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A Face oculta da ONU

Entrevista de
Michel Schooyans

Ao Il Mattino della Domenica


Lugano, 24 de junho de 2001

Por Luca Fiore

1. Durante o Congresso sobre Globalização, Economia e Família,


realizado em Roma de 27 a 30 de novembro de 2000 pelo Pontifício Conselho
para a Família, o senhor expôs a concepção da globalização segundo a ONU.
Essa concepção é também longamente analisada no seu mais recente livro, A
Face oculta da ONU, publicado pela editora Sarment/Fayard, Paris, 2001.
Para o senhor, essa concepção tende a considerar que o meio ambiente tem
mais valor do que a pessoa. Do que se trata? Qual é a sua preocupação?

Globalização, Mundialização: dois termos que entraram para a


linguagem cotidiana; dois conceitos que se tornaram objeto de debates e
discussões envolvendo o futuro da sociedade mundial. Esses termos
significam antes de mais nada, que as sociedades humanas tornaram-se
interdependentes: por exemplo, uma desvalorização do yen japonês repercute
em toda a economia mundial. Isso significa também que as sociedades
mundiais estão integradas: as viagens e a mídia ensinam os homens a se
conhecer melhor; a informação científica é amplamente divulgada e discutida
em fóruns virtuais abertos 24 horas por dia. Em princípio, devemos
evidentemente nos alegrar com essa evolução e é claro que ela demanda
novos instrumentos de condução das relações internacionais.

Tradicionalmente essas relações internacionais se organizam a partir


de dois modelos. De um lado, um modelo encarnado hoje pelos EUA. O
globalismo é aí concebido a partir do projeto hegemônico da nação
dominante, cujo objetivo é impor uma organização do mundo de inspiração
néoliberal. Esse projeto tem de início uma forte conotação econômica: seu
objetivo é a globalização do mercado; mas comporta também, evidentemente,
uma vontade de gerir politicamente o mundo. Não pode ser realizado senão
com a conivência das nações ricas. O outro modelo é herdeiro do
internacionalismo socialista e, se insiste sobre as necessárias reformas
econômicas, coloca em primeiro plano um objetivo político: limitar a
soberania dos estados e submetê-los ao controle de um poder político
mundial. O método para atingir esse fim não é mais revolucionário; no
espírito de Gramsci, é reformista.

Quando fala em globalização, a ONU incorpora os significados dessa


palavra tais como viemos de recordar. Mas aproveita-se da imagem positiva
associada ao termo para imprimir-lhe novo significado. A globalização é
interpretada à luz de uma nova visão de mundo e do lugar do homem no
mundo. Essa visão "holística" considera que o mundo constitui um todo
dotado de maior realidade e valor do que as partes que o compõem. Nesse
todo, o surgimento do homem não é senão um avatar da evolução da
matéria.

2. 0 senhor igualmente manifestou sérias reservas quanto à Carta da


Terra, um documento da ONU em preparação, a ser publicado próximamente.
0 senhor até afirma que nele encontramos a influência da New Age. Quais as
ligações entre a New Age e esse texto?

Trata-se de um projeto de documento no qual um dos redatores não é


outro senão o próprio senhor Mikhail Gorbatchev. O que frisa esse
documento? Sendo apenas o produto de uma evolução material, o homem
deve curvar-se aos imperativos de meio-ambiente, da Natureza, da ecologia.
A influência do filósofo Thomas S. Khun, um dos grandes inspiradores da
New Age, é aqui evidente e confirmada nos livros de Marilyn Ferguson sobre
essa mesma corrente. O homem deve aceitar não ser mais o centro do
mundo. Segundo essa leitura da natureza e do homem, a "lei natural", não é
mais aquela que está inscrita na inteligência e no coração do homem; é a lei
implacável e violenta que a natureza impõe ao homem. Os ecologistas
tisnados de New Age até apresentam o homem como predador. E como todas
as populações de predadores, afirma-se que a população humana deve ser
contida, limitada imperativamente, dentro dos limites do desenvolvimento
sustentável.

3. Qual a relação entre essa Carta da Terra e a Declaração Universal


dos Direitos do Homem de 1948?

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, inclina-se


diante de uma verdade que se impõe para todos. Reconhece que todos os
homens tem direito à vida; que nascem livres e iguais em dignidade; que são
livres para se associarem, para se atribuírem um regime político de sua livre
escolha, de se organizarem em sindicatos, de criarem uma família, aderirem
a uma religião, etc. Todos os homens têm o direito de participar da vida
política e da vida econômica, pois todos têm alguma coisa de único a oferecer
aos outros homens. Todos os totalitarismos do século XX nasceram do
desprezo a esses direitos inalienáveis. Promover esses direitos por todo o
mundo é barrar o caminho aos sistemas que reduzem o homem a não ser
senão uma engrenagem do estado, um instrumento do Partido, um espécime
de determinada raça. A grande originalidade dessa Declaração é conceber
como fundamento das novas relações internacionais o reconhecimento, por
todas Nações, dos direitos fundamentais de todos os homens.

