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Muito mais do que atualmente, a participação dos alunos no destino das escolas
ainda era um tabu naquela época. Em depoimento para o filme-documentário A
Rebelião dos Estudantes, baseado no livro homônimo de minha autoria – o ex-líder
estudantil Wladimir Palmeira, que comandou a legendária Passeata dos Cem Mil,
considera essa manifestação menos importante que o fato de representantes estudantis
terem participado de uma reunião do Conselho Universitário da UFRJ naquele ano.
Durante a segunda quinzena de junho, o clima estava tenso no Rio de Janeiro.
Ao chegarem no dia 19 para uma audiência com o ministro Tarso Dutra, os estudantes
encontraram o prédio do MEC cercado pela Polícia. Recuaram e voltaram com pedras e
paus, travando-se uma batalha campal durante toda a manhã. À tarde, eles continuaram
enfrentando a cavalaria, no centro da cidade, com a ajuda de populares.
Também no Rio, a UNE e a União Metropolitana de Estudantes (UME)
convocaram uma assembléia geral com 1.500 representantes de várias faculdades. A
reunião seria realizada na Faculdade de Economia, na Praia Vermelha, onde também
funcionava a Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na hora da
assembléia, o local foi cercado pela Polícia, o que determinou sua transferência para o
Teatro de Arena.
Naquele momento, o Conselho Universitário da UFRJ estava reunido no prédio
da Reitoria. A reunião foi interrompida pelos estudantes, que obrigaram seus
participantes a descerem para o teatro e discutirem com eles os problemas da
Universidade.
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No final de 1967, uma aluna foi expulsa do CIEM (Centro Integrado de Ensino
Médio) laboratório da Faculdade de Educação da UnB criado por Anísio Teixeira e
Darcy Ribeiro com uma filosofia pedagógica baseada no lema “liberdade com
responsabilidade”. Os estudantes reagiram.
Diante da situação, o Conselho de Representantes convocou para o dia seguinte
uma assembléia geral, na qual os alunos deram um ultimato ao diretor-adjunto da
escola, padre Marconi Montezuma, que tinha expulsado a aluna: ele teria de cancelar a
expulsão e discutir o assunto com o Conselho de Representantes dos alunos.
Se isso não acontecesse, seria deflagrada uma greve. No entanto, quem acabou
suspendendo as aulas foi a própria diretoria do CIEM, que convocou todos os 309
alunos da escola para uma discussão sobre o caso. O Conselho de Representantes
compareceu e questionou a atitude da escola, classificando-a como autoritária. Em
nome do Conselho, alguns alunos afirmaram que a postura da direção da escola não era
de diálogo e sim de imposição.
Na seqüência, foi criada uma comissão de sindicância composta de professores
para ouvir os alunos, principalmente os integrantes do Conselho de Representantes.
No mesmo dia 1º de novembro em que a comissão foi criada, o Conselho de
Representantes divulgou uma nota com o título “Por que o CIEM está em crise”:
– Nos últimos tempos, fatos vêm ocorrendo nesta escola que desvirtuam sua
principal tarefa: a preparação do aluno para a vida. Arbitrariedades foram cometidas. Se
estamos com nossas aulas suspensas, é decorrência desse estado de coisas que,
ultimamente, é objeto de ação por parte do corpo docente. Os acontecimentos nesta
última semana, apoiados em atos ditatoriais, desenrolaram-se rapidamente, culminando
com a expulsão sumária de uma colega, sem direito a defesa.
No final, os estudantes pedem para conhecer os estatutos ou o regimento interno
do CIEM; a continuação do diálogo com a participação de professores e alunos; a
participação do corpo discente, através do Conselho de Representantes, em qualquer
medida de caráter punitivo contra alunos; e que fosse posta em prática a teoria da
liberdade com responsabilidade.”
A resposta da direção do colégio foi a expulsão de todos os membros do
Conselho de Representantes no dia 10 de novembro de 1967. Em nota de meia página
publicada no Correio Braziliense, a direção do colégio explicava que “agiu pronta e
energicamente para impedir que o corpo discente assumisse todo o comando do
educandário, numa completa subversão de todos os princípios e valores educativos”.
Depois de muitos entendimentos, foi encontrada uma solução para que os alunos
expulsos não perdessem o ano: eles teriam a oportunidade de realizar em casa trabalhos
escolares que fossem levados em consideração na avaliação final. Os do 3º ano puderam
se inscrever no vestibular. Os outros só receberiam a guia de transferência depois de
concluído o ano letivo.
No dia 29 de novembro, as aulas foram reiniciadas.
Mas a proposta de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro para a reforma do ensino
sofrera mais um grande golpe, como antes a própria UnB – também idealizada por eles -
já fora duramente golpeada. E, já havia algum tempo, os alunos com espírito crítico que
o CIEM formava eram tidos como inconvenientes na universidade militarizada.
