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Instituto Olavo de Carvalho

Conselhos a Respeito do
Trabalho Intelectual1

Louis Riboulet

O estudo de línguas, sobretudo de línguas antigas, constitui uma das mais


perfeitas disciplinas do espírito. O leitor não ignora o fato de que após uma inteligente
reação contra os programas das ditas humanidades modernas, cada vez mais se busca
banir as velhas humanidades. Essa iniciativa, sem dúvida, não aconteceu sem um
pensamento anti-religioso dissimulado. René Bazin assinalava: “O latim é um modo
insubstituível de aprender francês, assim como de se aproximar da Igreja, compreender
suas orações, seus cânticos, seus teólogos; é bem possível que esta proximidade tenha
sido a causa inconfessa da condenação do latim nos programas [de ensino]. Cícero,
Virgílio, Tácito são suspeitos de preparar gerações capazes de repetir o Te Deum e o Dies
Iræ, e de seguir a missa no Rito Romano”.
De qualquer modo, os exercícios de tema e versão2 constituem o melhor meio de
iniciar o estudante nas grandes operações do pensamento. Pela comparação entre uma
língua estrangeira e a materna o espírito adquire as idéias mais claras e justas, os
conhecimentos mais duradouros; esse trabalho esclarece as percepções e grava na
inteligência, com os traços mais profundos, as imagens das coisas.
A tradução exige mais atenção e reflexão. É necessário comparar as palavras e as
expressões; assim, o espírito adquire leveza e força.
Os temas e as versões realizados a partir de textos escritos em línguas modernas
certamente constituem um exercício proveitoso. No entanto, os humanistas são
unânimes em proclamar a superioridade das línguas antigas. E, antes de mais nada, o
francês, língua neolatina, jamais poderá ser aprendido se o latim for ignorado.
Examinemos mais detalhadamente as razões da superioridade das línguas antigas de
acordo com as idéias de um distinto humanista: R. P. Charel, S.J.
As línguas neolatinas não possuem declinações. “O esforço da criança limita-se a
substituir uma palavra por outra; o esforço lógico de perceber as relações entre as
palavras é praticamente nulo”.
Traduzir uma língua moderna é mais questão de hábito do que de reflexão. Em
se tratando do latim e do grego, o esforço lógico é sempre imposto, de vez que não
existe qualquer forma fixa para a construção das frases.

1
Conseils sur le travail intellectuel, Librairie Catholique Emmanuel Vitte, Paris, 1928.
O excerto aqui apresentado se encontra no cap. IX – Livrez-vous de préférence aux études qui donnent a
l’esprit une culture plus générale (Entregue-se preferencialmente aos estudos que propiciam ao espírito
uma cultura mais geral).
A obra foi editada em português pela Ed. Globo, sob o título Rumo à Cultura.
2
Exercícios escolares de tradução de textos da língua materna para outra, e vice-versa.

Esta tradução é feita exclusivamente para os alunos do Curso de Latim promovido pelo Instituto Olavo de Carvalho,
não podendo ser copiada nem difundida para outros fins.
Instituto Olavo de Carvalho

As línguas modernas não ensinam adequadamente a relacionar as idéias. Nas


línguas antigas, os membros das orações são articulados, subordinados, munidos de
partículas de simetria ou de oposição; as orações são ligadas por conjunções. Os temas
obrigam os alunos a estudar as relações entre idéias na própria oração francesa para
fixá-las na oração latina.
“Quando passamos de orações simples a períodos mais longos, há o mesmo
contraste: mesmo contraste entre as línguas modernas e as línguas antigas, e as mesmas
vantagens a favor das últimas. Nas línguas modernas, todas as orações pretendem ser
principais, e todas as idéias estão no mesmo plano. O período latino ou grego é, ao
contrário, uma maravilha de composição; a idéia principal está inserida na proposição
principal, as idéias acessórias nas orações subordinadas. A versão força a análise desse
edifício; o tema força sua reconstrução; os dois exercícios impõem um esforço
eminentemente dedutivo”.
Mas isso não é tudo. As línguas modernas levam ao verbalismo. A substituição
das palavras se faz quase mecanicamente, pois essas línguas possuem um tesouro de
idéias comuns expressas por palavras estritamente equivalentes. A coisa se dá de modo
completamente diverso quando é necessário transpor uma idéia para outra língua que
não possui um equivalente exato.
As línguas modernas têm uma tendência a sugerir os pensamentos em lugar de
expressá-los; é o regime de elipses, de insinuações, de coisas ditas pela metade. As
línguas antigas dizem tudo. E o fazem com uma delicadeza, no emprego dos modos e
dos tempos, cada vez mais estranha às línguas modernas.
Mesmo entre os melhores escritores das línguas modernas, a preocupação
artística e o cuidado da forma nem sempre são a preocupação principal do autor. Os
antigos não se limitavam a expressar uma idéia com exatidão: eles a revestiam de
imagens apropriadas e aplicavam-se em avaliar a medida do sentimento.
Enfim, o estudo dos autores antigos dá um conjunto de idéias sábias, nobres,
belas, que sem dúvida também encontramos nas literaturas modernas, mas que são
apresentadas com mais simplicidade na antiguidade clássica do que nos séculos
decrépitos.

Esta tradução é feita exclusivamente para os alunos do Curso de Latim promovido pelo Instituto Olavo de Carvalho,
não podendo ser copiada nem difundida para outros fins.

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