A Carta da Terra abandona e mesmo combate o antropocentrismo


judeo-cristão e romano, reforçado pelo Renascimento, e que foi levado a seu
ponto de maior incandescência na Declaração de 1948. Ao documento
caberia não somente superar a Declaração Universal, mas, para alguns,
deveria mesmo suplantar o próprio Decálogo, modéstia à parte!
4. O senhor chegou a falar do projeto da ONU de instaurar
progressivamente um "super-governo mundial" que suplantará os corpos
intermediários, as nações, e imporá um pensamento único, através do controle
da informação, da saúde, do comércio, da política e do direito. Não seria essa
uma imagem do futuro muito à la George Orwell?

A argumentação ecológica desenvolvida na Carta da Terra, é na


realidade um artifício ideológico para camuflar algo mais grave: entramos em
uma nova revolução cultural. De fato, a ONU está em vias de formular uma
nova concepção do direito. Essa concepção é mais anglo-saxã do que latina.
As verdades fundadoras da ONU, referentes à centralidade do homem no
mundo, são pouco a pouco desativadas. Segundo essa concepção, nenhuma
verdade sobre o homem impõe-se a todos os homens: a cada um sua
opinião. Os direitos do homem não são mais reconhecidos como verdades;
são objeto de procedimentos, de decisões consensuais. Negociamos e ao
termo de um procedimento pragmático, decidimos, por exemplo, que o
respeito à vida se impõe em certos casos mas não em outros, que
determinada manipulação genética justifica o sacrifício de embriões, que a
eutanásia deve ser liberalizada, que as uniões homossexuais têm o mesmo
direito que a família, etc. Daí nascem os assim chamados "novos direitos do
homem", sempre renegociáveis ao sabor dos interesses daqueles que podem
fazer prevalecer sua vontade.

Para tornar palatáveis esse "novos direitos" e sobretudo a concepção do


direito que lhes é subjacente, dois eixos de ação devem ser privilegiados. É
preciso inicialmente enfraquecer as nações soberanas, pois são geralmente
as primeiras a proteger os direitos inalienáveis de seus cidadãos. Em
seguida, nas assembléias internacionais, é preciso obter-se o maior consenso
possível, recorrendo se preciso à corrupção, à chantagem ou à ameaça. Uma
vez alcançado, o consenso pode ser invocado para fazer adotar convenções
internacionais que adquirem força de lei nos estados que as ratificaram.
Esse tipo de globalização, sustentado por uma concepção puramente
positivista do direito, justifica as mais intensas apreensões.

5. O título de seu último livro é A Face oculta da ONU: que face é essa, e
quem é que se esconde por detrás?

Em dossiês tão complexos quanto o da globalização segundo a ONU, a


falta de transparência torna evidentemente difícil a prova direta e a
demonstração matemática. A experiência recente, em França, das
malversações e demais irregularidades confirma que nenhuma organização
dispõe-se a reconhecer que está corroída pela ação de confrarias, pela
presença em seu interior de "fraternidades" e de "redes". Contudo, tais
realidades existem sem sombra de dúvida. Nós as conhecemos não somente
por suas ações, mas também pelo que alguns de seus membros dizem a seu
respeito publicamente, por exemplo na televisão. Evidentemente, sempre há
pessoas prontas a negar fervorosamente as evidências, incluso quando nem
sequer sabem onde encontrar os dossiês. Mas será preciso esperar que os
membros da DGSE francesa (Direção Geral de Segurança Exterior) desfilem
com uma braçadeira para saber que a DGSE existe?

Na realidade, a ideologia onusiana da globalização está plasmada em


referências livre-exaministas, agnósticas, utilitaristas e hedonistas. Se
analisarmos pacientemente as recente reuniões da ONU sobre questões tão
diversas como saúde, população, meio-ambiente, habitat, economia
mundial, informação, educação - para citar apenas esses exemplos,
percebemos uma notável comunidade de inspiração e uma igualmente
notável convergência de objetivos. É claro que sob instigação das nações
soberanas que são seus membros, a ONU deveria proceder à uma auditoria
interna, sem o que dará cada vez mais a impressão de estar sob influência de
uma máfia tecnocrática. Tenho sobre outros a vantagem de chegar à essa
conclusão após vários anos de pesquisa. Porém, se me perguntar se vi com
meus próprios olhos a "mão invisível", devo lhe responder que ví somente
sua sombra. Mas no caso, isso é suficiente.

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