical do mundo e meia hora de

silêncio? -..Há sim, há uma relação. O homem não reflecte. Se reflectisse, nem mais um minuto seria o que é. O
pródigo não reflectiu enqua.:nto teve que comer; quando cobiçou o alimento dos porcos, então reflectiu, e ei-lo de pé!
- Surgam et iko ad Pa!rem.l Basta! vou ter já com meu pai!. .,_ Não tolera o ficar indigno por mais tempo. O mundo é

o que é e não deixa de ser o que é, porque não conhece o deserto: Quia ne
mo qui recogitet. corde. Tudo, tudo é contacto incessante, multidão que se
aperta, alarido, nesta existência trepidante e confusa do nosso tempo.

Reservar-me todos os dias alguns minutos de silênçio comigo mesmo,


26 DIANTE DA VIDA

longe de tudo, numa concentração atenta, mais perto de Deus. E farei então um acto de fé ardente na sua presença em mim pelo baptismo.

Raras vezes pentamos naquilo em que •havemos de pensar eternamente

Qual será o objecto de nossos pensamentos por toda a eternidade? -


Deus. E cá em baixo pensamos tão poucas vezes nEle!. . . Deus, cuja presença em nós sobre a terra cria a vida
da graça, como a sua presença luminosa no céu criará a vida da glória I
Dessa multidão sem conta que se acotovela à entrada dum teatro ou dum cinema, :à saída dum campo de jôgo, quem é que se preocupa com
a sua ori
gem divina, quem é que considera, por um só momento· que seja, na divipiza=
ção pelo baptismo, na -dignidade sublime de filho de Deus? Ninguém! . . , Nin, guém pensa, ninguém reflecte ...
DIANTE DA VIDA 27

Um «novon, morto na Guerra, deixou eta página admirável:


«Reparaste já alguma vez na alegria cheia de reconhecimento com que uma
criança que .reza, uma mulher que lê, qualquer pessoa que se encontra só e oçiosa recebe outra que a distraia?
Pobres canas vivas, que aborrecem a vida e que desejam mudar"se em frautas ocas e secas, à espera de quem
as sopre!
Oh! passar um minuto, um só, face a face consigo mesmo! P;.rece-lhes a essas pessoas, que disso orreriam. E é certo que alguma coisa nelas
morreria: essa personalidade factícia, grotesca, frívola, insignificante e leviana. que, desde a infânciá, para si engenham ...
Recolher-se! mas seria exporem-se a contemplar em seu terrível esplendor o
eterno e cruciante problema (da miséria) e da grandeza humana. Oh! não! Essas imprudências pagam·se caro e por isso não querem cometê-las.
A natureza tinha-as feito para voar nas alturas; mas, de pássaro, conservam apenas a cabecinha ligeira: as
:38 btANTE DA VIDA

asas, essas apararam-nas e contentam-se agora com rastejar. Acotovelam ·a beleza e não a vêem, a dor e não a abraçam,
e de olhos .vendados correm
para a morte.

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Um· dia (essa venda cairá) . Receberão ent!ão' a· paga do seu inútil e' infantil esforço: verão onde está o valor duma
vida - precisamente depois de a terem perdido.»

8.

R·ecebe esta alva.. . Leva-a sem mancha ao tribunal de J.esus Cristo


(Palavras do mf'u Bapti.smo)

Quando eu estava para nascer, minha mãe tinha preparado - e com que amor! - os paninhos em que me havia de
envolver, e entre eles uma
toalha de linho alvíssimo para as cerimónias do meu baptismo.
«Eu te baptizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», disse
o sacerdote deitando sobre a minha cabeça e em forma de cruz a água da
DiANTE DA VIDA :2!)

vida. Pouco depois, tomou uma ponta da toalha de linho alvíssimo e acres
centou: «Recebe esta alva e apresen= ta"a sem mácula no tribunal de Jesus Crito».
Esta alva, encontrei-a de novo, no dia da minha primeira comunhão, na brancura do laço - com a eloquente
significação, já então melhor compreendida, dessa: mesma brancura.
Ser puro I Viver sem ,pecado ! para apresentar intacta no tribunal do Senhor a candidez simbólica da toalha
do meu baptismo e a do laço da primeira comunhão. Fugir de toda a falta grave como do único mal existente.
Ir mais longe: honrar a bela virtude com uma preferência especial. Fugir, como de peste, dos pensamentos, olhares,
desejos, conversas, leituras capazes de melindrar a castidade dos sentidos ou do coração. Erguer até às nu
vens, como um pendão, a alegria de se;" casto I Conservar o olhar sempre límpido, os sentidos intactos e o cora
ção bem ao alto!
Maria, Mãe puríssima, ajudai-me a

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30 DIANTE DA VIDA

guardar a virtude que sobre todas vos é querida!

Ai, Agnelo, como te vais mud·ando!


Até aquele momento, integridade perfeita. O deslizar sereno duma vida calma. Na limpide2; das águas espelhava-se o azul do céu.
Um belo dia, o perigq surgiu,.. Primeiro, estremecimento de !\Urpresa, de

;
pois movimento de revolta. Bateu em reti ada, mas, sorrate' iramente, logo volta, e a tentação, odiada e ao mesmo tempo desejada, ·acaba por
assentar arraiais.
«Oh! Deus me livre de sucumbir!» Pouco a pouco, porém, fui diminuindo de vigil'ância, fui-me desleixando na ·oração. Começaram a
aparecer dúvidas contra a fé, enquanto a esperança era também seriamente atacada: «Por mais que faças, ão és capaz de permanecer fiel até ao
fim. Um dia ou outro tens de cedern.

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DIANTE DA VIDA 3I

E- ai de mim!- esse dia chegou .. . Seg!iu-e wÍl. momento de confusão, depois '!c .. ta, progressiva ·e, por fim,
vertiginosa derrocada.
O autor da Divina Coméd.ia · descreve em imagem impressionante esta transformação duma alma: «A serpente
atirou-se ao infeliz e tolheu-o por completo. Nunca a hera se agarrou tão fortemente ao troncó musgoso, como o
horrível animal ao corpo do condenado. A serpente e ele fundiram-se como cera branda; os contornos desapareciam e
já· nem um nem outro parecia o que tinha sido. E os companheiros da vítima olhavam e diziam: Ai, Agnelo, como te
vais mudando!)) E eu?.... Sempre puro, ou já' apanhado nas roscas viscosas, que tanto apertam? ...
10.

Vi·da cristã aos eclipsoes ...


Isto é, com alternativas de épocas em estado de graça e de temporadas em peçdo mortal.
32 DIANTE DA VID_A

Não é nisto, infelizmente, que se resume para muitos cristãos a fónll'·h a existência? Bem quiséram set ué1s ... mas a ocasião aparece
(quando não são eles que se metem nela) ... Resistem um
pouco (prouvera a Deus que -resistissem!) e sucumbem miseràvelmente, .. Se, ao menos, logo após a queda, buscassem um confessor e, com
arrependimento sincero, sacudissem a · lama e lavassem as feridas! ... Quantas vezes, porém, mesmo os bons cristãos se merece tal qualificativo
quem assim procede __, não ficam dias e .dias sem se confessar!
É o meu caso? . . . E se a morte me surpreendesse? . . . E que é feito dos meus merecimentos neste tempo? . . . É sabido que, para
.merecer, a condição essencial é o estado de graça; portanto, todos· os meus trabalhos e sofrimen
tos são nulos, nada valem para q céu. .. Imito o insensato que, sentado na praia, uma a uma atirasse às ondas as moedas de oiro que lhe
atulhassem os bolsos. Se não estu vivo, as minhas obras são mortas. Que desperdício!
DIANTE DA VIDA 33

No dia da ntinha primeira comunhão, quando prometi- e com que seri_edade! __, ser para sempre fiel a Jesus Cristo, não queria significar
esta fideligade aos eclipses, esta fidelidade tão frequente e. tão dolorosamente infiel.
Oh! que ironia encerra esta palavra cdiéis». quando aplicada na generalidade aos membros da família católica! Quantos de entre eles vivem
em graça, quero dizer, são continuamente fiéis? .. .
Se alguma ve2; tiveres a infelicidade de cair, não desanimes. És tão fraco!
-Sim, sou fraco, mas não quero exagerar a minha fraqueza. Com a ajuda de Deus, tenho neste momento e a todo o momento a graça de que
preciso para permanecer constantemente fi·el.
34 DIANTE DA VIDA

II.

Todos ·nós levamos nos lábios, com a possibilidade de o dar um dia, um beilo ·de Judas
(Mgr. Benson)

É difícil sublinhar melhor o drama profundo da nossa existência.


Possuidores duma realidade inefável - a vida de Deus em nós - é em frágeis relicários que levamos tão grande bem. Em Adão
havia três espécies de dons: os dons naturais ( c0rpo e alm·a) ; os dons sobrenaturais (a vida de Deus na sua alma); e os dons
preternaturais
(faculdade de não sofrer, de não morr.r e - o que sobretudo aqui nos in-
tcre!'sa - de não sentir os estragos da concupiscência) .
Depo:s da queda, os dons naturais aram os mesmos. Os dons sobrena-
.irais restituíu-no-los Nosso Senhor integralmente pela redenção. Só os
dons preternaturais nos não foram devolvidos. Porquê? DeJ.ls o sabe.
DIANTE DA VIDA 35

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Para nos restituir a vida divina, quis Jesus Cristo sofrer e morrer; quis até mesmo ser tentado, não com tentações vindas de
dentro, pois isso repugnaria à sua natureza divina, mas com tentações vindas de fora.
Assim nos tornaremos divinos: privilégio da redenção; mas também ficaremos frágeis : consequência do pecado original.
Divinos e frágeis!. .. Daí o drama.
Prudência. .. Uma lenda espartana fala dum mancebo que trazia a\}dulentamente uma pele de raposa entre o corpo e .. a armadura.
Para não se
trair, deixou retalhar o peito .. É a minha história. Há horas tremendas, em que dentes raivosos me dilaceram as carnes. E todo o corpo
estremece ...
Temer o hóspede importuno. Não esquecer que o tragQ comigo e v igiar as suas arremetidas. Prendê-lo curto e
nunca lhe tirar o açamo,

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36 DIANTE DA VIDA

12.

Viver de tal maneira, que nunca tenha de c:orar à lembrança duma só das min1has acções

(Um filósofo cristão)

A palavra mais dolorosa. de toda a história humana é sem dúvida aquela de David no salmo Miserere: «0 meu pecado estâ continuamente
diiLilte de
mim».
No momento da tentação, quando todo o ser é fortemente abalado pela oferta sedutora que o atrai, se a consciência acaso protesta - «OraL..
diz a voz do mal, um pecado, e daí? ...
Mais um pequeno remorso I Não sofre meças com o prazer delicioso que te espera11 ... ,
Suponhamos que dei ouvidos à voz do mal... Terâ falado verdade, ou foi essa voz do mal também voz da mentira?... . Pois quê? O tal prazer
delicioso que me esperava era só aquilo?:·· Que me resta dele? Nas mãos um pu-
DIANTE DA VIDA 37

nhado de cinza. E no coração? ... Ficou-me na memória a lembrança, a cruel lembrança da minha queda. «0 meu pecado está continuamente
diante de mimn.
Ainda mesmo que não tivesse outro castigo, como já era pagar caro /a gota de prazer logo eva.porada e que me deixou na ahna tão profunda
amar

gura. O que não faria eu agora para não ter caído então I. . . Inútil! Os mais salutares remorsos do mundo não podem fazer com que o que
foi não tivesse sido. Há-de ser eternamente ·certo que eu, tal dia, a tal hora. . , oh! eu, bem ma lembro! o que eu fiz!. ..
Que vergonha! Meu Deus, Miserere:
Perdão, Senhor, perdão!

13.

Depois do castigo do·r"l'emorso, o castigo do hábito


Todo o pecado exige castigo. E esse castigo é duplo. Quer· eu queira quer não, a lembrança da falta cometida
38 :DIANTt DA VIDA

há-de pesar sempre na minha consciêpcia; e depois, ameaça terrível e punição muito mais cruel ainda, cada infidelidade engendra em mim
maior facilidade em reproduzi-Ia. Eu detesto-a, mas no entanto ela coninua enfraquecendo o meu querer com toda a força do seu
pes(i) mau.
Se uma só acção não basta para criar o hábito, basta para criar o prin· c:íp:o do hábito. Chegava bem a inclinação para o mal que o pecado de
Adão em mim deixara ... Para que é que eu, consentindo na falta, me hei
-de ir inoculando uma espécie de segundo pecado original e adR_uirindo
uma nova propensão para .a queda? ... Parece-te então que era fácil empresa o resistir até ágora, para assim, de ânilno alegre e .caso pensado, te
ires preparnndo os grilhões que num fu
turo próximo te. hão-de acorrentar? ... Que doidice!
O hábito é uma segnda natureza.
Sim, dez vezes mais forte que a pr\meira. Muito cuidado! É de fé que eu, a cada momento, tenho de Deus a graDIANTE DA VIDA 39

ça suficiente para resistir. Mas não é uma loucura que, por minha culpa,
me vá tomando dia a dia menos apto para, em determinada ocasião, me aproveitar dessa graça que continua
mente me é oferecida? . . .
Contrair só hábitos bons. Estar de pé atrás com os maus; se já os tenho, procurar desenvencilhar-me deles. Agar:á-los um a um e torcer-
lhes o pescoço.
14 .

Ofendi ·a Deus. Pode Ele querer ainda serv'ir-se de mim?


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Acodem-me à mente estas palavras: c•Um homem coberto de crimes é (para Deus) sempre interessante. lt um engodo para a sua
misericórdia. Faz parte integrante (e a :título especial) da matéria resgatável pela qual sabemos que o Filho de Deus se ofereceu à morte)).
Além disso, o próprio Jesus Cristo afillllou: Não vim para os justos, mas
40 DIANTE DA VIDA

para os pecadores.» Ou ainda: «Eu


vim para as ovelhas tresmalhadas de Israel>). E noutra ocasião «Há mais· alegria no céu por um Pt:cador que se
converte, do que por noventa e nove· justos •..,. que perseveram fiéisn.
Há qualquer coisa de inestimável num amor que nunca prevar:cou; mas do amor penitente exala-se um perfu
me tão raro, que Nosso Senhor pôde dizer: uHá mais alegria no céu p or um pecador que se converte, do que por
noventa e nove justos que perseveram fiéis)). Estranha e desconcer
tante aritmética'! Mas• ·foi a· Senlior quem enunciou a desigualdade, 'logo é verdadeira.
A inocênciá nu:fica pérdída é bela. A" inocência generosamente. - e sobretudo definitivamente - reconquistada
"tem qualquer coisa de mais enternecedor, de mais forte, de mais dinâ
mico.
Perguntas se Deus quer ainda servir-se de ti!...
·

Pois quê?_ Duvidas? . . . Mas é isso precisamente o que Ele espera, o que

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DIANTE DA VIDA 4I

Ele rclama!... E deves pôr tanto maior dedicação na tua ntrega, quanto é certo que
tens mais faltas a reparar;
___,

- compreendes melhor agora a terrível miséria que é o pecado.


-Basta! irei! Que me importa o passado? Para a fqmte! A minha vida
começa hoje; guardo apenas do passado_ a obr:igação instante de no futu= ro viver sempre <<à alturan. Para isso,
desde agora, generosidade sem limites.

I5.

Ser cristão desassombradamen.te


(Luís Veuillot)

Pelo que devo a Deus :


Quando deveras amamos alguém, só temos uma ambição: procurar a sua glória. Ser por toda a parte o arauto da honra de Deus. Fazer
alarde duma vida integralmente cristã e mostrar co:m ela qne Deus é tudo para mim.
42 DIANTE DA VIDA

..

E se alguém na minha presença ousar escarnecer do meu Deus, do me Senhor Jesus Cristo, da sua santa Igreja, dar logó testemunho da

minha revolta, pela minha atitude, minhas palavras e minha profissão de fé. Se dissessem mal de minha mãe, eu calava-me ou
atemorizava-me? Claro que não! Pois eu ainda quero mais a Deus do que a minha mãe (apesar de lhe
querer tanto a ela!)... .
Pelo que me devo a mim mesmo:
Sou homem. O homem é um ser coerente. Tenho fé: logo, afirmar abertamente as minhas crenças.

Sou homem. O homem é um ser corajoso. Pois quê? Havia de me ter em tão somenos consideração, que corasse ou tivesse medo à
primeira chacota dum engraçado? - Deixem-me olhar bem para ele!. . . Ai ele é só isto?!. ... É Você? .. . Ora adeus!: . . .
Pelo que devo às pessoas que me rodeiam:
Quantos não esperarão do meu catolicismo, cotajosamente praticado e abertamente Vivido, um estímulo que
DA VIDA 43

os leve a viv. r e a praticar também o seu!. . . O número dos tímidos é tão


grande! Fazem multidão.
Quantas consciências não libertarei, quantos respeitos humanos nãq farei calar, a quantos timoratos não insuflarei a minha vida!. ...
Está decidido! Cristão sem uma sombra, seiQpre e em toda a 1parte.

16.

Tu quis es? Tu quem és?

Um oficial, em Marrocos, pergunta a um intérprete qual o distintivo por que há-de reconhecer o chefe indígena que vai reduzir. 11Assim que
o
vires, responde simplesmente o mou
ro, dizes logo: é guele!»

Há também em mim esse unão sei quêll, que obriga os que me vêem a
dizer imediatamente; uÉ ele !ll? Ou dirão porventura: uPodeis ter com ele um trato demorado, que não chega
reis a suspeitar sequer de que reza @ comungau?

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DIANTE

44 DA VIDA

Não que me seja preciso arranjar uns modos acanhados e constrangidos; Fora com ((as beatas falsasnl Deus me · livre duma
piedade •flue não seja atraente e sincera l
Energia, :vibração, entusiasmo! Na

da de «bom niciativa!rapazinhO>>, · Pelo de contrário, mane


quim sem i
movimento c audácia! ... Atacam a religião? . . '· - Alto lá ! · Não consinto! ... Aqui quem ataca· sou eu! .., Não pa

questões ra promover inúteis, discórdias mas para-e. espalevantaihar õ r bem, para refutar urna objecção latente, corrigir urna
mentalidade errónea, lançar luz sobre uma passagem
do Evangelho . .. E isso com mestria, com brio, com caridade sempre, mas também sem compaixão pelos falsos
ídolos, sem. respeito pelas posições tornadas, furando as peles balofas e acusando o ridículo de certas atitudes, a sPm-razão c
estnpidez da maior parte
das acusaÇões... E ,sobretudo, sobreo.
· tudo pregando com o exemplo. As palavras movem c, às vezes, convcnDA VIDA 45

cem; o exemplo, esse convence sempre.


Os velhos mestres da Renascença pintavam auréolas na cabeça dos Santos. Assim, ao olhar para o quadro, nãa era possível um
equívoco.
Ali, naquela lu?: dourada, o retrato dum Santo!

No escritório, na oficina, na escola, no quartel, por toda a parte, conservar sempre rà minha volta uma zona de luz : invisível - e
visível -au· réola!

17.

Andamos hoj-e a 1 00, a 200, a 300 à hora!... t verdade, mas não vejo nisso progresso, se o passageir do extraordinário
·veículo continua a ser uma criaturà vi I

Dizia um grande bispo: «É preciso meter um pouco de bom-senso na apre· çiaão destas coisas de secup.da..r!ssiiil:a;
46 DIANTE DA VIDA

importância, como, por exemplq, a facilidacle de transportes». .


·Estamos acostumados a ver nas aolicações industriais - não há dúvida
que magníficas - das gTandes invenções modernas a P.ltima palavra da ci• vntiação. E fazemos mal. O fundo das almas é que é preciso
atingir- e trans
formar. Que vantagem em descobrir mecanismos poderosos, se é para fazer deles torpedos de$truidores? . . . Em resolver assombrosos
problemas de 'balística, se é para ter o prazer de deixar cair obuses de goo quilos sobre populações indefesas?. .. Não confundamos civilização
material com civilização moral.
4 hoj menos egoismo? . . .. Menos nepotismo nos governantes, menos ava. r,ezil no coração dos ricos, menos inveja no dos
pobtes, .menos amor desordeífa. do iió' prazer nuns e noutros?... Que mais faz viajar em sleeping ou num forgão, nuin último modelo de
luxo ou ·em diligência, se o homem não passa dum morto, com a alma em pecado
·
JDortal? .. ,

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DIANTE DA VIDA 47.

Está bem que se procure com todas a• forças o aumento do progresso ma


terial; mas ter bem presente que sem Cristo todo esse progresso material vale pouco e pode até prejudicar muito . . Sent Cristo a
marcha do pensamento humano é muito lenta, se é que pro
gride alguma coisa.

Só é verdadeiramente civilizador·. o, que torna o coração mais puro, o céu mais próximo, .o espírito mais amante de coisas
altas, todo o ser menos vil ..

!8.

Ani·versário do m·eu Baptismo

S. Vicente Ferrer todos os anos man-. dava dizer uma missa em acção de graças, no dia aniversário do seu bap-. tismo, na
capelinha em que se guarda
va a pia de mármore negro em cujas. águas fora baptizado. _ ·
Eu também fui baptizado, e há tanc. tos anos já!... (Desde então, quantos. benefícios de Deus não tenho recebi-
48 . DIANTE DA VIDA

do!. .. ) Acaso sei eu. bem o que é i> baptismo? O rei S. Luís queria que r. chamassem Luís de Poissy, em memória do local em que tinha sido
((sagradon filho de Deus. Preferia este título ao de rei da França!
Baptizado quando ainda era tão pequenino, não terei ficado sempre pe•
queno com relação ao meu baptim10? Já alguma vez procurei avaliar a sublimidade dos seus títulos, as minhas grandezas baptismais? .. .
Naquele dia, de filho do hoinem que era -+ e do demónio! -'tomei-me fi
lho de Deus; de criatura privada do
sobrenatural (se tivesse morrido antes, de receber o baptismo, nunca veria a Deus face a face), tornei-me capa;: da graça cá na terra, e da
Cf
_glória, depois, no do _u; de fill).o de cólera tomei-me, pela (lembrar-me minha

Miserere)
incorporação em Cristo Jesus, parte integrante daquele Hem quem o Pai pôs todas as suas complacências>>. Nesse dia fêz Deus de mim o seu
templo, o seu santuário vivo, e toda a Santíssima
DIANTE DA VIDA 49

Trindade estabeleceu em mim a sua morada.


Há neste mundo algum bem ou alguma honra que, ainda de longe, se assemelhe a esta?.... Que grande dia o do baptismo! ... O maior de
toda a minha vida! ...

Os meus minutos estão contados! ...

Jacques d' Arnoux, aos 20 anos, retido no hospital militar de Val-de-Grâce por um mal .dolorosíssimo e .incurável, em consequência duma
queda de avião, escreveu estas palavras (1l: HNuma medalha que hei-de trazer sempre comigo farei· gravar estas palavras exaltantes (do cardeal
M;ercier): Os meus núnutos estão contados! No céu a minha caridade não poderá aultlentar, nem a minha glória, nem ·aquela que
.eu poderia dar ao meu Deus c a meu

(1) As snas Paro/es d'tn RPVII!ltant


deviam andar nas mãos ele torlos os jo
VC'ns.

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50 DIANTE DA VIDA

Senhor ] esus Cristo... Ai o val-or do tempo 1» ...


A morte não é, para o justo, aquele temível acontecimento que muitos imaginam. É antes a última grande aJ.egria da
vida, pois transforma em definitivo
o que era apenas temporário, em luminoso o que só se tinha nas trevas, em palpável -e beatífico o que era invisível
e )\em se podia sentir. Sob o ponto de vista sobrenatural, o que unicamente aflige o justo é que a morte interrompe o
seu trabalho de santificação, corta a vida num número dado, e que esse número há-de ficar eternamente o que então
fôr.
Contentei-me na terra com uma santidade medida, parcimoniosa? _. . , Pois a minha ((glória» rio céu será'
exactamente proporcionada à ((graçan adquirida cá em baixo. O céu não é outra coisa, é doutra maneira. O meu grau
de gló· ria será o meu grau de graça. Enquanto vivo, cada- fidelidade a mais é também um grau de graça a mais.
Depois já não poderei trabalhar nem merecer, poderei apenas gozar.
DIANTE DA VIDA 51

Fazer dar à minha vida sobre a terra todo o rendimento de' que ela é capaz.
Que valor incalculável o do tempo! Cada minuto que passa pode tomar-me mais santo!.. .
20.

Santidades a baixo preço


De Ernesto Psichari, ainda adolescente, alguém dizia: HTem sempre um centímetro a mais que os outrosn. Dificuldade em se adaptar, pelo
horror aos limites e receio da mediocridade;· não uma· instabilidade própria de criança, que deseja mudar só por mudar, mas um desejo sincero
de continuamente caminhar mais para o alto, desejo que toda a sua vida o há-de perseguir: uSinto, escrevia ele, que hei-de ser· capaz ·de dar á
Deus tudo o ·que Ele me pediru.
Tudo I Isto diz muito!. .. Quão poucos amam e servem a Deus de todo Q seu
coração, de toda a sua alma, com toda
a.s suas forças!:.,,
52 DIANTE VIDA

É tão fácil fazer as coisas só a-meias : meia-generosidade, meia-virtude. Procurar ir sempre até ao fim de mim mesmo!
-<<Contanto que eu vá para o
céu!. .. Pouco se me <àá de ficar logo atrás da porta ... O que eu quero é entrar!n Às vezes ouve-se isto! Odiosas palavras! Catolicismo
mesquinho e anticatólico! Catolicismo diameralmente oposto aos desejos de Nosso Senhor:
((Sede perfeitos como o Pai celste é perfeiton !·
Detestar semelhantes minimistas.
Mais ainda: ter cuidado, não venha eu também a ser um desses amantes da santidade a baixo preço, um defensor das teorias do menos
possivel.
melhor ao nível dos desígnios de Deus a meu respeito. Deus quer que eu seja um grande santo! Pois bem,
Elevar a minha vontade do
corn;Çarei · a sêlo hoje mesmo!...
DIANTE DA VIDA 53

21.

Já não tendes a Vida em vós-!

(Palavras de Jaures, a.os católicos franceses, em I!Joú)

E mais chegado a nós dizia um professor do Colégio de França: «A fé católica vai diminuindo. Lentamente, é
-ooort, mas constantemente . . É um facto... O catolicismo, considerado como

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religião nacional, não passa duma aparência, do mesmo modo que a ortodoxia de Roma é hoje um esqueleto. de religiãoll.
Se a fé, em nossa. Pátria, não está mais abalada que a ortodoxia romana em geral, bem estamos. Mas não importa! Retenho üo agravo o que

ele rncrrra· de aproveitável: Que faço eu pessoalmente para obrigar a mentir in


siquações como esta: «Üs portugueses que vivem a sua religião são uma ínfima minoria»?... Tenho alguma parte de responsabilidade nesta
diminui-

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DA

54 DIANTE VIDA

ção de vida católica, se tal diminuição existe? ...


A minha presença é assídua nas manifestações exteriores da religião : missa dominical, procissões, etc.? Ou, pelo contrário, sou mais pronto
em brilhar pela ausência, pretetando um incótnodo fingido, um desafio de futebol a que não posso faltar, a duração das cerimónias, etc? . . .
Quando · assisto às rewliões dos grupos de piedade ou de A. C. de que fa· ço parte, sou alguma coisa mais do que uma roda insignificant e
sem mbvimento? ....
Pior ainda: em cada uma das minhas manifestações religiosas, dos meus gestos de cristão, não é, a maior parte das vezes, a rotina que me faz
agir? ...

Insuflar em todas as minhas actões uma grande dose de espídto interiot.


Dar vi4la à minha .vid!l. cristã.

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DIANTE DA VIDA 55

22.

Os meus direitos d•e católico


Agarrar-me a eles com unhas e dentes.
Quando, depois da guerra, foi reatada a tradião do baile anual da Politécnica francesa, os estudantes católicos da Esco la pediram que
houvesse no baile duas secções: uma para os católicos, com exclusão de danças me
nos decentes, e outra sem restrições.
O Conselho da Associação não só despachou favlàvlmente esta justa pretensão, mas conveio em abraçar por
inteiro o ponto de vista ortodoxo, banindo do programa todas as danças im
próprias.
Prova isto não só o espírito de inteligente reserva dos que então consituíam o Conselho da Associação, mas tambérn e sobretudo a eficácia
dum gesto
frartcamente católico partindo de católicos convictos.
Fazer respeitar sempre os meus di· re:tos de católico.
S6 DlAlÜE VIDA

Para isso, praticar sem respeitos humanos todos os meus deveres de católico. Não encobrir que rezo o meu ter ço, que não
como carne nos dias em
que a Santa Igreja me proíbe comê-la, que, se estou em jejum até tarde, é pa
ra ir comungar, etc .. . .
Só poderei reclamar com justiça os meus direitos de católico, se primeiro tiver cumprido integralmente todos os meus
deveres.

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DA

I I Forca de vontade

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À memoraa dos soldados franceses que, de pé e com a arma na mã·o,
ficar.am ·nesta trinc;heira
(Trincheira das baionetas, em Verdun)

De pé ! Estavam de pé, prontos a galgar o parapeito, quando rebentou o


vulcão e as trevas revoltas os sepultaram .. ,
! O essencial não é ganhar a vitória; o essencial é · lutar até à extinção, permanecer firme até ao fim. Só
Morrer, se fôr preciso, mas de pé
morrem as causas por que ninguém morre. Não
é o meu êxito pessoal o que Deus quer e pede. Quem sabe até se a minha derrota é uma das condições para: o sucesso final?.. . É claro que devo
sair a campo bem apetrechado, fazer todo o possível por: triunfar, por aniquilar os inimigoji da santa Igreja, os obreiros do mál; no enanto,
deixar a Deus se-
60 DTANTE DA VIDA

nhor dos resultados. Se a mim me toca ser rendido, quando nel;TI sequer se vislumbra ainda o arrebol da vitória, que
importa? ... Maior merecimento terá a minha dedicação, porque mais desinteressad e <mais-1-J.onge de esperar _salá:rioo humano. Das nossas
derrotas parciais e •suceSSivas é que Deus compõe o seu triunfo final. Parece ser-lhe mais agradável ver-nos lutar sem vencer, do que faer-nos

vencer sem lutar. Se Deus quisesse já a vitória, bastava-lhe um momento para a assegurar. Um só esforço sincero da nossa parte, mesmo
infrutífero, tem para Deus mais valor
que o fácil triunfo instantâneo da sua Igreja. Paciência!
E dep,Qis a melhor maneira -de fazer recuar o inimigo é manterme sempre de pé, firme no meu posto. l'fada exaspera tanto o adversário
como uma bravura constante e decidida. Alto·! por aqui não se passai

Quando quiseram trazer à superfície a carcassa do Ariane, afundado em 1917, um escafandro deparou, à luz incerta das profundidades,
com. o es-
DIANTE DA VTDA 6I

queleto dum marinheiro, a prumo, en


.volto nuns restos de farda e segurando ainda a carabina nas ossadas das mãos .
.P erante espectáculo tão macabro, o mergulhador desmaiou; houve dificulda de em guindá-lo e má.is ainda em trazê-lo à vida .. .
Aquele marinheiro, embora de pé, era um cadáver.
Que o inimigo me encontre sempre de pé, mas vivo I

De dez mil homens, dificilmente


'haverá um que seja alguém
( cA Educação da Vontade»)

Ser «eu» I
Esforçar-me b mais possível por trabalhar por mim mesmo, sentir por mim mesmo, querer e agir por- mim mesmo. Muitos imitam, copiam,
reproduzem. Poucos, muito poucos descobrem, inventam, criam.
Desenvolver e- expandir a minha per.

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DIANTE DA

62 VIDA

son,alidade, não por vaidade, o que se


ria ridículo, mas para fazer render os dons de Deus e aumentar o meu grau de glória: fazer dar à minha vida o seu máximo de
rendimento.
Deste eu, passar a ser «alguém» I
Enquantd somos novos, o que procuramos é diferenciar-nos dos outros pelas nossas excentricidades e, às vezes, anto queremos
distinguir-nos, que tombamos no ridículo. A originalidade· de bóm quilate não consiste em deixar rie imitar os outros. Pode
consistir em imitar Alguém : se é um verdadeiro
modelo, um artista, um sábio ou um
santo, que mal há nisso? ,. . Não confundir originalidade de simples dissemelhança com originalidade em 'extensão.
Originalidade de dissemelhança : não imitar ninguém, nem· mesmo os que podem servir de Il).Odelo. Estup:dez.
Originalidade em extensão : ultrapassar todos os outros, · penetrando mais que eles no íntimo das questões. Acti· vi.dade
fecund·a.
VIDA 63

Há três maneiras de querer:


Querer porque não custa ; Qu•erer muito embora custe ; Querer por is
so mesmo que custa. Esta última
maneira d•e querer é própria dos caracteres fortes e dos grandes corações

(P. de Ravignan)

Querer porque não custa. Mal se pode chamar a isto querer, se entendermos por querer a execução do que não quiséramos. É
seguir encosta abaixo,
deixar-se andar. O querer desta maneira não é sinal nenhum de valentia, antes muito pelo contrário. Por que é que tantos rapazes,
uma vez longe das influências preservadoras, se deixam tão fàcilmente enredar pelo mal?
- Um rapazinho tão bpm, que só queria e praticava o bem! . . . - Pois sim, mas e:quanto esse querer e essa rrática não lhe eram
custosas. Hoje o
64 VIDA:

ambiente mudou . . . mudou a alma e mudou tudo.


Querer muito embora custe. lt difícil de roer? Não importa!
A um simpático aviador que tomou parte no circuito das Capitais e que quiseram Jemorar no voo Berlim-Varsó \'1. com pretexto
no nevoeiro e no frio intensíssimo, alguém disse: «Vai ter uma viagem m,uito penosa- . . . » - «Você iulga que eu nasci para viver
num ber·o de rendas? . . . » Bravo!
Querer, por isso mesmo que custa. Há alguns a quem as dificuldades anim<ún, encórajam, estimulam . . . Há paucós,
_concordo, mas há-os, e eu quero ser e -hei-de 'ser um deles! Tomar por nõrma: -lançar-me na refrega (con tra mim meSmo-,--
contra os inimigos de Deus) não - a-peSar do perigo, mas por caul!a- dêle. Sem imprudência, louca te
meridade, de espírito arrebatado: mas com energia serena, brayura decidida,
consçiência plena do fim e da nobreza da .causa.
- Ri-se de mim? L . . . Que idade tem VoCê.? . . . Pqis eu tenho vinte anosl. . .

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6
DIANTE DA VIDA

z6.

·Pouco mas com perseverança


São geralmente conhecidos os casos de Tamerlão e de Harrisson.
Harrisson, no princípio do século passado, era um pobre aprendiz de carpinteiro numa aldeia da Inglaterra, quando o Parlamento ofereceu
um prémio de zo.ooo libras a quem inventasse wn
relógio em equação (mostrando simultâneamente o tempo real e o tempo médio) . Harrison disse lá com os seus bo
tões: Hei-de ganhar eu o prémio! Põe de lado a serra e a plaina, vai para Londres, mete-se a relojoeiro, trabalha durante quarenta anos no seu
relógio
e . . . ganha o prémio.
Tam.erlão, chefe mogol, tinha sofrido várias derrotas sucessivas. Reúne o
conselho. As opiniões não são concordes: é melhor suspender a luta ou con
tinuar a guerra sem descanso? . . . Nisto vê uma formiga a subir pela lona da tenda; chegada a certa altura, deixa-se
DIANTE DA VIDA

cair. Insiste; cai de novo. Torna a su


bir; volta a cair. E assim dezenas de vezes, mas a formiga teima sempre. Tamerlão não hesita nem mais ·um mo
mento: aproveita a -lição do incansável bichinho.
Pouco, mas com perseverança.
Para aprender a querer, a querer nas grandes ocasiões, nada melhor do que saber querer nas pequenas.

Escolher todas as semanas uma :virtude: piedade, caridade, pureza, trabalho . . . E e dentro dessa virtude escolher ind o ;onto espe&:iaÍJ
para atentar nele dum modo particular: a oração da manhã, por exemplo, a comunhão, as minhas relações· com tal companheiro, etc . . . .

ZJ.

Quando nos 'encontra,mos em face do •mal, ·não já pelos exemplos da história, mas pelas im·pressões que
dele em nós todos l·evamos, forçoso se ·torna passar à virilidade cristã ou sucu·mbir
(Lacordaire)

Menino e moço, ouvia às vezes falar da tentação . . .m as não atinava no que aquilo fôsse. Tentações de preguiça ou de
gulodice, essas sim, conhecia-as eu bem - umas tentaçõezitas de matéria leve. Ah! mas o que eu hoje sinto em mim é qualquer
coisa de mais profundo e de muito mais grave . . . - Irrompem em turbilhão avalanches de forças más. o o E vem-me o rubor às
faces só de nisso pensarlc. .
Que fazer?
Até este momento, é muito possível que não tenha passado de uma criança; daqui para -o futuro tenho obrigação de ser um
homem. Se não me decido a
DIANTE DA ViDA

lutar bravamente, estou perdido. Urna cóisa é ouvir falar da tentação corno de lirn facto longínquo, que faz parte da história

ó
das outras almas; e outra pelos t isa é instintossentil'-me , obrigado eu mesmo a fazer atanazado fren:
te ou a perecer (miseràyelmente) sem remédio.
Sei o que tenho a fazer! Todo o m eu futuro depende da valentia em resistir agora: o meu futuro cá na terra e o meu futuro
depois no Céu.

De que táctica me sirvo quando vem á tentação? . . . Nosso Senhor disse: Vi·
gilate et orate. E eu? . . .. estou alerta· e re:z;ol . . .
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66
As ocas1oes de grandes coisas são raras; a das pequenas é constante
(Chaignon)
Se estou à espera de «grandes ocasiões» para me fazer santo, sem dúvi-
DlANTE DA VWA 69
da que tenho muito que esperar. . . Talvez nunca cheguem.' . . E se · chegam e me encontram não preparado, valerão tanto como
se nunca tivessem vindo. A ocasião faz o ladrão, é certo; mas não é menos cero que o la
drão é que procura e, muitas yezes,
íaz a ocasião. Serei for!e nas·. grandes circunstâncias, se aprender a ser forte
nas pequenas. Se bem que ser forte nesas é ser dobradamente forte. De
um entusiasmo passageiro toda a gente é capaz; mas submeter-se tôda a

ida, vacilarde ,· 'a uma long série de pequenomallhã à' nóite, sem • IúUica s sacrifícios: atenção aos pensamentos, generosidade•
ba dedicação, amor· ao tfabâlho, ardor na piedade, pontualidade na hora: do levantar, exa:ctidão em todos os pormenores dum
regula
mento . . . _, nadas I mas nadas que custam tanto! - eis o que reclama e manifesta urna coragem quase heróica.
E depois, chamam pequenas a estas pequenas coisas . . . São grand,es I Grandes, porque requerem urna grande al· ma.
Grandes, porque nada do que a

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67
DIANTE DA VIDA

Deus se oferece ou recusa é pequeno.


Imagina que N:osso Senhor, na cruz, pedia um copo de água a S. João e que S. João lho recusava.
Tomaríamos
esta recusar por uma pequena indelicadez a?... Pois é um simples copo de água o que Nosso Senhor muitas
vezes de nós pede. Já vês que não é peque
na coisa recusar-lho.

29.

Qu-ando um homem de capacidade ordinária fas convercir para um fim único toda as suas faculdades e todos os meios de qu'e
dispõe e trabatha com firmeza e sem terciversações, esse fim 'há-de alca•nçá-lo

(Marechal Foch)

Se tenho apenas uma capacidade ordinária, nem por isso devo desanimar. Também eu posso chegar.
Mesmo assim, posso também fazer qualquer coisa de grande.
DfANTE DA VIDA 7I

Como?
Muito simples: Primeiramente fixar bem o fJm, De que se trata? ___. dizia com fre'quência o marechal Foch. Ser preciso, saber ao certo
o que quero.
Depois adaptar o melhor possível os meios eficazes para alcançar esse fim entrevisto. Nada de dispersão. Concentração. Abarcar pouco,
para apertar muito. O que vai dar yerdadeiramente ao fim que me propus, isso sim, bus
cá-lo sem desânimo. uComo ganhei a guerra?. dizia ainda q grande mare
chal. Reservando-me tôdas as forças, para estar sempre todo no · meu posto)),
Vista clara do fim e adaptação inteligente dos meios. Falta um terceiro
elemento para o êxito seguro: um querer enérgico. Trabalhar ucom firmeza)). O mundo é de quem no ganha A vitória pertence àquele dos
dois adversários que fôr capaz de aguentar mais cinco minutos.
Tenho agora o segredo de todas as vitórias!
72 DIANTE DA VIDA

30.

Ninguém sabe ·o que Deus faria duma ·alma, se essa ahna deixasse a
·i>eus agir nela à sua vont.tat:
'

(P. de Ravignan)

Não opor nunca voluntàriamente a mais pequena resistência a uma inspiração divina c:laramente reconhe. cida (e julgada,
além disso, compatível com os meus deveres de estado, com os sólidos princípios da virtude cristã e os conselhos do guia da
minha alma) . - Eis em que se resume, já não digo só a vida cristã, mas a perfeição.
A maior parte dos homens, sempre distraídos, não ouvem a Deus. Dos que o ouvem, · ainda muitos, por covardia, não O
seguem; ou, se O seguem, é sem entusiasmo, lá de tempos a tempos, de longe. Bem sei que é acima das minhas forças
(humanamente falando) o prometer-me uma fidelidade contínua.
Mas trapalhar por alcançá-la. Sem ner-
DIAl'ÜE DA VIDA 73

vosismo. Sem impaciência depois duma queda. Mas também sem desfalecimento. Para que hei-de eu conteqtar-me com uma sanidade
med'íocre? . . . Ah! se no caminhó da própria santificação tivesse ido sempre no mesmo àndar de Deus! . . . Os meus passos são de
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criança! Deus é tão bom que espera. . . e abranda a sua marcha o mais que pode. E eu nem assim O sigo! . . . Fico parado, sentado à beira
do caminho. . . Se tivesse obedecido sempre aos chamamentos de Deus, já .hoje podia ser santo.

Daqui para o futuro, fidelidadie sem quebras, quanto o permitir a minha fraqueza. Obrigar cada minuto de vida a dar o seu máximo de
«eternidade» .

74 DIANTE DA VIDA

3I.

Assim que o homem consegue dar um passo fora da mediocridade, está s·alvo
(Ernesto Psichari)

Como estas palavras me fazem bem! Havia tanto tempo que eu estagnava nessa mediocridade sem nome: falta de gosto por
uma vida alta, menos severidade para a ocasião perigosa, descuido no levantar, imprudênc'a nos olhares e nas leituras,
negligência nas minhas orações, na comunhão, etc . . . Ainda não era a derrocada; mas era já o oscilar que precede a derrocada.
E por cima de tudo, a tentaçio sorrateira e importuna, mais temível ela s6 que todas as outras juntas: <<Nunca passarás dum
medfocre. Tu, ser santo? . . . Ora adeus»!
-E não era capaz de sacudir esta obsessão, como uma árvore coberta de neve e cujos ramos, entorpecidos

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69
DIANTE DA VIDA

pelo frio c vergados ao peso da neve, já não pudessem reagir.


Mas eis que passa pela minha alma essa palavra vivificadora! A neve fundiu; os ramos acordam e
'
palpitam ao vento generoso que sopra na floreta: ((Se conseguires dar um passo fora da mediocridade, então
estás salvo)).
Esse passo quis eu dá-lo e dei-o! ... Coragem!... Sin!o-me com redobradas forças! Novamente os píncaros
me
atraem. Avante pelo caminho da perfeição interior! ...

32. O Prazer

Observa um cronista francês que, no fim do carnaval, passeiam um boi pelas ruas de Paris e que a multiqão
segue o boi. Se nesse dia se reunisse a,lgures uma assembleia de santos ou de grandes homens, os santos e os
grandes homens ficariam sós' a multidão seguiria o boi. O espírito Uiqdernq ama
76 DIANTE DA VIDA

o boi .e até, se me não engano, ' o -seu amor não passa do boi.
ó jovem, irmão de S. João, ó jo
vem cuja vida tem o direito de se unir ao Sanctus dos Serafins, repara bem ·se é digno de ti correr, levado pela multidão, atrás
desse boi. . . Outra glória te está reservada!
E praza a Deus que, em lugar do boi, não seja outro ídolo cem vezes pior. Inútil nomeá-lo. A parábola do Filh-o Pródigo
vem-nos naturalmente à lembrança-. ..
Afirmação profunda duma mulher a valer: «Todo quele que passar esta vi
da a guardar porcos, há-de guardá-los
também na outra!»

VIVO . Nem I •..• boi, nem porcos! . .. O Deus


DIANTE DA VIDA

33·

O não ter ·pode satisfanr-nos; o ter, não

Há alegria no sacrifício austera, sem dúvida, mas real: satisfação do dever cumprido, dum amor
autênticamente provado - justa compensação posta por Deus como prémio do esforço.
Cá na terra todo o prazer deixa um vácuo, um gosto a cina. O coração do homem é demasiado, para que o
criado lhe baste; aspira ao infinito. Bem pode desejar nadas: deitem-lhe esses nadas até cansar. Ir-se-ão
acumulando, mas não o enchem.
O não ter (sacrifício) pode, às vezes, satisfazer, o ter (prazer) nunca satisfaz. Deus assix:n o quis. Se a terra
nos oferece um céu cá em baixo, receio muito que ainda nos lembrássemos de olhar para o que lá em cima
nos espera.
«Mais, ainda mais, sempre mais!. . . n são os advérbios que melhor revelam a nossa pequenez e, ao mesmo
tempo.
78 DIANTE DA VIDA

a nossa grandeza. Desejar e ser criatura são expressões inónimas. Desejar sempre e ser criatura insaciável, tormento do homem, sublimidade do
homem! Um homem vale o que valem os seus desejos.
Em Chantilly, na cúpula do vestíbulo, paira uma figura alada, vestida de verde-claro. Em volta, esta palavra: s,pes, esperança!
Toda a vida que pão levar esta palavra na sua cúpula, é urna vida morta.
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34·

Os novos estão sempre do fado em que se ataca!

Todos? ____. Sim, todos, excepto os emboscados·. Emboscado quer dizer traidor, covarde . . .
E eu? . . . Sou um tira vo , um corajo· so?... Alguém dizia: «Dinheiro perdido, nada perdido; honra perdida, muito perdido; coragem
perdida, tudo perdido» ,
DIANTE DA VIDA

Mas não basta ser corajoso; preciso ter espírito de ofensiva.


Resistir quando sou atacado nós meus sentimentos e nos meus direitos de católico, pelo inimigo de fora; na pureza ou na fé1 pelas
tentações de dentro é muito. Pode ser tudo, para
aqueles a quem nada mais se pedir,
Para mim, não! . . ,
Atacar o adversário nos seus esconderijos, ir provocá-lo à sua trincheira, não lhe deixar um momento de descanso, eis o que é, não só mais
difícil, mas de rendimento muito superior. Todos os programas fecundos são programas positivos. Não ceder é negativo. ·Picar o adversário,
esporeá-lo, mordê-lo, eis um programa positvo, bom para legiões aguerridas de almas valentes.
Espírito de ofensiva. Por outras palavras, espírito de sacrifício.

De que lado estou eu? . . . Qual a minha generosidade em vencer-me, em pôr-me do «lado em que se ataca»? . . .

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O DIANTE DA VIDA

35·

Conquistar-me a mim m·esmo pela violênda

(Ernesto Psiéhari)

Uma vez, no decurso acidentado da sua vida moral, esse grande militar que foi Psichari e que devia morrer tão
grande cristão, depois de convertido pelas «vozes que gritam no desertm), uma vez, dizia eu, Psichari cedeu a uma tentação impura.
Caído em si, qual não foi a sua vergonha e o seu espanto! É tão somenos coisa o prazer impuro, depois de se ter experimentado! . . , Mas
Psichari não se contenta com lamentações. O que lá vai
pertence ao passado! Agora o que importa é o futuro I A tentação pode apresentar-se de novo ---' a mesma ou outras. É preci.so ser forte. Daí
a sua re
solução enérgica : «Conquistar-me a mim mesmo pela violêncialn
Gosto desta expressão e faço-a minha. Cooquistarme 1 Prefiro esta pala-
DIANTE DA VIDA Br
---· ----

vra 2. H mortificar-me» . Conquistar, me encerra uma nota de optimismo, de ale


gria triunfal!
Pela v:olência I ·Bem me conheço. Preciso de ser levado à força . .Psichari dizia ainda: <<Nada nos faz adiantar tanto na vida espiritual,
corno o passar o dia· com um punhado de arroz e uns goles de água salobra. Nada torna uma alma tão apta para receber ao seu Deus,
como o despojar-se de todo o prazer sensível».

Adoptar uma certa austeridade de regime: leito, mesa, conforto . . . Escolher os primeiros inimigos que hei-de vencer para me conquistar.

Ou encontro o caminho feito, ou faço eu um só para mim


Narra-se o seguinte caso na história do Almirantado inglês: O almirante Dupont explicava a() almirante Farragut as ràzões por que não tinha
conseguido
82 DIANTE DA VIDA

entrar no porto de Charleston com a sua flotilha de couraçados. Farragut ouviu, ouviu, e por fim disse: -
Dupont,
ainda falta uma razão. - Qual? - Não entrastes, porque nunca acreditastes que o podíeis fazer.
Para vencer, é preciso querer a vitória e crer nela. Não há melhor garantia de sucesso, que a vontade do
sucesso. Não digo a esperança do sucesso; digo a vontade do sucesso.
Não uma vontade, simples crispação de nervos, feita de impaciência febril ou de histerismo· doentio; mas
uma vontade em base de reflexão séria, de vista clara do fim, de adaptação ,perte:ta
,dos meios ao fim, e que procura situar no real ao seu. alcance o ponto de apoio de todo o esforço, para
chegar no mínimo de tempo ao máximo de rendi· mento efic:az.
O Presidente duma .república americana, a quem perguntaram pelos seus
brasões, lembrando-se de que tinha sido lenhador, respondeu: <Um par de
mangas arregaçadas)).
Estêvão Colona caíra em poder dos
DIANTE DA VIDA . 83

seus inimigos: «Onde está agora a tua


fortaleza?)) --. <<Aqui!>) e batia com força no coração.

Coração valente c mangas bem arregaçadas. Com isto, a vitória é certa!