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não terminou(...) O estudante tem de cumprir seu papel histórico, como indivíduo
descomprometido com a vida produtiva do País e com a política burguesa. Isto será
feito partindo de sua realidade objetiva, aprofundando-se cada vez mais teórica e
praticamente nos seus problemas cotidianos concretos, até atingir um nível de
integração verdadeira com a ampla luta que hoje é de todos os povos oprimidos. Foi
isso que iniciamos”.
3.3 - Diálogo
Na seqüência, Caio afirmou que não aceitaria imposições dos estudantes e que a
comissão designada para resolver o problema da FAU permaneceria a mesma, embora
com um nome vetado pelos estudantes, mas que poderia ser ampliada, inclusive com
professores indicados pelo Diretório Acadêmico do Centro de Arquitetura e Urbanismo.
Três dias depois, os alunos decretaram greve até que a Comissão a ser designada
pela Reitoria reestruturasse o Instituto Central de Artes, ao qual pertencia a FAU.
Cartazes espalhados por toda a UnB informavam que não seriam aceitas soluções
provisórias e que o ensino de Artes devia levar em conta a realidade nacional.
A 20 de março, a Reitoria oficializou a suspensão das aulas até que a FAU e o
ICA fossem reestruturados. Mas, ao mesmo tempo, dissolveu a Comissão que tinha
nomeado para reestruturar essas duas unidades de ensino.
No dia 21 de março, o Conselho de Representantes e a Diretoria Executiva da
FEUB divulgaram nova carta aberta ao reitor: “Dias atrás, quando Vossa Magnificência
convocara os representantes estudantis para um diálogo ‘aberto’, os presentes ouviram
seus apelos por uma união geral de esforços no sentido de uma restauração da estrutura
universitária, colocando essa tarefa como sua principal missão e dizendo que sua
presença na UnB era motivada por tais objetivos”.
Fazendo uma avaliação da Universidade de Brasília naquela época, o documento
observava:
– Sentimos no procedimento de Vossa Magnificência uma continuação do
processo de destruição da UnB. A suspensão das aulas da FAU e do ICA “até serem
reestruturados” e a dissolução da comissão encarregada de reestruturá-los equivale a seu
fechamento. Não aceitaremos imposições de uma vontade unilateral e muito menos a
criação de novas crises, que levarão de fato esta Universidade a sua derrocada final. Que
a crise preparada por essa Reitoria e seus componentes seja de sua inteira
responsabilidade.
No dia 22, os estudantes exigiram que a Reitoria formasse imediatamente
uma nova comissão coordenadora para o ICA e a FAU, “dentro do espírito de
eqüidade entre alunos e Reitoria, desde que seus componentes estejam de acordo
com o espírito que originou a UnB e que o reitor não insista em designar membros
contrários ao interesse estudantil”.
Em virtude da suspensão das aulas, os alunos procuraram desenvolver outras
atividades. Com a participação de recém-formados e arquitetos de maior experiência,
passaram a organizar seminários e debates durante o horário escolar.
No dia 25 de março, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB),
Eduardo de Melo, reuniu-se com os estudantes. Na ocasião, ele mostrou a necessidade
de um acordo com a Reitoria, no sentido de formar uma nova Comissão de
Reestruturação.
Também faziam parte do grupo os professores Miguel Pereira, Liberal de Castro,
Paulo Mendes da Rocha e Paulo Magalhães, que ficou como coordenador. Seu objetivo
era o reinício das aulas e a preservação das características originais do curso, concebido
para contribuir nos programas que visavam a assegurar o rápido progresso do País.
4.1 - A expulsão
4.2 - Versões
4.3 Denúncias
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Por volta das 17h, cerca de 800 estudantes do Elefante e de outros colégios
estavam em frente ao Cine Cultura, cuja fachada era toda formada por vidraças. Um dos
diretores do DCESB comprou um ingresso de estudante e mostrou ao porteiro, junto
com a carteirinha da chapa Vanguarda. O filme em cartaz era “Menino de Engenho”,
com base no livro de José Lins do Rego.
Foi um dia inesquecível.
O bilheteiro mostrou a Portaria da Secretaria de Educação, afixada na vidraça
frontal, e disse que a nossa carteirinha não valia. Só valia a que estava na vidraça,
reconhecida pelo GDF. Mas isso era um detalhe irrelevante para o pessoal, que queria
entrar de qualquer maneira.
Foi, então, chamado o gerente, que já chegou meio assustado. E ficou mais
assustado ainda quando o dirigente do DCESB falou: “Eu sei que o senhor não tem nada
com isso, que vocês estão apenas cumprindo uma Portaria da Secretaria, mas todo
mundo aqui comprou meia entrada e quer entrar no cinema. Eu até compreendo a sua
situação, mas não sei se vou conseguir controlar todo esse pessoal. Você deve saber que
só a Casa Thomas Jefferson os estudantes já quebraram duas vezes este ano. Não sei o
que poderá acontecer com essas vidraças se a carteiririnha não for liberada”.
