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R. Colaço, Aços, Cap. 3, pp. 52-75.

Materiais de Construção – Guia de Utilização,


Editores: Mª. Clara Gonçalves, F. Margarido e R. Colaço,
Loja da Imagem – Mkt, ISBN: 972-98882-3-X, 2005
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Rogério Colaço é licenciado em Enge-


nharia Metalúrgica e de Materiais, pelo
Instituto Superior Técnico e doutorado
em Engenharia de Materiais pela Uni-
versidade Técnica de Lisboa. É autor
ou co-autor de mais de 50 publica-
ções em revistas científicas e anais
de congressos internacionais, parte
significativa das quais respeitantes
a trabalhos de investigação desenvolvidos sobre o tema proces-
samento/microestrutura/propriedades de aços. É professor do IST
desde 2002. É membro da Ordem dos Engenheiros, da Sociedade
Portuguesa de Materiais e do The Institute of Materials.
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE MATERIAIS – INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO
Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa – Portugal
Tel.: + 351 21 8418125 • Fax: + 351 21 8418132
E-mail: rogerio.colaco@ist.utl.pt
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A introdução do aço na construção civil, há cerca de sé- 1. INTRODUÇÃO


culo e meio, resultou numa profunda alteração de métodos
2. ESTRUTURA CRISTALINA DO FERRO
e práticas de engenharia civil e numa quase revolução da
paisagem construída. Pretende-se com o texto que se segue 3. PROPRIEDADES MECÂNICAS
descrever, de forma resumida, as principais características 3.1. Deformação elástica
3.2. Deformação plástica
deste conjunto de materiais extraordinariamente diversifi- 3.3. Tenacidade, fractura dúctil e fractura frágil
cado que designamos genericamente por aços. Para tal, ao 3.4. Efeito da temperatura
invés de listar exaustivamente propriedades e característi- 3.5. Dispersão de propriedades
cas de aços existentes no mercado, o que já é feito nas de- 4. EFEITO DOS ELEMENTOS DE LIGA
zenas de catálogos e especificações técnicas de fabricantes 4.1. Carbono
e fornecedores, facilmente adquiríveis, opta-se por descrever 4.2. Outros elementos de liga
resumidamente os fundamentos da tecnologia e da metalur- 5. MICROESTRUTURA
gia física dos aços. Pretende-se que esta abordagem permita
abrir novas perspectivas de utilização e novos critérios de se- 6. OPTIMIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS
6.1. Encruamento
lecção aos especialistas em projecto e selecção de materiais 6.2. Tratamentos térmicos
de construção.
7. CONSTRUÇÃO SOLDADA

8. PRINCIPAIS TIPOS DE AÇOS UTILIZADOS EM CONSTRUÇÃO:


CAMPOS DE APLICAÇÃO E PROPRIEDADES
8.1 Aços estruturais Fe-C
8.2 Aços microligados de elevada resistência
8.3 Aços de liga de temperados e revenidos
8.4 Aços inoxidáveis

9. CONCLUSÃO

10. BIBLIOGRAFIA
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1. INTRODUÇÃO selecção e adequação ao uso aumentando, naturalmente, a


liberdade de concepção do projectista. Desse modo, a uti-
O começo da utilização do aço na construção civil, no
lização do aço veio permitir uma flexibilidade na forma e
primeiro quartel do Séc. XIX, foi uma consequência natural do
dimensões das estruturas que até aí não existia, resultan-
desenvolvimento de tecnologias para a produção industrial de
do num novo paradigma de construção arquitectónica: a
grandes quantidades de aço de forma economicamente viável.
concepção do edifício ou da estrutura não como uma forma
Inicialmente, a necessidade de construção de extensas linhas
mas como um processo. Por outro lado a introdução do aço
de caminho de ferro, utilizando componentes em aço com ge-
na construção civil conduziu a uma alteração profunda dos
ometrias e dimensões padronizadas, resultou no desenvolvi-
limites de projecto e, consequentemente, dos limites volu-
mento de soluções de engenharia que abriram caminho para
métricos e espaciais dos edifícios. Para um leigo, a primeira
a utilização do aço como material estrutural. A utilização do
grande diferença que distingue as grandes construções do
aço viria a dar origem a novos conceitos de construção que
séc. XX das grandes construções de qualquer outra época é
tiravam partido da possibilidade de construir estruturas por
a volumetria. As primeiras são maiores, são mais altas, os
blocos, utilizando pré-formas em aço que eram produzidos
arcos são mais compridos, os vãos são mais longos. Esta
em série. Estavam assim criadas as condições para a utiliza-
alteração radical da volumetria da ocupação espacial das
ção extensiva do aço na construção: um material barato, com
construções é consequência da introdução do aço na cons-
excelentes propriedades mecânicas que podia ser levado para
trução.
o local da construção, na forma de componentes pré-fabrica-
dos passíveis de serem rapidamente montados. Mais tarde, Importa no entanto começar por dizer que o termo “aço”
o aço viria também a ser utilizado como material de reforço não designa um material em particular. Designa antes um
em estruturas de betão, na forma de fio, vigas, varão ou rede conjunto de materiais extraordinariamente diversificado (al-
(cf. cap. I), elevando a resistência a esforços de tracção para gumas centenas de ligas metálicas diferentes são designadas
valores que o frágil cimento Portland por si só não permitia. por “aço”), em termos de composição química, microestrutu-
ra, propriedades e, naturalmente, aplicabilidade. Em comum
Pela primeira vez os engenheiros e arquitectos tinham
todos os diferentes materiais que designamos por “aço” têm o
à sua disposição um material que reunia simultaneamente
facto do seu principal constituinte ser o ferro, ou seja os aços
propriedades como a elevada resistência à tracção e com-
são ligas metálicas à base de ferro. Neste capítulo tentar-se-á
pressão, a enformabilidade por deformação plástica, a sol-
descrever sucintamente as principais características destas
dabilidade, a capacidade de absorção de energia sem entrar
ligas, em particular dos tipos de aços com maior aplicabilida-
em rotura. Além disso, os aços apresentavam um espectro
de em construção civil.
de propriedades relativamente largo, o que possibilitava a
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2. ESTRUTURA CRISTALINA DO FERRO fazer fogueiras sobre areias ricas em óxidos de ferro utilizando ma-
deira ou carvão como combustível: o carbono (proveniente da ma-
Um conjunto de factores parece confluir para explicar o sucesso deira ou do carvão) teria retirado o oxigénio ao ferro e, sob as cinzas
dos aços. O primeiro deles será seguramente o facto do ferro, seu da fogueira, terá ficado um material dúctil, com brilho acinzentado,
principal constituinte, ser um metal extraordinariamente abundan- que teria atraído os nossos antepassados. Esse material era ferro
te na crosta terrestre e por isso as suas ligas serem (ou poderem metálico. Contudo ao aquecer o óxido de ferro na fogueira, não só o
ser) relativamente baratas quando comparadas com outras ligas óxido teria sido reduzido como também algum carbono terá migrado
metálicas à base de elementos menos abundantes (titânio, cobalto, para dentro do ferro. E é esta junção entre carbono e ferro, ocorrida
níquel, etc.). pela primeira vez há alguns milhares de anos, que vem a originar o
aço. No ponto 4 deste capítulo explicar-se-á mais detalhadamente o
O ferro é um metal, sólido à temperatura ambiente. Quer isto dizer efeito do teor em carbono nas propriedades mecânicas dos aços.
que num pedaço de ferro os átomos estão ligados entre si por uma
ligação química forte, que se designa por ligação metálica. Este tipo A ligação metálica mantém os átomos de ferro dispostos de uma for-
de ligação, comum a todos os compostos que designamos por me- ma organizada no espaço. Esta organização espacial dos átomos de
tais e que facilmente reconhecemos (pelo brilho, sensação de frio ferro designa-se por estrutura cristalina. Espacialmente, os átomos
ao toque, ductilidade, etc.), tem a particularidade de todos os áto- de ferro estão dispostos segundo uma geometria cúbica. Fila após
mos partilharem entre si os seus electrões mais externos, forman- fila os cubos formam um plano, e plano após plano todo o espaço é
do uma banda de electrões livres (banda de valência) que mantêm ocupado por estes cubos. Tomando um desses cubos, à temperatu-
a coesão do conjunto. É à existência desta banda de electrões livres ra ambiente, veríamos oito átomos de ferro ocupando os vértices do
(livres no sentido que se podem mover livremente, uma vez que não cubo e um ocupando o centro do cubo. Essa disposição arrumada
pertencem a nenhum átomo em particular) que se deve uma das dos átomos de ferro designa-se por estrutura cúbica de corpo cen-
peculiaridades mais características dos metais: o facto de serem trado (CCC). Temos assim os átomos de ferro sólido, à temperatura
condutores de electricidade. ambiente, formando um cristal com uma estrutura cúbica de corpo
centrado (figura 1.a). Este tipo de ferro – esta fase – designa-se por
No entanto o ferro ocorre na natureza ligado ao oxigénio, ou seja na ferrite e pode conter átomos de outras espécies nela dissolvidos,
forma de óxidos de ferro. Esses óxidos de ferro (os mais comuns conforme se verá um pouco mais adiante.
designam-se por hematite e magnetite) têm o aspecto de areias
avermelhadas ou amareladas, que muitas vezes observamos em O ferro funde a 1539ºC. No entanto, desde a temperatura ambiente
afloramentos rochosos, em taludes ou cortes junto à orla costeira. até 1539 ºC outras transformações ocorrem antes da fusão. A 912
Em termos de propriedades, estes óxidos de ferro pouco ou nada ºC os átomos de ferro alteram a geometria da sua arrumação: oito
têm em comum com o ferro metálico e menos ainda com o aço. Para átomos de ferro continuam a ocupar os vértices do cubo, mas agora
termos aço é preciso retirar o oxigénio do ferro, aquilo a que se cha- deixa de existir o átomo central passando a haver seis novos átomos
ma reduzir o óxido a ferro metálico. no centro de cada uma das faces do cubo. Ou seja, ao ultrapassar 912
ºC a estrutura cristalina do ferro altera-se: deixa de ser cúbica de
Não se sabe como foi conseguida pela primeira vez a redução do corpo centrado e passa a ser cúbica de faces centradas, CFC (figura
óxido de ferro, mas sabe-se que o carbono tem uma afinidade maior 1.b). Esta fase é designada por austenite e é uma fase com maior
para o oxigénio que o ferro. Assim, o oxigénio tem tendência para compacidade e mais densa do que a ferrite. Por isso a transforma-
passar do ferro para o carbono, se a temperatura for suficientemen- ção ferrite›austenite, no aquecimento, implica uma contracção do
te elevada para que esta reacção possa ocorrer. Desse modo, supõe- ferro, que pode ter algumas implicações tecnológicas importantes
se (especula-se) que o ferro metálico foi obtido pela primeira vez ao (acumulação de tensões internas, distorções, fissuração).
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Figura 1. a) Célula estrutural cúbica de corpo centrado (Tamb< T <912 ºC);


b) Célula estrutural cúbica de faces centradas (912 ºC < T < 1394 ºC).

À medida que se aumenta a temperatura, os átomos de ferro ainda


se rearranjam uma vez mais antes da fusão ocorrer: a 1394 ºC re- Figura 2. Curva de tracção uniaxial típica de um material metálico.
agrupam-se novamente numa estrutura cristalina CCC. Estas alte-
rações da estrutura cristalina do ferro durante o aquecimento até extensão corresponde à deformação elástica do material. O regime
à fusão, que são designadas por transformações alotrópicas, tem de deformação elástica do material caracteriza-se pela total rever-
implicações dramáticas sobre as propriedades dos aços, conforme sibilidade da deformação, ou seja, após ser descarregado o material
será discutido nos pontos seguintes. recupera a sua forma original. O declive desta curva é o módulo de
Young, E, que tem um valor aproximadamente constante para todos
3. PROPRIEDADES MECÂNICAS os aços: cerca de 200 GPa. O valor de E é uma medida da rigidez
do material: um material com maior módulo de Young deformará
Conforme já mencionado, em geral os aços de construção (e as menos, em regime elástico, quando submetido a uma determinada
restantes ligas metálicas) são dúcteis, ou seja sofrem uma defor- tensão.
mação plástica considerável antes de ocorrer fractura. Neste ponto
serão considerados alguns aspectos particulares relacionados com A área abaixo da curva de tensão/extensão tem unidades de energia
este tipo de comportamento. por unidade de volume. No domínio elástico esta área corresponde
à energia que o material pode absorver reversivelmente, e desig-
Uma curva tensão/extensão (ou força/alongamento) obtida num na-se por resiliência (ver fig. 4). A tensão máxima a que o material
ensaio de tracção uniaxial de uma aço tem o andamento típico pode ser submetido em regime elástico designa-se por tensão de
exibido na figura 2. Esta curva permite evidenciar um conjunto de cedência, σced. Este é talvez o parâmetro mais importante para o
características e definir um conjunto de parâmetros fundamentais projectista uma vez que, em serviço, o material nunca poderá ser
à caracterização das propriedades mecânicas dos aços, que apre- submetido a solicitações que resultem em tensões superiores a
sentaremos em seguida. este valor. Tal implicaria a deformação permanente do componente
e a consequente perda da sua funcionalidade.
3.1 Deformação elástica
Na maioria dos materiais não existe uma descontinuidade da deriva-
A primeira parte da curva, em que a tensão varia linearmente com a da da curva tensão/extensão (como existe no esquema da figura 2),
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o que dificulta a determinação do valor exacto da tensão de cedência.


Nesses casos utilizam-se alguns critérios (mais ou menos arbitrários)
para a determinação da tensão de cedência. Um dos critérios mais co-
muns é o recurso à chamada tensão de offset a 0.2%, em que se traça
uma linha paralela à curva de tracção desviada 0.2%, determinando-
se o ponto de intersecção dessa linha com a curva de tracção (figu-
ra 3.a). O ponto de intersecção é a tensão de cedência a 0.2%. Esta
tensão naturalmente, corresponde a uma sobre-estimativa da tensão
de cedência, sobre-estimativa essa que terá de ser compensada em
projecto com um coeficiente de segurança adequado.

Nos aços macios (tipicamente aços com teores de carbono inferio-


res a 0.05%) recozidos, a cedência é descontínua, ou seja, existe
um patamar na transição do regime de deformação elástica para o
regime de deformação plástica, que se ilustra na figura 3.b.

3.2 Deformação plástica.

Uma vez ultrapassada a tensão de cedência o material entra no regi- Figura 3.a) Determinação da tensão
me de deformação plástica, ou seja, num regime em que ocorre de- de offset a 0.2%; b) Cedência des-
contínua num aço-carbono macio;
formação permanente. A secção da curva de tracção corresponden- c) Ciclo carga descarga em que a
te à deformação plástica caracteriza-se por uma variação não linear tensãode cedência é ultrapassada.
da tensão com a extensão (ou da força com o alongamento) o que
permite diferenciar com alguma facilidade os dois regimes de defo-
mação. Num ensaio de tracção uniaxial, se a tensão de cedência for
ultrapassada, após descarregar o material apenas a componente de
deformação elástica é recuperada (figura 3.c), podendo-se verificar
que ocorreu um aumento do comprimento de prova e uma redução
permanente da área perpendicular ao eixo de tracção.

Apesar da variação ser não linear, verifica-se que, em geral, nas li-
gas metálicas à temperatura ambiente, o aumento da deformação
plástica implica um aumento da tensão aplicada (ao contrário, por
exemplo, da plasticina que continua a sua deformação permanente
quando a tensão aplicada é constante, dizendo-se por isso que flui).
Assim, a variação da tensão com a extensão das ligas metálicas no
domínio plástico, é aproximada por uma lei de potência do tipo:

tensão=K.(extensão)n
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xial designa-se por zona de estricção, sendo nessa zona que ocorre
a fractura do material.

O valor da tensão máxima uniforme impõe um limite máximo à de-


formação plástica a que o material pode ser submetido antes de ser
colocado em serviço. Por exemplo suponha-se que um painel de aço
é submetido a uma quinagem (dobragem), sendo em seguida colo-
cado em determinada aplicação estrutural. Se durante a quinagem
σmu foi ultrapassada em determinada região do painel então nessa
região iniciou-se o processo de rotura, com formação de pequenas
microfissuras no interior do material. Apesar de essas microfissu-
ras poderem não ser detectáveis por observação (macroscópica
ou microscópica) são locais de concentração de tensões, podendo-
se propagar gradualmente quando o painel é colocado em serviço,
mesmo se este estiver submetido a tensões inferiores à sua tensão
Figura 4. Estimativa da resiliência e tenacidade do material a partir da curva de tracção uniaxial. de cedência tabelada. Daí poderá resultar uma fractura extemporâ-
nea do componente, de difícil previsão na fase de projecto.
em que K e n são constantes, características de cada material.
A área abaixo da curva tensão vs. extensão é a energia (por unidade
Este aumento continuo da tensão necessário para que o metal con- de volume) absorvida pelo material desde o início da deformação
tinue a deformar plasticamente designa-se por encruamento. Voltar- até à fractura (ver fig. 4). É uma medida da tenacidade do material.
se-á a falar do encruamento no ponto 6, em particular como podere- No ponto seguinte serão referidas algumas particularidades desta
mos tirar partido desta característica para aumentar a resistência importante característica mecânica dos materiais.
mecânica do aço*.
3.3 Tenacidade, fractura dúctil e fractura frágil.
A curva carga vs. alongamento ou tensão nominal vs. extensão no-
minal (ver definições, por ex., em G. E. Dieter, Mechanical Metallur- Conforme referido anteriormente, a tenacidade é a energia que o
gy, 3rd edition, McGraw-Hill Book Company, 1988) de um metal em material absorve (ou dissipa) por deformação plástica até à frac-
tracção uniaxial, apresenta um máximo no domínio de deformação tura. A tenacidade normalmente não é considerada directamente no
plástica. Esse máximo corresponde ao início do processo de rotura, projecto de construção. No entanto é uma propriedade importante,
que culmina na fractura do material. Até esse máximo ser atingido a sobretudo na selecção de aços estruturais que serão utilizados em
deformação plástica do provete é uniforme, designando-se por isso condições que possam resultar no perigo de fractura frágil (por frac-
a tensão correspondente ao máximo por tensão máxima uniforme tura frágil entende-se, neste contexto, uma fractura que ocorra com
(σmu). A partir de σmu começam a aparecer microfissuras no interior um mínimo de deformação plástica do material).
do material que se vão propagando até à fractura e a deformação
deixa de ser uniforme: a velocidade de deformação na região onde A tenacidade do material pode ser estimada sobretudo de duas formas:
aparecem as fissuras é superior à velocidade de deformação nas
restantes porções do provete devido à concentração de tensões na • Pela área abaixo da curva de tracção (como referido anteriormen-
vizinhança dessas fissuras. Daí resulta uma deformação localizada. te). Este método é pouco adequado, porque é pouco representati-
Essa zona de deformação localizada, num ensaio de tracção unia- vo da resposta do material em condições de impactos súbitos, ou
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seja um aço que apresente uma tenacidade relativamente elevada