37·
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Não basta, como tantos fazem, esperar que Bfüc'lfer chegue; entretanto é preciso combater e perseverar,
como fez Wellington
(Samuel Smiles)

Tenho bem presente esse final de batalha. Napoleão triunfa. Waterloo vai ser a sua maior vitória. Os ingleses vão de vencida e Blücher não
terá tempo de chegar.
Mas ai! . . .. Quem deu a Blücher tempo de chegar A tenacidade de Wellington .
1< um processo fácil deixar ,para os outros o qlidado de ganhar as batalhas. Mas a intervenção dos outros não é possível - ou, pelo menos,
não efi-
84 DIANTE DA VIDA

caz senão quando nós próprios ivennos dado toda a nossa medida.
Conta-se este belo episódio das guerras napoleónicas: Durante o cerco de Génova, feito pelos austríacos, entra na cidade um parlamentar dos
sitiantes, dirige-se a Massena e diz: (<Sabemos que estais sem mantimentos. Rendei-,vosn. - ((Enganais-vbs, respondeu Massena. Aqui nada
nos falta. Quem tem fotne aqui?» E interpelando um ve
lho guarda: uFala coii).. . ,franqueza: tens fome tu?.. .Faita-te alguÍna coisa?» -
«Não, meu general!)), responde o veterano, e cai para o lado là mingua de alimento, de pura inanição.

Quando eu me tiver aguenta·do

até este chegará o socorro. ponto, então, com ,certeza, me

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DA 73

.DIANTE VIDA

Esta batal·ha "está perdida. Mas ainda •há tempo d'e gan1h-ar outra!
(General Desaix)
Desaix em Marengo. Chega; yê tudo
.comprometido. Não- perde tempo, não se lamenta. - A batalha está perdida. Que -importa? São três horas. Antes que o sol se ponha, terá
retomado as posições. E a vitória pertence-lhe!
Caí !. . . Tinha feito tantos propósitos!. . .. Eu queria ser forte, resistir até à custa da própria vida. E o inimigo venceu-me!_.. . .
Que fazer agora? . . . gemer? lamentar-me? ou, -o que é pior, impacientar-une? ou., o que é pior ainda, desanimar? ...

Não! de modo nenhum! . Primeiro verif'car. Com pena, sim, mas sem demasiada surpresa e sem amuos. E logo depois - logo - puxar do
relógio: «Bem! perdi uma batalha. Mas são só. três horas:·e: tenho_ ainda_.muito tem,-
DIANTE DA VIDA

po de pôr novamente as minhas cm1sas em ordem! Mãos à obra!ll


É assim que fazem os- fortes. A verdadeira fórmula da vida militante, da yida sobre a terra, não é tanto: marchar de vitória em vitórÍa, sem
nunca sofrer derrota: é antes: marchar de desforra em desforra. :Fazer o J>Ossível por não cair; mas, se cair, levantar-me logo,
compor-me e de novo para a frente! E
sempre tempo de me dar odo inteiro.

Nunca passa das três horas no relógio daquele que quer tirar uma des· forra.

39·

Já que Vocês para aí se ficam, a chorar como crianças, bem •preciso é que eu trabafhe como um homenH
No princípio da exploração mineirà de Beaujonc, perto de Liége, as galerias foram inundadas. Goffin, o capataz, mandou repicar a sineta,
para ch<f,mat os cento e tanos operários que !r · t
DIANTE VIDA.

balhavam debaixo da terra. Só yinte e dois conseguem chegar aos postos de salvação. Goffin e um seu filho ainda
criança recusam-se a subir: é preciso auxiliar os camaradas. Setenta e quatro foram salvos. Faltam dezanove. Estes
dezanove procuram, durante dois dias e duas noites, abrir caminho pela rocha dura, para fugir à inundação
sempre crescente. Ao terceiro dia os homens, exaustos e desanimados, abandonam a empresa. A criança, então, pega
da picareta e exclama: «Já que Vocês para aí se ficam a chorar como crianças, bem preciso é que eu traba
lhe como um homem)), Ao quinto dia estavam salvos.
Na sociedade de hoje a inundação ameaça tudo submergir. Aqueles que puderam tomar os postos de salvação
fugiram ao perigo. Outros preferiram
ficar por dedicação no local do sinistro. $ucede às vezes que a .coragem lhes esmorece. As águás sobem sempre e a
rocha é tão dura! É privilégio da juventude nunça duvidar, er sempre es·
ranç•a para dar e yender. Não permi-
DIANTE DA VÍDA

tir nunca à minha volta uma palavra de dúvida, um gesto de de!?tânimo. O futuro é de quem no agarra! Os nossos
mineiros teriam, ao segundo dia, desistido do seu intento; era morte certa. À voz e ao exemplo dum novo, cobram
ânimo, e logo lhes vem a salvação. ,
Com humildade, mas com firmeza saber reanimar à minha volta a coragem que esmorece.

40.

Vou-me embora; não me interessa um rei vencedor!

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74

Assim falav a Duguesclin · a seus guerreiros, depois de ter reposto .no seu trono o rei de Espanha. Os seus homens
protestam; queriam ficar ali.
Sou Duguesclin ou um dos guerrei· ros?
Amo mais o triunfo que a batalha; ora a Igreja sobre- a terra não é ainda a Igreja triunfante: é a Igreja militan-

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DA 75
DIANTE VIDA

te. Terá sempre inimigos. Sempre há


-de ser preciso lutar. O descanso é pa.. ra mais ta,rde,
Exaspera-me o ódio-, atormenta-me o sectarismo estreito, a mesqúinhez de espírito revolta-me, repugna-me a falta de seriedade de tantos! . .
. Pois bem! é pelo meio de tudo isso que . eu tenho de abrir brecha. Não chegarei a triuniar? Que importa! Fazier o possvel
por triunfar; no entanto, estar sempre disposto a oferecer a Deus o sacrifíCio dum insucesso. E depois dwna bahrlha, partir logo para outra causa
divina que reclame a minha pFesença.
Alguns estã,o habituados a correr tà. vitória; eu quero voar para as duras batalhas.
Desta maneira, um dia ou outro, o inimigo acabará por ter a minha pe
le! -'- Que importa! Só morrem as cau.
sas por que nlnguém morre,
;DIANTE DA VIDA

Enquanto não experimentar, nio me •hei-de conventer!

Na vida moral ouve-se tantas vezes esta palavra: Impossível !


Impossível, por exemplo, conservar-me puro. - Tu bem vês: à tua volta ninguém o é. Nessa tua idade todos se
divertem, e bem sabes o que se entende hoje por ((divertir-se)).
Sofisma yulgar; sofisma traiçoeiro e por isso dupla e tristemente corrosivo!
Lembrar·me da divisa dum famoso chance ler do povo: ((Para coraÇão v alente não há nada de impossível!))
Impossível também, rosnam ainda certos timoratos, impossível e inútil meteres-te nesse apostolado . . . Não tens nenhuma das qualidades
necessárias . . . Ninguém te escutará . . , ninguém te seguirá . . .•
- Enquanto não experimentar, não me hei-de convencer!
Tentar é ainda o melhor meio de triunfar. Pôr, quanto em mim está,

todos os predicados humanos: finura, aJllabilidade, dedicação, desapego de mim mesmo; e depois, visto tratar-se duma obra divina: oração,
sacrifício . . .
É espantoso o número- de coisas im· possiveis que uma vontade decidida consegue realizar. Algumas hei-de eu ralizar também!

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I I I Virtudes necessárias
42.

Ser alguém é, antes de mais nada, ser um


(Malaprest)

HUm homem desigual não é um só homem, são vários pomens», escrevia La Bruyere no século XVII.
Esforço-me por assegurar a minha igualdade de humor?
Reparo em fulano: hoje, alegre como wn cuco; amanhã, triste como a _noite. Hoje?... amanhã?... Quantas
vezes não muda ele ,de hora para hora,
de minuto para minuto!. .. Ainda há pouco gracejava naquela companhia, e já agora se mostra aborrecido
com a minha... Sicrano tem alternativas de
at:dor no trabalho e duma-preguiça insigne. Enfim, a política das gu:na-das ... As grandes forças da natureza
são lentas, mas contínuas. A acção dos r;la-
96 DIANTE DA VIDA

dares leva séculos a fazer-se sentir,

mas eles lá vão roendo incansàvelmente. Preferir uma coragem calma e perseverante, a um arrebatamento
nervoso e precipitado, seguido depois de afrouxamentos, depressões e .... derro
cadas.
A inconstância, dizem, é wn defeito dos (<llOVOSll e, acrescentam ainda, é
um pecha muito especial dos portugueses.
Adquirir - ou desenvolvê-lo, se já o tenho - espírito de . continuidadle. Ventoínha o menos possível. Não
estar à mercê dum sorriso, do mau tempo, das cores berrantes dum cartaz, dum capricho próprio ou alheio,
das sugestões dwn camarada, etc.
Ser igual, ser um : primeira condição para ser ale-uém,
biANTE DA VIDA 97

43·

Costp de falar de tempos a tempos com um homem que crê, para ouvir o que ele diz
(Hume)
Nada de exaltações passageiras. Convicyão. Isto é: primeiro crer, depois crer no que se crê.
Cl'er : não como um inconsciente ou um tólo, que aceita como boas todas as ideias que lhe impingem. Há um fundo
de pacovice em todo o ser hu· mano, fundo que os intrujões . muito
bem conhecem e que o jornalismo chamado de grande informação e o reclamo exploram sem vergonha. esmo as
pessoas mais independentes são permeáveis a influências quantas vezes as mais grosseiras. Nada mais fraco do que
certos espíritos fortes.
Cl'er como um homem que pesou as razões, encarou a realidade bem de frente, e viu o inimigo, se inimigo existe.
E, uma vez que se pode apreciar o bem-fundado duma proposição, dum
98 DIANTE DA VIDA

princ1p10, crer nele, isto é: dar a ess;.J verdade que se impõe, a essa realidade, c ujo pleno valor de «realidaden se.
descobriu, dar-lhe, repito, todas as possi-'
bilidades de vida. Nada de sentimentos. anémicos e sem éonsistência: uma fir meza bem alicerçada e sólida! Crer em poucas
verdades, se fôr preciso. (E as verdades em que deYemos crer são rela
tivamente poucas) . Mas nessas crer tenazmente ; não cega, mas luminosa
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mente, isto é, de maneira a poder res· ponder ao aQ.versário e a convencê-lo. Crer nessas com calor e v'gor, de ma··
miira a tornar a verdade não só convincente, m·as conquistadora, arrastadora!

44·
Tenho •nos meus JUIZos u·m absolutismo cru•el e violento, que resulta da falta de experiência
(Giosué Bossi)
Alguém disse : «Ide aos . nO\•os; eles sabem tudo!J>
A experiência ensina-nos a atenuar as

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DIANTE DA VIDA 99

nossas opiniões, a limar as arestas das afirmações que fazemos, a não crer sem reservas na infalibilidade do nosso
juizo. Enquanto somos novos, temos
a experiência diante de nós e ainda não para trás; não há para nós pro blemas de difícil so.lução . . .
Talvez seja uma boa qualidade; em todo o caso, devemos servir-nos dela oro muita parciónia. Não dar nunca a
impressão dum excitado, nem dum espírito simplista, que afirma assim tão brutalmente só por não ter visto todos os
aspectos da questão. A vida é complexa: os problemas simples, se alguns há, são em número muito reduzido.
Nada de indecisão por falta de precisão. Ver claro e ao longe. Mas, por isso mesmo que se vê claro e ao longe,
é que se não tem nem pode ter um espírito imprudente, impetuoso e irreflectido. Diz a Sagrada Escritura que há
velhos que são puras cri!rnças. Eu, sem
nada perder do meu entusiasmo nem do meu fogo, quero alcançar esse princípio de maturidade, que há-de inspirar
confiança nos que me rodeiam. Ser
100 DIANTE .DA VIDA

novo é ser um pouco . . . doido. D1:ixar de ser doido é ficar sempre novo.

Coragem e serenidade .. , Entusiasmo e prudência . . . Audácia e sabedoria-. . .

45·

Mu·itos julgam que têm razão, por


·que têm um coração recto. São os
que fazem melhor o mal, porque o faZ"e'm de consciência tranquila
(De Bonãld)

É preciso pôr bem em evidência a necessidade - não simplesmente do zelo -- mas dum zelo esclarecido e int e=
ligente,
Quantos e quantos não inutilizam o melhor das suas forças, por se meterem em loucas empresas, sem antes lhes h
av erem medido bem os prós e os contras! Rapazes de coração ardente,
yira.m que se precisava de gente animosa. Presente! - Pois sim, mas para que vai servir odo esse entusiasmo?
IJTANTE DA VIDA tot

Antes de carregar, ver bem se h't em baixo vos não espera um caminho fundo entre dois taludes, como em Waterloo,
onde vos ides enterrar, ou um campo de lúpulo, em cujas empas vos vades espetar, como em Reischoffen.
'
Zelo esclarec do. Estudar os problemas, 'antes de procurar dar-lhes solução. Não seguir um movimento de ideias e
os homens que as arvoram, só
por umas frases campanudas ou pela atracção do instante. Cautela! Os problemas que te ' apresentam são tão
delicados!. . . A catástrofe é tanto mais de recear, com quanta mais intensidade
uma força viva marcha em direcção errada. Mesmo· que outra coisa se não perca, já é muito para lastimar essa
energia criadora gasta inutilmente. Os tempos não vão azados para passá-los a esgrimir com moinhos de. vento . . .

Escolher um terreno sólido e caminhar por ele a passo seguro. Vale mais do que partir a toda a brida por um solo
movediço, no termo do qual é a miragem que nos espera . . .

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l02 DIANTE DA VIDA

Quando um homem começa ·a olhar para trás, começa 1também a estar


velho l Um Cardeal americano)

O Cardeal Gibbons, yelho nos anos mas novo de coração e de espírito, acrescentava: <CNão me ponho
nunca a olhar para trás. A mulher de Lot olhou para trás e logo morreu. Olhar para rás é a destruição, o
princípio do fim . . .
Quando a gente chega ao meio da vida, faz bem em se rodear daqueles que começam a entrar nela. Até
aos 40, busquemos a companhia de homens mais velhos do que nós; depois dessa idade, aproximemo-nos
dos mais novos. É uma regra excelente. Antes desta última doença, dava todos os dias um passeio, das cinco
às seis. E a quem escolhia eu por companheiros? Aos Novos. Contavam,me então todas as suas es· peranças,
os seus planos, os seus receios e as sua,s ambiÇões.
·

DIANTE DA VIDA IOJ

Quereis" saber o que eu lhes dizia? Dizia-lhes: "Rapazes, vivei na expectativa de grandes acontecimentos! Esperai
grandes coisas do dia de amanhã! Esperai grandes possibilidades dos homens vo'ssos irmãos e de vós mesmos!
Apresentam-se-vos grandes ocasiões, maiores do que nós nunca tivemos. Só
aproveitarão delas os que tiverem cragem e o sentido da oportunidade».
Como dizia também há tempos o P.
Doncreur, dirigindo-se aos rapazes dum colégio católico, nós, os rapazes de hoje, temos de nos defrontar corq
acontecimentos formidáveis.

De que preciso para estar U. altura. desses acontecimentos? De duas coisas:


Coragem e sentido da oportunidade.
Tenho uma e o outro?. . . O tempo urge!

47·
Saber agradecer
A Deus. Não esquecer que o segundo fim da oração é agradecer, dar gra-
DIANTE DA VIDA

ças! Oração é a elevação da alma até Deus, para o adorar, lhe agra·decer . . . Quantos são os que dizem a Deus mui· to
origaclo? E eu mesmo alyez tão
fervoroso para pedir, não sou também dos que se esquecem de agradecer? Ou, se o faço é por alto, à pressa, a pen
sar já em pedir outra coisa! ..
O inverno de 1784 foi muito rigoroso em França. Luís XVI mandou acender grandes fogueiras nos quarteis, nos
hospi,tais e nos conventos, para os po
bres se poderem aquecer. Em Versalhes ia ele mesmo distribuir as esmolas c verificar se as suas ordens eram bem
cumpridas. No fim do inverno, como prova de reconhecimento, aquela boa gente ergueu-lhe uma estátua de neve em
frente do palácio ...
Dar maior consistência à minha grati dão.
Saber agradecer ao próximQ que me fêz bem. Ao menos a este, se não tiver, como os santos, a virtude de agradecer
.também aos que me fazem mal.
Quão poucos dizem obrigado a seus irmâ.os!,. .. A gratidão urna yirtude
DIANTE DA VIDA 105

ntrífuga. Supõe que, no llOl mento em que a pratico, eu deixo de pensar em mim, para pensar no próximo, nas suas
atenções para comigo, na sua bondade. Somos tão mesquinhos, que o recebermos um favor de alguém é muitas ve
zes motivo para odiarmos esse nosso bemfeitor. Oh! a cruel decadênCia do
coração humano!

Aprender a dizer obr:gado ; [\lelhor ainda, a tão bela expressão do nosso


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povo: bem haja !

Saber indignar-se
A cena do Evangelho: Nosso Senhor, com um azorrague na mão, expulsando os vendilhões do templo.
Uma das tristezas - qujçá a maior
- da idade que precedeu a nossa foi a de ver que os ubons» assistiam iplpassíveis a todos os atentados dos gover
nos e dos indivíduos contra Del)s e a sua Igreja. Parecia que nada disso era
DIANTE DA VIDA

com eles . . , . os caracteres não eram suficientemente enérgicos para se ind1gnaa


rem . Lamentavam-se: coisa inútil e de
primente. Em vez de gemidos, indigna. ções vigorosas e eficazes! IstD já come
ça a ser compreendido . . .
«lrai-vos e · não queirais pecarn, diz a Sagrada Escritura. A Escritura fala dessas iras santas que fazem erguer as coragens
indignadas diante de torpezas insolentes, manifestas ou embuçadas.
Alguém chegou a dizer que a indignação é um dos mais 'belos sentimentos da alma humana, um dos ecos mais sublimes que
podem ressoar pela terta corrompida. Levar no coração tanta nobreza, no espírito wn tão alto ideal
e uma vontade tão decidida, que seja capaz de mostrar, no momento oportuno, que certos espectáculos odiosos me indignam,
que certos gestos e certas frases incQqvenientes me revoltam, que certos ultrajes feitos diante de mim ao Senhor ou a uma das
virtudes que ele mais preza, eu não os tolero.

Não é preciso, nem eu quero ser um

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DIANTE DA VIDA

I07

homem exquisito, bilioso, sempre descontente. Não! Cara alegre e boa disposição! Ah! mas quanto a princípios,
intransigente.

49·

Amar é querer amar

- Eu bem me esforço por orar com devoção, mas não sinto nada . . .
- Mas o não sentir nada não prova que a oração seja mal feita. Se fazes o que podes, diante de Deus, por
estar atento, recolhido, afastar as distracções, pensar no que ali te tem, alimentar, na medida do possível, sentimentos
fervorosos e resoluções generosas, a tua oração é boa e não deixá nada a desejar.
- Sim, é um êrro pensar que Deus não está contente comigo, só porque eu o não. estou. Se fiz tuc'lo o que podia,
glorifiquei-o na medida em que era capaz, e ele não pede mais. ;
Apoquentam-me as ·distrac:ções, a minha imaginação não pára. Fazer co-
DIANTE DA VIDA

mo o pastor, quando vê os carneiros a fugir para um lado e para o outro: assobia ao cão e ele lá .vai_ numa
carreira meter na ordem os animais fugiti vos. Daí a pouco, outros mais ariscos tentam de novo afastar-se .
do rebanho. Novo assobio ao cão; nova arremetida deste, e assim sucessivamente. Se eu, na minha oração,
não fizer mais do que
isto, terei feito uma excelente oração, talvez; melhor do que a de ontem, em que não senti dificuldades. Os
momentos de oração fácil são preciosos: Deus revela então às almas e sem ruído de palavras coisas
admiráveis. Mas, se me aguento nas horas de secura c de negrídão, sou eu que me revelo a Deus,
que lhe mostro tudo o de que .:;ou capaz.
Há amor afec:tivo e amor efectivo., um que se traduz por aspirações ou por pavras, e outro que se manifesta
em ai:ç: õei. Ambos são bons; mas só o segund o é sempre puro e genuinamente autêntico. Amar não é
.sentir, mas sim quereb amar não é sentir que se ama
I09

ou gostar de o dizer, amar é querer


amar.

so.

Delicadeza de sentimentos
Ter uma alma dei' cada ....
- É ter horror, em primeiro lugar, a -tudo o que é grosseiro e baixo, _ ao pecado _. e de um modo especial ;\qucle
pecado que é o mais grosseiro c o mais baixo de todos os pecados, o pecado mais aviltante, que conspurca o
pensamento, a memória, a, imaginação, o coração, os sentidos·. . . ;
- É detestar não só o· que é baixo e grosseiro, mas o que é trivial : trivialidade no falar, trivialidade no andar,
trivialidade nas maneiras, só ou acompanhado, em casa ou na rua.
Mas tudo isto é negativo. Ter alma delicada
___, É amar tudo o que é nobre e belo, grande , generoso;
- É pôr nesse amor das coisas grandes e '!leias uma prefe;ência especial pe-

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DIANTE DA VIDA

IIO

las grandezas e pelas belezas mais re· c·olhidas, mais finas ou mais mimosas.
É, em matéria de benfazer, descobrir as misérias menos conhecidas do vulgo ou as mais enternecedoras e procurar
espontâneamente aliviá-las, à custa de múltiplas atenções;
É adivinhar que uma palavra vai melindrar ou fazer sofrer alguém, e não a dizer; é adivinhar que uma palavra vai consolar ou
fazer bem a outrem, e dizê-la.

Delicadeza para com Deus . . .


Delicadeza para com o próximo . . . Delicadeza para comigo mesmo . . .

sr.

São precisos meses para fazer aloirar uma seara ; basta uma faúlha para num momento a destruir
Uma imprudênc·a de um instante
podtl inutilizar o. fruto de uma vida inteira.
É formidável o poder de todo o acto
III

livre, em geral. Um querer de homem parece tão pequena coisa!. . . Pois é o bastante para fazer desse homem um

santo ou um celerado. Ninguém pode nada diante da liberdade humana; momentâneamente, nem o próprio Deus!
Parece que se deixa vencer por uma liberdade perversa. Pelo contrá.riQ, eis uma aima há meses ou anos átascada no
pecado. Suba, do mais íntimo do seu coração, até Deus, um acto de arrependimento sincero . . . já está reabilitada!
Terrível poder o de certos actos postos em determinadas circunstâncias: destroem todo um passaclo ou inauguram
um futuro. Em si, parecia um gesto insignificante; mas pelas consequências é terrível. Lanço pela .janela fora um
fósforo mal apagado. Deus sabe os
estragos q)le tal negligência pode ocasionar! Q,uando era pequeno, entretinha-me às vezes a fazer grandes rosários
de castanhas, furadas no meio e enfiadas num cordel. À menor distracção, soltava-se-me uma dãs pontas e as
castanhas espalhavam-se por terra.
ti2 DIANTE DA VIDA

Muito cuidado com as surpresas na vida espiritual! Prever as consequêncif!.S de todos os meus actos. Gover· nar-se
- como governar - é prever.

52.

Ten'ho mais medo dos meios humanos que .do diabo, nas coisas do
bom Deus
(S. Yicente de Paulo)

Bem entendido,. está claro.


Não se trata de desprezar os recur= sos pessoais, se os há, nem os dons que Deus nos deu. Sã criação divina e
esmola sua, tanto como os dons sobrenaturais. Trabalha, que Deus te ajudará. Esperar tudo dele e não fazer nada é
uma ilusão perigosa.
Demos o máximo de que somos capazes, mas sem -esqqecer que só os meios sobrenaturais darão valor à nossa
acção; Há quem trabalhe muito
mas de um ni.odo absolutamente nato· ral ; e, porque trabalham. muito, jul-

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DIANTE DA VIDA tr3

'
gam esses que vão colher magníficos resultados sobrenatura s, Mau cálculo.
Dizia um inglês: uDe que é que não é capaz um amor-próprio em bom estado?» - De muito, sem dúvida, como
rendimento humano ; de muito poU<o, como rendimento d:vino, Só do sobrenatural pode vir qualquer coisa de
sobrenatural.
Quantos entre nós não têm o valor que lhes vem duma actividade natu2 ral !. ..

A última palavra neste assunto pertence à seguinte fórmula de Santo Inácio: Antes, dispor tudo como se o su
cesso dependesse unicamente de mim j depÓis, reconhecer que o sucesso é. devido unicamente a Deus.
Il4 DIANTE DA VIDA

53·

A sua vida nada tin;ha de extraordinário . . . mas tudo o que fazia fazia-o duma maneira tão celeste e
tão divi•na, que era isso precisamente o que mais nele s•e admirava
Queremos sempre fazer outra co:sa, quando 0 que devíamos era fazê-la de outra maneira. A maneira como se dá,
seja a Deus seja ao próximo, vale
mais do que o que se dá.
Tem a minha vida aquele zêlo «celeste e divinm> que Santa Chantal tanto admirava em S. Francisco de Sales?
Possuo eu, porventura, a arte delicada e soberana de fazer extraordinàriamente as minhas acções ordinárias? -
Extraordinàriamente, isto é: com a consciência de cumprir o meu dever, porque, no minuto que passa, é precisamente
isto o que Deus de mim quere? . . .
Se assim proceder, cumprirei a cada momento a vontade daquele que me deu e conserva a vida c que me exige
DIANTE DA VIDA IIS

a oferta contínua 'de todo o meu ser; cumprirei em toda a sua plenitude os
meus deveres de criatura; não posso dar a Deus maior glória. Um Santa, Nosso Senhor Jesus Cristo, se estivessem no
meu lugar, não procederiam de outro modo.
Meu Deus, o que vós quereis, porque o quereis, como vós o quereis e em-
quanto o quiserdes! ,
É a submissão completa ao divino beneplácito, é a imitação perfeita do Salvador, de quem se disse: «Cristo nunca
viveu para fazer a sua vontade)); é a orayãb constante ; é, nem mais nem menos; que a santidade, santidade aces
sível a todos, e a mim também.
Não é preciso assombrar o mundo com acções de espavento, mas sim fazer boamente, modestamente, os actos
ordinários da minha vida ordinária, orientando-os, de maneira mais ou menos formal, mais ou menos imediata, mais
ou menos explícita, mas sempr'e efectiva e afectiva, para D eus.
n6 DIANTE DA VIDA

54·

A maior confraria do mundo é a dos descontentes


(P. Eslêviio Binet, pregador do século XVII)

Não queiramos pertencer a ela!


Também não devemos conveocer-nos de que tudo está bem, nem partir dum optimism0 simplista, para concluir qu·
os nossos serviços para nada são preci sos. Mas daí até achar tudo mal feito, Yai nma grande dist.1ncia. E é esta a mania de
muitos, da maior parte.
Sirvam de exemplo os' soldad(>s da velha guarda de Napoleão. A sua bra

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vura bem lhes pode desculpar algumas imperfeÍções. Esses, ao menos, não se contentavam com só resmungar.
Resmungavam, mas andavam para a frente. Hoje, os que mais «resmungam>> são os que menos 'fazem, os que nada
fazem . . •
O homem de acçãQ não enjeita o seu tempo. Bem lhe vê as mazelas; mas também sabe descobrir 11ele as suas
DIANTE DA VIDA IIJ

belezas. Isto leva-o a omitir as queixas, para tratar unicamente de suprimir as origens delas, desfazendo abusos,
atacando iniquidades ...
O queixar-se não adianta nada c não aproveita a ninguém. Pelo contrário, diminui a coragem pessoal e a dos que nos
ouvem. Imitar aquele soldado que, ferido por um estilhaço de obus, leva imediatamente o lenço à boca: - «Es
tás ferido no queixo? - Não! é para
não gritar. Podia meter mêdo aos camaradas!n

Soldados desta têmpera é que nos- [alA"ffi falta. Os resmungões, mesmo bravos, são doutras eras.

ss.

Senhor, a tristeza é a len,brança d·e mim; a alegria é ·a lembrança de


Vós
(Ernesto Hello)
Sempre que me sucede estar triste , se be1n me examinar, hei-de ver que

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II8 DIANTE DA VIDA

caí em mim, pensei em mim, dobrei-me sobre mim mesmo. Toda a vez que me encontrar alegre e
expansivo, é porque cheguei a perder-me de vista.
Pôr de lado os meus pequeninos interesses, as minhas pequeninas ambições, a minha «politicazinha». Não
to
mar_ logo todo o mundo de ponta, só
porque uma, coisinha me correu mal, ou porque alguém me manifestou uma infinitesimal falta de respeitb.
Pôr mesmo de lado todos os meus pecados passados; às vezes preocüpam-me de mais. De que me vale
estar sempre a contemplar a miséria?,.. - uOs meus pecados, Senhor, eu os detesto
e me arrependo sinceramente deles... é não quero mais vê-los. Sepultai-os para sempre n_a vossa
misericórdia». Tudo o que é meu me é indiferente; I).ão o meu que merece consideração, mas o meu inútil e
torturante; é esta a me• lhor forma e a mais simples de alcan
çar a felicidade.
A alegria é a lembranÇa de Deus. O Padre de Ravignan, ardendo em febre, exclamava nq seu leito de dor:
IIEstou
DIANTE DA VIDA rl(j

mal, Senhor, mas Vós estais bom. Sinto-me feliz com isso!»

Alegrar-se com o bem de seu Pai não é a melhor prova duma pura devoção filial? . . .

s6.

Fasei que ele vos sirva com a•earia na vossa Igreja


(Palavras do meu Baptisrno)

Tal foi o pedio que o sacerdote fez a Nosso Senhor, quando me abriu as portas da Vida.
Tenho o dire:to e tenho o diever de andar sempre alegr e.
O direto. Ora ouve o que dizem os gozadores, os tais que «se divertem)): «A vida é um sonho sinistro, uma
alucinação dolorosa, em troco da qual o nada seria um bem)). «Se pudesses
-ler em minha alma, ficarias aterrado ...
Não há em todo o universo criatura
T20 DIANTE DA VIDA

mais desgraçada do que eu. Julgam que sou feliz . . . Nunca o fui, nem um dia, nem uma hora . . , )) (Anatole
Francc) .
Tenho à minha disposição, pelo baptismo, todos os tesouros do céu e todos os bens legítimos da terra. E ·lUpondo
mesmo que estes últimos me faltam, muito pouco é ainda o que então
me falta. Fica-me o essencial. <6upera
bundo de . alegria no meio das minhas tribulações)), escreyia S. Paulo, carregado de ferros. ((A alegria, observa um
convertido inglês ( Chesterton) , é O' segredo gigantesco do cristão)).
O dever. Pouca honra daria a Jesus Cristo, se cumprisse a sua lei com tristeza e relutância. HÜ meu jugo é suave)),
dísse o Senhor:
Por ocasião do meu baptismo, o sacerdote pediu a Deus: <<FazeL que ele vos sirva wm alegria na vossa Igreja>>.
Só nós, os cristãos, é que. .temos o monopólio da alegria: os outros podem <<divertir-se», mas desafioos a que se
mostrem alegres. A alegria vem da boa consciência. E para haver paz de cons-
DIANTE DA VIDA I2I

ciência é preciso haver fidelidade. Ditoso rima com generoso.

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Por conseguinte, animação, expansão, .legri<).! .. , Serenidad exterior, .de
nunciandq J!ma grande paz interior.

57-

A Igreja chama a todos os dias sobre a terra dias de festa, porque supõe já o homem de posse da vida eterna
(Ernesto li e !lu)

Oprim;ipal motivo da nossa alegria é a graça. Como é que a minha alma há-de andar triste, se vive continuamente
em estado de graça? ... Tem já na terra o que há-de constituir mais tarde a alegria essencial do Paraíso; isto é, Deus:
Deus dando-se a ela, por uma presença de eleição, por uma presença toda de amor. A Glória não será mais que o
perfeito. Qe!;ie1lvolvimento destas presenças.
I22 DIANTE DA VIDA

A alma em estado de graça vive Ja no c:éu ; melhor, é já um c:éu, não um Céu com maiúscula, o Céu que nos
espera lá em cima, mas um c:éu verd:ac
de:ro. Dizia uma Santa: ((Encontrei, já o céu na terra, porque o céu é Deus e Deus está no meu coração>>.
Com tal certe4a - não uma certeza de ((pouco mais ou menos>>, mas uma certeza fundamente enraizada em nosso
peito - como não viver sempre numa alegria mdiante?.. . A tristeza só entra comigo, porque eu ainda não pensei a
sério na impossibilidade radical que o verdadeiro cristão devia ter de andar triste.
Muita gente só recorre a Deus para lhe pedir consolações. Não ser desses. Não supor que Deus é um ((enfermeiro'>
universal. Procurar ser eu o c:onsolador de Deus! alegrar a Deus e mostrar-lhe, pelo meu entusiasmo e pela minha fé
a alegria que tenho de ser seu filho e já seu céu.
Antes servir a Deus do que servir-me de Deus.

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DIANTE DA VIDA 123

Antes alegrar a Deus do que csprrar que ele me alegre a mim.


Deste modo, cumprirei luminosamente o primeiro dos deveres que tenho para com o Senhor: a adoração.
fNDICE
Prefácio . . . .... ... ... ... ...
...
5
AvLos preliminares 9

Grandezas baptlsmals

J - Estado de graça ...


......... 15
2 - Sai, espírito imu·ndo! I7

43 ·-_ Cüstas Portador tania de Deus a levar! A . . . . • . . . . . . . • Zü 18

5 - Recolhimento .. . . . . . . . . .. . . . 22

6 -· O deserto . . . . . . .. . . . . . . . 24

7 -
!«:flexão santa ..
. 26
8 - Alva do baptismo .. . .. . .. . 28 9 - Ai, Agnelo, como te vais mudando! . . . . . . . . . ... ... . . . . . . 30 10 - Vida cristã aos eclipses .. . .. . ·
31

1 2 -II - O O beij.o castigo de da Judas lembrança . . . . . . 3634

13 - O cas.tigo do hábito 37

14 - Pecado grave . .. . . . . . . 39

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VIDA
126 DIANTÉ DA

15 - Cristão desassomlmlClamente 4 1 1ú - T u quem és? . . . ... ... ... ... . . . 43

17 - Progresso moral ... ... ... ... ... 45

18 Aniversário do meu baptismo .. . . 47 19 - O valor do tempo .. . .. . 49 :.:o - !Santidade a- baixo preço .. . sr

21 - Viver a minha fé . . . . ... ..


53

22 - Os meus direitos de católico 55

Foroa de vontade

23 - De pé . . . ... ... ... ... ... ... 59


2 f - Ser alguém . . . . . . . . . . . . . . . 61 25 - Querer . . . ... ... . . . . . . ... .. 63 26 - -Pouco
.
mas com pprsevE'rança 6s -;.7 - Diante ela
·

tentação . . 67 .

28 - As coisas, peq_uenas . . (,8 29 - Ter um fim em vista ]O


.

30 Fidelidade• n graça ...


-

72

78

3 t - Mediocridade . . . . . . . . . 74 32 - O prazer ,., . . . . . . . . . . . . 75


33 - o sacrifí!;io . . . . . . . . . . . . . . . 77 3 1 - Espírito de ofensiva .....
. :
. .

DIANTE DA VIDA 12 35 - Conquistar-me .. . .. . 8o 36 - Vontade . . .. .. 81 . . .

7
37 - Tenacidade . . . .. .
83
lll
38 - As desforras . . . . . . 8s
VIrtudes necessárias
-(:.! - Igualdade de carácü•r . . . 5 39.- Pusilanimidade . . . 86 40 - As causas difíces ... ... 88
41 O impossível .. . . . . ..
- . . .
90 .

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9 -IJ - Ser um convicto . . .
H - A experiência . . . . . . . . . . . . 98

45 - Espírito de justiça I OO
97

46 -· Sinal de mocidade . . . . . . IOl 4í Saber agradecer . . . . . . . . . IOJ

48 - Saber indignar-se . . . . . . . . . 105

49 - Amor efectivo . . . . . . . . . . . . 107 50 - Delicadeza de sentimentos . . . 109 51 - Prever . . . . . . . . . . . . . . . I LO

5.! - Os meios humanos . . . . . . . . . I12


53 - As acções ordinárias . . . . . . I L1
S·f - A confraria dos descontentes nó

55 - Tristeza e alegria ... ... ... I 17

56 - Dever de andar alegre . . . II9

57 - Graça e alegria . . . . . . ...... 121


Raú! PLUS, S. J.

Aos rapazes

DIANTE DA VIDA
(Segund·a Série)
(2,a edição)

Deveres de estado
Apostolado Incertezas futuro Festas e devoções

Edlçõo do cUniãtl Grafico•


Ruo de Santo Morto 48 l l s b o o - l'HS
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NIHIL OBSTAT

Olisipone, 10 Octobris 1945

Michael A. de Oliveira

I;MPRIMATUR
Olisipone, 13 Octobris 1945 t EM., C01rd. Pa.tria-rcha

PREFACIO
Hd fá alguns anas, por ocasião das bodas de prata do Grupo das fu ventttdes Católicas, de Saône-et-Loire
(França), um «novon, jala11do da acção relig;:Osa dos <<novos)), depois de se ter referido à sagrada
comunhão e aos re· tiros fechados, acrescentava:
HBasta ista? - Não. O homem só é forte, se reza e medita. Oração e meu ditação, eis o sinal de uma viàa
interior
plena; suprimi qualquer delas, e fica-vos uma vida interior nula ou esnacionária, sempre téril. Ai de nós,

jovens católicos que aspiramos a ser o escol, se não rezamos e se não meditamos/n
E logo a seguir - prevendo a obfeç._ ção: uMas não será pedir demms? A união com Deus é bom ideal para
quem vive sepultado num cl"usiro, não P«-
DIANTE DA VJD4.

ra quem goza da vida em cheio no mundo ... )) - ataca decididamen .. ·e as


vistas acanhadas dos que desejam um catolicismo umédion. Fala-se hoje muito em homens de quaZ:dades e apti
dões médias: . instrução média, fortuna média, inteligênci.a média, e até cato· licismo médio! O cetto é que «com tantas
coisas médias vamos a caminha da ruína)).

O que nós queremos, dizia mais o corajoso rapaz, é ser santos. Para isso, «Pedimos aos que o Senhor nos deu por guias: Exigi de nós
muito .. . Experi-
mentai fazer de nós santos! . . .n
Respondo à chamada, caro amigo! E já que não hd, como tzt muv:.o bem disseste, já que não hd santidade sem vida interior, nem vida
interior sem oração, ouso pedir-te, a ti, para quem a

me!.ania não basta, a


t, que sonhas s01thos de acção fecunda, um quarto de hora de oração todos os di:as. Não um quarto <de hora
de uma oração qualquer, de oração «Pelo livro)); mas um quarto de hora de oração pessoal, que brote.espcmtpnea de ti, do mais
fundo da tua
DIANTE DA VIDA 7

própria alma. Se quiseres e não puder ser de outra maneira, inspirada nas·
poucas linhas que vão seguir•se e orientada peo método que noW:ra parte te ensinei (1); mas sempre t'm quarto de hora de oração leal, sincera e
ardente.

Persevera e intensifica, pois quero crer que manejaste com proveito o an ter.'w fascículo. Os assuntos de que te vais ocupar agora não são
menos ím
portan.'es. Talvez o sejam mais.
Não digas que não tens tempo. É mentira! Quem procura sempre encontra, e se fôr tempo, então . . . Ora ouve como a:guém, obrigado a uma

hora de oração iodos os dias, se repreende, num retiro, das suas infidelidades: HEstou a pé dezasseis horas. E regateio a Deus a décima-sexta
parte do meu dia! . . . Pois quê? haverá realmente dezasseis coisas mais i mportantes? - e isto todos os dias . . . u Falava de uma hora. Para ti é
só um quarto, logo a sexagésima-quarta parte do tet' dia. E dizes que não podes?! . . .

(1) Ver os A:vi,oB P:rel.imi.u.,·es, 1.8 sérit-.


8 DIANTE DA VIDA

E mentira! Podes!
Experimenta. . . Disseram-me que ou• sasse pedir-to. E eu peço-te, suplicate . • . Lembra-te de uma coisa: Foi sempre
dos píncaros da contemplação que desceram os homens que abalaram o mundo.
,....-- Basta! não insista mais. Está de• cidido! Um quarto de hora, todos os
dias, para falar com Deus. Conte comigo!

IV Deveres de estado

ss.

1 440 minutos

Tantos são os que tem um dia.


E, de todos estes minutos, ·quantos tomo eu para pensar em Deus?
Uma revista da moda e que vaidosamen,te se intitula ttEnciclopédia da Vida prática>> diz que o homem, aos 70 anos, tem gasto:

3 ancs nos estudos,


8 anos em distracções,
3 -anos em alindar-se,
6 anos a comer,
5 anos a passear,
3 anQS a conversa:,
I ano no serviço militar,
II anos a trabalhar, 6 anos a ler,
24 anos a dormir.
12 DIANTE DA VIDA

E mais nada. Tempo oficialmente consagrado a Deus, nem um minuto! Vejo 8 anos para as distracções, 6 para as
refeições, 3 para conversas inú
teis . . . Mas para a oração, para o culto religioso, nadai
Eu bem sei que, para quem yive em estado de gaça, tôda e qualquer acção pode equivaler a uma elevação da alma
até Deus; basta que haja pureza de intenção: oração implícita, mas efecti· va. Não ,terá Deus direito a: alguma coisa
mais, a uns tantos minutcs do mEfu. dia (só minutos!) que Lhe sejam aberta, oficial e exclusi:vamente destinados? . . .
Sou constante nos meus exercícios de piedade?... Persevero :nêles, contra todos os obstáculos? . . . Dou-lhes a
atenção que merecem? .. .
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Examinar-me bem e ·refonnar, se p::eciso fôr, à luz destas palavras de Santa Joana d' A:-c: «Senhor Deus, o primeiro a
ser servido».
DIANTE DA VIDA 13

59·

Hei·de pôr sempre ·na mais pequenina das minhas acções o mesmo amor que nela poria a caminho do martírio

(Uma alma de vinte anos)

lt muito provável que não venha a


morrer mártir. Não que a era dos mártires tenha acabado; nãc· acaba nunca, e menos ainda em nosso tempo, em que homens sinistros
querem de morte a Jesus Cristo. Haja vista ao que se passou há pouco em Espanha. Mas é que eu - ai de mim! não sou digno de tamrunha honra:
dar a yida pela causa de Deus e da sua Igreja.
Mas suponhamcs. . . Se um dia tal i:.orte me coubesse, que sentimentos se:ia."'l os meus, ao dirigir-me para o local do supício? Como eu
quereria então fazer render todo o seu máx:mo a êsses poucos minutos fugitivos!. . . Ccmo eu desejaria então condensar tanto amor, tanto,
que compensas a Deus das
I4 DIANTE DA VIDA

infidelidades de toda a minha existência! . . . Como eu ambicionaria poder res. gatar, naqueles curtos momentos, faltas, inde:icadezas,
covardias de muitos anos!. . . Como eu desejaria então ter sido, como eu quereria tornar-me em alguns instantes o santo que Deus
reclama l . . .

O:a bem! o que eu desejaria naquele e para aquêle momento, desejo-o e quero-o para já ! Hei-de pôr na mai5 pequenina das
minhas acções o mesmo amor que nela poria a caminho do martírio! Ninguém pede de mim acções de espantar, não. Uma só coisa me
é exigi
da: ter grand.es intenções, grandes a raiar pelo infinito.
Encontro-me neste estado de alma? - Se não, trabalhar por isso.

6o.

Viverei como se hoje mesmo houvera d'e morrer mártir


Isto escre:via o P, Carlas de F ou-
DIANTE DA VIDA 15

cault (1) na primeira página do seu li· vro de notas.


Po:- conseguinte:
I.0 - Sempre em estado de graça, É a condição base, condição absolutamen
te indispensável e sem a qual todas as outras são, pelo menos, inúteis.
Ando eu em estado de graça?
2.0 - Fazer hoje tudo o mais bem feito que puder. - Como para morrer.
Preguntaram um dia a S. Luís Gonzaga, durante a recreação, que faria êle,
se viessem dizer-lhe que a morte o levaria dent:-o de poucos minutos. Pois . . . continuaria a jogar a malha, respondeu o Santo
com a maior naturali· da de.
Cumprir conscienciosamente o meu dever é realizar, no momento que passa, tudo o que Deus de mim quere. O
melhor emprêgo da vida e, portanto, a
melhor preparação para a morte, consiste em faze:- t)ldo bem feito.

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(1) Incomparável apóstolo do Hogg"'r, cuja bela vida, escrita por lt. Baz, é be.-u
digna de 1-se._

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16
DIANTE DA VIDA

Viverei como se hoje mes!lol houve:.


ra de morrer mártir. Para isso:
Farei todos os meus actos com o má· ximo de perfeição e ao mesmo tempo
procurarei dar-lhes o máximo de en· vergadura e de pureza de intenção. Ficarame na memória a$ palavras daquela
grande alma que dizia: ((Hei-d pôr sempre na mais pequenina das minhas acções o mesmo amor que nela poria a
caminho do martirion.
Eis o que faz as grandes vidas e o que merece, por vezes, as grandes mortes . . .
61.

O meu quarto

Bugigangas, muitas I bugigangas. . . Alguns quadros bonitos . . . e retratos de ugalãsn e de «estrêlasn. . . Palerma que
eu sou!. . . E queira Deus não andem aí perdidas (7) pelo fundo das gavetas umas fotografias um pouco ((ligeiras)) . para não
dizer de todo indecentes ...
Se sou estudoo!e, li_vros, Os da uú-
DIANTE DA VIDA I7

nha profissão presente ou futura. E out:os ainda. Sim, outros, mas quais? . . . Ora suponhamos que um estrange:ro, um pagão,
entrava à queima-roupa no meu quarto de estudante católico. Ficaria bem impressionado ao ver-me a braços com tais leituras?
Um excelente americano voltava de Lourdes na companhia de yários peregrinos e servitas. Qual não foi o seu espanto, é o
têrmo, ao :ver nas mãos desta ((fina florll dos cató:icos fanceses livros co::denados pela Igreja e postos no lndexl Atribuía isto a
ignorância... Será também o meu caso? ... Seja ou não, é um estranho ilogismo que tem de acabu quanto antes! E há-de acabar!. . .
Nem de outro modo eu compreendo agora um catolicismo ((integral)). . . Como é tristemente verdade que tenho querido fazer-me
crer que paganismo e catolicismo não são de todo incompatíveis! . . .
- Protesto! Não sou dêsses! Não há no meu quato nada de indecente, nem de imoral, nem mesmo de duvidoso l Parabéns· por
isso, mas vê que desor• dem I Cadernos papelada aos p:ton-
DIANTE DA VIDA

tes, pelas cadeiras, pe!os cantos; carni· solas a varre:- o chão; urna bota aqui, outra acolá; um estojo de desenho to
do entornado, que sei eu? . . . Sôbre a
secretária um crucifixo - óptirno! mas a servir de cabide ao bivaque . . . Urna estàtuazinha de Nossa Senhora, mas tão sumida no meio dos
livros . . . ao passo que ali, bem à vista e em tamanho quási natural, urna .:-eprodução,
aliás muito bem feita, do rato Mickey !. . .
Asseio físico, limpeza moral. Dize-me onde vives, dir-te-ei quem tu és. Nem sempre é verdade, mas é-o muitas :vezes.
Pôr ordem. Pôr em ord.em.

Fazer tudo com .alma

Isto é, e antes de mais nada, coon ntusiàsmo e valentia.

Só se faz bem o que se fa .;om to· do si-mesmo.


DIANTE l>A VIDA 19

Precisamente onde as circunstâncias ajudam menos é que é preciso dar mais.


Depois fazer tudo com espírito, Nem toda a gente pode ter o dom da ironia. do chiste, das boas saídas; mas não é disso que se
trata aqui (o que aliás se
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ria empregar a palavra num sentido que e:a em bom português não tem) . Então de que se trata? Nascidos da mistura, mistu:a somos
também: maA:éria e espí
rito, corpo e alma. Pois bem: que haja em mim, no que digo, penso e faço, o mínimo de corpo e matéria; o máximo de espírito, de
alma.
Ora, por exemplo, tais conversas de oficina, de escritório, de caserna, de recreio ou de quarto de estudante são tão
espessas, tão grosse.ras, tão pesadas! Que pouco vai de alma em tudo isso!
Tais canções, tais diversões, tais espe:ctáculos. . . como são «corpo'' , terrenos e rasteiros, falhos de ideal! Oh que
brincadeiras .tolas e equívocas, de sentido duplo e por isso mesmo sem sentido nenhum, essas que por aí vemos entre estudantes
e militares, rapa.ZleS de oficina e de escritório! É tudo terra-
DIANTE DA VIDA

-a-terra, baixo, material, sem ruida absolutamente nada, de espiritual.


De hoje em diante não admitirei nos meus pensamentos, palavras, leituras, diversões, amizades, etc., senão aquilo que alevaota. Fora com
•tudo o que rebaixa e degrada! Sursum 1. . .

Quantos anos tens?

18. .. 20. . . 24 anos . . .


Dêsses anos que Deus me deu, que tenho eu feito? . . . Na Guerra, um cape
lão quis averiguar a idade de uns atiradores senegaleses. - <<A nossa idade não na sabemos; mas já fizemos tantas campanhas». Bonita
resposta! O valor
da vida apreciado não pe!os anos, mas pelos actos ; não pelo tempo, mas pelas campanhas.
Quais teem sido as minhas campanhas? E os meus actos quais são? !Lê-se na missa de Defuntos: «Só as suas obra9 os seguirão». Hei-de ser
julgado não pelo tepo, que ti:ver vi:vido, mas sim pe-
DIANTE DA VIDA 2!

lo bom ou mau emprêgo que d tempo tiyer feito.

As horas da minha vida representam obras ou, pelo contrário, só servem de cobrir miseráveis nadas? René Bazin faz dizer a
uma das suas heroínas: ((Fui apenas triste semeadora de c:b: o· c::bos grãos». E eu, o g:ão com que te
nho vergastado o espaço tem sido grão fecundo?. .. Ou antes simples bambolear de mãos vazias ao vento que passa?. . . Em vez
de um gesto ((auguston e carregado de sementes, - um gesto ca· duco e sem importância! . . .
E queira Deus não tenha sido para as terras vizinhas um louco semeador da ,maldita c:i: zinià I . . .

As minhas mãos

Gua:da-se, no Museu de arte antiga de Bruxelas, um quadrozinho extremamente curioso de Van Dick. Q ilustre

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2:l DlANTE DA VIDA

mestre deixou nêle pintadas oito mãos,


tão expressivas como oito rostos.

Que belo tema para reflexões salutares: as minhas mãos I Sou trabalhador manual? . . . mãos calejadas .e abençoadas por Deus, como
as de José, o carpinteiro, se como êle aceito e ofereço o meu la bor quotidiano. . . que mostram sêdas e flanelas, arrastam fardos ou folheiam
livros, se sou empregado de a::mazém ou de escritório . . . que se;suram a pena, se me destino à carreiras liberais . . .

Mãos puras sempre, não é verdade?


Mãos dirgentes e que não se recusam ao trabalho.
Mãos sábias e mãos a1'tistas.
:É prciso saber fazer com <Cengenho e arte., tudo o que se faz.
Lembrme agora dêsses mutilados da Gue::ra, a quem um estilhaço d:J obus Ievôu uma, as duas mãos. Oh a dita d.e ter as minhas
mãos I poder movê-las! servir-me delas! . . . E se as não tivesse? . . . Obrigado, meu Deus, por terdes com vossas mãos divinas torDIANTE
DA VIDA 23

Jleado e dado vida às mnhas mãos humanas!. . .

Mas ainda outras mãos s e veem prender às minhas recordaçõ. . . as mã!)r. traspass·adas de Nosso _Senhor na cruz! Que
enternecedora história a delas! Mãozinhas acarci3doras de Jesus no presépio, amorosamente cobe:tas de beijos por
Maria; mãos labu·riosas de Jesus operário, enriJecidas no manejo da enxó; mãos apostólicas a semear o bem, a dar vista aos
cegos, ouvido aos surdos, a ressuscitar mortos, a multipli
car os pães, a debulhar espigas para matar a fome, a escorraça: os vendilhões do templo; mãos eucarísticas do Cenáculo e de
Emaús; mãos eosan· guentadas da crucifixão, que estremecem de dor e de amor às pancadas sêcas do martelo mos cravos!
Mãos benditas de Jesus, intercedci por mim ao Pai, vinde em meu auxílio, mostrai-me o vosso Coração, guar dai-
me nêle!
24 DIANTE DA VIDA

Iniciativa

Iniciativa é o fruto natural de uma vida cheia e rica, a expansão regulada de uma actividade a transborda::.
Expansão regulada, - de contrário não será in:ciativa, mas temeridade.
Carnegie, o futuro milionário, é, aos quinze anos, simpes ajudante de telegrafista numa estação de caminhos de ferro. Chega-lhe a notícia de
descarrilamento na linha. v logo as conse
quências e toma sôbre si o encargo de transmitir as ordens necessárias pa::a a boa regularização do serviço. O chefe de Carnegie vem nesse dia
com um atraso de duas horas. Encontra o mJ.l reparado, não diz palavra, como bom americano qu·e é, mas o futur<;> de Car
negie fica· assegurado desde êsse momento.
E para lamentar que se possa esc::ever sem grande mentira: ((Ensina-nos uma triste experiência que. estas duas palayras são incompatí,veis:
iaicijttiva DIANTE DA VIDA 25

e honradez. As ptssoas honradas apoiam raramente os esforços que se fa. zem para as salvar; é grande milagre,
se os não contrari;;l.m; proyocá-los, isso nunca (lJll,

Não ser dessa pob::-e gente. Um bispo


- um americano outra vez - esco
lheu a seguinte divsa: Hto dare and to do)), isto é, ousar e realizar.
Não há melhor programa, para quem souber :ver claro e ser prudente.
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66.

Competênci profissional

É muito expressiva a lenda de S. Materno e os carpinteiros,


O santo faz por ser bem acolhido dos

(1) Vogué. - Ollé Laprune, no prefácio


de Prix de !a Vie, livro para se·r lido e me
dita>do por todos o que ainda tiverem o hábito das leituras sérias, d:z o mesmo por outras palavras : uM uit as pessoas de bem não se opõem a
que as levem, porque,
para irem sem ser levadªs, é preci119 sofrer.n
2L úlANTE DA VIDA

simpáticos trabalhadoes. Estes recebem-no com um risinho de mofa, embora cordialmente, e chegam mesmo a
ofcrecer-:he de beber·. Mas, quando êle
procura evange:izá-los, o ruído das serras e o arrastar das plainas abafam
-lhe a voz.
Assim acontece em muitas oficinas, escritórios, pontos de reunião de gente moça. Bons camaradas, enquanto
quiserem. Proselitismo, nem fala: disso.
Então, cootinua a le:1da alsaciana, um carpint eiro ainda novo que tinha entrado para o serviço essa manhã, adianta-
se e diz: HPor que vos rides do
velho?n Olham-no todos com espanto e preguntam: HTu quem és?n - HO que sabe fazer tudon. E vá de esculpir um
formoso capitel, tornear um pé de mesa, etc. - «Na verdade, tu, que traba lhas tão bem, és o mestre de todos nós! O operário
forastei:o explica-lhes que era realmente o mestre de todos êles, porque era Jesus Cristo, o filho de José. E S. Matemo, daí por d:ante,
foi sempre bem recebido dos carpinteiros.
Apareçam entre a gente de trabalho, DIANTE DA VIDA 'l.J

mais zombetei:a que ho::;til, belos exemp:os de comp;:Hncias pnfiss.on·ais, que sejam ao mesmo tempo autê;:Jticos valores sob o
ponto de yis.a religioso, e o futuro será deles.
Quem trabalha aprecia sobretudo um trabalho bem feito. Se virem que eu «sei fazer tudo bemH, ter-me-ão e.;tima. E quando
alguém é estimado, pode dizer o que lhe aprouver, que será sem
pre ouvido.

ier um prufiss·onal eminente , para com ma:s facilidade chega:: a ser após· tolo.

Nos negócios, como em tudo o mais, não se pode prescinir de Deus


(CarlOs Nicaise)

Sem çonsciência não há seriedade nos negócios; não há consciência nos negócios sem temor de Deus.
Nos domínios da :vida intelectual ou familiar, ainda compreendem muitos

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20
DIANTE DA VIDA

que Deus tenha o seu lugar e por isso poucos se recusam a dar-lho. Na yida social e pro[ssional já é coisa mais rara. Há o sector ((Deusn e o
sector ((negócios» e entre um e outro a penet::ação é nula. A moral, para muita
gente (e quem diz moral diz re;igião) , nada tem que yer com a fabricação de um par de sapatos, a reparação de um automóvel, a combinação de
um arrendamento, um contrato de trabalho, eté . .
Se se quere dizer que o objecto di· recto da moral (e da religião) não é in
trometer-se nestas realizações materiais, está certo. Se se quere dizer que transsacções, contratos e quaisquer emprêsas escapam á moral e
não precisam d ser reguladas pela justiça, um .êrro monstruoso.
Admitir a Deus nos negócios, equivale a ser sempre consciencioso, a não
mercadejar senão com produtos hones. tameote fab:icados, honestamente pesados ou medidos, e cujos preços foram honestamente
tabelados. Neste sentido, é verdade o que alguém afirmou,
DIANTE DA VIDA 29

que uhá uma cristã maneira de fabricar o pãon - e que ua segurança nas es·

tradas é directamente proporcional ao número de condutores que teanem a Deusn.

Resolução: Ser sempre consciencioso no meu trabalho e nos meus negó. c:ios.
68.

S·e houvesse muitos como você, poucos haveria como eu


(Um revoltado ao se:q superior)

A estú.p'da bruteza de certos chefes não basta para explicar a questão social, nem muito menos . .Out:as causas eJiistem: as
circuonstâncias especiais da ida do operário, a falência ou mau empJ;"êgo de instituições existentes, o enfraquecimento do espírito cristão, etc . .
Em todo o caso, as palavras que servem de epígrafe a êste capítulo, ditas por um marinheiro revolucionário ao se!l çqmandante, p1erecem
J:>em uns
DIANTE DA VIDA

minutos de reflexão. Calmo, dedicado, firme mas sem ar:ogâncias, conseguiu êste, a pouco e pouco, trazer aquê:e ao sentido e ao gôsto da
disciplina.. São os homens que acreditam ou desacreditam as funções.
«A questão social, dizia Leão Harmel, é uma questão d-e boas manei· ras». E Fénelon: ((Avilta-se a justiça, quando dela se
escorraçam a amabil:dade, as boas maneiras e a condescendência; equivale a fazer mal o bemn .

nos
As boas maneiras explicam muita coisa. São lubrificante eixos e en
grenagens da máquina social; são essa coisa admirável que, sem suprimir de
todo as distâncias, tem o condão de as aproximar e de nivelar os barrancos ent:e elas cavados, faz esquecer que há superiores e inferiores, torna
insensíveis
as desigualdades e estabelece entre todos, a-par de um grande respeito mú
tuo, vivos sentimentos de familiar afect, o qual, por sua vez, toma a obeDIANTE DA VIDA 3I

diência agradável e fii,cil o erçício da auforidade.


6<).
Lus sôbre o candelabro

O homem esconde os defeitos próprios debaixo do braço; quando o levanta para mandar, os defeitos fioam à vlsta de
todos. Assim :eza um provérbio árabe.
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Respongabil'dad:e de quem, a qualquer título, se encontra investido em autoridade. Noblesse oblige.
Não há •nada mais odioso do que aspirar alguém a um cargo e não se munir das virt;udes que se reclamam para o
seu bom desempenho.
Livremo-nos de pôr a luz debaixo do alqueire e, se a temos em cima d o candelabro, seja o seu resplendor sem que
bra e sem desfalecimento.
R,equerem-se mui:as virtudes para obedecer; são p:ecisas muitas ma:s qua
liçlades pa:à. mandar.
Hoje e!ll dia sobretudo, em que a menor parcela de autoridade logo des-
DIANTE DA VIDA

perta invejas, em que o mando é odiado e repelido ainda antes de se ter mostrado, mais vale que se abstenha e desapareça quem não fôr
capaz de juntar, no exercício de qualquer cargo, um tacto, um carinho e um desnterêss
mais que ordinários, uma energia calma Únida a uma bondade corajosa, in
teira compreensão das almas, das suas necessidades, dificuldades, susceptibilidades . . .
Já passou a hora - se é que licitamente ela pôde alguma yez existir -das ordens arrogantes, dadas sem delicadeza nem amor, a hora em que
as situações invejáveis eram ocupadas por quem nada cuidava da sorte de seus ir
mãos menos protegidos.

70.

As responsabiHdades de um nome
O pêso de um emblema
O homem, pelo facto de pertencer a uma certa família, a detenninado grupo
DA VIDA
DIANTE 33

ou asso_ciação, deve persuadir-se de que as suí[S responsabilidades· ultrapassam em muito as que teria individualmente considerado. Todo o

bom nome da família ou Ç.o grupo lhe pesa sõbre os ombros . .E não deverá fazer seja o que fôr
sem ter isso em conta. Da própria sombra é que ninguém consegue desligar-se. Da mesma forma ninguém pode liyrar-se da sua auréola.
Congregado de Nossa Senhora, membro de ·qualquer secção da J. C., filiado da M. P., da L. P. (e não é sem um vivo sentimento de carinho e
de orgulho que eu escrevo estas maiúsculas) , sou-o sempre, em toda a parte em to· das as circunstâncias; logo, sempre e em toda a parte e em
todas as circunstâncias hei-de proceder como membro do grupo ou organização a que tenho a honra de pertencer.
Não ter espirito de fac:çll levado ao ponto de não reconhecer os méritos das
outras associações boas, diferentes da minha. Exclusivismo, nunca, em nada. Mas aqui ainda. meno:;! ql.!e DQU coisa qualquer.

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S4 DIANTE DA VIDA

Ter espírito associativo levado a tal grau, que nunca a mais insignificante das minhas acções ou das minhas pa· lavras possa
lançar o descrédito sôpre o grupo a que pertenço._

71.

A minha paróquia

Faço parte de um ·agrupamento ne· cessário na Igreja de Deus: a minha .Paróqu·a. O Concílio de Trento, para melhor assegurar a
salvação das ahnas, mandou que os bispos dividissem as dioceses em paróquias, e que cada uma destas tivesse o seu santuário: a Igreja
matriz, e o seu pastor: o pároco.

o cristão, além da fonte baptismal, em que pe· quenino recebeu a vida divina, a m·esa eucaríst'ca, onde
Na Igreja matriz encontra

poderá :eceber quantas vezes quiser todos os dias, se bem compreendeu a sua fé e os desejos do Senhor, - o J>ão Viyo que o
-

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·DIANTE DA VIDA '35

há-de ajudar, mais que qualquer outro remédio, a yiver vida <<divina)).
Na Igreja paroquial se ley3Jntam o altar do sacrifício, com o jncompreen
sível mistério da Santa Missa, o púlo pito, de onde se me distribui a palayra de Deus._ e, se--eu tive a infelicidade de perder a graça, ou se
tenho precisão de um conselho na yida espiritual. lá vou ainda p::ocurar o wufessionádo.

Vantagens para m!m em frequentar as práticas religiosas na igreja paroquial a que pertenço, porque só assifi1 posso
tomar contac:to com a vida geral da Igreja e com as suas pessoas, sua:; obras necessidades.
Vantagens para os próximos. Dou
-lhes bom exemplo. Não basta ser cristão só para mim, no meu fôro interno. Devo -lo para todos e diante de todos. Devo ajudar os meus
irmãos, na medida do possível,. a perseve::arem na fé e a praticarem-na sem rebuços. Podia citar exemplos de homens em inentes, modelos
acabados de espirlto pa:&> quial.

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36 DIANTE DA VIDA

o
Examinar-me nestes pontos: amor da paróquia, relações com clero dela, auxUio às suas obras, numa palavra. espfrito
paroquial.

A Confissão

Se não fôssem a confissão, a castidadt>- e o inferno, a Igreja Católica não teria inimigos.
Eu que, por mercê de Deus, pertenço à sua Igreja, tenho pela confissão o respeito teórico e prático que êste admi
rável sacramento de mim pede?
De que me serviria o baptismo, o sacramento que me fêz <<divino», se eu, pela · yida fora, não encontrasse uma instituição,
wn rito capaz de me pôr a bem com Deus, de me restituir os te·
souros sobrenaturais perdidos pelo pecado? O baptismo, por mais belo que seja, seria, sem a çonfissão, pelo menos inútil.
Afortuna.damente, te$Q confissão.
DIANTE DA VlDA

Se pequei mortalmente uma :vez, posso recuperar a graça; posso recupe::á-la


dez, cinquenta, cem yezes. se outras
tantas tivesse a infelicidade de a perder.
Mas (! preciso
acusar-me e isso cus ta. Ora aqui está por que os nossos ini
migos não podem ouvir falar de confissão. Bem sei onde lhes dói e o furor
dêles já me não impressiona!
Se é certo que reconheço a origem divina e até os bons .fundamentos humanos da confissão, recor::o eu a ela confonne as prescrições da
Santa Igreja e as necessidades da minha alma? Se caio em culpas graves, também sou dos que ficam muitos dias sem receber a
absolvição? Onde está a lógica?_

Se tenho a dita de habitualmente vi· :ver em graça, sou constante em procurar com regularidade o confessor, para. dêle receber
as luzes e as directrizes neeessárlas?
38 DIANTE DA VlDA

73·
Como se há..d. e ouvir a palavra de
Deus Savonarola !1) comparava os que lhe ouviam os sermões à pardalada das tôrres, Quando oqvem o sino pela

primeira yez, fogem às sete partidas; depois vão-s- e aéostumando ao ruíd o e por fim já nem se mexem.
Muitos homens também, a primeira yez que ouvem uma yerdade que mais os impressiona, enveredam por bom caminho; mas depois
famJiarizam·se e pode o sino badalar à vontade, que no consegue movê-los.
Se eu tivesse tirado fruto de todos os sermões ouyidos, bem podia já ser santo!

Depois do Pentecostes, S. Pedro pregou um sermão. Resultado: t:ês mil convertidos. Por que é, então, que três
mil sermões não conyer:tem hoje um pecador?

(1) Dominicano, a.póstQ!o de JD,óronça do, fin d9 skulQ :x;v,


DJA,NTE DA VIDA

Foi o Espir:to S·anto que mudou? ão. O pregador é que não tinha defeitos?

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25
Acredito que tivesse graças es.peciais, mas, humanamente, era um estilista, um orador? E, sobrenaturalmente, não está ainda bem
perto a negação e a reprimenda que Nosso Senhor lhe deu?

A diferença está sobretudo no ouvin= te. Em vez de ir para me julgar, vou


só para julgar.
Antes, que procuro eu saber? Quem prega e não de que vai pregar.
Depo:s : como é. que .êle pregou; t) não: como o hei-de aplicar a mim e pô
·lo em prática?
Lembrar-me a-miúdo de Savonaroln e dos pardais .
74-
Se todos soubessem a importância.
que pode ter um bom conselho nesta i·dade be,ndita dos vinte anos!
(Payot: E (la .Eon,t!lde, p. 259)
Ninguém melhor que êste professor da Soroona, grande defensor. e propa· 40 DIANTE DA VIDA

gandista do ensino laico, pregou a necessidade que os jovens teem de um di· rector. Se a Universidade, disse êle, usurpasse à Igreja Católica
tudo o que a esta prodigiosa instituição tem sugerido o conhecimento do coração huma· no, seria a Universidade que, sem :possível
contestação, governaria a alma da juventude. E ac,onselha os seus professores laicos a alçarem-se a padres espie rituais ! ...
Não tenho sentido tantas e tantas vezes a necessidade de me abrir? ...
Pois é a êste imperativo d a alma humana que a Igreja acode com a direc· ção de consciência. Se nunca experimentei tal necessidade, é
sinal evidente que maio:- precisão tenho de me abrir, de revelar a outrem as minhas aspirações e ,tentações, as minhas vitórias e as minhas
derrotas.

O homem que va-i NVir-rne de €on· dente, sei-o bem, não é um homem qualquer. Reveste-o o carácter sacerdotal. Tem de Deus a
missão de dirigir e de ensinar . . .
:{er um confessor. quanto possíyel
DlANTE DA VIDA

ÜX(,), que seja ao mesmo tei!lp::> c meu director espbtual, isto é, um sacerdote a quem eu não diga só as faltas, o mal que faço, mas o
bem que desejo fazer e as dificuldades que nisso encontro. Ser com êste director i,nteira e sobre· naturalmente leal.
Examinar-me e tomar as resoluções que o caso pedir. Não esquecer nunca que é êste um dos pontos capitais da
minha vida espiritual.

75·

Os amigos são u·ns ladrões do tempo!


Quem é que escreveu isto?
Um misantropo? ,...- 'Talvez, e .então o melhor é desp::-ezar-lhe as palavras. Talvez alguém da família daquea ilu:r tre. matro11a. do culo
XVIII, que di· a: «Honram-me Os que me ve visitar: alegram-me os que nunca aparecemn,
Ou talvez alguém que apreciava o
tempo pelo seu justo valor e sabia ver
4'2 DIANTE DA VIDJI.

a futilidade de ta;ntas conversas, nos mexericos dos clubes -e dos cafés, nas alcovitices dos soalheiros. Quem sabe

se, nestes minutos que eJ.L para ali vou perder, muLtidões não esperam pela minha intervenção, o meu futuro lar (ou outro qualquer estado
a que Deus me chame) não me. solicita o esfôrço? Quem sabe se Deus não requererá o nieu trabalho, a minha oração? . . .

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Quantas vezes me tem apetecido dizer aos amigos: «Se voz apraz perder o vosos tempo. ao menos não o façais perder aos outros»! Mas o
certo é que, até ao fim do mundo, todos os que querem trabalhar hão-de aguentar com as co::das vocais sempre em acção dos preguiçosos
inc:orrigiveis e J:nguaru· dos.
Há um provérbio que reza otSim :
Deus me livre dos meus amigos; que d inimigos me livro eu. Mas não exa.· geremos. ProcuremOs na amizade o que

Deus quis '{zer dela: o mais agraqável passatempo do homem. de imenso proveito a conversação entre a1mas
DIANTE DA VlDA

grandes que se compreendem. Mas há amigos e amigos . . .


Guardar os bons. Os outros pedir a Deus que me liv:-e deles, pois é dos que fala o provérbio. Se fizer uma pequena limpeza, o

rendimento será de cem por

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27
v

Apostolado

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Se me pregu-ntassem em que época mais desejaria ter vivido. . . agora! (Montalember)

Dizia uma outra vez: uSe me fôsse dado escolher um período da vida de Cristo, para o acompanhar, escolhia as ho ras em que o Senhor
subiu ao Cal· vário».
No fundo, são palavras idênticas. Agora e nas horas em que o Senhor subiu ao Calvário, dizem a mesma coisa.
'Pascal escreveu: uCristo ficará em agonia até ao fim dos séculosn. E Mons.
Gay: uÉ fora de dúvida que, se Jesus C:isto voltasse ao mundo, seria logo

crucificado, tal qual como da primeira vez!!!.


48 DIANTE DA VIDA

Tempo ·esplêndido para yiver, êste, em que são precisos a Cristo valentes defensores!
Fora com esses rapazes que se resignam a, «não fazer nada, sem sabe:em
nada a fundo, roem serem capazes de prestar um serviço ao seu semelhante!>) escreyia ainda Montalembert, aos 17
anos; e estabelecia o seguinte pacto com o seu amigo Cornudet: «Üs nossos costumes hão-de ser isentos de tôda· a mácula; praticaremos
abertamente a religião e devotar-nos-emos ao culto da liberdade!>)
Gos!o disto, e meto-me na conl

77-

Deus espalha, em todos os tempos, precursores pelo mundo


(P. de Tou.rvi1le)
Saber adivinhar o futuro, para poder preparar o futuro. Como é que se há-de preparar o que não se prevê? Poder é, antes de mais
nada, :prever. Serão ho• je poucos os preçu;soresl

DIANTE DA VIDA 49

Chamam, às vezes, homens da van· guaJda, aos espíritos aventureiros, unicamente apostados a potar abaixo o passado só por ser o
passado, e sequiosos de futuro, só por ser o futuro. Não é dêstes precursores que n<)s queremos! Não há melhor ajuda, na preparação do
utu:-o, que o conhecimento do passado e uma certa utilização das ensinamentos e experiência dele.. Mesmo assim, entendemos que o
futuro. nos reserva ainda muita surprêsa e que no:> será preciso aprender imensamente mais do que já sabemos.
A vitória pertencerá àqueles que souberem adivinhar hoje o que há-de ser amanhã, e que, desde esta hora, se
aplica:em a realizar efica'zmente o que será êsse amanhã, o que quiserem que êle seja!
((Vivamos no presente, dizia o mesmo Touf'Ville noutra de suas obras, vivamos no presente como homens vindos do futuro».
Era neste autor um pensamento . familiar; pode ser para mi wn pensamento fecund9.

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DIANTE

50 DA VIDA

«Quando uma idéia deixa de entusiasmar os novos, escreveu alguém, é que está prestes a sucumbin> . Enc:ber· -me de santo
entusiasmo rpo:: tôdas a:; idéias que eu quero que vinguem, e que hão-de vingar, por mim e pelos rapazes da minha idade:
desenvolvimento são da família e sua protecção segura; liberdade amável, embora condicionada, para todos, num Portugal livre;

autoridade sólida e responsável nos go· vernantes; lugar soberano dado a Cristo, onde quer que lhe pertença; triunfo da ca:idade e da
justiça, por sôbre as ruínas do velho sectarismo fedorento!. . .
Fazer um rol de tudo o que quero ver mudado daqui a dez anos. E ir,
desde já, realizando, com outros, tudo o que estiver na nossa mão . . .

À descobrta de mundos novos . . .

Um jornal apresentou esta pregunta aos seus leitores: <Se ainda tiveSSe a genuidade de pôr c:>S sapatos na cha-

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DIANTE

DA VIDA 5I

mné, na noite de Natal, que desejaria mcontrar lá dentro?>>


Alguém respondeu: Ilusões I Distingamos. Uma coisa são as ilu puras quimeras, e out:a os nobres rasgos, que a gente -bem
anichada na ma alcunha de ilusões e que são, na realidade, clarividência mais pe netrante, vista mais aguda, yontade mais ar· dente.
Se o nosso Gama se tivesse demora· do a ouvir as <<sábias reflexõesn do vêlho do Restelo, pode muito bem ser que a índia nunca
fôsse portuguesa. Mas não, marchou sempre, e a «voz pesa. da» do «descontente» levou-lha às naus, como um eco longínquo, a )>randa vi·
ração do Tejo.
Andam para al tantos «vélhos de aspeito venerando)), a apregoar um «sa.·
ber só de eperiências feito>>, sem nun· ca te:em largado das <<praias>>, nem saldo de <<entre a gente>>!
Pois bem, as palavras . dos resmun· gões ouçamo--l:as . n<Ss tatnbém já c<no
maf)),

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DIANTE

.52 DA VIDA

uPor nos não magoannos ou mudarmos do propósito firme começadon.

Deixá-los falar e sigamos a nossa estrêla I


79·

ts tu o que há-de vir?

Um dia, os judeus, vendo S. João


Baptista a fazer milagres, preguntaram-lhe: uTu é qUe és o Salvador que há-de vir, ou ainda será preciso, mais uma vez, dirigir
para outro a nossa esperança?n (ll
Ao contemplarem-nos a nós, os Jovens, muita gente se pregunta: uSerão estes os redentores? Trarão les na sua bagagem
tudo o que é mister para reergur e sustentar o prestigio da Igreja em nossa Pátria, para repor a C:isto no lugar que lhe compete
nesta sociedade combalida? .,...., Ou antes, como
milhares de outros, não passarão tam
J?ém .te. e iáyeij roi ...»

(1) Mo.th. XI, 3,

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DIANTE DA VIDA .'53

No prlncípi'l das guerras da Vandea, camponeses :vão ter com um rapaz de vinte anos a,penas, Henrique de la
Rochejaquelin: «Dizem, Sr. Henrique, 1ue vai partir pa::a a cidade, Pode lá ser, deixar-nos a nós a batalhar sôzinhos? Venha
connosco! Todos o querem e o esperam! 11
___, Acompanho-vos! replicou. E, chefe- improvisado de improvisados soldados, arengou-lhes desta sorte: «Não
passo -de uma criança, mas hei-de, por minha coragem, mostrar-me digno de ser vosso chefe. Se avançu, segui·nie ; se
recuar, matai-me ; se morrer, vin· gai.-me l. . .»
Jt grande, muito. grande, sem dúvida, a desproporção entre a obra gigantesca que trazemos entre mãos e a mi
nha humilde dedicação!
Começar por só fazer o que puder, tudo o que puder, sem barulho, sem pressas, sem perturbação, mas com serenidade, com
cuidado, com amor, como se nwa mais houvesse que fazer e só isto remediasse tp.do.

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54 DiANTE DA VIDA

E terei feito, pela minha parte, tudo o que me pertence. Haja vinte, ha
ja cem, mil, milhares a proceder assim, e estamos salvos!

Ser a primeira das células que hão-de refazer o tecido desagregado.

8o.
Que são vinte anos?
O heróico aviador Jacques d'Arnoux, ferido gravemente em 1917, escreveu
nas suas Paroles d' un Revnant. W , rupós cinco anos de hospitais:
uTua vida será breve; mas deve ser
cheia. Que são vinte anos? Há dez, partia eu para lanceiros 12 ... :E quê? Duas vezes isto, e terá acabado. . . Eis-me an
te o meu Criador. Que rosário de almas lhe poderei apresentar?"»

Brevidade da vida e rendimento da vida.


8Nvidade. Tenho dezasseis, vinte, vinte e (].uatro anos. Isto é, não os te-

(1) Nunca. será demªia encarecer a lei


turt dêste liyro.
DIANTE DA VIDA

!lho . . , Já passaram. Caíram, para todo o sempre, na ete:nidade de Deus. Meu,


meu, só tenho êste momento que passa. E é tão curto, tão frágil!. ..
Estes anos duplicados, talvez mais, talvez menos, e aparecerei no tribunal do justo Juiz . . . Quê? Já? . . .
E que contas lhe darei? Rendimento da vida ... Quando Nosso Senhor vier à terra, para julgar oS homens,
pregunta a Escritura se encontra:á mais caridade.
Encontrará, pela acção pessoal da minha vida, mais amor de Deus, mais caridade entre os homens?.
Encontrará,. graças ao meu esfôrço. aumento de fé sôbre a terra, deSenvolvimento do espírito religioso?
Se não, pa:a que seryi eu? Na hora que passa - e sempre - ninguém tem o direito de salvar-se sozinho. Que
rosário de almas terei para a,presentar ao Senhor? Quem sabe, ai! se o que levarei não será uma lista das que
ajudei a perder?... E onde estarão as almas que de\-ia ter encaminhado para o bem e pa,m o céu? Eram !
antas! ...
6 DIANTE DA VlD

Vida · c:beia-, pa::á mim e pará. ·e>S ou; · tros.


8r.

Um grande pensa•mento da juventude realizado na idade madura . . .

Q marechal Foch gostava de recordar que fôra numa sala yizinha daquela em que trabalhava, quando, em 1871, fazia os preparatórios
para a Escola Militar de S. Ciro, que Ba2;é!-ine, com os seu'> oficiais, assentara na reüdição de S. Clemente de Metz. Drsde êsse dia,
nasceu nle o propósito de vingar mais taroe a honra da França ultrajada.
Montalembcrt, m 1830, vê arrear as cruzes dos montlll11Jntos públicos., vê formarem-se odiosos cortejos, para· arrastar pe;.as mas
os crucit.ix0, antes de lançá-los ao Sena. Era de rnai:s! E pomete-se qr;P., um dia, pelo seu esti\· ço e por sua dii.gênch, liberdade

raperará os direito;; e Ctisto o !)eu lug,r.r.


Felizes os insatisfeitos I Benditas as
almas feridas, quando a insatisfação é
DIANTf;: DA VIDA

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55
desta natureza ·e a ferida dte calibre! lal hajam os que, ante as piores vilanias, ficam insensíveis, e não estremecem, e não tomam
ousadas resoluções, e não mudam de :vida, nem a orientam no sentido que lhes pede o prestígio das causas santas que :viram
vilipendiadas!
Dizem que Hindembu::go conservou sempre um relógio que, aos 18 anos, lhe dera a raínha da Prússia, cujo pagem era. <Ni por
êle as horas na batalha de
Sadowa, na batalha de Sédan, na cerimónia de Versalhes, em que o meu rei foi coroado imperador da Alemanha; não me deixou
em 1914, nem depoisu.
Acostumar-me a ver as horas pelo rr.Jógio dos meus 18 anos!

82.

Ai daquele; que não levar em seu coração alguma coisa de grande!


Isto é: ai daquele a quem não ata. nazam nobres, imensas· ambições I Há duas catego::ia5 de homens: há os que não vem
nada, quero dizer, aquê-
58 DlANIE DA VlDA

le5 para quem os prime.:ros planos toma:m tamanho vulto, que de todo encobrem as .perspectivas. E para a:lém da sua profissão, do prazer
egoísta, do
próprio eu, não enxergam nenhuma saída, nenhuma a:ber4,, nenhuma luz . . .
Há outros, para quem os primeiros planos também existem; mas só lhes dão a importância relativa conveniente e, para lá dêsses p:imeiros
planos, sa
bem ainda descobrir maravilhas.
Antes de mais nada, sem dúvida, a profissão, os deveres de estado, as ocupações do momento. Tenho de me santificar na e pela minha
vida de toçlos os dias, e não à margem da minha exis· tência quotidiana. É evidente que não devo prescindir das distracções legítimas
necessárias à minha idade, à minha posição social, até mesmo ao rendi

mento do meu trabalho. Mas, para Já disto tudo, descobrir ainda:


- As almas em que Deus não vive.

- A sociedade que desconhece ou despreza a Jesus Cristo.

- As mult"dões que falsos proietas arrastam ao despenhadeiro.,


DIANTE DA VIDA

tArdo de zêlo santo, quando se n1e


abrem ante os olhos estes largos horizontes, que reclamam apóstolos?
Também levo em mim a esperança de um mundo novo e a vontade firme de ser um dos seus mais estrénuos cabouqueiros?
Bem-aventurados os que teem e! . . .

Que sofrerão os mais com istol

Ontem andei de eléctrico. Rigoroso inverno. Em cinco paragens consecutivas, saiu gente. Nem uma só alminha pensou em fechar a
porta atrás de si! Desciam; que lhes importava quem ficava?

São :aras, muito raras as pessoas que em tais circunstâncias - e numa infi
lllidade de muitas outras - pensam no próximo antes de pensar em si. Sai-se do combóio. Os amigos estão à espera . Abraços, apertos
de mão, passagem obstruída para quem precisa de seguir viagem. Mas nisto não se pensa . . .
6o D!ANTE DA VIDA

lt ·-claro que não se faz de propost·


to; Não se repara . . . Falta, como se diz,

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de tacto social, dêsse Hsentidon, feito de caridade cristã, que leva sempre a prever as consequências pa:a os outros de tudo o que
determinamos ou executamos. Quantos pequeninos dissabores -
e grandes - não sofrem os próximos, só por falta de reflexão nossa! . . .
Não pensava nisso. . . Pois, agora, pensar nisso. Dar-me conta das conse· quências dos ineus actos. Muito poucos as não tem. E
não é uma na que eu, que tanto queria fazer bem, ser preStável, consiga apenas arrefiar os

que me cercam? E . só por não reflec-


!ir! . . .
Exame muito sério sôbre êste ponto.

Os sítios por onde se deixa o coração nunca nos parecem tristes


Fulano dá-se todo a tal obra. O primeiro a beneficar do se)l apostolado é e pr6ptic>.
I;IIANT DA VIDA

Entregando-me eu a procurar o bem do próximo, o próximo mais p:-óximo que sirvo é a minha própria alma,
E, aléin dos merecimentos que lbe granjeio, asseguro-lhe a posse da :verdadeira alegria. Sente-se alegria em re
ceber. Muita mais em dar. Por que será que nas· casas das Irmãzinhas dos Po
bres se notasempre Uliila alegria tão natu:al e tão profunda? .Jt porque não se reserva nelas absolutamente nada; tudo é para dar.
Portanto, dar. Espalhar, a mãos cheias, a minha dedicação, a minha iniciativa, os humildes serviços que oferece:- posso. Mas
não 5eja só no fito de
obter um salário de alegria, p.ma satisfação (notar os dois sentidos) , uma satisfação compensadora. Seja, sim, para provar a
Deus e aos próximos o meu muito amor; receber a alegria que, naturalmente, daí me há de :vir, como dom gratuito de Deus, a quem o
-

devolvo, ,IlUID iiilfinito louvor.


Buscar precisamente os trabalhos em que posso prestar maior serviço, de que posso perar maiores sauifícios. · De

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57

DIANTE DA VIDA

um apóstolo de leprosos, alguém disse: «Quem vai ao encont:-o das almas em tais corpos, por certo que não procura senão
almas)).
Preferir os apostolados que SQ ai• mas se procuram.

A atracção dos cimos

A mais alta montanha do mundo é um pico de> Himalaia, o Everest: 8.882


metros.
começou
Em 1893 a tentar-se-lhe a escalada. Em vão. Em rgoo novos esforços; em vão. Dobradas tentativas em 1921. Ainda
desta vez os cumes continuaram inacessíveis. Em 1922, os exploradores foram chegando a 7.620, 8.225, 8.301 metros. A 6 de Jumho,
3 eu:-opeus e 15 indígenas estão prestes a tocar a meta. Um estampido característico: a avalanche! Sete mortos. '
forçoso desistir mais uma vez.
Loucura, serei eu tentado a dizer. Sim, para mim, que só conheço a pa-
DIANTE DA VIDA

nura. e só tenho saboreado os meus prazeres calmos. Os asceosionistas, êssse


escrtivem: 11&. alturas chamam...nos. atraem-nos! Partamos!n O frio é de 35 graus negativos? Não impo:ta!
uA visão, a atracção dos cimos não nos larga. Queremos chegar lá, subir sempre mais alto I»
Perseverança na energia, quando um grande ideal impulsiona as almas!
Largar as pantufas, sair do borralho, cortar pelos habitozünhos que amolentam. 1t preciso fazer-me
violência pa!"a
ir a uma reunião de propaganda à noite, para dar uma larga CMllinhada pedida por um amigo, exigida pelo
grupo?
Não chega a ser o Everest, isso! Tantos outros fizeram muito mais! Retrocede rei como um covarde? Era isto
o que
revoltava S. F:-ancisco Xavier: ((Pois quê! os mercadores de especiarias vão ao cabo do mundo por uns
lingotes de ouro; e eu não hei-de ir até onde for preci pelo amor de Jesus Cristo? . . . »
DIANTE DA VIDA

86.

Ven·ha a nós o Vso Reino!


Corno êle vem devagar, o Reino de Deus à terra!

Contemplo o mWldo: formiga nêle, pouco mais ou menos, um bilião e meio de seres humanos.
Um bilião dêles são pagãos: dois terços! A têrça parte que fica aiinda é preciso dividi-la em duas: os católicQ.s de um lado, os
âsmá.t.icos e p-rot.es_tant.e$. do
outro. E isto há quási dois mil anos de
pois da vinda e morte de Jesus Cristo! . . .

Sem dúvida, pode salvar-se numa religião falsa aquêle que nela está de boa fé. Deus, se fôsse preciso, mandaria um anjo,
segundo a opinião de S. Tomás, revelar a uma alma sincera o que lhe é necessário saber para se salvar . . .
Mesmo assim, que tristeza - e sem prejuízo do que .pertence prõpriamente
à alma cia lgreja (todos os que vívem em estado de graça, onde quer que se encontrem) .,.,.., que tristeza pensar que o
"DIANTE DA VIDA

cwpo da Igreja, a Igreja yisivel, é, passados quási dois mil anos, tão pou·
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58

co trioofante!

Ao redor de trezentos milhões de dis


sidentes. .. E depois, e sobretudo, um bilião de pagãos. Um bilião!. ; . Acaso faço idéia do que vem a ser um bi· Uão? Não, de-
certo. Um bilião de mi· nutos, a começar no nascimento de Noso Senhor, acabaria a 18 de abril de 1902, pelas 6 horas da tarde. Um
bi· lião de pagãos! quere dizer que, se êles
.
desfilassem aqui por baixo da minha jan e!a, de dia e de noite, sem parar. à razão de 4 por segundo, ficaria a vê· -los passaI . . . r 8
anos, menos "28 dias ·e
meio .

E fico-me assim parado, nesta minha modorra é ociosidade? . . . Não bole eomigo, não me excita, não me devora o desejo ardente, a
fome da sillvaçilo das almas? A roesse é grande . . . Oh! tão grande! . . . E eu que não me dava coritàl. . . E se me fizesse um dos
sega.
dores? . . •

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59

DIANTE DA VIDA

Quem te deu essa vod - O Mar, de onde venho

Há muito quem fale, quem trabalhe, quem se mexa. Mas, então, por que se
recolhe tão pouco fruto de tanta acti

vidade humana? Porque falta nela


«Deus».

:Entregar-se alguém ao apostolado, sem ter uma vida ipterior intensa, gesto inútil, desperdício de fôrças, e nada
mais! Não são as palavras que salvam, instauram ou intensificam a yida da graça nas almas; só a graça de Deus, por si me:ma, pode
realizar estes prodígios, e não pode ser dispensador da graça de Deus senão quem, muito juntinho dêle, por uma vid:a de oração
contínua e perfeita, fôr senhor da chave do seu divino Coração.

Não me ocorre agora o nome de certa peça em que entra um cantor. Começar êle a sua ária e deixarem os ouvin
tes as ocupações em que estão, para o seguirem, tudo é um. Levá-los-ia ao ca-

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DIANTE DA VlAl) 6'}

bo do mundo. Preguntrum.-lhe: <CQuem te deu essa voz?n Responde: <CO Mar, de on4e venho».
Calcorreou espaçada e longamente Qij areais da beira-mar, reflectindo, con templando e rivalizando a-miúdo com marulhar das
ondas.
Dêste cont.acto com o Ocean.o, destas reflexões rprofundas, dte exercício ininterrupto e incansável, foi que lhe ve io todo o poder . .
.

O que dará à 11h1ú1a actividade um poder de conquista? Primeiro que tud. o contacto com Deus, Oceano sem limites.

A vida interior é a alma de tCJdo apostolado 11>.

(1) Se alguém dU\•i<lar, leia t> opúsculu que Don, Ch11u1 tard escreveu com êste mesmo título. (Trad. poruguesa de
)lons. Sih-ira arrªdas),
"6 DIANTE DA VIDA
8

88.

Enquanto não tiv-eres derramado o


·sangue por Cristo, fica entendendo que não deste ainda a 'Última prova elo teu amor por l!le

(l>a Imhaçiio)

Um moço operário que se converteu inteiramente à religião católica e inte


gralmente a vivia, incorreu, por isso me!lmo, nas iras de seu pai. Uma noite, em que o heróico rapaz voltava .já tarde do patronato a casa, o
pai escorraça-o brutalmente: uVai dormir onde
·quiseres>'.
O jovem atravessa as ruas desertas e vai procurar ab:igo nas runas desman
teladas das antigas fortificações. Nisto, ao levar a mão ao bôlso, os dedos topam casuallr:nente num livro que nunca largava: era a Imitação
de Cristo.
Abre-o e lê à luz de um revérbero: <<Enquanto não tiveres derramado . . , n
«Perfeitamente I diz e. Porque me queixo? Haja· alegria!>1 e no dia seguin·

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te, manhãz.inha cedo, coberto ainda do rocio da noite, vai pedir a um sacer
dote que lhe dê o Senhor, e dirige-se animoso e cheio de júbilo para a oficina !ll.
Seria eu capaz de tuna coragen1 assim? De tamanha simplicidade na minha renúncia heróica Admirar. Imi-tar.

Uma das qualidades que mais lm• perioNmente reclama o nosso tempo é, sem dúvida, a disposição para a acção
combinada

uSerá lei fatal?


Os maus só fazem um no seu ódio brutal,
Mas Os homens de bem não se unemcontra o mal».
A união é dlfic:II. A disposição para a acção .concertada não é inata no homem. lt preciso renunciar ao amor
pr&"
-

(1) Augu,to Bodi,n, por Luis Lal!ind (Al:'Dito_ de. lg. I'ri&_r. To11u).
JO Vl.I\NTE DA VIDÁ

prio, a certos modos pessoais de conceber o apostolado. É preciso submeter-se


à autoridade boamente aceite ou legalmente imposta; esta abnegação só pode ser fruto de muito esfôrço, sobretudo tratamdo-se de
naturezas mais bem dotadas. Não !pOde haver acção combinada sem d:sciplina. E ninguém nasc disciplinado. A submissão de espírito
e de vontade adquire-se, e demanda, por vezes, bem dura aprendizagem, bem dp.ros sacrifícios.
Os portugueses, mais que qualquer outro povo, são relutantes à disciplina e à acção combinada, e recebem como um acicate a palavra de
ordem. A idéia mutualista e corporativa CStá ainda
muito longe de ter ganhado a maioria da boa gente da nossa terra. O português é na:turalme:nte aventureiro e gost:a. muito de cavalgar
sõzinho. Atenção a te ponto.
A ·união é necessária. Um agrupa· mento qualquer, sem acção concertada, não passa de um rebanho. Ter união de yistas,
acatar e seguir o comando único, obeder em o o que lr tenden-

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DIANTE DA \'IDA 71

!e ao êxito da tarefa cpmu.rn. ; o contrário é anarquia.


As associações católicas encontram-Se em face de organismos compactos e fortes; para lhes resistir e os vericer, re
quere-se, antes de mais nada, muita união. União entre os membros do mes
mo grupo; união entre as associações congéneres ou vizinhas.
Tem ho:ror ao espírito de c01ná11P<J« rio, aos separaj;jsmos.._ :É isto o que nos
perde.
90·

Nunca seremos d·e mais!


Joana d'Arc, à frente dos seus homens, topou um dia com pma quadrilha armada: pessoal da Borgonha? de Armanhac? amigos
ou inimigos? -
Que importai interrompeu Joama d' Are. :e gente da Fra:nça. Ide dizer-lhes
se juntem a nós. Os fceses nunca sãq de
que
mais! c!>hl que lindas palayras e como efasilinam a grande a:lnna da Santa guFeiral
/2 DIANTE ·DA ·VIDA

Mo entre amigos,_ h quem. só procure dividir-se e dividir. Pois-- eu não! hei-de sempre procurar unir.
((Passei tôda a minha yida, escrevia Montalembert, a ser atacado pelos meus melhores amjgoslJ . É horrível isto! E tão
frequente! . . .
Para haver desinteligência, é precis:J haver, pelo menos, duas pessoas. Eu que não serei nunca o primeiro! Con
tra o adversário, então sÍplr, tôdas as energias conjugadas. Não, evidentemen te, pelo prazer e orgulho de o ver esmagado,
mas para o impedir de fazer
mal ou para tentar ganhá-lo.
Detestemos as dissidências, as rivalidades, e afugentemo-las de enPft; n!ls. Amai-vos uns aQs oub'os. mandou Nosso
Senhor. Nisto mostrareis que sois meus discípulos: em guardar uma un:ão perfeita entre vós.
A minhaalma tem sido acolhedora, fl'nal, _ hopitaleira? S-lo-ál -
Desenvolver em mim o c.uho da uni· dacJe.
·

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.DNTE DA VIDA 73

gi.

Um rapaz de Valenciennes, o cab o Marche, de Infantaria 130, foi chamado pelo coronel, para jr levar à divisão uma mensagem àe
heróico mancebo abre camnho pelo meio das rajadas, para cair a breve espaço, ferido de morte.
urgência. O percurso será medonho. O
Mas êle quere que a mensagem chegue! Consegue arrastar-se até à beira de uma encruzilhada e ali, deitado de costas, com o braço direito
prodigiosamente hirto e retesado, erguido ao céu,
segura na mão crispada o bilhete confidencial, que outro corredor verá e transmitirá . . .
Cada geração de Novos que surge crê que é a ela que mundo espera para ser salvo. E tell) razão. Desta esperan ça - sempre funciáda -
o

nascem para Os povos, a braços com as maiores catástrofes, ·possibilidades de redenção e de yida. Sem os Novos, o mWldo, podre
de velho, andaria já de pantufas tt

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----·-- /4 lJlANUi. D.'\ Vl!).'\ -----

vestido de flanela, e imobilizar-se-ia na rotina, acaçapado ao borralho. Vivam os Novos que vêem novo e que, sem desprezar os seus
amtepassados nem deles renegar, são portadores d rnensa= gens novas !
Mas se:â de nós ou de nossos filhos que há-de vir a vitória? . . . Que .jmportal SaJber er nos olhos dos Chefes autrizados a
palavra de ordem a transmitir. E depois partir, atirar•se I Se cair, guardar na. mio o papel; estendlo aos que seguem! Outros
virão e o levarão mais adiante! A vitória está
da banda de lá de um campo semeado de cadáveres!
Abrir &:aminho I. . . :e a Mocidade que passa!. . .

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VI Incertezas do futuro

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Não vivo, vegeto, e eis tudo

Numa comédia qualquer, o tio quere saber do sobrinho, cabeça no ar e dissipador até mais não, como é que lhe
corre a yida aos yinte anos. «Como
vives?n - Oh, meu tio! eu não vivo; vegeto l>,
E quantos há que não trem outro ideal: Vegetar! Gozar! Nada mais!
Mas viver, o que é viver, fazer dar à vida o seu máximo de rendimento, empregar a juventude, os talentos que Deus
emprestou, o dinheb:o que Deus di9pensou, se o dispensou, em melhornr as coodições de seus semelhantes , em
alargar o reino de Deus, em promo. ver a sua Maior Glória e o bem da própria alma, quem cuida dissoi
O eu ideal, daqui para, 9 futuro.
78 DIANtE DA VIDA

não será só existir, andar no mundo po:: ver andar os outros. Viver uma yi
da cheia.

D·esenvolver" plenamente os dons que o Senhor me deu. Desenvolvê-los, não pelo desejo egoísta de ser ou parecer alguém, de
ser mais que os outros, nem de os eclipsar; mas para fazer render o capital cuja guarda Deus me confiou e para lhe procurar o
máximo de glória. Isto pelo que me toca a mim.
Pelo que toca a meus irmãos, irra• dfa.r. Espalhar à minha volta quanta luz puder, entusiasmo, calor, ene:-gia; e isto não há-de
ser só mais tarde, d·epois,
mas desde 1á, agora, no quadro da mi· nha vida quotidiana.

Aos 18, <1;03 20 anos, que é que mais se deseja? Viver. Nisto estamos todos de acôrdo. Repetir muitas vezes esta palavra,
palpar-lhe a realidade: yiver. mas viver !
DIANTE DA VIDA 79

93·

Por que 11e;rá que a Preparação ocupa um lugar mais im1portante nas obras do Criador que ·naa obras das
criatura.l

(P. Faber)

lt estramha, com efeito, a importân


cia que Deus dá às preparações, Antes da vinda do Verbo, 4.000 anos ou, sem dúvida, muitos mais. 4ntDs do seu Nas
cimento, os nove meses da Anunciação ao Natal. O Salvador nasce; pois ainda não é a hora de se mostrar abe:tamente ao mundo: trinta anos
de yida oculta.
Imitar o Verbo. Ligar J,lJI1a importância soberana à lenta germinação do grão, que mais tard-e frutificará em
abundantes espigas.
Muitas vezes, quero chegar ainda antes de ter partido. Se o resultado não aparece logo a co:-oar o meu esfôrço, desanimo com uma facilidade
espantosa. Pensarei, acaso, que se pode fazer
80 DIANTE DA VIDA

um santo em poucos minutos? E cer


to que o P. Olivaint, mártir
da Comu· na, dizia que «era preciso menos tem po que coragem para ser santon. Mas não era para significar que o
factor tempo fôsse de9prezível; era para dizer que, em certas ocasiões, é para te:- ainda mais em conta o outro da coragem.

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uO mpo não poupa o que se faz sem êlen. Aldrabei 0 meu trabalho? não esperar grandes t'esultados. ;Estes, também pode acontecer,
ultrapassarão uma
vez ou outra as minhas espectativas . . . Mas, em geral , não: as coisas valem quanto cust.am.

Assegurar as preparações. A minha ac:ção será, no futuro, tanto mais fecunda, a minha situação tanto mais sólida. o rendimento do
meu trabalho tanto maior, quanto presentemente, no silêncio do meu qua:to ou do meu estudo, no escritório ou na oficina, souber dar todo o
esfôrço requerido e souber esperar.
DIANTE DA VIDA 8J

94·

Estou convencido de que há peiCI mundo muitos homens que tinham a vocação sacerdotal e que não a
seguiram Ul
(René Bazin)

Ou já estou fixado quamto ao problema do meu futuro, ou ainda não estou. Se já estou, muito bem. Se não estou,
adquiri realmente a convicção de que o sacerdócio não é para mim?
Questão preambular: Há em mim, com relação ao sacerdócio, obstáculus invencíveis ou, pelo menos, razoàvel·
mente fo:tes: saúde abalada, incapaci· dade para os estudos necessários, temperamento ou passado que pareçam
contra-indicar a carreira eclesiástica? Ver lealmente.

(1) Desgraçadaanente, a proposição in· nrsa do título não ueixa de ser meno verdadeira : Há. "oeio mundo muitos hQ· meus que não tinham
a vocli.çãô sacerd

tal e que a. seguirp.Jil. l\1uito çliidado, ·


oois I (n. do t.)

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DIANTE DA

B2 VIDA

Se não encontro obstáculos, outra pregunta: Sinto incllnaçilo? Inclinação sobrenatural, entende-se: desejo
do melhor, da salvação das almas, de uma parecença maior com Cristo ... As repugnâncias de o::dem material: receio de
abandonar os pais, austeridades da :vida, etc., de si, não são razão forte contra.
- Inclinação sobrenatural, sim, às vezes sinto-a (notar que não é absolutamente necessária) . Mas será isso o
bastante? Como hei-de ficar seguro de ·que Deus me ::hama? Se estivesse segúro, ida ...
Invertamos o problema. A questão não será tanto: HQue é que Deus quere de mim))? - mas antes esta: H Que é
que e!t quero dar a Deusn?
Reler, no Evangelho de S. Mateus, a conversação de Jesus Cristo com o ado· lescente (Cap. XIX, 16-23) .

Um retiro acabará por me esclarece-r


definitivamente,

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83

DIANTE DA VIDA

95·

Enquanto não tivermos dado tudo, não demos ·nada

( Guynmer)

Foi isto que respondeu o destemido aviador, um dia que lhe diziam: «Vais subir de novo? É uma loucura! Já hoje yoaste três
yezes . . . »
E eu? . . . Dei, até hoje, alguma c:oisa?
O quê? ... ___, Ai, o que mais vejo são as rapinas que teem acompanhado os pequeninos holocaustos! Quão raramente ofereço a
Deus obras perfeitas!
Rezo, mas tão maU Dedico-me um pouco, mas tão f.-iamente! ....., Trabalho, mas com tão pouco entusiasmo! . . .
Pôr ordem nisto. ·Procurar fazer melhor tudo o que faço.
Mas ficarão por aqui os limites do que posso dar? . . . Deus não me pede alguma coisa mais?... E se :tlt e me
pedisse tudo? 'I:eria a corag de lho dar.?
84 VIDA

- Oh! seria preciso deixar al e tal dos meus hàhitozinhos, das minhas comodidades . . . - possível. Mas repete: Enquanto não tiyer
dado tudo . ..
- Seria p:-eciso deixar esta situaçiio, o meu futuro, que sonhei tão lindo, arquitectar uma vida diferente, mais penosa . . . -
Sê prudente. Considera tudo bem, para não te iludires. Mas, se v
que também tu podes querer - se quiseres - aquilo que tantos quiseram, por que não da:-ás o passo decisivo?
Enquanto não tiveres dado tudo . . .

- Seria preciso deixar os meU$ (e qÚero-lhes ta:nto! ) , renunciar às alegrias àa famíHa . . . - Não sei. Talvez. Mas, se está prCNado
que também as gfctndes coisas são para ti, por qu<. não? . . . Custará muito? possível. . . Humilha-te e ora. Pede para ver claro e, se
chegares à conclusão de que deves qwrer, oh! lembra-te então de Guynemer:

Enquanto não tiyermo:o dado t:udg_, não demos nada,


1>1Ali'TE VIDA

ÇJ().
Se o Apóstolo falta à sua missão, muitas almas ficam sem jamais con'hecer o Evangelho Foi a propósito de
Renan que Mons. d'Hulst esc::-eveu estas rpalavras - de Renan, seminarista primeiro, trânsfuga depois, e cujos escritos tanto mal teem
feito.
Para uma alma se salvar, há três liberdades que mteryeem: a de Deus, que é quem distribui a graça; a do in teressado, que aceita ou
o

recusa a graça; a de nós todos, em maior ou menor


grau conforme Deus nos destina a ser,
,

para a alma de que se trata, mais ou menos, instrumento de salvação.

Fulano tinha vocação de apóstolo, jsto é, DeUs contava com êle para evan. gelizador das almas de seus irmãos . . . Mas não a seguiu . . .
Consuência: essas almas ficam sem o meio normal que Deus lhes destinara para se salvarem; e será precisa agora uma intervenção
particular da Proyi.dcia, a que o Se-
86 V-ID,A

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DIANTE DA

nhor de modo nenhum está obrigado.


Transcendência medonha, a das :vocações falhadas!
Ouve-se, por :vezes, dizer: é pec:ado recusar-se alguém a seguir a sua vocação. Não, em si não é pecado. Para
ha:ver pecado, teria de haver uma ordem expressa, uma imposição. E o que há, em geral, é um simples C()nvite:
Se queres ... Não querer (tratando-se, bem entendido, de chamamento yerdadeiro), será covardia,
indelicadeza, imperfeição; mas falta grave, de si, não é (a não ser que houvesse a certeza de ser impossível a
própria salyação fora da via indicada) .
Mas o grande perigo não é tanto este: eu co.:ro o risco de me perder, ou, o que será mais :verdadeiro, corro o
risco de passar à margem de muitíssimas graças. Mas sim: por causa da minha recusa, almas, talvez muitas
almas hajam de se condenar, dei,xarão de se santificar . . .

ReSponsabilidade tremenda., em que eu não quero incorrer . . . Atentar Pem

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85
D1ANTE DA VIDA

no que Deus que:e de mim.. . E livre• me :ltle de seguir por caminho diferente do que me traçou.

97·

Quisera que os rapazes se fôssem acostuma·ndo, desde cecfo, à idea do casamento


(Renê Bazin)

Uma vez que o sacerdócio não é para mim disso me dei conta lealmente -fico entendendo que Deus, muito
provàvelmente, me chama a, fundar, mais tarde, um lar cristão.
Há quem tema nos jovens e procure afastar dles êste pensamento do lar futuro. O que é preciso não é guerreá·
·lo, não, mas sim mantê-lo casto, preservá·lo das arremetidas da concupiscência malsã, velar po: êle como por um tesouro
que nada deve prolf:mar. Encarado desta maneira, será um pensamento iluminador, purificador, exci· tador de entusiasmo
e de actividades generosas.
il8

Dia virá, em que hei-de unir-me, pa ra a vida, a uma crf.at:ura de escol que Deus, no secre<to da sua divina providência, me reserva e
prepa:a. Que é que eu, então, hei-de querer ter sido
agora? . . . ste livro que ando a ler, aquela conversa em que tomei parte, determinados olhares, certas atitudes, que diria ela de tudo isso, se me
visse? . . . Oh! que vergonha, se mais tarde ela pudesse ler no meu coração tôdas as hediopdezas da «flo!" da idade,1!
E o meu lar será fecundo. .. Serei transmissor d'e vida. Pequeninos sêres, se a Deus aprouver, hão-de dever-me a existência e, coisa
terrível e transcendente, serão - ao menos em parte, -.à w.,in.ha imagem 6 semelLwna.
Acaso, presentemente, eu sou tal, qut' mereça a minha vida ser transmitida? . . . Ver, lá longe, umas mãozinhas rosadas., que do berço para
mim se erguem, em ar de súplica: ((Oh! sê fiel, muito fieP E tão difícil ser-se bom, quando não se vem de uma geração em graça sa:nti,.
ficante! Pai, faze-te santo, para ·a ná:; nos custar menos a ser santos!»
DIANTE DA VIDA 8y

Beatriz

Foi Ozanam que escreveu de Dante: 11Criança ainda, uma yoz secreta o chamava com frequencia à casa vizinha: sempre de lá vinha
mefh-dr. Mais tarde, nos anos das paixões, bastava-lhe ver de longe a figura piedosa de Beatriz, e logo o mal ficava reduzido à
impotência)) .
lt doraçadamente yerdade, triste verdade, que muitos rapazes ,_, talvez
alguns dos meus camaradas; oh! então,
fugir dêles . . . causam-me nojo! - que buitos rapazes só vêem tna mulher, na rapariga, brinquedo, objecto de gôzo. ou <pretexto para galhofas
estúpidas,
pa:a alusões descabidas, pa.ra subenten didos idotas e . maus. Escritórios, quartéis, liceus, oficínas, etc., ai! são autênticas agcias de poucas-
vergonhas. tanta e tanta vez! . . .
Quanto a mim, meditar a-miúde nesta li.nda passagem de Lacordajre: <<Amigo, filho de tua mãe e irmão de

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VIDA

90 l.llANTE DA

tua irmã, filho de. tua mãe, que te deu ao mundo na continência sagrada do matrimónio, irmão de tua irmã, cuja
virtude defendes e respiras, oh! não desonres em ti mesmo êsse grande bem que te fêz homem! Sê casto! Guarda no estôjo frágil do teu
corpo a fonte soberana de que nasce e em que floresce o amor. Há no mundo, entre tua mãe e tua irmã, uma criatura delicada e meiga, que por

Deus te é destinada. Não te conhece ainda, quem sabe? e é já por ti e para ti que ela vive. Tudo o que um dia possa desagradar ao mínimo
de teus desejos, ela o evita já: oh! reserva-lhe todo inte.irQ o teu cora
ção, como ela te reserva o seu !J,

99·

Perdoo tudo aos novos. Mas u coisa há que não e que para sem· pre afasta uma alma da miriha: .é se vejo alguém
escarnecer do amor
(P. Pt>rreyve.)

Dize-me de que te ris e dir-te-ei quem

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87

DIANTE DA VIDA

tu és. Como pode ser possíyel rir-se alguém do amor?


Deus podia multiplicar o género humano por qualquer meio que dispensasse a intervenção dos pais. Quem negará isto? Mas não quis.
E inventou
o amor.
Eis dois sêres que não se conhecem e talvez nunca se :VÍ3Sem. C:-uza.m-se os olhares e é o bastante para que, entre um e outro,

apareçam umas certas afinidades, surja uma simpatia recíproca, uma atracção mais ou menos forte E, se nada se opuser a que
.

o laço
definitivo seja dado, aí temos dois sêres ooidos para todo o sempre e tornadús capazes de multiplicar a vida. Dina:-se-á Deus de
passar por êles, para que o número dos vivos vá em aumento . E estes vivos, pelo destino, são imortais.. Iniciarão uma vida que
jamais findará. Será possível que haja ainda quem escarneça e zombe de um achado divino tão sublime e delicado?
Uma yez, porém, que o exercício da fU111ção çriadora traz consigo encargos razoà:velmen!e onerOSO? (pro:ver às ne-

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VIDA
<)2 lilANTE DA

cessidades da família, educação da prole, etc . ) , Deus, que é bom, quis juntar-lhe um prazer proporcionado. A ordem rpede q\}e prazer e
encargos não sejam nunca separados. Procurar voluntàriamente o praze= e afastar os encargos, ou à margem dêles, é opor-so ao plano de
Deus. E, como o obj ecto de
que se trata é sério e qualquer coisa de muito importam te (a produção do
ser vivo) , a m atéria é também, de si, matéria de pecado grave.

Compreend o plano providencial . . . Admirá·lo e respeitá·lo. Não consentir nunca ma minha presença o mínimo ultraje,
venha de onde vier, a esas bela e g:ande e maravilhosa invenção divi
na que se chama o amor.
100

Estudam-se três semanas, amam-se três m·eses, disputMn-se três anos, toleram-se trinta anos, - e os filhos recomeçam . . .
(.Alex!J,ndr Dumas)
TalverJ digam que isto é faJar de- c
DIANTE DA VIDA

sam.ento um bocado à ligeira. Mas ail quantos e quantos rapazes, deixando-se levar, aí por volta dos yinte anos, de um entusiasmo
injustificado, de uma paixão cega, não se talham uma vida pouco mais ou menos daquele feitio!

Será suficiente estudarem-se durante trÇs semanas? Talvez já l esses o romance Conjesswn d'uW jemme du mwwie, ean que
se conta assim um namôro: uDissera:m-lhe que um rapaz a tinha
visto duas vezes e a queriapara espôsa. Riu-se muito do propósito nos oito dias que precederam a entreviSJta. Encont.--o).l-se com o
pretendnte um domingo, passearam untos durante meia hora e, qu<tJndo ele lhe preguntou se podia alimentar a esperança de a chamar sua
mu1her, respondeu logo sim, sem mais reflexãoH.

Se quero que o meu casamento venha a ser um casamento sério, se quero que a união começada em duo, não acabe em duelo, é
preciso pôr nela muita, muita prudência.
Segurar Q çoração co.tn ae. mãos am-
94 DIANTE DA VIDA

bas. . . Obrigar-me a não amar, -sem Ver primeiro se posso e devo amar. Há-de ser uma coisa muito penosa ver-se alguém obrigado a
·despedaçar o amor e a retomar o seu coração, dado na melhor das intenções. Deve de ser muito mais cruel terem duas pessoas de viver
unidas, sem que nada lhes facilite a união c antes tudo lhes sirva para a dificultar. DepQis será sempre tarde. Agora ainda . é tempo. Depois
será forçoso fechar os olhos. Agora, ao meno;;, abri-los bem e ter muito tento na escolha.

Não ser exageradamente difícil. Selprudente.

IOI

Todo o homem é tronco e vergôn· tea, ascendente e descendente

O homem um ser essencialmentt dependente. Devo a minha existência a uma série numerosíssima de antepassados, dos quais sou
_solidário; outros 'J
DIANTE DA VIDA

serão de nUm, se acaso tiYer descenr;lência.

ob êste ponto de vista, quem pretende:- constituir família deve, em certo modo, ser mais samto que o aspirante
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89
ao sacerdócio.
Elo
de uma cadeia imensa ...

Descendente ! Que grande yolume se 11ã1 o podia escreyer com as múltiplas influências que de mim fizeram - só pelo sangue - aquilo
que hoje sou! Há muito de meus pais em mim. Há ainda traÇos de origem muito mais remota. Quem sabe se determinada tendência ou
movimento bom o não devo a uma santa avó que eu tive, de quem já hoj
ninguém se lembra . . .
lt certo, portanto, que do passado
ber.dei muito. Pregunto agora: que quero eu deixar para o futu::o? Her.d·eiro,
não está absolutamente llla minha mão receber só o que me apraz do depósito transmitido. Antepassado, de mim depen.;i, em grande parte, a
natureza do legaáo que hei-de deixar à minha de;candência.
Não dev:emos eagerar os efitos da

<)6 DIANTE DA VIDA

<<lei da hereditariedade)), até pretender. como muitos fazem, que ela destrói o livre arbítrio. Mas não neguemos a sua

existência. Que tremenda responsabilidades, tiver de me persuadir um dia de que certas estroinices da juventude, se a trunto
se

cheguei, hão-de ser causa funesta de miseráveis taras, com uma repercussão misteriosa e trágica na minha afastada ou próxima geração!

Antepassado. Imaginar que sou -base de uma coluna, que sou um up::-imeiro)) ; depois de mim outros virão, que hão-de
depender de mim e que, ao menos em parte, serão o que eu fr: fo·tes, se forte; oriecytados para o mal, ou para o menos bom, se me contentei
-com ser um covar9e ou um insignificante.

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---- -- 'DIANTE DA VIDA --·

102

Bem pode o homem desconhecer ou desprezar a sua grandeza; o que não pod:e é l·i·bertar-se dela. Essa alma que
se espoja na lama, nem por isso é men·os imortal. É um animal que vive, mas é também ·u·m homem que há-de
ser julgado talvez punido

(Luís Veuilotl)

O terríyel da existência humana não é que o homem esteja condenado a morre:-; é que esteja condenado a não morrer. Ah! se fôsse
pbssfyei,' após ama
vida mal vivida, sumir-se o homem todo inteiro e para sempre!

Mas não! Uma :vez saído do não ser, estou condenado a ser. Ou para minha
salvação, ou para minha perdição. Para minha salvação, se fôr fiel, se realizar cá neste mundo aquilo para que fui criado. Para minha pe::dição,
se transgrido os mandamentos de Deus e morro nesse estado de rebelião. Mas de_ixar de ser, o não pos.._so Estou

g8 DIANTE DA VIDA

co1d1 enado a viver, a viver eterna•


mente.
Pensar bem nisto. Vivo no meio do que passa e penso tão pouco naquilo que fica I 'f ornar meu e famiEar êste pensamento: nunca mais
deixarei de existir! :É certo que posso fugir a Deus, supo:: que lhe ,escapo. Ilusão ingênua! Tem-me bem prêso . . . Do nada, sim,

dêsse é que eu fugi para sempre. Vim dele, mas nunca mais o alcançarei, nem à custa do próprio sangue.

Viverei eterpamente. Conclusão que se impõe: iltll eressar-me profundamente só pelo que fôr eterno.

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V I l Festas e devoções

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103

Natal

Em Belém, a gruta, o estábulo de então. Não dêsses presépios de cartão


pintado ou de cortiça, ex-votos deliciosos; nem dessas obras primas de tábuas e de musgo, por nós feitas em
criança, com muitas figurinhas de ba:-ro a descer por um carreiro estreito . . . Não, o presépio :verdadeiro, o pri.meiro de todos, o
sumamente descOIoIllf rtavel, 12 metros por 4• o curral aberto a tôda a intempérie, sujo do retraço das bêstas. . .
·

Ver, cootemplar demorada e atenta- mente, reflectir. . .


·

·Em Belém, no presépio de boj. a basílica da Natividade. Por terra, incrustada em ·11á1 l)re branco, u.tru:\ -
10.2 DIANTE DJ\ VIDA

.trêla de prata (1), com estes dizeres:


Hic::, de Virgine Maria, Jesus Christus natos est. Foi aqui que, da Virgem Maria, Jesus Cristo nasceu.
Foi aqui . . . Não' pode ser! Secá fábula, ou sonho? - Não há nada mai;; bem certificado nem mais exacto . . .
Da Virgem Maria. . . Que mistério! Como ela é realmente a «bendita entre as mulheres,, essa Mãe adorável que contemplo
ao lado do estÍ'anho berço!
Jesus Cristo nasc:e: u . . . Jesus, isto é, o Verbo, o próprio Deus! ste mistério é tão grande, tão belo, tão esmaga-

(1) Esta. estrêla. tem pll(lel importante na históri(L da, França,. Por sua causa foi
que se lev!lntaram as dificuldades qUe vieram a dar na. guerra. da. Crimea. Os Greao· tnhrum-na fuito deeapareoor, para usurpa,rem aos Li:ltinn um tít·ulo de
propriedade. O cônsul francês em Jerusalém
protestou junto do sultão Constantinopla, exigindo & il'estituição. O sultão dis
punha-se a oeder, quando ª' Rússia se opôs, buscando asis m pretexto paro. a!'! apoMrar dt>t C<On,t.RntinoplQ..
DIANTE. DA VIDi\ IOj

dor, que a Igreja. ordena ao.;. fiéis que dobrem o joelho, sempre que na S3.1Ilta missa se fala da Incamação: meio do
Credo, fim do último Evangelho.
Aquêle pequenino é o Imensamente Grande I Ado.:-ar! de joelhos! Ter mêdo porquê? O Imensamente Grande é tão

pequenino. . . Aproximar-me confiado. Tudo opsar, nada temer.

Palavras de Nosso Senhor aos seus


a.póstolos - a todos nós - antes de subir ao céu, quinta-feira da Ascepsão.
Nada há que faça tanto mal ao Evangelho, como a triste maneira que teem certos ctólkas de viver o Evangelho.
São os tais que, em bloco, constituem aquilo que se coovncionou chamar
((os fiéisn. Dolorosa ironia! Singular fidelidade!

((Um católico é isto? . . . >l diz o incrédulo, que toma p:'dexto dos mau,;
104 DIANTE -DA VID,A

xenJWio.s ,pr .. s -.ispesr :d- prut(a. \'e!qade,.:.OU_ .de cumprir O que-ê]e já descobriu ser a verdade.

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Se todos os católicos fôssem verda· deiros crentes e, lógicos consigo mesmos, verdadeiros praticantes, não haveria
incrédulos. Ou então muito poucos. O esplendor católico da yida católica, se ela fôsse profund e integralmente vivida, traria a
C:isto todas as almas, e ninguém acharia escusa pa:a
deixar de yivê-la. "Mas o catolicismo de alguns é uma coisa tão piegas, tão
mesquinha, tão anêmica, qJ.LC talvez fôsse melhor, para honra da nossa santa ;Religião, que êle ileml existisse.

Eu, ao menos eu, humildemente, mas corajosamente, continuamente, praticarei a minha Fé à luz do dia e com a cara bem
sim,
descoberta I Manifestarei as por minha fidelidade evaJJgélica, quilo divino é o Evangelho.

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DIANTE DA VmA_ lO"
r os.

Os Apóstolos pareciam ébrios no dia de Pentecostes. E estavam. É pr,eciso está-lo para tôdas as cruzadas

Os Actos dos ApóstolO& frisam êste entusiasmo .dos Doze . . . Doze homens e

este entusiasmo, é quanto basta para transformar o mundo inteiro.

Doze homens, e que homens! ignorantes, covardes até mais não; isto antes do Pentecostes. Desce sôb:-e êles o Espírito Santo. Fala-lhes à
alma. Ergue-os, anima-os. Irão até a0 cabo do mundo! Querem obrigá-los a calar: ({Calar-n? lmpossíveln. Vão pregar o Evangelho a tôda a

.terra - e convertem-se mulHdões enormes. Ameaçam-nos, prendem-nos, matam-nos. . . Ao impulso dado é que j nada é capaz de se opor.
Tentam _afogar em sangue a greja nascente; os três primeiros séulps v&em perseguições atrozes. Livre por pequenos intervalo$, a

Igreja topa a ca-

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.,jOÓ DlAN'IE l.Jt\ VIDA da 'Passo com perseguições semelhantes. Não importa: o
pequenino grão de mostaroe germina e cresce, cresce sempre.

Quem ,fêz. e faz o milagre? A graça de Deus e o entusiasmo dos homens. O entusiasmo no sentido foite da palavra, a qual,

originàriamente, quere dizer 'c.no ;peito, no coração)), Quando &e tem o Espí:ito Santo no coração, quando êste Espírito Divino
acende na àlma todas as fôrças vivas do ser, qua.ndo
oh!
todas as energias se encontram espertas e as possibilidades de acção entram em jôgo, então é-se irresistível!
Não se consegue nac!a sem entusiaSo mo. Mas todo aqule que leya em seu
coração um facho btml aceso e sempre
yivo, há-de forçosamente irradiar luz abundante, avassaladora.

Io6.

1 5 de Agôsto

Temos:
t.0 A rle sem amor. t. ·a do desgraçado que mOTre em pe<:ado mrtal.
DlAN'f.i DA VIDA lO)

O Senhor me livre dela! as como a árvore, em geral, tomba para o lwo a que está inclinada, procurar não ofen der nunca a
Deus gravemente.
2.0 A morte no amor. Há-de ser a minha, assim o espero em Deus.
] amais adonnecer sem verificar o estado da minha alma e &em ter feito, bem do fundo do co::ação, um acto de amor; se fôr
preciso, um acto de arre
pen<limento.
3.0 A morte por amor. É a morte do,;
mártires.
As grandes almas aspiram· a ela, Será a minha? Muito provàvelmente não. Em todo o caso, quem sabe? A perseguição
cruenta é facto mil yezes repetido na história da Ig::eja. Já em nosSOs dias: Rúsis a, México, Espanha . . ,
Daria gostosamente a vida pela Pátria. E por que não por Cristo Senhor Nosso?
4·" A morte de amor. Foi a morte de Maria. Rigorosamente, Nossa Senhora morreu de amor. Não podendo já o $eU
ser humano reter nem conter a imensidade de divimo que a cada momerito mais e mais a enchia, quebrou-se. Não
Io8 DIANTE DA VIDA

era amor feito para a terra.. o dela. Re. queria outro clima: o çéu.

IO'J.

O Sangue· f»ortuguês
Sangue de Portugal. . . Devemos honrá-lo, mas sem cair no mito do sangue e sem pretender divinizá-lo, como querem alguns por cá e fazem
outrOs por lá. O Sangue Português deixaria de o ser, quando deixasse de ser cristão.
Não consigo nunca ler as Cr6nicas dos nossos reis, as Relações dos nossos

descobridores,. missionários e colonizadores, que não sinta em mim uns frémitos de entusiasmo, e ao mesmo tempo

de admiração e de resito Verdadeiramente, não há palmo da terra que pisamos, não há onda em todos os ma res, nem areia em tôdas as p:-aias,
.

nem floresta virgem em qualquer canto do mundo, nem montanha calvada ou deserto água, que não tenha visto correr o sangue português I
Mas para qu tanto _marlirio. tanta
DIANTE' DA '\'IDA' i:og

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dor, tanta cànseira?. . . Samgue Português? . . . Fica aos que sobrevivem o de.. ver de substituírem os que caem. Para que
Portugal viva, é preciso que
viya o sangue de Po:tugal; para que viva o sangue de Portugal-é preciso não o matar, não o envenenar. Mata-se ou envenena-se o
sangue de Portúgal, profanando-o, dispersaodoIhe a vitalidade em prazeres de puro egoísmo, compro
metendo assim as energias da raça e a sua fecundidade. Para transmitir aos vindouros seiva robusta, é preciso ser
forte e não ter enxoyalhado nem ter pôsto em almoeda o corpo ou o coração.
Sangue de mortos . . . Sange de vi· vos . . .

108.

Como eu o amaria, se há mais tempo o tivess,e conhecido!

Isto dizia um yelho camponês <:onvertido. E eu, que desde pequenino co


nheço a Nosso Senhor, terei realménte por tle todo o a,nior que devia ter?
UO DL\NTB DA Vl])A

Merecerá a mi$a deyoção o nome de amor?


e
Digo que o conheço . . . Mas estarei bem seguro de qu o conheço, a Nosso Senhor? Oh, não! Se o conhecesse, amá-lo-ia de mweira
bem diferente( O meu amor é tão fraqui:nho! Com certeza que não o conheço devidamente . . .
Que vem a ser Nosso Senhor para mim? . . . Não será assim uma coisa parecida com o que era pa::a os Apóstolos naquela manhã de
pesca, às bordas do
lago, quando ainda mal se :via na bmma do alvorecer? Uma silueta impredsa. no horizonte . . . P!lanflmls est . . .
Um fantasma I
Se 1tle fôsse realmente para mim alguém 1. . .
Sôbre o banco do aprendiz recém-admitido na oficina põém um dia os seus compa.nhei:os, por escárnio, um çru• cifixo, para verem o
que êle fa::á, quan
do entrar. Sabem-u10 cristão praticante e de princí.pios bem firmes. Chega, vê a cruz, adivinha as intenções e sorri . . . Depois toma o
crucüixo, beija-o amorosamente, cra:va um prego no muro,
DIANTE DA VIOlo lU

mesmo por cima do seu lugar de tra,balho, e suspende dle o Cristo yencedor.

Teria eu esta wragem? Como ficou bem reparada a afronta covarde dos companheiros de oficina pela atitude
desassombrada do nosso jovem cristão! IQ9.

Aprender de Cristo a amar a Cr-isto


(8. Bemardo)

Uma grande alma que viveu no


culo XVII dizia: HNão compreendo o.> crucifixos senão velados!). Ver ao vivo a imagem da imolação dolorosa, partia-
lhe o coração.
Nós já estamos tão habituados! O crucifixo já não nos ,,dizll nada . . . O pensamento de que o Verbo lncarnado tenha
morrido por nosso amor deixa"'nos frios. Cruel insensi:bilidade, feita de ininteligência, de falta de reflexão, mais ainda do
que de míngua de sentimento ou desdém do coração.
ÍI2 DIANTE DÁ- VIDA

Oh se compreendêssemos! Mas fica já tão longe de nós!


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Aproximemo.pos. Apren:damos de Cristo a amar a Cristo. O pintor Hoffman rep::-esentou Nossa Senhora, na tar de de sexta..feira
santa, soerguendo pela última :vez uma ponta do- sudário e despedindse, com um longo olhar de amargura e de amor, do rosto chagado e
Jíyido do seu bento Filho.

Maria, minha Mãe, deixai que eu veja. Tenho tanto que a prender aí! ConserV'ai, Senhora, conservai ainda por uns momentos o sudário
levantado . Quero aprender de · Cnsto a amar a
Cristo. Sic Deus áiJe?Cit no·s!. . .
Foi então assim, foi até êste ponto, que Jesus Cristo nos amou? Mas isto é horyrí el! Mas isto é de endoidecer! . . .

Como pagarei ao Senhor, como retribuirei tanto amor? - Com muito amor.
DIANTE DA VIDA II3

IIO.

Se Jesus sofreu tanto, por que hei-de eu tar mêdo de sofrer?

i
((O homem é uma. l ra de sete cordas: seis para a dor e uma para o p:azerJ). 1t um pouco negro, mas é quási sempre verdadeiro.
Se a terra em que vivemos, para quem conhece e aprecia o valor da graça, pode ser um mar de alegrias, a maior pa:te das vezes, porém, para
a natureza exposta ao sofrimento moral e físico, é um triste vale de lágrimas.
Que farei eu 1para suporta.r a dor, nas horas em que vierem yisitar-me os lu
tos, os insucessos, as dqças, tPdas as misérias da vida?
Uma postulante deseja saher, antes de entrar no Carrnelo, se terá um c:ru· c:ifixo na sua cela. - Sim, respondem-lhe. - Então nada receio.
Se Ele, o Mestre, sofreu p.rimeiro, e tanto! há"<ie faltar-liDe coragem para aguentar com a prova? E::,pero que não.

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II4
DIANTE DA VIDA

Aprender a resignar·me, à vista dt Cristo em agonia. <!Senhor, seja feita a vossa vontade e não a minha !n E, s· pude,
subir mais alto ainda . Perreyr:- um doente extraordinário - afinna que é mais fácil dizer M·agnificat ! do que ficar-se no
simples Fiat ! Talwz tenha razão. O sofrimento nunca deixa de ser sofrimento, mas a idéia de unir
a sua cruz à cruz de Cristo tramsfigura o sofrimento de tal sorte que; para mui
tos grandes torturados, de vida interior profunda, acontece, por vezes, que o Calvário é mais Tabor do que Calvário.

Senhor, quando, na distribuição do:; vossos dons, me couber em pa·rtilha o sofrimento, ensinai-me a dizer Fiat ! e, se
de tanto fordes servido, a dizer Ma" gnificat I
DfA,NTE DA VIDA II5

III.

Se o travor do beijo de Judas foi algunl tant'!> mitigado pelo abandono da cabeça de João sôbre o vosso peito, permiti, ó Jesus,
qu;e a minha se incline para sempre sôbre o vosso a·mantíssimo Coração!

(Cardeal l\Iaffi)

Amargor do beijo de Judas I amargor dos beijos de todos os Judas que veem repetindo o gesto do apósto!o infiel!
Palavras de Jesus a Santa Margarida Maria: ((O que mais me custa são as ofensas dos que se dizem meus amigos!)) . . .
Meus amigos I . . . Meu amigo I . . . (<Amigo é com um beijo que entregas o Filho do Homem,?))
,

Incomoda-me tanto a mais pequenina indelicadeza, a menor falta de consideração vinda de um amigo . . . E a

.E:le, ao bom Mestre, a delicadeza em pessoa? Como '.E:le, em verdade, de-


DIANTE DA VIDA

ve ter sofrido! Pedro renega-o .três vezes; Judas atraiçoa-o; fogem todos 03 mais; só João fica ao pé da cruz . . .
- Senhor Jesus! fica João e, se V63 deixais, fico eu também. Ouso pedir-vos que aceiteis o meu oferecimento. Compreendo
perfeitamente quanto deveis ter sofrido então. Agora já não po
deis sofre:·. Mas eu sei que a minha compaixão actual mitigou a vossa an·
gúst"a de então. Quereis deixar-me sofrer convosco? Quereis deixar-me re· parar? Quereis que eu vos ame por to·
dos os que vos não amam, que yos adare por todos os que vos não adoram e , ainda por cima, vos insultam?

Sim, rmeu filho,


tudo isso e só isso eu desejo e quero de ti. Mas dize-me: se
rás verdadeiramente fiel? . . . Posso contar contigo? . . .
PlANTE. DA VIDA II7

.II2,

Tôdas -as coisás boas .que. rião vh•· gam ê ·por Maria ,não ter nelas a parte que· lh,e pertence
(P. F,'aber)

. O governador socialista de uma g:-a:ncie cidade queria à fina fôrça que o campanário da Bôlsa do Trabalho ul-_ nipassasse em altura as
tôrres de tôdas as igrejas. Não sabia, o pobre, que os coruchéus teem ·U!Ilal significação, menos por se elevarem da terra, do que po:- hos
.mos.trarem o céu ..
·preciso juntar sempre _ao esfôrço material o valor espiritual, ·misturar um pouco de ·invisível ao IIlosso mundo de aparências,
um pouco de céu à terra, numa palavra. Uma das formas -
e a mais suave - desta partidpaÇão do
espiritual na nossa vida de terra-a-terra é a dvoção a Nossa Senhora,
Q.ue_transformação . . nwna vida, que embele;r.amenta, que reeçmiorlo, qu.an do paira sêibr.e os. mínimas. pomnen(lt:e&.

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DIANTE DA VIDA

dela a bênção terna e miséricordiosa da Virgem Santísi.nisal Antigamente, dentro das casas, por cima das portas, nas
encruzilhadas dos caminhos, nas mura· lhas das cidades, por tôda a pa:te se viam nichos com a imagem bendita de Nossa
Senhora. E que magnífica ladainha de pedra a dos noSSOs santuários marianos: Senhora do Samej&o, da Oliveira, da Asus
nção, da :Lapa, Santa Mariá da Vitória, de Belém, da Con· ceição de Vila ViçoSa., da Fátima, de todo o Portugal! Sim,
porque não há humilde povoado ou crista de monte sem uma capelinha ou, pelo menos, um altar, em honra da Virgem Mãe
de Deus e dos portugueses!

Procurarei eu também ter, por Ela c para Ela, no coração um ainor niuito t.,>special, no pensamento uma lembrança muito
particular, nos lábios uma ora
ção muito frequente. Não é de rn.a1.; ter na vida duas Mães: a Mãe da 1erra
(venturosos os que não a perderam aind.a.1) e a Mlle do céu. Todos topa· mo; com horas aziagas para o COrt>O

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DlANTE DA VIDA 119

e para a alma. Lembrar-me, sobretudo nessas ocasiões, das seguintes pála'II'Qs:


(<Todas as coisas boas que nãó vingam. é por Maria não !er nelas a parte -que
lhe pertenéen.
113.

Tu és Pedro . . .

Dizia J aures em 1903: uRetira--se o mar e a barca de Pedró, abandon:ala das ondas, fica encalhada na areia ... . n
Pobre profeta, que é feito de ti? O. Papa tem hoje mais prestígio que nunca. Em 1914 eram I4 as nações que mantinham rep:-
esentação junto da Santa Sé; em 1921, eram 24; hoje são mais.
E é preciso não esquecer que o Vatica no é um estado independente e o Pap:i um autêritioo sober-ano e, corno tal. re
conhecido por todos os povos.

Mas esta autoridade materi41, ou melhor, politioa, não é nada comparada com sua autoridade moral; e esta fica ainda muito
a perder de vista oompa.f3da com :J. :mtoridade propriamente
120' DIANTE DA' VIDE

espiritual. O rei do Vaticano, para mim, não é só o monarca de mais lar:ga influência que no mtu1do existe; é sobreudo..-:-::-
os.quatro-.na:mes que lhe damos suficientemente o indicam:
- o Papa ; Papa, no dizer de um mestre autorimdo, yem do grego, pelo latim, e era uma palayra infantil de ternura e de bondade.
Todos os que ti
veram a dita de ver os últimos Papas são unânimes em afi.nnar terem sido
estas as suas yirtudes mais características.

- o Padre Santo ; entende-se a santidade da função e não, em si. a santidade pessoal do indivíduo. Quantas vezes, porém, no desfolhar
da história, não encontramos as duas caminhando a pari Só dois Papas dos três primeiros séculos não foram mártires: de então para
cá, qu3.1Iltos não estão canonizados I Bem perto de nós ainda, fa la-se muito na. beatificação de Pio X, o Papa da comunhão frequente.

__ o Soberano Pontifice; _ os dois ·ti rolos ·precedentes indicam sobretudo· abondade; êste e o seguinte, a dignida;

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DIANTE DA VIDA I2I

de. A insígn!a exterior da tealeza pon:tifícia é a tiam, a tríplice coroa; sobetania doutrinária, legislativa e judicial.
- o Vigário d Jesus Cristo na terra; o mais belo dos quatro titulos. ((Pedro, pedi que a tua fé não desfalecesse . . . Apascenta as
minhas ovelhas . . . As portas do inferno não prevalecerão ... ))
Amar o Papa, venerar o Papa, orar pelo Papa._
IJ4.
Sen·timo-nos compun·gidos na Sexta
-feira Santa, porque nesse dia se celebra a ·memória da paixão e morte do Salvador. Todos os dias são Sexta-feira
Santa; todos os dias se ergue a Cruz no sa.nto altar
(Bossut.)
A missa é exactamente o mesmo sa· crificio que o do Calvário, pôsto que
incruento. O sacerdote é o mesmo: Jesus Cristo. É a mesma a vítima : J esu5 Cristo, e na missa com as mesmas
.di,sposições que tinl1a no Calvário: oblação total de Si ao :rai, par.a .glótia do
122 DlANTll DA VlDA

ei e $lvaçã.o do mundo. -A única peqqeJJ.a diferença é puramente exterior.


}las acredito eu nesta realidade? Acredito realmente?
Vejamos. A última yez que ouvi mis
sa, como foi que a ouyi?... Como a criancinha de oito aJil.OS, que ainda não percebe nada nem pode perceber, que
só busca as distracções ambientes; como o cavalheiro de meia idade, ajoe
lhado à caçadora, o quei:xo apoiado no castão da bengala, e que conta lentamente os buraquinhos da cadeira! ...
Não é triste? ...
Nosso Senhor renova diante de mim a sua imolação ; abraça mais uma yez, dia.:n!l:e de mim e por mim, as disposições íntimas
que o levaram a deixar-se pregar na cruz; e eu fico para ali frio, dorminhoco, indiferente I. . Oh I que
.

duro é o coração dos cristãos!)) exclamava Bossuet. Em · mim não é o coração que é duro; é a fé que faz míngua, o espírito
de fé que é muito fraco. Tomar, a cada missa a que assisto. a atltud·e e as .disposições que tecia ao p6 da Cruz I
1JIANTE DA VlDA

Jesus Cristo, sob a forma de pão e de vinho, mistura a sua vida à nossa vida física. Começais a enhlever agora a
sublimidade da castidade cristã? Cristo une a sua carne à carne do homem. O seu sangue circula em nós, tal qual o
sang111e de nossas mães

(P. Husse)

A castidade pela Eucaristia.


Já pelas promess do baptisrno tenho o deve: de ser pur o . Mas como conservar ntacta a virtude delicada, no meio de tantas
dificuldades, de inúmeras tentações, da poeira e da lama dos
caminhos? Um meio só: misturar a car
ne virgem de Cristo à minha pobre carne pecadora. Comungar I
Há muita gente que olha apenas para as exigêndas da lei divina, e se esquece de atentar nos socorros que Deus
nos dá. Eu não separ;uei nunca deve• res e socorros.
124 --· · PlANTE DA VIDA

- Sê casto, dii'-me o Senhor,


- Mas que farei, Mestre divino? Sou tão f:aco! -
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- Estou farto de o saber, meu filho, e não deixei de to dizer: sem mim não podes nada. Mas acaso te abandonei sem mim? Ofereço-te
a minha carne e o meu sangue. Posso dar-me a ti todai

as manhãs, para audar-te a suportar o pêso do dia. Queixas-te do trabalho cte cada dia, e não rl:e lembras do pão de c:ada dià. Tudo podes
na·quele que só
quere fortalecer-te. Junta a tua .fraqueza .à minha fôrÇa. i<Ohfcorrió o ·nosso
·nos
coração ardia, enquanto êre ·acompanhava pelo caminho!n diziam os discípulos de Emaús. ·Pooe-111e que te acompalnhe também.
O tabe:náculo não fica longe. Verás çomo nós ambos faremos triunfar a tua castidade. n6.
Todos os dias . . .
·;rOdos os dias Deús é e5qüecldo 'insultado, desprezado, infamado, blasfemad9 . . .
DINTE DA VIDA .

-l'odos-og :aias a· Santa Igreja ··é at-acada; les perseguidocas a ferem ·na sua indeJ)endência, na sua dignidade; na sua honra ou
na dos seus membros . . .

Todos os dias Jesus Cristo renova, por amor, o sacrifício do Calvário sôb:e o5 altares; e os seus nimigos encarniçam-se para o
sac:ificarem de no:vo, por ódio, aJilal ldiçoamdo o Evangelho: «É fora · de dúvida, dizia Mons. Gay, ·que, se Nosso Senhor :voltasse ao
mundo, seria novamente crucificado c mais depressa que da outra vez!» . . ;

Todos os dias Nosso Senhor, na prisão silenciosa do sacrádo, essa tUitiba feita de quatro tábuas simples, em que êle passa os
dias e as noites a clamar,

sem ninguém o ouvir: «Dize-llrie se não fiz ainda bastante! . . . Foi a brincàr que te amei? . . . )) , todos os dias Nosso Senhor me
oferece a hóstia em ue se esconde . . ..
Todos os dias desaparecem milhares

de vidas . . . Uma hora! Que é uma hora? o breve desfilar de sessenta- m1riutos. E um minuto? O tempo suficiente para
morrerem :rca de cem jndiyíduos
·' -

e vil:em: ao mundo outros cem. Uriai centena de yagidos e úma entena de últimos suspiros. Uma hora, .6ooo ataúdes e 6ooo
berços ! E para quantas. déstas criaturas não foi o!l não será inútil o sacrifício do Salvador! . . . ((Jesus Cristo fica:á em agonia até ao
fian do mundon.
Todos os dias milhares de almas e expõem ao pecado mortal, cometem o
pecado mortal, arriscam-se a cair no infet1Do e, quem sa.bé.? caem nêlel . . . ·
so
E eu em que penso? Só pen em divertir-me, em gozar, em ofender a Deus talvez . . . O que me preocupa são frioleiras,
futilidades, o prazer, o nada !
Pobre coração, na yerdade, o que passa, sem bulir nem se camove:', ao lado de tanta dor, de tanto amor, de tanto perigo e de
tal!lto 6dio, e que só se agarra ao que não merece nem um simples olhar! . }>obre cabeça, na yerdade, a que tão somenos oisas
b;.tStam para yirar, e
t{l.nta grd ]lão consegue fazer assentar!
ülANTE DA ViDA

Co.mpreender falmente! - «a ii;IGompreensívet secleda·de da vid'a hu· mana».


II7.

Tenho mêdo de pensar . . . Isso trans· ·tornava·.me a vida . . .

E,
Quem dizia isto? Um rapaz! por uni que teve a co: agem de o afirmar, quantos que o sentool e o calam!
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123
É bem verdade que o pensar tra.nsforana U!ffia vida. Eu pão deixo de ser o que sou, só porque não considero suficientemente no que
yale a minha vida.
Há ·iá alguns meses, e talvez anos, que me decidi a fazer todos os dias uma pequelna meditação. Mínimo: dez millmtos. Máximo:
não
vinte minutos. Dizia um psicólogo: Urna pessoa que deixasse dia nenhum sem reflec-tir meia hora nos seus negócios, veria a riqueza
cair-lhe em casa como chuva de oiro: as riquezas sobrenaturais valem, <;e>m certeza, o mesmo .esfôrço)).
Mas que são qu ou :ve ,.winu-
128 DIANTE DA VIDA

tos· cada dia? Que:-o· dar à reflexão ai· guds dias seguidos aos pés de Deus.
Há casas organizadas para estes retiros.
Dirigir-me a elas rima yez por ano.
Reputo muitíssimo verdadeiras as seguintes palavras de Alberto de Mun: «Quem n1l!Ilca fez a experiência não pode saber o que valem
três dias assim passados na meditação, arrancados ao ruído, à agitaiião, ao cuidado dos- negócios, e dados à reflexão e ao exame sério e leal de
si mesmo. Ouso afirmar que não há, tanto para a vida privada como para a vida pública, para os deveres da família como para os de
qualquer função social, para os homens de Estado como para os simples particuláres, nem mais forte nem mais salutar preparação>>.

Conclusão

Não pretendemos ter . sido .completo. Mas tão sõmente fornecer aos jovens, sôbre temas que deveriam ser-lhes familiares, uns "bfey.es_
dados, ·quanto pos-

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DIANTE DA VIDA I29 ·

sível sugestivos, capazes de proyocar

e. de estimular nles .a meditação pes·. soai.


O nosso maior desejo é que estes H yrinhos cheguem a ser, e quanto mais depressa melhor, completamente inúteis.
E, se para alguma-coisa puderem ser-. vir, é ainda aos joyens qp.e se deve
atribuir o mérito que porventura tenham. O autor não fez mais que restituir aos rapazes o que les lhe ensinaram.
LidaJndo com êles há longos anos, muito tem 3lproveitado deste oontacto. Estudantes ou antigos discípulos, com os quais viye ainda ou já
viveu, tanta coisa lhe deram a saber, que é de pura justiça devolver-lhes um p<)uco dos conhecimentos que lhe ajudaTam a adquirir
sôbre as qualidades da juventude, as .suas necessidades as aspirações do seu coração, as dificuldades que en· contram, os sonhos
,

do seu futuro,
Sabendo, por outro lado, que a pa· lav.::a humana, por mais bem adaptao:la que seja - e praza ao Senhor que

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130 DIANTE DA VIDA

as nossas pobres palavras tenham al

gum acerito de realidade! - pouco ou nada pode fazer, se o Mestre a não· toca e ilumina, o autor pedirá todos os dias por todos
os que !l:brirem estas pá
ginas e protiu'ar-ein nelas motivos para mais se unirem a Deus numa oração constant-e e profunda.

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f NDICE Piíg.
"

P!I'ef&i.cio
.. .

IV DeYeres o'e -Estado

- 1440 minutos . . . 11
69 - La.rguez111 de inténções 13
00 - Santidade de mártir 14

61 - O meu quo.1·tc . ..... 16


62 - Fo.zer tudo com· alma 18 63 - A mi•nhp. ido.dé ... ... 20 64 - As minhas mãos .. . ... . .. 21
66 _, Inicia.tivo. . . . .. . .. . .. . .. . 24
. . ..
66 - Com:petência. p;rofisaiO!Illal 25 07 - DeUs nos negócios .. 27
08
- Os chefes .. . ..• ... ... .. . 29

139_- Luz sôb11e o cundeln.hro 31 70 ·.- A minha Espfl'ito a&IDCin.tiVo ·pll'óqttia . . . .. . . . . . .


. ;M 32 n
72 - .A: co.n.fissã . .. ... .. . ... :36
·zs - A peJàvra de D.'eus . . . ·. 3:3 74 - Um; di·reot.or e:Bpii'itunl 39 711 - migO$ . . . .. .. . . . . . 41
132 DIANTE DA VIDA

Apostolado

76 - .
Agora ! . . ... ... ... . . . ... . . . 47
77
- Oa precutsore6 . .., ... ... ... 48
78 -
À desoobertá de mundOs uo-
.
. vos ! .. . . . . . . . . ... ... ... 50

80 -79 - !EVinte s tu a,nos o que . . . há-d- e ... ... ... vir ? _. .. '54 52

81 - A lição do presente . . . . .. 56 82 - Desejos imensos· . . . . .. · ... 57 83 - F.aoto social . . . .. . .. . 139 84 - Dom de si . : . ..- . ... ... 60
85 -A atl"a.cção dos cimo-s .. . 62
.
86 ....., O Riem o de Deus .. .. . ... 64
87 - A a1m!i- de todo o Apostola;do 6.6
.88 - ... 68
Os limites d!!< dedicaçã(J ...
89 .
- Acção combina.d-a .. . . ... . ... 69
90
- Unia() frrna. . . .. 7.1
91
- uAbrir oruninho In 73

VI
O Prl)blemli do Futuro ·

Viver
9392 -- . . . ·. . ; ... ... . .. . :. : .... ... ·-7-917 As pre:i;Hira,çõea.: :: •

Dwr tudo • . .
.
:96:95 -94 -- Vocação Sacerdote ? . . falh · . . -:. . ; : · . .. •• ::-.·.:.;· ... :· . : ::.:. ·... .:. ....-. , . .. .___ ... .'85 ::S1sa

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97 - Cas!mJleilt<i .".: : . . .-. : .. · .. : . :. -87 DIANTE DA VIDA 133

98 - Brotriz .. . . . . . . . . . . . .
. 89
99 O !limor
-
.. ... .
... 90

100 - A fundação do lar 92


101 -
Hereditariedade . 94 102 - Imortalidade ... 97

vn Festas e Devoções

103 - Na.tal . . . ... . . . . . . ... 101

104 -
Ascensão . . . . . . . . . . . . 103 105 - Pentecostes . . . . . . . . 105
.

106 __,
Assumção . . . . . . . . . . . . 100

107 - O srungue português . . . . . . 108

108 - Como eu o amu·ria I . . . . . . 109


109 - A,prender de Cristo Q. .a.ma.r
'!L Cristo . ... .. . ... .. . ... ... 110 - O
..

Calvário . . . . . . . .. . . . . . .
111 - Sôbte o peito do Salv·a.dor. 112 -
Ma,ria . . . . . . . . . . . . . . . . . , ...
111
113 - O PD!Pa, . . . ... .. . .. . .. . . .. na
115
114 - A Sa,nta Missa, . . . ... .. . . .. 117
115 - A castidade pela, Euca·rÍil.ltia
119
121
116 - Todos os dins . .
. ... .. . .. . 12a
124
117 - O proveito de um retiro
127
Conclusão
.
.. .. . .. . . .. .. . .. . . .. . .. 128

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