O gerente ficou realmente nervoso e seus lábios chegaram a tremer. Explicou
que precisava dar um telefonema e pediu que a gente esperasse dois minutos, que pelo
amor de Deus tivéssemos um pouco de paciência. Pouco depois, ele voltou e mandou
abrir as portas do cinema para todos, para quem tinha ingresso e para quem não tinha.
As vidraças do Cine Cultura estavam salvas e a Portaria do secretário de
Educação estava revogada na prática. Nunca mais se ouviu falar da tal chapa Novos
Horizontes.
Pouco tempo depois, os órgãos de repressão tentaram novamente articular uma
“Ala Independente” do DCESB, com o mesmo objetivo de esvaziar a entidade
verdadeira. Porém, mais uma vez fracassaram.
Durante a maior parte de 1968, o DCESB foi dirigido na prática por Sebastião
Lopes de Oliveira Neto, seu diretor mais atuante.
raras exceções. A falta de professores faz com que nem todos os horários sejam
preenchidos, resultando daí um aumento no número de dias letivos ao final do semestre.
“As chamadas ‘aulas práticas’ não são nada mais que aproveitamento da mão-
de-obra dos alunos em atividades sem qualquer proveito educacional. As aulas em
laboratório, indispensáveis à nossa formação intelectual, simplesmente inexistem. A
sala de audiovisual, que tem uma impressora inglesa, embora seja bem-aparelhada não é
aproveitada pelos alunos, servindo apenas como cartão de visitas. Atendimento médico-
hospitalar não existe, assim como assistência social. A biblioteca não atende aos
requisitos mínimos necessários a nossa formação, sendo que a maior parte dos livros
nela encontrados está ultrapassada ou escrita em língua estrangeira. A carência de livros
didáticos faz com que se imponha com urgência a distribuição gratuita de apostila a
todos os alunos. O refeitório funciona precariamente, sem higiene. O quadro de
funcionários é deficiente, o que faz com que alunos tenham de trabalhar sob justificativa
de 'aulas práticas'. A produção da pocilga e do aviário não é usada na alimentação dos
alunos. A alimentação fornecida nas tardes de domingo não atende às necessidades
básicas de nutrição”.
Por isso, quando o delegado Paes Leme chegou ao pátio do Colégio Agrícola, no
início da noite, já se sabia que alguém como ele estava para chegar. Grisalho, gordo e
visivelmente alcoolizado, Paes Leme pediu uma reunião com as lideranças. Mas foi
informado por Tião de que todos ali eram líderes e, portanto, a reunião precisaria ser
com a assembléia geral.
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No dia 17, foi divulgada pela direção do colégio uma lista com 13 alunos
expulsos, dos quais cinco pertenciam à diretoria do Grêmio: Luiz Carlos Monteiro
Guimarães, Ítalo Silgueiro Filho, Iraê Sassi, Caci Maria Sassi, Victorino de Oliveira
Neto, Hamilton Lopes dos Santos, Ana Amélia Gadelha Lins Cavalcante, Maria Regina
Peixoto Pereira, Gilma Pereira de Souza Elias, Bergson Luiz de Souza, Ângela Cozetti
Marinho, Solonel Campos Drumond Jr. e Maria Jacy Santos Amorim.
Na mesma data, o grêmio divulgou nota classificando a medida como arbitrária:
“Torna-se imperioso que notemos a total inexistência de argumentos justos que
fundamentem as expulsões desses alunos, os quais – junto a vários outros – colaboraram
num trabalho sério e honesto no sentido de melhorar as condições de ensino neste
colégio”.
A 19 de agosto, o juiz da Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, Vicente
Cernichiaro, atendeu pedido do advogado Edísio Gomes de Matos e concedeu liminar
ao estudante Victorino de Oliveira Neto, decretando a ilegalidade do ato que cancelou a
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sua matrícula. No mesmo dia, foi também reintegrada Maria Jacy Santos Amorim,
incluída na lista de expulsões por engano.
Ainda em agosto, o mesmo advogado conseguiu na Justiça a reintegração dos
outros 11 expulsos.
Em setembro, na eleição para a diretoria do Grêmio do Elefante, César e a
Secretaria de Educação sofreram nova derrota, apesar do racha na esquerda.
Desde o ano anterior, quando ganharam a eleição para o DCESB e para o
Grêmio do CIEM com chapas denominadas Vanguarda, os trotskystas (quase sempre
aliados a outros grupos de esquerda) disputaram e ganharam com esse nome todas as
eleições estudantis no Distrito Federal.
Deflagrado o processo eleitoral no Elefante Branco, foi registrada uma chapa
Vanguarda, que tinha como presidente Jonas Martins Fernandes e como vice Iraê Sassi.
Mas havia uma outra chapa de esquerda, a Convenção, presidida pelo amazonense
Aurélio Michiles. A direita estava representada pela Ala Independente, e na última hora
ainda foram registradas as chapas Virgem, