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Linguagem do Cinema
e do Audiovisual
E-ISSN: 2316-218X
RESUMO ABSTRACT
por Neves (2011), primeiramente por mais de 32 mil participantes a partir dos
possibilitar uma formação de público três anos de idade. Dentro deste pro-
que tem a oportunidade de assistir a fil- jeto encontramos diversas atividades
mes que não fazem parte dos circuitos que o CCV desenvolve com crianças e
comerciais, que fogem à lógica domi- jovens: Pequeno Cinema; Escola Anima-
nante e que normalmente não são de das; Aprender em Filmes; Aprender em
fácil acesso. E também por suas inicia- Festa; Sessões de Cinema; Vanguarda e
tivas em relação aos projetos de cine- estéticas no Cinema; Workshop de Rea-
ma e educação, que possibilitam uma lização.
aprendizagem da “teoria, técnica, his- Já o cineclube de Faro desenvolve
tória e estética do cinema”. Atualmente desde 1997/1998 um trabalho pioneiro
os cineclubes de Avanca, Viseu, Faro e e sistematizado de cinema e educação
Viana do Castelo (AO-Norte), apesar da no país, que se chama JCE – Juventude
falta de apoio, principalmente financei- Cinema Escola (voltaremos a abordá-lo
ro, mantêm um importante trabalho de mais adiante). A associação AO-Norte,
cinema e educação. cineclube de Viana do Castelo, funda-
da em 1994, é atualmente a mais ativa
O Cineclube de Avanca iniciou as no trabalho de cinema e educação com
suas atividades em Novembro de crianças, adolescentes, professores e es-
1982, tendo-se vindo a distinguir colas. Além de desenvolver um trabalho
pelas suas propostas singulares, na divulgação do cinema, de visualiza-
como os Encontros Internacio- ção, também desenvolve ao longo do
nais de Cinema, Televisão, Vídeo ano projetos de literacia fílmica nas es-
e Multimédia de Avanca que em colas, com alunos e professores. Como
Julho deste ano terão a sua 15ª forma de estimular a realização e visu-
edição, ao qual está associado alização dos filmes produzidos, duran-
o Festival de Cinema de Avanca, te as formações, por crianças e jovens
além de outros concursos e ini- a Ao-Norte realiza festivais de cinema,
ciativas. (…) Com mais tempo de conferências e intercâmbios culturais,
existência do que o seu vizinho por todo país e também fora dele, além
de Avanca, o Cineclube de Viseu de produzir documentários e desenvol-
mantém desde 1955 uma grande ver diferentes projetos na área educati-
vitalidade, mesmo nos momen- va. Suas ações de formação e atividades
tos de “adormecimento cultural” estendem-se através de vários projetos
do Concelho. Além da divulgação como: Olhar o Real, Vídeo na Escola, His-
e estudo do cinema, as suas ativi- tórias na Praça e O Filme da Minha Vida.
dades passam pela formação, ex- Anualmente organizam os Encontros
posições, concursos, e também de Cinema de Viana, da qual faz parte
pela dinamização de outras áreas a Conferência Internacional de Cinema
artísticas, com particular relevo de Viana, que é um espaço de partilha
para a fotografia, através de um e reflexão, entre outras coisas, sobre o
concurso anual (NEVES, 2011, cinema e educação.
p.56-57).
cação em Portugal. Lauro António, em que, desde os anos 1960, eles são uti-
1997, coordenou o 1º Encontro Nacional lizados como “meros auxiliares de ensi-
sobre O Audiovisual no Ensino, O Ensi- no” (idem, 1998, p.24). Entretanto, foi
no do Audiovisual, realizado na cidade no ano de 1991 que o então Ministro
do Porto durante o III Festival Escolar da Educação (ME), Roberto Carneiro, e
de Vídeo. Foi neste encontro que expôs o Secretário de Estado da Reforma Edu-
a sua preocupação em relação à neces- cativa implementaram um programa a
sidade de se alfabetizar também para o nível nacional que incluía o cinema e o
cinema e para o audiovisual e falou so- audiovisual através de atividades extra-
bre a importância do campo do cinema curriculares, inserido na Área de Projeto
e educação (que chama de cinema e au- e também como opção curricular dentro
diovisual): do sistema formal de ensino português.
Lauro António foi um dos membros des-
Voltando ao cinema e ao audio- te Grupo de Trabalho de Cinema e Au-
visual, tenho consciência plena diovisual nomeado pelo ME. Nesta altu-
de que eles representam uma ra foram oficialmente disponibilizados
ínfima parcela de todo o projeto pelo Ministério, verdadeiras videotecas
de uma educação global e auten- para cada escola, com filmes completos
ticamente contemporânea, mas e também obras editadas.
não duvido também que eles são A ideia na época era que o cinema
uma parcela absolutamente vital não deveria ser apenas mais uma fer-
para a construção de um homem ramenta para se ensinar as disciplinas
novo, livre nas suas convicções, (poderia também ser!), mas deveria ser
crítico em suas análises, huma- visto como uma obra de arte, como um
nista e sensível na sua forma de espetáculo, como uma excepcional fon-
compreender e olhar, aberto à te de conhecimento sobre vários temas.
multiplicidade de propostas, to- Lauro António recomendava não deixar
lerante perante a diferença, ino- que uma atividade lúdica se transfor-
vador na descoberta de novos masse em mais um pesadelo curricular,
caminhos. E não é só formando já que ver cinema deveria ser um prazer
técnicos que se consegue essa e não uma fonte de preocupações esco-
revolução. Ela consegue-se for- lares. Para o autor os clássicos devem
mando e sensibilizando as novas ser vistos como algo que diverte, ensina,
gerações para a especificidade que ajude a compreender o dia-a-dia e
dessa linguagem, para os perigos que reflete aspetos e a cultura de uma
e armadilhas que ela comporta, época. O programa também previa a ida
da mesma forma que despertan- dos alunos, acompanhados pelos profes-
do-as para o fascínio dessa magia sores, às salas de cinema. Em relação à
sem par, lutando contra todas as vertente da produção, destaca que não
formas de massificação de narra- basta dar uma câmara para um jovem e
tivas, contra todo o colonialismo dizer para ele fazer filmes. Lauro António
de um qualquer sistema de sig- (1998) afirma que não vê ganhos para o
nos que se procure impor (ANTÓ- jovem nesta forma apenas tecnicista de
NIO, 1998, p.22). cinema e educação; segundo ele não é
importante aprender apenas a apertar
No âmbito desta mesma comuni- um botão se não se sabe orientar a ob-
cação, Lauro António fala sobre a exis- jetiva, se não se sabe como, para quê, ou
tência dos esboços de iniciativas para aquilo que se quer filmar.
a sensibilização do ensino do cinema Outra questão que António (1998)
e do audiovisual em Portugal. Destaca levanta em relação à sua experiência en-
Revista de Linguagem do Cinema e do Audiovisual . Número 1 . Ano 2016
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necessidades dos media e das indústrias perts (a nível europeu) que participaram
de tecnologias da informação e da co- deste estudo. Como resultado foram
municação, detetadas pelo Parlamento produzidos três relatórios, com os levan-
Europeu, com base nos resultados de tamentos, dados, análises e recomenda-
investigações na área da literacia para ções: Executive Summary; Country Pro-
os media apoiados pela iniciativa eLear- files; Case Studies. A professora Miriam
ning, a Comissão Europeia iniciou uma Tavares e Vítor Reia-Baptista, através do
reflexão acerca da literacia mediática, CIAC – Centro de Investigação em Ar-
no âmbito das políticas europeias para o tes e Comunicação da Universidade do
audiovisual e da Estratégia de Lisboa. A Algarve, foram os responsáveis pelo le-
crescente preocupação com a criação de vantamento e análise dos dados no país.
audiências, para que crianças europeias Os dados apresentados deram conta das
assistam uma programação europeia; seguintes iniciativas: a) da iniciativa JCE
para que elas tenham um maior nível que possui o financiamento da Direção
de liberdade e curiosidade; que tenham Regional de Educação do Algarve; b) do
instrumentos para escolher aquilo que projeto Primeiro Olhar, da Associação
querem e sejam capazes de avaliar as Os Filhos de Lumière; c) da iniciativa
implicações das suas escolhas, fez com da Cinemateca Portuguesa que criou a
que aumentasse a preocupação em re- Cinemateca Júnior, e que trabalha basi-
lação à educação cinematográfica e au- camente com escolas; d) da existência
diovisual no âmbito da EU (ZACCHETTI, de alguns projetos pontuais por todo o
2010). país; e) e também mencionou a impor-
Em julho de 2011, a Comissão Euro- tante atuação dos cineclubes. Uma das
peia publicou um convite à apresenta- recomendações dos especialistas portu-
ção de propostas para um estudo a rea- gueses era de que o programa regional
lizar por peritos a nível europeu sobre a JCE seria “totalmente replicável e sus-
cultura cinematográfica na Europa, que tentável em âmbito nacional”.
abrangeria todos os países da UE (União No início do ano de 2012, a Secre-
Europeia) e do EEE (Espaço Económico taria de Estado da Cultura disponibiliza
Europeu). A intenção deste estudo foi para consulta pública uma nova propos-
criar recomendações baseadas em evi- ta de Lei para o Cinema e Audiovisual,
dências para informar e colaborar no que contemplava dois artigos que apos-
quadro de formulação de políticas no tam “em moldes inovadores na promo-
âmbito da Europa Criativa. O concurso ção da literacia e captação de novos
foi ganho por um consórcio do Reino públicos”. Deste modo foi oficializado o
Unido e alguns parceiros europeus, li- Plano Nacional de Cinema em Portugal.
derado pelo British Film Institute (BFI) e Durante o 2º Congresso de Literacia Me-
financiado pela Comissão. ��� E m dia e Cidadania (2013), a literacia fílmica
2012, o BFI iniciou um levantamento do na Europa e em Portugal foi abordada
nível e da oferta de literacia fílmica nos numa sessão plenária com a presença
países envolvidos neste estudo, que se de Mark Reid, do British Film Institute,
chamou Screening Literacy. Graça Lobo, na altura coordenadora do
Portugal foi um dos países que parti- Plano Nacional de Cinema, e moderada
cipou deste levantamento e o professor,
Vitor Reia-Baptista, da Universidade do ����������������
Disponível em: http://www.bfi.org.uk/scre-
Algarve, fez parte do grupo de cinco ex- ening-literacy-film-education-europe
Escola Nova e depois com a criação dos ção silenciosa, que poderia e seria mais
primeiros cineclubes, decorridas duran- produtiva se fosse transformada em co-
te as duas primeiras décadas do século laboração e cooperação.
XX, e que são os primeiros exemplos de
modelos de cinema e educação no país.
E o que queremos dizer quando nos re- BIBLIOGRAFIA
ferimos que este é um novo campo em
Portugal? A constante interrupção e a ANTÓNIO, L. O Ensino, o cinema e o au-
ausência de investimentos nas políticas diovisual. Porto: Porto Editora, 1998.
públicas nesta área pode provocar, em
CUNHA, P. Cineclubismo e Censura em
um observador menos atento, a ilusão
Portugal (1943-65). Comunicação apre-
de que ele é um novo campo e que as
sentada no II Congresso Internacional
iniciativas que são implementadas nos
História e Literatura no cinema em es-
dias de hoje são uma grande novidade.
panhol e português, Centro de Estudos
Podemos atribuir esta situação à falta
Brasileiros da Universidad de Salaman-
de valorização do cinema enquanto arte
ca, Salamanca, Espanha, 2013.
e a arte como linguagem pedagógica. A
ausência de continuidade das iniciativas GRANJA, P. Cineclubes e cinefilia: entre
dentro desta área gera uma sensação e a cultura de massas e a cultura de eli-
uma expectativa de que tudo que se faz tes. Coimbra: Imprensa da Universidade
é novo. Entretanto, ao observarmos a de Coimbra, 2007.
história do campo percebemos que es-
tamos a andar em círculos, a construir, LOBO. G. Por dentro do filme – o cine-
desconstruir, e a voltar a construir, e em ma na sala de aula. Actas do III Sopcom,
muitos casos estamos, há anos, desen- VI Lusocom e II Ibérico, vol. IV, pp. 353-
volvendo projetos que não se adaptam 359, 2005.
à dinâmica e à demanda de crianças e PEREIRA, A.C. O cinema ao serviço da
jovens do século XXI. educação: A experiência das escolas de
Neste momento, os projetos de cine- ensino básico e secundário no Algarve.
ma e educação em Portugal, e incluímos Revista Comunicação & Educação, São
o PNC, continuam crescendo em quan- Paulo: ECA/USP, ano XVI, 2011.
tidade, visibilidade e tamanho. A maior
parte destes projetos vivem com os re- PINTO, M.; PEREIRA, S.; PEREIRA, L.;
cursos do ICA – Instituto do Cinema e do FERREIRA, T. D. Educação para os Media
Audiovisual, que direciona, anualmen- em Portugal: experiências, actores e
te, para todos os projetos de cinema e contextos. Lisboa: Entidade Reguladora
educação por eles apoiados, a mesma para a Comunicação Social, 2011.
quantia (financeira) que disponibiliza, NEVES, P. O Cinema na Escola. Estudo
em média, para apenas um festival de ci- de caso – a disciplina de opção cinema
nema. Além do apoio do ICA, os projetos no 3º ciclo, no Algarve. Percurso e efei-
também podem concorrer a alguns fi- tos no tempo. Dissertação de Mestrado.
nanciamentos da Comunidade Europeia FCHS – Universidade do Algarve, 2011.
e a iniciativas locais. A escassez de recur-
sos e de reconhecimento em relação ao ZACCHETTI, M. Literacia mediática: uma
campo contribui com a desarticulação abordagem europeia. European
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Com-
dos seus pares, o trabalho solitário que mission, DG Education and Culture, Me-
não propicia a troca de conhecimentos e dia programme and media literacy unit,
experiências acarretando uma constante 2010. Disponível
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em: http://ec.europa.
desunião dos envolvidos e protagonistas eu/culture/media/literacy/index.
desta área. Também gera uma competi-
Revista de Linguagem do Cinema e do Audiovisual . Número 1 . Ano 2016