para velocidades de deformação baixas, poderá ter um comporta-
mento frágil se a velocidade de impacto for elevada.

• Recorrendo a ensaios de impacto normalizados (ensaios Charpy


ou Izod). Nestes ensaios um pêndulo em movimento é feito colidir
com um provete de geometria e dimensões normalizadas, medin-
do-se a energia dissipada no impacto.

Na prática, os ensaios de impacto são o método mais usado para de-


terminar a tenacidade do material. Em particular estes ensaios são
utilizados para determinar a temperatura de transição dúctil-frágil
do material (TTdúctil/frágil). A transição dúctil-frágil é uma transição
que alguns aços apresentam em que o comportamento mecânico
do material deixa de ser de carácter essencialmente dúctil para pas-
sar a frágil, quando a temperatura é inferior a um determinado valor
crítico: (TTdúctil/frágil). Deverá, como tal, ser considerada com algum
cuidado na fase de selecção de materiais, em particular se a estru-
tura estiver submetida a condições ambientais que envolvam dimi-
nuições acentuadas de temperatura. Alguns tipos de aços, como os
aços inoxidáveis austeníticos (ver ponto 8.4), não apresentam esta
transição enquanto que alguns aços-carbono poderão apresentar
transição dúctil frágil para temperaturas próximas de 0º C. Figure 5. Superfícies típicas de fractura obtidas num ensaio Charpy:
(a) fractura frágil; (b) fractura mista (dúctil/frágil) (c) fractura dúctil.
Em termos de projecto, a fractura do material sob tensões inferiores
às suas tensões críticas tabeladas deverá ser considerada sobre- associada a uma fractura dúctil, enquanto uma superficie de frac-
tudo quando a estrutura tem concentradores de tensões (furos, tura mais lisa e clivada está associada a uma fractura frágil (ver
chanfros agudos, etc). Um projecto cuidadoso poderá minimizar os figura 5).
efeitos de concentração de tensões associados a descontinuidades
da estrutura, ângulos fechados e furações. Por outro lado importa 3.4 Efeito da temperatura
ter em conta que, em geral, a tenacidade à fractura do aço é superior
em aços com teores de carbono mais reduzidos, grão mais refinado As propriedades mecânicas dos aços são muito afectadas por tem-
(ver ponto 5). O recozimento de alívio de tensões (aquecimento e peraturas elevadas. Temperaturas superiores a 500 ºC podem resul-
estágio do aço a temperaturas sensivelmente entre 250 e 400 ºC, tar em alterações da microestrutura (ver ponto seguinte) e/ou em
seguida de arrefecimento lento) também poderá resultar num au- deformação irreversível quando o material é submetido a esforços
mento da tenacidade do aço. relativamente pequenos, uma vez que a tensão de cedência pode
diminuir abruptamente (ver figura 6). Por outro lado, a exposição do
A análise de uma superfície de fractura de um aço permite deter- aço a temperaturas elevadas pode originar corrosão ou erosão se-
minar com alguma facilidade o tipo de fractura. Uma superfície de vera da superfície, da qual poderá resultar a perda de funcionalidade
fractura fibrosa com evidência de extensa deformação plástica está do componente. O módulo de Young dos aços, que é sensivelmente
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Figura 7. Distribuição de propriedades mecânicas numa chapa de aço ASTM A285. Os da-
dos referem-se a 224 chapas de aço com esta especificação compradas a 6 fornecedores
durante um período de oito anos (fonte: Metals Handbook (9th ed.). Vol. 1 Properties and
Selection: Irons, Steels, and High-Performance Alloys, ASM International, 1990, p. 195).

tão em diferentes componentes. O problema da variabilidade das


propriedades mecânicas deve-se sobretudo a pequenas diferen-
ças na composição química do aço, ou a pequenas diferenças
no seu historial térmico e mecânico durante o processo de ma-
nufactura.

A título de exemplo apresenta-se na figura 7 a distribuição de pro-


priedades do aço de construção ASTM A285. Naturalmente que, ape-
sar do espectro de variação ser relativamente estreito, este tipo de
Figura 6. Variação de tensão de cedência de um aço-carbono de construção com a temperatura. variabilidade deverá ser levada em consideração, quer por fornece-
dores, quer por utilizadores, acautelando o controlo de qualidade da
200 GPa à temperatura ambiente, decresce para 170 GPa a 480 ºC, matéria prima e as especificações de projecto.
diminuindo abruptamente a partir dessa temperatura, daí resultan-
do a perda da rigidez da estrutura. 4. EFEITO DOS ELEMENTOS DE LIGA

Destas alterações das propriedades do aço com a temperatura, re- 4.1 O carbono
sulta que a exposição prolongada ao fogo de uma estrutura de aço
pode originar perda de capacidade de sustentação da estrutura e/ O ferro puro é pouco interessante do ponto de vista das suas pro-
ou danos irreversíveis na sua funcionalidade. priedades mecânicas: é excessivamente macio, dúctil e com baixa
resistência a esforços. Contudo, a adição de pequenas proporções
3.5 Variabilidade das propriedades mecânicas de carbono altera radicalmente as propriedades mecânicas do fer-
ro. O teor de carbono nos aços não ultrapassa nunca 2% em massa,
Os aços são, porventura, dos materiais de construção com maior sendo que nos aços estruturais em geral, o teor de carbono não ul-
uniformidade de propriedades. No entanto, algumas variações trapassa 0.3%. As ligas de ferro com teores de carbono superiores
nas propriedades mecânicas de um determinado aço podem a 2% designam-se por ferros-fundidos e, apesar de representarem
ocorrer em diferentes locais de um mesmo componente ou en- um conjunto relativamente importante de materiais de construção
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Figura 8. Esquema do movimento de uma deslocação (cunha) numa rede cristalina.

(sobretudo na construção do sec. XIX e da primeira metade do sec. e que o dobramos até que o limite elástico do material seja ultrapas-
XX), não serão tratados neste capítulo. sado. Podemos fazê-lo facilmente e, ao fazê-lo, alteramos de forma
permanente a geometria do arame, que passou a estar dobrado. O
O átomo de carbono tem uma massa quatro vezes e meia inferior à que é que aconteceu aos átomos de ferro (que anteriormente se ar-
massa do ferro e um volume vinte e sete vezes inferior. Em termos rumavam formando um pedaço de arame direito) quando dobrámos
dimensionais, a diferença entre os átomos de carbono e de ferro o arame?
pode ser comparada à diferença entre uma bola de ténis e uma bola
de futebol. Como compreender então que adições de quantidades A resposta está, mais uma vez, na ligação metálica e na estrutura
tão pequenas, de um átomo tão aparentemente insignificante como cristalina das fases que constituem o material. Por um lado, como
o carbono, conduzam a alterações tão grandes nas propriedades do anteriormente referido, a ligação metálica baseia-se na partilha de
ferro? A primeira resposta a esta pergunta está precisamente no electrões livres por todos os átomos, o que permite que os átomos
facto do átomo de carbono ser muito mais leve do que o átomo de de ferro - arrumados em planos atómicos na estrutura cristalina -
ferro. Isto implica que a proporcionalidade atómica é maior do que a sob o efeito da força, escorreguem uns sobre os outros, sem que
proporcionalidade mássica. Por exemplo um aço com 0.2% em per- exista necessariamente rotura do material. Por outro lado as estru-
centagem mássica de carbono tem 1% em percentagem atómica. No turas cristalinas não são perfeitas, tendo vários tipos de defeitos
entanto isto não basta para explicar o acentuado efeito da adição (lacunas, interstícios, limites de grão, etc.). De entre os defeitos
de carbono ao ferro. que naturalmente existem na rede cristalina de uma fase metálica,
existe um tipo que tem uma influência dramática sorbre as proprie-
Considere-se um pedaço de arame (praticamente ferro puro já que o dades mecânicas do material: são as deslocações, que se ilustram
teor de carbono não excederá no arame 0.05%) inicialmente direito na figura 8. De uma forma simples, as deslocações facilitam o escor-
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regamento dos átomos uns sobre os outros durante a deformação ferrite, rica em ferro) e outra dura e frágil (a cementite, mais rica em
plástica. Desse modo, é o movimento e a geração de deslocações carbono) podem ser facilmente observadas num microscópio óptico
que, genericamente, controlam a cedência do material (a passagem e constituem aquilo que se designa por microestrutura do aço (ver
do regime de deformação elástica para o regime de deformação ponto 5 deste capítulo). Esta microestrutura bifásica, formada por
plástica), os mecanismos de deformação plástica, e o comporta- ferrite e cementite, actua de forma que pode ser (embora grosseira-
mento do material em deformação plástica. A passagem do regime mente) comparável à de um material compósito (por exemplo uma
de deformação elástica (deformação reversível) para o regime de raqueta de ténis formada por uma matriz polimérica reforçada por
deformação plástica (irreversível) é uma consequência do início fibras de vidro).
do movimento das deslocações e da criação de novas deslocações,
quando é ultrapassada a tensão de cedência. Quanto mais difícil for 4.2 Outros elementos de liga
a activação destes mecanismos, maior será a tensão de cedência
do material, e maior será a sua resistência mecânica. Para além do carbono outros elementos de liga podem ser adiciona-
dos, contribuindo também para alterar propriedades do aço ou para
Considere-se agora a adição de carbono ao ferro. Sendo os átomos lhe conferir determinados atributos. Apesar do elevado número de
de ferro muito maiores do que os átomos de carbono, este últimos elementos de liga que podem entrar na composição química de um
podem ocupar os interstícios entre os átomos de ferro. Esses áto- aço, o princípio de design de um aço é relativamente simples: existe
mos de carbono são agora obstáculos ao movimento das desloca- uma matriz rica em ferro, que confere tenacidade ao material, que
ções: quanto mais átomos de carbono ocuparem os interstícios na é reforçada por uma dispersão de carbonetos mais duros e frágeis.
estrutura cristalina do ferro, mais difícil será a mobilidade das des- Assim, os elementos que entram na constituição dos aços podem
locações, e maior será a tensão de cedência (a “resistência mecâ- ser divididos em dois conjuntos: os elementos formadores da matriz
nica”) do aço. Consequentemente, e voltando ao exemplo do arame, e elementos que, conjuntamente com o carbono, formam carbone-
se aumentássemos o seu teor em carbono maior seria a força que tos de reforço.
teríamos de fazer para o dobrar. Este mecanismo é designado por
endurecimento por solução sólida. Conforme anteriormente referido, o principal constituinte da matriz
de um aço é o ferro. No entanto, no caso de alguns aços verificou-se
A estrutura CCC do ferro, a ferrite, estável até cerca de 911ºC, devi- que a adição de cobre (Cu), níquel (Ni) ou cobalto (Co), que entram
do à sua configuração espacial, só consegue dissolver no máximo na constituição da matriz, pode melhorar determinadas proprieda-
0,025% de carbono. Se for introduzida uma proporção de carbono des específicas. A adição de teores de Cu até 0.8% a aços de cons-
superior a esta no ferro acontecerá o mesmo que quando coloca- trução resulta num aumento da resistência à corrosão do material
mos muito açúcar num copo de água: este precipita. No caso do aço e numa alteração da tonalidade da superfície (que passa a acasta-
o excesso de carbono precipita formando um carboneto de ferro: o nhada após ser colocada em uso), alteração essa que pode ser es-
Fe3C, designado por cementite. Este carboneto é duro e frágil e a sua teticamente aproveitada. O Co aumenta a temperatura de início de
precipitação no interior da matriz de ferrite aumenta ainda mais a fusão do aço, tornando-o mais refractário (mais resistente à tem-
resistência mecânica do material. peratura). No entanto, a adição de Co tende a reduzir a tenacidade
da matriz e, geralmente, as adições de Co em aços refractários não
O mecanismo de aumento da resistência mecânica decorrente da deve ultrapassar 5%, não sendo frequente encontrar na composição
precipitação de uma segunda fase designa-se, naturalmente, por de aços de construção comerciais teores significativos de Co. O Ni
endurecimento por precipitação. Quanto mais carbono, maior a pro- expande o domínio austenítico o que é extremamente importante no
porção do cementite, maior resistência mecânica e maior dificul- aços inoxidáveis de construção soldada (ver ponto 7).
dade em deformar plasticamente o aço. Estas fases, uma macia (a
3_AÇOS
060

Outros elementos de liga, como o manganês (Mn), o azoto (N), o silí- O tungsténio (W) e o molibdénio (Mo) têm funções similares, sendo
cio (Si), poderão também ser dissolvidos em pequenas quantidades a opção por um ou por outro tomada essencialmente com base em
pela matriz ferrítica do aço, contribuindo para o seu endurecimento critério de ordem económica. Estes elementos formam o carboneto
por solução sólida. O endurecimento que resulta da adição de ele- η ( M6C) cuja composição varia entre Fe3W3C e Fe4W2C, no caso dos
mentos de liga depende essencialmente da diferença entre a dimen- aços só com W, ou no caso mais geral (Fe, Mo, W)6C. O carboneto η
são e estrutura electrónica dos átomos de soluto e dos átomos de é pouco solúvel na matriz austenítica e, como tal, o W e o Mo contri-
solvente, que no caso dos aços são os átomos de ferro. Em soluções buem pouco para a temperabilidade do aço. A adição de vanádio (V)
sólidas diluídas o endurecimento causado pelos átomos de soluto é ou nióbio (Nb) aos aços, visa essencialmente produzir o carbone-
aproximadamente proporcional à concentração. Conforme anterior- to MC (M para o elemento metálico, por ex., NbC). As partículas de
mente referido, os átomos de soluto distribuídos de forma aleatória MC são normalmente angulares, apresentando uma dureza extre-
pela rede cristalina da solução sólida dificultam o movimento das mamente elevada, aumentando significativamente a resistência à
deslocações, o que resulta num aumento da tensão de cedência do abrasão dos aços. Por outro lado o carboneto MC precipita nos limi-
aço. Contudo se os átomos de soluto se concentrarem preferencial- tes de grão impedindo a coalescência de grão durante a austeniti-
mente em torno das deslocações exercem um efeito mais pronuncia- zação (aumento do tamanho de grão), possibilitando a obtenção de
do na sua estabilização, daí resultando um aumento substancial na aços com tamanho de grão mais fino, o que contribui para aumentar
tensão necessária para que o movimento das deslocações se inicie. simultâneamente a tensão de cedência, a tenacidade e a soldabili-
dade (ver ponto 7 deste capitulo) do aço.
Durante a década de 50 os metalurgistas Gladman e Pickering de-
senvolveram equações semi-empíricas que permitem estimar al- A adição de crómio (Cr) aos aços tem com função promover a for-
gumas propriedades mecânicas de aços, em particular a tensão de mação de carbonetos, aumentar a temperabilidade (ver ponto 6.2),
cedência, a tensão máxima uniforme e a temperatura de transição aumentar a resistência à corrosão e retardar o envelhecimento du-
dúctil-frágil (TTdúctil/frágil), com base na composição química. Para rante o revenido (ver ponto 6.2). No dos aços de construção o teor
aços-carbono estruturais (ver ponto 8) essas equações assumem de crómio normalmente não ultrapassa 1%. Este cenário altera-se
a seguinte forma: quando se pretende aços com elevadas resistências à corrosão, os
designados aços inoxidáveis (ver pontos 7 e 8). Aí o teor de crómio
σced (MPa) = 53.9+32.3%Mn+83.2%Si+354%N+17.4d-1/2
σmu (MPa) = 294+27.7%Mn+83.2%Si+3.85%(perlite)+17.4d-1/2
TABELA 1 – Elementos de liga e funções típicas nos aços.
TTdúctil/frágil (ºC) = -19+44%Si+100(%N)1/2+2.2%(perlite)-11.5%d-1/2
Elemento Funções típicas
em que d é o tamanho de grão em mm e N o teor de azoto no aço. A C, Ni, Co, Mn, Si, Cu, Cr Formação de uma solução sólida (em que
perlite será definida no ponto 5. o solvente é o ferro) de onde resulta um aumento
resistência mecânica (C,Ni, Mn, Si, Cu)
ou da resistência à corrosão (Cr)
A quantidade e tipo dos carbonetos de reforço presentes no aço é,
naturalmente, função do teor de carbono do aço mas também do C, V, Mo, Nb, W Formação de carbonetos (compostos
estequeométricos formados por carbono
tipo e teor dos elementos de liga que a ele se ligam para formar e um elemento metálico) que contribuem
carbonetos. Para além do ferro que forma a cementite (Fe3C), como para aumentar a dureza do aço e a sua resistência
anteriormente foi referido, os elementos carburígenos (W, Mo, V, Nb ao amaciamento quando exposto a temperaturas
mais elevadas.
e Cr) têm características diferentes e podem ser divididos em dois
Pb, S, P Formação de uma segunda fase que promove
grupos: os elementos formadores de carbonetos duros (W/Mo e V/
a maquinabilidade do aço
Nb) e o Cr.
MATERIAISDECONSTRUÇÃO GUIA DE UTILIZAÇÃO
061

deverá ser superior a 12% de forma a passivar o aço, impedindo a tas e engenheiros de materiais sistematizam esta informação em
sua corrosão quando exposto à atmosfera. diagramas, que designam por diagramas de fases. A figura 9 mostra
o diagrama de fases ferro - carbono.
Um conjunto relativamente vasto de outros elementos podem apa-
recer na composição de uma aço, quer em consequência do próprio Foi anteriormente referido que a 912 ºC ocorre uma transformação
processo de fabrico e refinamento do aço (como é o caso do fósforo alotrópica em que o ferro passa de uma estrutura CCC para uma es-
(P) ou do Mn), quer sendo adicionados propositadamente em pe- trutura CFC, a austenite. A austenite pode dissolver 2% de carbono,
quenas quantidades visando obter determinados benefícios (como quase 100 vezes mais do que a ferrite. Desse modo, num aço que te-
por exemplo o Si). Por outro lado, dependendo dos teores de cada nha, por exemplo, um teor de carbono de 0.5% (ver linha vertical na
elemento estes também podem desempenhar funções diferentes figura 9) e que seja aquecido até 1000ºC, todo o carboneto desapa-
no aço, o que de facto conduz a um espectro de propriedades ex- recerá da microestrutura porque o carbono será dissolvido pela fase
traordinariamente diversificado. De um modo resumido, a Tabela 1 rica em ferro (aquecendo a água com açúcar precipitado no fundo
apresenta um conjunto de elementos e repectivas funções genéri- este também desaparecerá). Considere-se agora que se procede ao
cas, que podem fazer parte de um aço de contrução. arrefecimento deste aço, lentamente, seguindo o material as trans-
formações previstas no diagrama termodinâmico de equilíbrio de
5. MICROESTRUTURA fases, da figura 9. A cerca de 750 ºC entrar-se-á no domínio bifásico
austenito-ferrítico, o que corresponderá ao aparecimento da ferrite
Consoante a composição química e a temperatura a que está sub- (dado que a austenite já existia anteriormente). A 727 ºC a austenite
metido, o aço pode apresentar diferentes microestruturas, a que ainda existente desaparecerá, transformando-se em ferrite e ce-
correspondem diferentes propriedades mecânicas. Os metalurgis- mentite (Fe3C). Esta transformação no arrefecimento da austenite

Figura 10. Microestrutura de um aço Fe-0.5%C arrefecido lentamente desde o domínio


Figura 9. Diagrama de equilíbrio de fases Fe-C. austenítico (≈ 2 500 x).
3_AÇOS
062

em ferrite e cementinte, designa-se por transformação eutectóide, deixa de ser a original, passando a ser a tensão máxima atingida na
e origina uma microestrutura bastante característica que se apre- deformação anterior. Este tratamento mecânico, utilizado frequen-
senta na figura 10. Esta microestrutura é formada por lamelas de temente em aços de construção é por vezes designado por pré-de-
ferrite e cementite, sendo normalmente designada por perlite. Nos formação ou pré-esforço e dele resulta um aumento da tensão de
aços com teores de carbono até 0.8% (como é o caso da mioria dos cedência do material.
aços de construção) arrefecidos lentamente, a proporção de perlite
aumenta linearmente com o aumento do teor de carbono, o que cor- Relativamente aos aços pré-deformados é importante ter em consi-
responde a uma tendência para o aumento da tensão de cedência deração dois aspectos. Por um lado, a pré-deformação resulta tam-
do aço. bém numa diminuição da tenacidade do aço, ou seja da capacidade
de absorção de energia do material quando submetido a impactos
6. OPTIMIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS violentos. Por outro lado um aço pré-deformado quando submetido
a uma temperatura da ordem de algumas centenas de graus (tipica-
A utilização do aço como material estrutural assenta, como foi mente entre 300 e 600 ºC) recristaliza, ou seja, de uma forma sim-
antes referido, sobretudo na sua resistência e ductilidade. Estas ples, a rede de deslocações criada durante a deformação plástica a
propriedades dependem essencialmente da composição química que o material foi submetido é eliminada. Em consequência a tensão
(anteriormente mencionada) e da história mecânica e térmica do de cedência do material regressa ao seu valor original: o material
aço. Estes dois últimos aspectos serão abordados de modo sucinto amacia. Desse modo os aços pré-esforçados são de difícil soldabili-
neste ponto. dade, uma vez que na vizinhança da soldadura, ocorre amaciamento
e uma diminuição das propriedades mecânicas do material.
6.1 Encruamento
6.2 Tratamentos térmicos
Uma vez ultrapassada a tensão de cedência de uma liga metáli-
ca inicia-se o escorregamento dos átomos uns sobre os outros à Os tratamentos térmicos dos aços podem ser definidos como um
custa do movimento e criação de deslocações, o que resulta na conjunto de operações envolvendo o aquecimento e arrefecimento
deformação permanente do material a que chamamos “deforma- do material, em estado sólido, visando obter uma determinada mi-
ção plástica”. Assim, à medida que a deformação plástica conti- croestrutura que resulta na alteração de determinado conjunto de
nua, a densidade de deslocações aumenta e uma rede cada vez propriedades (mecânicas ou outras) do material.
mais complexa de deslocações surge na rede cristalina do mate-
rial. O aumento da densidade de deslocações vai tornando cada Os aços-carbono estruturais em geral são utilizados no estado re-
vez mais difícil o movimento das próprias deslocações, uma vez cozido ou normalizado, ou seja a sua microestrutura corresponde,
que estas começam a interagir umas com as outras. Daí resulta grosso modo, à microestrutura de equilíbrio, descrita no ponto 5. No
que a deformação plástica dos aços (e das ligas metálicas em entanto, para obter determinado conjunto de propriedades poderá
geral) à temperatura ambiente não ocorra a tensão constante, ser necessário submeter o aço a um tratamento térmico de têmpera
conforme foi mencionado no ponto 3.2, ou seja, o aço sofre en- e revenido. No caso dos aços de construção, isto é válido sobretudo
cruamento. para os aços ligados descritos no ponto 8.3. Como tal, torna-se perti-
nente descrever de modo sucinto estes tratamentos térmicos.
O encruamento das ligas metálicas, e dos aços em particular, tem
uma consequência importante: é que a resistência mecânica pode Se a partir da temperatura em que o aço é formado apenas por aus-
ser aumentada fazendo uma pré-deformação acima do limiar de tenite, que depende da sua composição química mas tipicamente
cedência (cf. fig. 3.c). Ao fazê-lo a tensão de cedência do material ronda os 1000ºC (ver diagrama da figura 8), o aço for arrefecido
MATERIAISDECONSTRUÇÃO GUIA DE UTILIZAÇÃO
063

Assim, se após a austenitização, a taxa de arrefecimento for supe-


rior a uma determinada taxa crítica (dependente da composição do
material) forma-se martensite Essa taxa crítica (a “rapidez” do arre-
fecimento a que o aço tem de ser submetido para impedir a difusão
do carbono e dos outros elementos de liga resultando na solução
sólida sobressaturada que designamos por martensite) depende
da composição química do aço. Os engenheiros metalúrgicos colec-
tam essa informação em diagramas semelhantes ao da figura 11,
que designam por diagramas TTT (tempo, temperatura e transfor-
mação). Estes diagramas são, de um modo simples, constituidos
por duas curvas em C e por duas linhas horizontais. As curvas em
C representam o início e o fim das transformações difusivas (que
originam as fases de equilíbrio: ferrite e carbonetos) enquanto que
as linhas horizontais definem as temperaturas de início e fim da
transformação martensítica (designadas por temperaturas Ms e Mf,
respectivamente). Se pretendermos temperar o aço a velocidade de
arrefecimento tem de ser tal que as curvas em C não sejam inter-
ceptadas pela curva de arrefecimento (ver figura 11). Desse modo
quanto mais para a direita estiverem as curvas em C do aço mais
fácil é a sua têmpera, e por isso diz-que que o aço tem maior tem-
perabilidade.

Os elementos de liga podem-se dividir entre alfagénios e gamagénios,


consoante expandem o domínio ferrítico ou o domínio austenítico,
Figura 11. Diagrama TTT de um aço Fe-0.8%C
respectivamente. Todos os elementos carburígenos são alfagénios,
à excepção do Mn, enquanto que o carbono e todos os elementos
rapidamente até à temperatura ambiente, o carbono não terá tem- formadores da matriz são gamagénios. É o balanço entre elementos
po de precipitar e ficará aprisionado na rede cristalina do ferro, alfagénios e gamagénios e o teor de elementos de liga que controlam
distorcendo-a. Esta fase, com a estrutura cristalina “distorcida” é as temperaturas Ms e Mf, a temperabilidade e a quantidade e tipo de
a martensite. O tratamento térmico que consiste em elevar a tem- carbonetos (que surgem quer durante a solidificação e arrefecimento,
peratura do aço até à temperatura de austenitização, seguindo-se quer em tratamentos térmicos como o recozimento ou revenido). De
o arrefecimento rápido até a temperatura ambiente (por exemplo um modo geral, todos os elementos de liga à excepção do Co, aumen-
mergulhando a peça em água, óleo ou num banho de sais) designa- tam a temperabilidade do aço, desviando para a direita as curvas em
se por têmpera. É por terem sido submetidas a este tratamento que C. O poder de cada elemento na promoção da temperabilidade varia. A
não conseguimos dobrar sem partir as lâminas de aço das facas da seriação que se segue apresenta por ordem decrescente o efeito dos
cozinha: são duras para poderem resistir ao desgaste na zona de elementos de liga na temperabilidade do aço: C > V > Mo > Cr > Mn >
corte mas também são frágeis: a sua microestrutura é martensíti- Si > Cu > Ni. Por outro lado a quantidade de martensite obtida após
ca. O aparecimento da martensite origina um aumento da dureza e têmpera depende também da temperatura Ms característica do aço,
da tensão de cedência do aço, mas torna-o frágil. sendo que todos os elementos de liga baixam a temperatura Ms.
3_AÇOS
064

7. CONSTRUÇÃO SOLDADA

A construção soldada é um dos principais métodos à disposição de en-


genheiros civis para unir componentes de aço originando estruturas
de apoio e/ou suporte. O princípio da soldadura é relativamente sim-
ples: os componentes são unidos e, na zona de união, são fundidos.
A solidificação posterior origina a eliminação da descontinuidade das
duas superfícies, daí resultando a união efectiva dos componentes.

Figura 12. a) Martensite de baixo teor de carbono – martensite em ripas; Os métodos mais comuns de soldadura de aços para estruturas de
b) Martensite de alto teor de carbono – martensite acicular (≈ 2 000 x). construção civil são a soldadura por arco eléctrico ou pela imposi-
ção de um potencial eléctrico entre dois polos (pinças) colocados
A dureza da martensite é tanto maior quanto maior é o teor em car- entre os componentes a unir (soldadura por resistência). Em am-
bono. A morfologia da martensite também é dependente do teor de bos os processos dissipação da energia eléctrica, resulta no au-
carbono, designando-se por martensite em ripas a martensite de mento da sua temperatura, ocorrendo uma fusão localizada na zona
baixo teor em carbono (tipicamente C > 0.5%) e martensite acicular da passagem da corrente.
a martensite de médio/alto teor em carbono (ver fig. 12).
Os processos de soldadura, em particular os processos de soldadu-
O revenido do aço é um tratamento térmico, que consiste num ra por arco eléctrico, podem ocorrer com adição de uma terceira liga
aquecimento a temperaturas entre 300 e 550ºC (dependendo da metálica. A adição deste terceiro material tem, normalmente, por
composição do aço), efectuado posteriormente ao tratamento de objectivo alterar localmente as propriedades do cordão de soldadu-
têmpera. Este tratamento permite eliminar a austenite residual, que ra, aumentando a soldabilidade do par.
surge no caso de Mf ser inferior à temperatura ambiente, e optimizar
o compromisso entre a dureza e a tenacidade do material. Durante Durante a soldadura a fusão é localizada estabelecendo-se sem-
o revenido, os elementos de liga particionam-se novamente condu- pre um gradiente térmico entre a zona fundida (banho fundido),
zindo à precipitação de carbonetos de liga extremamente finos na cuja temperatura é superior à temperatura de fusão, e as zonas
martensite, o que normalmente conduz a uma diminuição da dureza do componente mais afastadas do banho, que estarão a tempe-
do material e a um aumento da sua tenacidade, já que a martensite raturas inferiores. Por outro lado, em geral, o volume do banho de
é uma fase relativamente frágil. No caso dos aços com teores de fusão é pequeno comparado com o volume dos componentes a
Cr superiores a 8% verifica-se que a dureza do material não baixa soldar, e que estes, sendo metais, possuem uma condutividade
significativamente quando revenido a temperaturas até 500ºC. térmica elevada, a massa dos componentes funciona como esco-
Esta resistência ao revenido é causada pela precipitação do carbo- adouro de calor. Dos dois factos anteriores resulta que as taxas
neto Cr7C3. As adições de V e Mo permitem aumentar a resistência de arrefecimento em soldadura de aços são bastante elevadas
ao revenido do aço. Este tipo de aços resistentes ao revenido são (tipicamente entre 102 e 105 ºC/s). Temperaturas superiores à
particularmente úteis am aplicações onde exista uma probabilidade temperatura de fusão, gradientes térmicos e taxas de arrefeci-
elevada de se atingirem temperaturas relativamente elevadas em mento elevadas resultam inevitavelmente na alteração das ca-
serviço. racterísticas microestruturais do aço (e consequentemente das
suas propriedades) na vizinhança do cordão de soldadura. Estas
alterações são condicionadas essencialmente pela composição
do aço, pela sua história térmica e mecânica e pelo processo e
MATERIAISDECONSTRUÇÃO GUIA DE UTILIZAÇÃO
065

rial base (MB), a zona termicamente afectada, onde apenas ocorreram


reacções no estado sólido (ZTA), ou seja onde a temperatura variou en-
tre a temperatura ambiente e a temperatura de fusão do aço, e a zona
fundida onde foi excedida a temperatura de fusão do aço (ZF).

Na ZTA, mesmo que no processo de soldadura seja utilizado um me-


tal de adição, a composição do material não é alterada. No entanto
podem ocorrer diversas alterações microestruturais. Em particular
três delas deverão ser levadas em consideração na selecção do aço
para soldadura:

• a precipitação de compostos intermetálicos (normalmente carbo-


netos) e consequente redução nesta zona do teor de elementos
de liga em solução sólida na matriz. No caso dos aços inoxidáveis
austeníticos este problema pode ser minimizado reduzindo o teor
de carbono, por exemplo recorrendo aos designados aços ELC (extra
low carbon);

• coalescência de grão/ recristalização. O aumento do tamanho de


grão implica sempre uma redução da tenacidade do material, que
Figura 13. Representação esqemática de um cordão de soldadura em corte transversal, mos-
trando a zona fundida (ZF), a zona termicamente afectada (ZTA) e o material base (MB) poderá resultar em fractura frágil sob variações súbitas das con-
dições de carga (impactos) ou térmicas (ver ponto 3). A adição de
parâmetros de soldadura utilizados (que condicionam as condi- pequenas quantidades de titânio, nióbio ou vanádio permitem es-
ções térmicas de soldadura: temperaturas máximas, gradientes e tabilizar o tamanho de grão melhorando a soldabilidade do mate-
taxas de arrefecimento). Por outro lado, os ciclos de aquecimento rial. Essa é uma das vantagens da utilização de aços microligados
e arrefecimento durante a soldadura resultam em contracções com estes elementos para contrução de estruturas de apoio ou de
e dilatações do componente, originadas pela variação térmica e suporte soldadas;
pelas transformações de fase que o aço pode sofrer entre a tem-
peratura ambiente e a temperatura de fusão (ver ponto 3), daí • o aquecimento acima da temperatura de austenitização seguindo-se
podendo decorrer empenos da estrutura, fragilização ou fissura- uma taxa rápida de arrefecimento poderá, como já referimos antes,
ção da junta. resultar na formação de martensite. Sendo a martensite uma fase
dura mas frágil, a sua formação na ZTA conduzirá inevitavelmente
Importa dizer, no entanto, que, se for feita criteriosamente, a solda- à fragilização do componente junto à soldadura e poderá conduzir
dura é um método de união simples, pouco oneroso e tão ou mais fi- à fissuração da junta nesta zona (normalmente designada por fis-
ável que qualquer outro processo, em particular quando comparado suração a frio). A formação de martensite poderá ser minimizada
com a construção rebitada. Tentar-se-á referir em seguida os princi- seleccionando um aço com um teor de carbono inferior a cerca de
pais parâmetros a considerar na soldadura de aços de construção. 0.25% (ver adiante a definição de carbono equivalente), ou então
submetendo o componente a soldar a um pré- ou pós-aquecimento,
A observação em corte transversal de uma junta soldada de aço (figura de modo a reduzir as taxas de arrefecimento durante a soldadura,
13) permite identificar de uma forma geral três zonas distintas: o mate- evitando-se assim a formação de martensite.
3_AÇOS
066

deravelmente a soldabilidade dos aços, uma vez que podem originar


a formação de filmes frágeis de sulfuretos ou fosforetos que podem
conduzir à fissuração da junta soldada (normalmente designada por
fissuração a quente).

A maior ou menor facilidade com que se consegue soldar um deter-


minado aço designa-se em geral por soldabilidade. A soldabilidade
é um conceito difuso, de difícil quantificação, que envolve os dife-
rentes aspectos anteriormente mencionados (bem como outros que
não foram aqui referidos, como a alteração da resistência à corro-
são, fragilização pelo hidrogénio, etc), no entanto de uma forma ge-
ral pode-se dizer que a soldabilidade de um aço diminui à medida
que o teor de carbono do aço aumenta. Uma forma simples e fre-
quente de estimar a soldabilidade de uma aço e, em particular, a
Figura 14. Diagrama de Schaefler. influência dos elementos de liga nesta propriedade, é recorrendo ao
conceito de carbono equivalente (CE), definido como:
A microestrutura da ZF depende do material e das condições de
processamento. É normalmente uma microestrutura formada por CE = %C + (1/6)(%Mn) + (1/5)(%Cr + %Mo + %V) + (1/15)(%Cu + %Ni)
grãos finos e alongados, designada por estrutura colunar-dendrítica
ou colunar-celular. Para um aço ser “soldável”, ou pelo menos “soldável em obra” sem
o recurso a métodos ou precauções especiais, o valor de CE não
As fases presentes nesta zona não são necessariamente as mes- deverá exceder 0.25%. Se for superior a este valor as condições de
mas que o material apresentava antes do processo de soldadura, arrefecimento deverão ser controladas, bem como o metal de adi-
uma vez que as condições de solidificação são relativamente drás- ção e o método de soldadura, que deverão ser criteriosamente se-
ticas. A previsão das fases presentes na junta soldada, que natu- leccionados de modo a evitar riscos de fissuração ou fragilização
ralmente têm implicações sobre as propriedades da junta, pode ser da estrutura.
feita recorrendo ao diagrama de Scheffler (figura 14). Neste diagra-
ma a composição do aço é transformada em equivalentes de níquel Finalmente, deverá ser referido que a soldadura poderá também ter
e em equivalentes de crómio (ver figura 14), que permitem definir influência na resistência à fadiga do componente, devido à eventual
um ponto no diagrama ao qual corresponde um determinado tipo de formação de microfissuras, porosidades ou microinclusões de escó-
estrutura. Normalmente evita-se a formação de estruturas marten- ria no cordão de soldadura. Como tal é indispensável que elementos
síticas ou ferríticas, que podem conduzir à fragilização da junta. estruturais soldados sejam submetidos a um rigoroso controlo de
qualidade das juntas. Para além da inspecção macroscópica, even-
Sobre a ZF importa ainda referir um aspecto importante: dado que a tualmente com recurso a ensaios de líquidos penetrantes, o facto
solidificação se inicia sobre o material sólido da ZTA (mais frio) ter- dos defeitos de soldadura poderem ser subsuperficiais obriga ao re-
minando próximo do plano central da junta onde as duas frentes de curso a ensaios de ultrassons e de radiografia às juntas soldadas.
solidificação se encontram, é nesta região que se tendem a concen-
trar elementos com temperaturas de fusão mais baixas que eventu-
almente façam parte da composição do aço, em particular o enxofre
e o fósforo. Desse modo, a presença destes elementos reduz consi-
MATERIAISDECONSTRUÇÃO GUIA DE UTILIZAÇÃO
067

8. PRINCIPAIS TIPOS DE AÇOS UTILIZADOS EM ENGENHARIA Presentemente uma enorme variedade de aços de construção estão
CIVIL: CAMPOS DE APLICAÇÃO E PROPRIEDADES ao dispor do projectista permitindo-lhe aumentar a resistência em
determinadas regiões sem aumentar excessivamente a volumetria
Conforme foi anteriormente mencionado, existem variados tipos dos membros, aumentar a resistência à corrosão e, consequente-
de aços desenvolvidos com o objectivo de resistir a diferentes es- mente a durabilidade da estrutura reduzindo (ou mesmo eliminan-
pecificações e condições de serviço (cargas elevadas, desgaste, do) a frequência de pintura, etc. Segue-se a descrição de quatro dos
impacto, corrosão atmosférica, temperaturas elevadas, etc.). Para principais grupos de aços utilizados actualmente em construção:
além do aspecto químico um mesmo aço poderá ter sido submetido os aços carbono, os aços microligados, os aços de liga temperados e
a diferentes tratamentos térmicos ou mecânicos que lhe alteram as revenidos e os aços inoxidáveis. Naturalmente que esta descrição é
propriedades. Desse modo, a selecção do aço apropriado para uma sucinta, pretendendo-se apenas ilustrar os principais tipos de aços
determinada aplicação poderá ser uma tarefa relativamente com- utilizados em construção, suas principais características e campos
plexa, em que diversos factores terão de ser considerados: as geo- de utilização.
metrias e dimensões disponíveis, o custo e as propriedades reque-
ridas que, por vezes, poderão ser aparentemente antagónicas (por 8.1 Aços estruturais Fe-C
exemplo, elevada dureza simultaneamente com elevada capacidade
de resistência a impactos). Não obstante a sua designação, os aços-carbono contém outros
elementos de liga para além do carbono. Esta designação é utiliza-
Uma forma possível para o engenheiro de projecto lidar com esta da em aços cujos teores de elementos de liga não ultrapassem os
diversidade, e correspondente complexidade inerente à selecção seguintes valores: C < 1.7%, Mn < 1.65%, Si < 0.6% e Cu < 0,6%. Nesta
do material, é consultar bases de dados ou catálogos onde os aços categoria estão aços que vão desde os designados aço macios (C <
disponíveis estão agrupados, formando conjuntos com uma deter- 0.15%) até aos aços de alto carbono (0.6% < C < 1.7). Os aços carbo-
minada, ou com determinadas aplicações-tipo. Estas bases de da- no aplicados em estruturas, normalmente têm teores em carbono
dos, por vezes designadas por chave-de-aços, podem apresentar, compreendidos entre 0.15% e 0.30%. Estes aços tem aplicações ge-
tipicamente, entre 12 a 20 grupos principais de aços (aços de cons- néricas em construção de estruturas rebitadas ou soldadas, apre-
trução, aços inoxidáveis, aços mola, aços ferramenta, aços rápidos, sentando tensões de cedência até cerca de 275 MPa. O aumento do
etc.), que depois se podem dividir em subgrupos mais específicos. teor de carbono aumenta a sua tensão de cedência, mas também
Uma vez identificado o grupo correspondente à aplicação pretendi- reduz a tenacidade e a soldabilidade do aço, conforme anteriormen-
da poder-se-á seleccionar o aço que melhor se adapta às especifica- te referido.
ções de projecto.
8.2 Aços microligados de elevada resistência
No caso particular das aplicações em construção, é interessan-
te constatar que até meados da década de 1960, à excepção da Estes aços, por vezes designados por aços HSLA - para High Stren-
construção de pontes, praticamente foi só utilizado um tipo de ght Low Alloy steels - podem apresentar tensões de cedência com-
aço. Este aço era normalmente classificado como aço-carbono preendidas entre 275 e 500 MPa. Ao invés dos aços-carbono, onde
e as normas internacionais especificavam apenas a sua ten- o aumento da resistência é conseguido à custa do aumento do teor
são de cedência mínima como sendo 230 MPa. Outros aços com de carbono, nos aços HSLA este aumento é conseguido à custa da
propriedades específicas como sejam resistência à corrosão ou adição de pequenas quantidades de elementos de liga tais como o
soldabilidade estavam disponíveis (caso dos aços ASTM A242 ou Cr, Mn, Mo, Nb, Ni, V ou Zr (zircónio). A adição destes elementos pro-
ASTM A373), mas eram raramente utilizados na construção de voca endurecimento por solução sólida e por precipitação de finas
edifícios. dispersões de carbonetos o que conduz ao refinamento da microes-
3_AÇOS
068

trutura do aço. O resultado disso é um excelente compromisso entre dos especiais por parte do projectista, uma vez que a capacidade
tensões de cedência elevadas e ductilidade, compromisso esse que de absorção de energia destes materiais pode ser pequena (recor-
não pode ser obtido nos aços-carbono. Devido à sua elevada tenaci- de-se a analogia do elástico esticado, anteriormente referida). De
dade, e ao facto dos precipitados estabilizarem o tamanho de grão modo a reduzir um pouco a fragilidade dos aços temperados, após a
durante o aquecimento, estes aços apresentam em geral uma boa têmpera o aço pode ser revenido a temperaturas entre 400 e 600ºC
soldabilidade, sendo por isso particularmente adequados para cons- por forma a promover alguma difusão do carbono aprisionado na es-
trução soldada. trutura martensítica reduzindo a fragilidade intrínseca a esta fase.
Estes aços são, assim, normalmente utilizados no estado tempera-
8.3 Aços de liga temperados e revenidos do e revenido.

Conforme referido anteriormente a têmpera do aço origina um au- 8.4 Aços inoxidáveis para construção soldada
mento da dureza e, consequentemente, da tensão de cedência do
aço. Existem três grandes grupos de aços inoxidáveis: os inoxidáveis
martensíticos, inoxidáveis ferríticos, e inoxidáveis austeníticos
A têmpera de aços de baixa liga pode conduzir a materiais com ten- (definidos de acordo com a fase predominante na sua constituição
sões de cedência entre 550 e 800 MPa. Contudo, após a têmpera à temperatura ambiente). Na construção soldada de estruturas de
os aços ficam frágeis, o que obriga a alguns cuidados especiais na engenharia civil, em particular em tubagens para fluidos agressi-
sua utilização em construção soldada e, também, a alguns cuida- vos, os aços inoxidáveis austeníticos (da série AISI 3XX) são, em

TABELA 2 – Especificações e propriedades típicas de aços comuns em construção civil

Teores de C e de Mn Características mecânias (MPa)

Designação
tipo %C %Mn σced σmu geometrias típicas disponíveis
ASTM

A36 aço-carbono estrutural 0.26 - 250 400-550 placas e vigas com diferentes secções

A529 aço-carbono estrutural 0.27 1.2 290 415-484 placas, chapas, barras e vigas
aço microligado de
elevada resistência vigas e placas com geometrias limi-
A242 0.15 1 290-345 435-480
(boa resistência à tadas
corrosão)
aço microligado de ele-
A572 0.21 1.35 290 415 diferentes componentes e geometrias
vada resistência
aço microligado de
elevada resistência geometrias e dimensões bastante di-
A588 0.17-0.19 0.5-1.25 290-345 435-485
(boa resistência à versificadas
corrosão)
aço de liga temperado
A514 0.12-0.21 0.4-1.1 290-690 690-895 sobretudo placas
e revenido
MATERIAISDECONSTRUÇÃO GUIA DE UTILIZAÇÃO
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geral, os de utilização mais frequente, devido ao bom compromisso aços microligados de elevada resistência e os aços de liga tem-
que apresentam entre resistência mecânica, resistência à corrosão perados e revenidos, enquanto que na Tabela 3 apresentam-se as
e soldabilidade, se bem que os aços duplex (estrutura bifásica: aus- especificações de alguns aços inoxidáveis. Com a apresentação
tenite e ferrite) têm vindo a ter uma crescente utilização em anos destas tabelas pretende-se apenas dar uma ideia global do espectro
recentes. propriedades dos aços que actualmente têm maior utilização em
construção civil. A consulta de catálogos de fabricantes fornecerá
Os aços inoxidáveis austeníticos apresentam uma microestrutura à naturalmente informação mais detalhada e exaustiva sobre proprie-
temperatura ambiente formada essencialmente por grãos de auste- dades, geometrias e preços das especificações disponíveis.
nite. Isto é possível porque alguns elementos de liga como o níquel e
o manganês, expandem a fase CFC (austenite) e, se adicionados em Relativamente aos aços de construção (tabela 2) o aço ASTM A36 é
quantidade suficiente, podem reter esta fase estabilizando-a à tem- um aço para aplicações generalizadas sendo provavelmente o aço
peratura ambiente. Esta fase, tem uma ductilidade elevada podendo mais utilizado actualmente na construção de edíficios e pontes, bem
ser endurecida por solução sólida. Para além disso os aços austení- como o aço A529. O aço A 572 é um aço microligado com vanádio,
ticos não apresentam transição dúctil-frágil. Por seu lado, o crómio enquanto que os aços aços A242 e A588 são aços microligados com
permite aumentar consideravelmente a resistência à corrosão do maior resistencia à corrosão atmosférica. O aço A514 é um aço de liga
aço. Quando o teor de crómio é superior a 12% forma-se à superfície com Cr e Mo passível de têmpera e revenido.
do aço uma fina película estável de óxido de crómio, que protege
o ferro das reacções com a atmosfera, em particular das reacções Na Tabela 3 apresentam-se características de três aços inoxidáveis,
que conduzem à formação dos óxidos a que, em linguagem corrente, representando os grupos de aços inoxidáveis martensíticos, ferrí-
chamamos ferrugem. Diz-se assim que o aço se torna inoxidável. ticos e austeníticos. Devido à sua maior, soldabilidade, tenacidade
e devido ao facto de não sofrerem transição dúctil frágil, os aços
8.5 Resumo de propriedades inoxidáveis austeníticos, da série 3XX, são aqueles que encontram
maior disseminação em estruturas de construção civil, em parti-
Nas Tabelas 2 e 3 apresentam-se a propriedades típicas de alguns cular em construção soldada, apresentando, como anteriormente
dos aços mais utilizados em aplicações estruturais de engenharia mencionado, uma elevada resistência à corrosão, em particular à
civil. Na Tabela 2 apresentam-se os aços-carbono estruturais, os corrosão atmosférica.

TABELA 3 – Aços inoxidáveis.

Teores de C, Ni e Cr Características mecânicas (MPa)

Designação
tipo %C %Cr %Ni σced σmu
ASTM
inoxidável
410 0.08-015 11.5-13.5 - - -
martensítico
inoxidável
430 0.08 16-18 - 260 450-600
ferritico
Inoxidável
304 0.05 17-19.5 8-10.5 230 540-750
austenítico
3_AÇOS
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9.CONCLUSÃO

Sob o ponto de vista tecnológico, o aço é um material que apresenta


uma extraordinária diversidade de propriedades. No caso particu-
lar da sua utilização em construção civil, a introdução do aço como
material estrutural alterou profundamente os métodos e limites
de construção até aí existentes, causando um enorme impacto so-
bre as práticas de engenharia civil e arquitectura. Curiosamente,
na opinião do autor, o conhecimento que é transmitido durante a
formação de especialistas e técnicos de construção sobre as ca-
racterísticas deste material é, em geral, insuficiente, limitando-se
a pouco mais do que a transmissão de tabelas de propriedades e
geometrias diponíveis no mercado e apresentação de catálogos.
Desse modo, é difícil ao especialista explorar novos limites de apli-
cação dos aços em construção civil, fazer uma selecção racional do
material mais adequado para determinada aplicação ou, simples-
mente, estar alerta para problemas decorrentes da utilização deste
material (como por exemplo a fadiga, a fragilização, a corrosão, a
soldabilidade, etc.). Ou seja, é possível que o aço seja ainda hoje,
150 anos após a sua introdução como material de construção civil,
um material sub-aproveitado por engenheiros e projectistas.

Neste capítulo pretendeu-se sobretudo chamar a atenção, de for-


ma objectiva mas sucinta, para alguns dos aspectos da metalurgia
fisica dos aços que mais condicionam as suas propriedades, espe-
rando-se com isso contribuir para que a consulta de catálogos de
aços e posterior selecção de ligas possa ser efectuada de modo
mais fundamentado.

10. BIBLIOGRAFIA:
• D. T, Llewllyn, Steels: Metallurgy and Applications, 2nd ed, Butterworth Heinemann, 1992.
• O. Grong, Metallurgical modelling of welding, The Institute of Materials, 1994
• R. W. K Honeycombe. and H. Badeshia, Steels. Microstructure and Properties, 2nd ed., Me-
tallurgy and Materials Science, Edward Arnold (1995).
• A. K Sinha, Ferrous physical metallurgy, Butterworths (1989).
• G. D. Taylor, Materials in Construction: an introduction, 3rd edition, Pearson Education Limi-
ted, Longman, 2000.
• S. Somayaji, Civil Engineering Materials, 2nd edition, Prentice Hall, 2001
• Metals Handbook (9th ed.). Vol. 1 Properties and Selection: Irons, Steels, and High-Performan-
ce Alloys, ASM International, 1990.
• G. E. Dieter, Mechanical Metallurgy, 3rd edition, McGraw-Hill Book Company, 1988)
• A. V. Seabra, A. P. Loureiro, Curso de Tratamentos Térmicos dos Aços, Vols. 1 e 2, Ordem do
Engenheiros, 1981.

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