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@LivrosEmPDF Globalização, Democracia
@LivrosEmPDF Globalização, Democracia
ERIC HOBSBAWM
Contracapa
Nos dez textos que compõem este livro, o renomado historiador Eric
Hobsbawm, autor do clássico Era dos extremos, analisa a situação mundial
no início do novo milênio e trata dos problemas mais agudos que nos
confrontam. Nesta esclarecedora aula de história contemporânea, Hobsbawm
traça um painel do cenário político internacional ao discorrer sobre
temas como guerra e paz, imperialismo, nacionalismo e hegemonia,
ordem pública e terrorismo, mercado e democracia, o poder da mídia
e até futebol.
Orelhas
GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA
TERRORISMO
COMPANHIA DAS LETRAS
ERIC HOBSBAWM
Globalização, democracia e terrorismo
Tradução
José Viegas
2ª reimpressão
OMPANHIA DAS LETRAS
Capa
Hélio de Almeida
Foto de capa
A fachada sul da torre sul (World Trade Center, Nova York), de Joel Meyerowitz.
Cortesia da
Galeria Edwynn Houk.
Preparação
Cacilda Guerra
Revisão
Ana Maria Barbosa
Valquíria Delia Pozza
índice remissivo
Luciano Marchiori,
07-8664 CDD-327.1
Índice para catálogo sistemático:
1. Globalização: Aspectos políticos: Ciência política 327.1
[2008]
Sumário
Prefácio____............................................ 9
Prefácio
O século XX foi a era mais extraordinária da história da humanidade,
combinando catástrofes humanas de dimensões inéditas, conquistas
materiais substanciais e um aumento sem precedentes da nossa capacidade
de transformar e talvez destruir o planeta - e até de penetrar no espaço
exterior. Qual é a melhor maneira de refletir sobre essa "era dos
extremos" e imaginar as perspectivas da nova era que surge a partir da
antiga? Esta coleção de ensaios é a tentativa de um historiador de
examinar, analisar e compreender a situação do mundo no início do
terceiro milênio e alguns dos principais problemas políticos que nos
confrontam hoje. Eles suplementam e atualizam o que escrevi em
publicações anteriores, sobretudo a minha história do "breve
século XX", Era dos extremos, a entrevista sobre O novo século com
o jornalista italiano Antônio Polito e Nações e nacionalismo desde
1780. Essas tentativas são necessárias. Qual é a contribuição dos
historiadores para tal tarefa? Sua função principal, além de
relembrar o que outros esqueceram ou querem esquecer, é tomar
distância, tanto quanto possível, dos registros da época
9
10
15
armada era o único caminho para resolver os problemas causados por uma
rebelião contra a Sérvia por parte de um grupo minoritário extremista
de nacionalistas albaneses no Kosovo nem, na verdade, se a verdadeira
razão para o fim da intransigência sérvia foi a ameaça de invasão ou a
ação da diplomacia russa. A base humanitária da intervenção era bem mais
duvidosa do que na Bósnia, e a própria situação humanitária pode ter
piorado, uma vez que a Sérvia se viu provocada a promover uma expulsão
em massa de albaneses do Kosovo e em decorrência das baixas civis
causadas pela própria guerra e dos meses de bombardeios destrutivos
sofridos pelo país. As relações entre sérvios e albaneses tam pouco se
estabilizaram. Mas as intervenções nos Bálcãs pelo menos foram rápidas
e decisivas a curto prazo, embora até aqui ninguém, além, talvez, da
Croácia, tenha razões para sentir-se satisfeito com os resultados.
Por outro lado, as guerras do Afeganistão e do Iraque, a partir
de 2001, foram operações militares dos Estados Unidos que não se
realizaram por razões humanitárias, embora tenham sido justificadas
perante a opinião pública humanitária com base na destituição de regimes
detestáveis. Mas, não fosse pelo Onze de Setembro,
nem mesmo os Estados Unidos teriam considerado a situação em qualquer
dos dois países como merecedora de uma invasão imediata. O Afeganistão
era aceito por outros Estados com base em um "realismo" já um pouco
antiquado; o Iraque, por sua vez, era condenado quase universalmente.
Ainda que os regimes do Talibã e de Saddam Hussein tenham sido
rapidamente derrubados, nenhuma das duas guerras levou à vitória, nem
mesmo ao alcance dos objetivos anunciados inicialmente - o
estabelecimento de regimes
democráticos consentâneos com os valores ocidentais e um forte sinal
para outras sociedades ainda não democratizadas da região. Ambas, mas
sobretudo a catastrófica Guerra do Iraque, acabaram sendo longas,
sangrentas, profundamente destrutivas e ainda
17
estava o Reino Unido, durante décadas por ações armadas efetuadas por
um inimigo interno - e um número crescente de territórios cujo entorno
é demarcado por fronteiras oficialmente reconhecidas com governos
nacionais que flutuam entre a debilidade, a corrupção e a não-existência.
Essas áreas produzem lutas internas sangrentas e conflitos
internacionais, como os que temos visto na África central. Não há,
apesar de tudo, perspectivas imediatas de melhoras duradouras nessas
regiões, e a continuação do enfraquecimento dos governos centrais nos
países instáveis, assim como o prosseguimento da balcanização do mapa
do mundo, sem dúvida provocarão um aumento do perigo de conflitos
armados. Um prognóstico tentativo: no século XXI, as guerras
provavelmente não serão tão mortíferas quanto foram no século XX. Mas a
violência armada, gerando sofrimentos e perdas desproporcio nais,
persistirá, onipresente e endêmica-ocasionalmente epidêmica -, em
grande parte do mundo. A perspectiva de um século de paz é remota.
35
5. As nações e o nacionalismo
no novo século
Atualmente existe uma ampla literatura acadêmica a respeito
da natureza e da história das nações e do nacionalismo, produzida
sobretudo desde a publicação de diversos textos seminais, na
década de 1980.1 A partir daí, o debate sobre o tema tem sido con-
tínuo. Contudo, como estamos na entrada do século XXI, uma
breve pausa pode ser útil para considerarmos as notáveis mudanças
históricas que ocorreram nas últimas décadas e que provavelmente o
afetarão. A principal delas é o surgimento de uma era de instabilidade
internacional iniciada em 1989, cujo fim ainda não se pode prever.
Esse é o propósito da presente nota.
Hoje é mais fácil avaliar as conseqüências duradouras do fim
da Guerra Fria, assim como da União Soviética e da sua esfera de
influência, ambas as quais podem ser vistas, retrospectivamente,
como forças politicamente estabilizadoras. Desde 1989, e pela primeira
vez na história européia desde o século XV, deixou de existir um sistema
de poder internacional. As tentativas unilaterais em prol do
estabelecimento de uma ordem global até aqui não tiveram êxito.
Enquanto isso, a década de 1990 viu uma notável balcanização
86
vêm pela força das armas em regiões que já não estão devidamente
protegidas pela estabilidade internacional nem controladas pelos
seus próprios governos. Em regiões importantes como o mundo
islâmico, o ressentimento contra invasores e ocupantes ocidentais,
depois de um período relativamente breve de emancipação dos
controles imperiais, voltou a ser um fator politicamente poderoso.
O segundo elemento novo que afeta o problema das nações e
do nacionalismo é a aceleração extraordinária do processo de
globalização nas décadas recentes e seu efeito sobre o movimento e a
mobilidade dos seres humanos. Ela afeta tanto os movimentos
transfronteiriços temporários quanto os duradouros, e a escala em
ambos os casos não tem precedentes. Assim, ao findar o século,
cerca de 2,6 bilhões de pessoas foram transportadas anualmente
pelas linhas aéreas de todo o mundo, o que corresponde a uma
média de quase uma viagem de avião por ano para cada dois habitantes
do planeta. Quanto à globalização das migrações internacionais em massa,
sobretudo, como é normal, das economias pobres para as ricas, a escala
é grande, particularmente em casos como os dos Estados Unidos, Canadá
e Austrália, que não impuseram limites mais estritos à imigração.
Esses três países receberam quase 22 milhões de imigrantes provenientes
de todas as partes do mundo entre 1974 e 1998, total superior ao da
grande era da imigração anterior a 1914 e duas vezes maior do que a
taxa de influxo anual daquele período.2 Nos anos transcorridos entre
1998 e 2001, esses três países receberam um influxo de 3,6 milhões de
pessoas.
Mas mesmo a Europa ocidental, que há muito tempo é uma região
de emigração em massa, recebeu quase 11 milhões de estrangeiros
durante esse período. O influxo acelerou-se na entrada do novo
século. De 1999 a 2001, um total de cerca de 4,5 milhões de pessoas
entrou nos quinze países da União Européia. Para citarmos apenas
um exemplo, o número de estrangeiros que vivem legalmente na
Espanha mais do que triplicou entre 1996 e 2003, passando de meio
89
ubi bene ibi pátria [onde existe o bem, aí está a pátria]. E isso, por
sua vez, reflete, em grande medida, a diminuição da legitimidade
do Estado nacional para os que vivem no seu território, assim
como das exigências que esse Estado pode fazer aos seus cidadãos.
Se os Estados do século XXI agora preferem fazer suas guerras com
exércitos profissionais, ou mesmo através da terceirização de serviços
bélicos, não é apenas por razões técnicas, mas porque já não se pode
confiar em que os cidadãos se deixem ser recrutados, aos milhões, para
morrer no campo de batalha em nome dos seus países. Homens e mulheres
podem estar preparados para morrer (mais provavelmente para matar) por
dinheiro, ou por algo menor, ou por algo maior, mas, nos lugares onde
se originou o conceito de nação, não mais pelo Estado nacional.
Qual será seu substituto, se é que haverá algum, como modelo
geral de governo popular no século XXI? Não sabemos.
96
6. As perspectivas da democracia
Há palavras com as quais ninguém gosta de se ver associado
em público, como racismo e imperialismo. Há outras, por outro
lado, pelas quais todos anseiam por demonstrar entusiasmo, como
mãee meio ambiente. Democracia é uma delas. Você se lembrará de
que, nos dias do que normalmente se conhecia como "socialismo
real", mesmo os regimes mais implausíveis ostentavam-na em seus
títulos oficiais, como a Coréia do Norte, o Camboja de Pol Pot e o
Iêmen. Hoje, é claro, é impossível encontrar, com a exclusão de
algumas teocracias islâmicas e monarquias hereditárias asiáticas,
qualquer regime que não renda homenagens oficiais, constitucionais e
editoriais a assembléias e presidentes pluralmente eleitos. Qualquer
Estado que possua esses atributos é oficialmente considerado superior
a qualquer outro que não os possua, como, por exemplo, a Geórgia pós-
soviética com relação à Geórgia soviética e um regime civil corrupto no
Paquistão com relação ao regime militar. Independentemente da história
e da cultura, os aspectos constitucionais comuns à Suécia, Papua-Nova
Guiné e Serra Leoa (quando aí exista algum presidente eleito) colocam
oficialmente
97
Unidos eleito por pouco mais da metade dos 50% dos americanos
com direito a voto?
Do lado prático, os governos dos Estados-nações, ou dos
Estados territoriais modernos - quaisquer governos -, apóiam-se em três
presunções: primeiro, que eles têm mais poder do que qualquer outra
unidade que opere em seus territórios; segundo, que os habitantes dos
seus territórios aceitam mais ou menos de bom grado sua autoridade;
e terceiro, que eles podem proporcionar aos habitantes serviços que de
outra maneira não poderiam ser prestados com efetividade, como é o caso
da manutenção da lei e da ordem. Nos últimos trinta ou quarenta anos,
essas presunções têm perdido cada vez mais a validade.
Em primeiro lugar, mesmo sendo consideravelmente mais
fortes do que quaisquer rivais internos, como os últimos trinta
anos na Irlanda do Norte bem revelam, até os Estados mais fortes,
estáveis e efetivos perderam o monopólio absoluto da força coercitiva.
Isso é facilitado em grande parte pela inundação de instrumentos de
destruição novos e portáteis, agora facilmente acessíveis a pequenos
grupos dissidentes, e pela extrema vulnerabilidade da vida moderna a
atos de desorganização súbita, embora tênue. Em segundo lugar, os dois
pilares mais fortes do governo estável começaram a fragilizar-se,
notadamente (nos países com legitimidade popular) a lealdade voluntária
e a prestação de serviços dos cidadãos ao Estado, e (nos países que não
a têm) a disposição de obedecer ao poder estatal estabelecido e
esmagador. Sem o primeiro pilar, as guerras totais baseadas no serviço
militar obrigatório e na mobilização nacional teriam sido tão impossíveis
quanto aumentar a renda do Estado até seu nível atual, que, permita-me
lembrar, ultrapassa 40% do produto interno bruto em alguns países e
chega a algo como 20% mesmo nos Estados Unidos e na Suíça.
Sem o segundo, como revela a história da África e de grandes
regiões da Ásia, pequenos grupos de europeus não teriam conseguido
104
106
"3
7. A disseminação da democracia
Estamos atualmente engajados no que pretende ser um reordenamento
planejado do mundo, protagonizado pelos países poderosos. As guerras do
Iraque e do Afeganistão são apenas uma parte de um esforço supostamente
universal de criação de uma nova ordem mundial por meio da
"disseminação da democracia".
Essa idéia não é apenas quixotesca: é perigosa. A retórica que
envolve essa cruzada implica que tal sistema é aplicável de forma
padronizada (ocidental), que pode ter êxito em todos os lugares,
que pode remediar os dilemas transnacionais do presente e que
pode trazer a paz, em vez de semear a desordem. Não é verdade.
Com justiça, a democracia é popular. Em 1647, os Levellers
divulgaram, na Inglaterra, a poderosa idéia de que "todo governo
depende do livre assentimento do povo". Eles se referiam ao voto
para todos. Evidentemente, o sufrágio universal não assegura
nenhum resultado político particular, e as eleições não podem nem
sequer assegurar sua própria perpetuação - do que dá testemunho a
República de Weimar. Tampouco é provável que a democracia eleitoral
produza resultados convenientes às potências hegemônicas
116
8.0 terror
A natureza do terror político mudou no final do século XX?
Comecemos com o inesperado aumento da violência em uma ilha
até então pacífica, Sri Lanka, compartilhada por uma maioria de
cingaleses budistas (cuja religião e cuja ideologia são altamente
hostis à violência) e uma minoria tâmil, cujos membros migraram
a partir do Sul da índia séculos atrás e também acorreram à ilha
como mão-de-obra para os cultivos de exportação no final do
século XIX. (O hinduísmo que eles professam tampouco é propenso à
violência.) O movimento antiimperialista no Sri Lanka não tinha
grande militância nem era particularmente efetivo e o país conquistou
a liberdade mansamente-na verdade, como um subproduto da independência
da índia. No seu tempo de colônia, o Sri Lanka tinha um Partido
Comunista diminuto e, curiosamente, um Partido Trotskista muito mais
forte, ambos liderados por pessoas cultas e afáveis, membros da elite
ocidentalizada e ambos, como bons marxistas, avessos ao terrorismo.
Não havia tentativas de insurreição. Após a independência, o país tomou
um rumo moderadamente socialista, que trouxe excelentes resultados
121
década de 1960, o JVP tem estado ora dentro, ora fora do esquema
da política oficial no país.
Parece evidente que o Sri Lanka é apenas um exemplo do
notável aumento da violência política na última parte do século
XX, assim como da sua mutação. Outro exemplo, ainda mais
importante, é a ascensão e a justificação teórica dos assassinatos
indiscriminados como uma forma de terrorismo de grupos
pequenos. Com raras exceções, essa prática fora condenada pelos
movimentos terroristas mais antigos e evitada por movimentos
recentes, como o ETA, na Espanha, e o IRA Provisório, na Irlanda do
Norte. No mundo muçulmano, as justificativas teológicas - por
exemplo, a permissão de matar como "apóstata" qualquer pessoa
que viva fora de uma forma de ortodoxia altamente restritiva -
parecem ter sido revividas no começo da década de 1970 por um
grupo extremista pré-Al-Qaeda que se separou da já tradicional
Irmandade Muçulmana, no Egito. O decreto religioso da assessoria
religiosa de Osama bin Laden que autorizou o assassinato de inocentes só
foi emitido em 1992.1
A questão do "porquê" é demasiado ampla para este ensaio,
além de ser difícil desemaranhá-la de um aumento generalizado,
nas sociedades ocidentais, dos níveis de aceitação da violência e da
ação não-institucional, tanto em imagens quanto na realidade.
Isso se segue a um longo período em que, na maior parte dessas
sociedades, a expectativa era de que a civilização propiciasse o
declínio permanente dessas manifestações.
Seria tentador dizer que a violência social generalizada e a
violência política não têm nada a ver uma com a outra, uma vez que
alguns dos piores surtos de violência política podem ocorrer em
países com notável tradição de não-violência política e social, como
Sri Lanka e Uruguai. Todavia, as duas não podem manter-se separadas em
países de tradição liberal, quando mais não seja porque
esses são os países em que a violência política não oficial destacou-se
124
Líbano. Sua eficácia foi tão clara que a prática se estendeu aos
Tigres Tâmeis em 1987, ao Hamas, na Palestina, em 1993, e à AlQaeda e
outros extremistas islâmicos, na Caxemira e na Chechênia, em 1998-2000.
O outro desenvolvimento mais notável do terrorismo individual e de
pequenos grupos desse período foi a clara retomada do assassinato
político. Se a época de 1881 a 1914 foi a primeira idade do ouro do
homicídio político de alto nível, entre os meados das décadas de 1970 e
de 1990 deu-se a segunda: Sadat no Egito, Rabin em Israel, Rajiv Gandhi
e Indira Gandhi na índia, uma série de líderes no Sri Lanka, o suposto
sucessor de Franco na Espanha e os primeiros-ministros da Itália e da
Suécia - embora a motivação política seja duvidosa neste último caso.
Ocorreram também tentativas de assassinato contra o papa João Paulo II e o
presidente Reagan em 1981. As conseqüências desses atos não foram
revolucionárias, ainda que eles, por vezes, tenham produzido efeitos
políticos específicos - como em Israel, na Itália e talvez na Espanha.
No entanto, o alcance universal da televisão desde então fez
com que as ações politicamente mais efetivas não mais fossem as
que visavam diretamente os dirigentes políticos, e sim as que buscavam o
máximo impacto na divulgação. Afinal, atos assim puseram fim à presença
militar formal dos Estados Unidos no Líbano na década de 1980, na
Somália na década de 1990 e, com efeito, na Arábia Saudita depois de
2001. Um dos sinais infelizes de barbarização está na descoberta, pelos
terroristas, de que, sempre que
tenha vulto suficiente para aparecer nas telas do mundo, o assassinato
em massa de homens e mulheres em lugares públicos tem mais valor como
provocador de manchetes do que todos os outros alvos das bombas, com
exceção dos mais célebres e simbólicos.
Na terceira fase, que parece predominar no início do século
atual, a violência política tornou-se sistematicamente global, seja
por causa das políticas adotadas pelos Estados Unidos no governo
131
Qaeda na resistência iraquiana, eles não são a parte mais importante nem
a parte militarmente mais efetiva do movimento, e sim adendos marginais.
Quanto às operações conduzidas fora do
ambiente de uma população simpatizante, como os homens-bombas palestinos
em Israel ou um punhado de jovens muçulmaqqnos fanáticos em Londres,
pouco valor elas têm além da propaganda. Nada disso significa que não
sejam necessárias importantes medidas policiais internacionais para
combater o terrorismo de pequenos grupos, especialmente do tipo
transnacional, quando mais não seja pelo perigo que existe de que no
futuro esses grupos logrem adquirir um artefato nuclear e a capacidade
de usá-lo. Seu potencial político, que é sobretudo destrutivo, é
claramente muito maior em países instáveis ou em decomposição, em
particular no mundo muçulmano no Oeste da índia, mas não deve ser
confundido com o potencial político de uma mobilização religiosa maciça.
É compreensível que esses movimentos criem grande nervosismo entre
as pessoas comuns, sobretudo nas metrópoles do Ocidente e especialmente
quando os governos e a imprensa se empenham em gerar um clima de medo,
para alcançar seus próprios propósitos, e dão publicidade máxima às
ações. (É difícil lembrar que antes de 2001 a atitude-padrão,
inteiramente racional, dos governos diante desses movimentos - ETA,
Brigadas Vermelhas, IRA-visava "negar-lhes o oxigênio da publicidade"
tanto quanto possível.) Trata-se de um clima de medo irracional. A
política atual dos Estados Unidos tenta reviver os terrores
apocalípticos da Guerra Fria, quando já não lhe é plausível inventar
"inimigos" para legitimar a expansão e o emprego do seu poder global.
Repito aqui que os perigos da"guerra contra o terror" não provêm dos
homens-bombas muçulmanos.
Todas essas coisas em nada diminuem a dimensão da crise
global verdadeira que se expressa nas transformações por que
136
corretos, esse massacre custou aos seus autores apenas umas centenas
de libras no total. Além das suas vidas, naturalmente. Assim,
ainda que saibamos que o mundo de hoje está mais cheio de coisas
que matam e mutilam do que em qualquer outro período da história, esse
é apenas um dos dados do problema. Está mais difícil manter a ordem
pública? Claramente, os governos e os dirigentes empresariais pensam que
sim. O tamanho das forças policiais na Grã-Bretanha aumentou em 35%
desde 1971. Para cada 10 mil cidadãos havia, ao final do século, 34
agentes de polícia, em comparação com 24, trinta anos antes (um aumento
de mais do que 40%). E não estou sequer contando o meio milhão de
pessoas que se estima estarem empregadas nos ofícios de segurança,
como guardas e profissões semelhantes - setor da economia que se
multiplicou nos últimos trinta anos, desde que a Securicor sentiu-se
suficientemente grande para ter suas ações cotadas na Bolsa, em 1971.
No ano passado já havia umas 2500 firmas nessa área. Como se sabe, a
desindustrialização da Grã-Bretanha gerou um grande número de pessoas
sadias para as quais conseguir um emprego como guarda de segurança é
uma das poucas oportunidades de trabalho disponíveis. Pode-se dizer que
a economia, em vez de basear-se no princípio de que "um ajuda o outro",
pode um dia basear-se na oferta maciça de empregos em que "um
vigia o outro".
Não é só o emprego de mão-de-obra que aumenta. Também
aumenta o emprego da força. Os especialistas em controle de massas
dispõem hoje de quatro tipos principais de instrumentos para
enfrentar manifestações violentas: químicos (por exemplo, gás
lacrimogêneo); "cinéticos", como armas de dispersão, balas de borracha
etc; jatos de água; e tecnologias de atordoamento. Aqui está
uma lista de países que ilustra as variações entre o enfoque tradicional
e o moderno no campo real do controle de massas. A Noruega não emprega
nenhum dos quatro; Finlândia, Holanda, índia e
140
Notas
1. GUERRA E PAZ NO SÉCULO XX [pp. 21-35]
1. Niall Ferguson, Colossus: The rise and fali of the American empire (Lon-
dres, 2005).
2. Uppsala, Uppsala conflict data project (Armed conflicts 1945-2004),
prio.no/cwp/ArmedConflict. Consultado em 17/6/2006.
3. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, The
state ofthe world's refugees: Human displacement in the new millennium (Oxford,
2006), cap. 7,fig.7.1.
4. Ferguson, op. cit., p. XXviii.
5. TLS (Londres), 29/7/2005.
6. Ferguson, op. cit, p. 42.
7. Friedrich Katz, The secret war in México: Europe, the United States and
the
Mexican Revolution (Chicago e Londres, 1981).
8. Howard F. Cline, México, revolution to evolution (Oxford, Nova York e
Toronto, 1962), p. 141.
9. Christopher Bayly e Tim Harper, Forgotten armies: The fali ofBritish
Asia
1941-1945 (Londres, 2004).
10. Liga das Nações, Industrialisation andforeign trade (Genebra, 1943),
p. 13.
11. UNIDO Research UpdateNal (Viena, janeiro de 2006), tabela, p. 5.
l2.AnneHo\hnáer,Sexandsuits:TheevolutionofmoderndressCNovaYork,
1994).
13. Jean-Christophe Dumont e Georges Lemaitre, "Counting immigrants
and expatriates in OECD countries: A new perspective", OECD Social Employment
and Migration WorkingPapers AP 25 (OCDE, Paris, 2003/2006).
14. F. J. Turner, "Western state-making in the revolutionary era", American
HistoricalReviewI, 1/10/1895, pp. 70 ss.
15. Henry Nash Smith, Virgin land: The American west as symbol and myth
(Nova York, 1957).
166
índice remissivo
11 de setembro de 2001, ataques de, 17,
25,51,52,135,139,149,151
7 de julho de 2005, atentado a bomba
de (Londres), 139
abássidas, 80
ação direta, 108
Afeganistão, 17,18,26,42,78,129,132;
AlQaedano, 132
Afeganistão, guerra no: "combatentes
ilegais", 59; e democracia, 116
África: agricultura, 37; antigos territó-
rios franceses, 84; cidades, 38; con-
flito étnico e religioso, 130,132; e
futebol, 93,94; emigração, 90; Esta-
dos falidos, 87; experiência do im-
pério, 78,82,104; genocídio e trans-
ferências de populações, 45, 88;
guerras, 22,24,45,129
África central, 16,35
África do Sul, 64, 65,103,134; apar-
theid, 103,134
África subsaariana, 22,38
África, oeste da, 88
agricultura, 36,37
água, fornecimento de, 105
aids, 57
AlFatah,130
AlQaeda, 124,125,131,132,135
Alemanha, 22; "império dos mil anos",
162; Alemanha imperial, 99; Ale-
manha nazista, 81; campeonatos de
futebol, 147; clubes de futebol, 93;
crescimento industrial, 44; econo-
mia, 71; globalização, 12; império
alemão, 78; métodos de controle de
massas, 141; violência política, 129
Alexandre, o Grande, 80
alfabetização, 39
algodão, 70
Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados, 88,165,166
América Central, 23,59,90
América do Norte: cidades, 38; cresci
171
Bagdá, 161
Bálcãs, 16,18,33,57,78,87,117,161
Báltico, mar, 69
Banco Mundial, 29,58,109,111
Bangladesh, 24,38,90
beisebol, 62
Belfast,84
Bélgica, 32,141; império belga, 78
Benelux, 44
berberes, 84
Berlusconi, Silvio, 162
Bin Laden, Osama, 124,132
Blair, Tony, 46
Bósnia, 15,16
Bradford, incêndio no estádio em, 146
Brasil, 12,83,94; e futebol, 94
Brigadas Vermelhas, 129,132,133,136
British North America Act, 67
Brixton, tumulto de, 149
budismo, 122
Bulgária, 94
Bush.George (pai), 159
172
174
empréstimo à Grã-Bretanha (1946),
74
Escócia, 66,67,95
Espanha, 106; clubes de futebol, 93; e
conflito basco, 31, 42, 56, 84, 145;
imigração, 89; império espanhol,
60,78,152; métodos de controle de
massas, 141; racismo e futebol, 95;
separatismo, 32; tribunais, 30; vio-
lência política, 131,134
esportes, 62
Estados falidos e fracassados, 56,87
Estados nacionais: aumento em nú-
mero, 79, 87, 114; diminuição do
papel do Estado, 105; e democracia,
98, 99, 104, 105, 106, 114, 118; e
experiência do império, 80, 82; e
globalização, 28,58,153; e lealdade
dos cidadãos, 91,95,96; e monopó-
lio da força armada, 30,42,87,104,
106,125,143; e nacionalismo, 86,
87,88,89,90,91,92,93,94,95,96; e
ordem pública, 142, 143, 144,145;
mitos fundadores, 67; renda do
Estado, 104
Estados Unidos: "ameaças à América",
51; "imperialismo moral", 60; abo-
lição do serviço militar, 144; apoio
a Pol Pot, 16; autodefinição políti-
ca, 55; bases militares, 61,65, 154;
condomínios fechados, 146; desti-
no manifesto, 52; divisões internas,
51,162; e "guerra contra o terror",
45,46; e ameaça de guerra mundial,
45; e democracia, 13,49,99,159; e
economia da América Latina, 69,
70; e Guerra do Iraque, 120; e reso-
lução de disputas, 32,33,117; eco-
nomias^, 50,51,52,61,70,71,
Faixa de Gaza, 84
Federação Russa, 87,130
Ferguson, Niall, 55,60,166
Filipe da Espanha, 63
Filipinas, 37,79,90
Finlândia, 140
forças especiais de elite, 126
FoxNews, 162
Fração do Exército Vermelho, 129
França, 38, 44; clubes de futebol, 93;
esquadrão policial antidistúrbios,
148; fricção com Estados Unidos,
157; império francês, 38, 78; mé-
todos de controle de massas, 141;
monarquia absoluta, 62; perda da
Argélia, 49; república, 106; revolu-
cionária, 15,67,155; separatismo
corso, 56; violência urbana, 143
Franco, sucessor do general, 129
fronteiras internacionais, 34
Fukuyama, Francis, 106
175
galeses, 68
Gandhi, Indira, 131
Gandhi,Rajiv,131
GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio), 58
Gêngis Khan, 80
genocídio, 15,16,45,57,63,79,130
Geórgia, 97
Gibraltar,154
Giuliani, Rudy, 147
globalização, 24,41,42,43,61, 72,73,
83, 144,155; antipatia pela, 111; e
debilitação da democracia, 102,109;
e mercado livre, 10,11,12, 47, 55,
72; e universalidade dos assuntos
de interesse humano, 117; globali-
zação do movimento, 89,91; limi-
tações políticas, 28,58,153
golfe, 62
Grã-Bretanha (Reino Unido), 106,163;
aumento das forças policiais, 140;
bases militares, 61,154; campeona-
tos de futebol, 146; centralização da
política, 112; classe dominante, 62;
comparação com os Estados Uni-
dos, 62,63,64,65,66,67,68; condo-
mínios fechados, 146; descoloniza-
ção, 75; e conflito com Irlanda do
Norte, 28, 31,42, 56, 84,145, 149,
150; e fundação dos Estados Uni-
dos, 68,75; e Guerra do Iraque, 120;
economia, 44,61,68,69,70,71,72,
140, 155; emigração, 63; falta de
confiabilidade dos censos, 91,146;
globalização, 12; medo da guerra,
44; métodos de controle de mas-
sas, 141; Parlamento, 106; resulta-
dos eleitorais, 112; separatismo,
32; supremacia naval, 61, 75,154;
tamanho e fronteiras, 62, 63, 69,
153,155; ver também Império Bri-
tânico
Grande Depressão, 71
grandes potências, 14,15,31,47,58,
59,118,153
Greenspan, Alan, 111
gripe aviaria, 57
Guatemala, 90
"guerra assimétrica", 87
guerra civil americana, 52,65,68
Guerra da Coréia, 22,74
Guerra do Chaco, 22
Guerra do Golfo, 26,51,161,162
Guerra do Iraque, 14,17,45, 46,117,
159; "combatentes ilegais", 59; con-
trole da mídia, 161; decisão de ir à
guerra, 120; divisão de opiniões so-
bre, 161; e democracia, 116, 117;
objetivos, 159; sucesso militar, 159
Guerra do Vietnã, 144
Guerra dos Bôeres, 59
Guerra dos Trinta Anos, 21,47
guerra fria, 18,21,26,32,33,50,51,57,
74, 79, 154, 157, 158, 162; conse-
qüências econômicas, 71,74; e de-
clínio na violência, 128; e disponi-
bilidade de armas, 42,84,87,139; e
integridade das fronteiras nacio-
nais, 88; fim da, 22, 24, 31,32, 49,
79, 86, 101, 153, 156; guerras por
procuração durante a, 24; invenção
do neologismo, 26; premissas e
176
lã, 70
Lei de Empréstimo e Arrendamento,
74
leis americanas, 74
Levellers, 116
Líbano, 26,33,90,131
Libéria, 16
Líbia, 37
Liga das Nações, 55,166
limpeza étnica, 88
língua inglesa, 61,158
linguagem ofensiva, 141
178
linhas aéreas, 89
Livingstone, Ken, 143
Londres, 52; atentado a bomba, 135
Luxemburgo, 94
nacionalismo, 9,10,13,19,86,89,90,
91,95,168
Nações Unidas, 11, 29, 33, 50, 51, 55,
58,88,99,160,165,166,167;ereso-
lução de disputas, 33; países-mem-
bros, 31,42, 87,114
Naim, Moisés, 144,145,169
Namíbia, 94
não-combatentes, 23,25
Napoleão Bonaparte, 49
Napoleão in, imperador, 99
nativos americanos, 64
Negro, mar, 69
neoblanquismo, 129
Nepal, 132
Nevski, Alexandre, 67
Nigéria, 94
Norte da África, 90
Noruega, 92,122,138,139,140,141
NovaDélhi,19,20,53
NovaYork.135,147,151
Nova Zelândia, 65
Rabin,Yitzhak,131
racismo, 95,97,122
Reagan, Ronald, 131
recrutamento, 126,130
refugiados, 24,45,57,88,133
Regras de Queensberry, 143
Reino Unido ver Grã-Bretanha
relações familiares, 142
rendição incondicional, 27,125
República de Weimar, 116
Revolução Francesa, 40
180
Revolução Russa, 26
revoluções, 26,66
Rio de Janeiro, 146
Roosevelt, Franklin Delano, 79
Ruanda, 88
Rumsfeld, Donald, 52
Rússia: guerra civil, 23, 126; Império
Russo, 23, 63, 69, 78; métodos de
controle de massas, 141; papel no
Kosovo, 17; recursos naturais, 69;
revolucionária, 15, 155; ver tam-
bém União Soviética
Sadat,Anwar, 131
Santa Helena, ilha de, 154
SARS (Síndrome Respiratória Aguda
Severa), 152
Seattle, 109
Segunda Guerra Mundial, 24,45, 56,
61,65,71,87,88,101,139,142,156;
baixas, 24,130; e desenvolvimento
do AK 47, 139; e o fim da era dos
impérios, 78; e pessoas deslocadas,
45,57,79,88; e política americana,
74; início e fim, 26
Segunda Internacional, 77
segurança, indústria da, 140
Sendero Luminoso, 123,127,169
Senegal, 90
Serra Leoa, 97
Sérvia, 17,111
serviços postais, 41
sindicatos, 110
Síria, 26,33,159
sistema métrico, 62
sistemas de bem-estar social, 12,160
Smith, Adam, 110
soldados, 24,57,62,113,126,127,141,
143,150,159
Somália, 131
SriLanka,30,83,84,118,121,122,123,
124,130,131,132
ss, 127,169
Stálin, Joseph, 67,128
Strachan, Hew, 59
Sudão, 88,94
Suécia, 97,131
sufrágio universal, 98,99,107,116,118
Suíça, 10,78,104,153
Summers, Larry, 111
supermercados, 73
Tailândia, 37,78
Taiwan, 38
Talibã,17
tâmeis, 122
Tanzânia, 16
Tchecoslováquia, 118
tecnologia militar, 157
televisão, 92,107,108,131
teocracias, 97,113
terrorismo: "guerra contra o terror",
46,118,134,136,149,150; e assas-
sinatos indiscriminados, 124,149;
e assassinatos políticos, 131,151; e
mídia, 131,135, 136; estatísticas,
150; fragilidade dos movimentos,
135; mudança na natureza do, 121,
122, 123, 124, 125, 126, 127,128,
129, 130, 131, 132, 133, 134,135,
136
Tessalônica, 19,77,78
Tigres Tâmeis, 122,130,131
Timor Leste, 16
Timur Lang, 80
Tocqueville, Alexis de, 66,99
tolerância zero, 147
tortura,49,126,127,134,142
"totalitarismo", 18
Trafalgar Square, 143
181
Ucrânia, 100
Uganda, 16
umaiadas, 80
União Européia, 51,90,119,151,154; e
democracia, 98,100,114,119; eco-
nomia, 44, 50, 51; imigração, 89;
sabotagem dos Estados Unidos,
160; xenofobia crescente, 130
União Soviética, 31, 47, 49, 87, 139,
154,156, 162,163; colapso da, 18,
31,47, 51,56,86,87,137,157; fra-
casso do sistema, 111; homicídios
na, 127; império soviético, 79
urbanização, 38
Uruguai, 122,124,129
Uzbequistão, 65
velho Oeste americano, 67
Venezuela, 129
Vietnã, 16
vigilância, 43
violência: aumento da, 124,125,126,
138; e convicção religiosa, 127; po-
lítica, 129,130,131, 132,133, 134,
135,136; redução da, 141
Washington, George, 15
Waterloo, batalha de, 47
Webb, Sidney e Beatrice, 110
Webster, Noah, 68
Wilson, Woodrow, 60,73,79,117
Wodehouse, Pelham Grenville, 142
Wolfowitz, Paul, 160
World Trade Center (Torres Gêmeas),
22,139
xenofobia, 91,92,95,130
xiitas, 130
xingamentos, 141
Zimbábue, 94
182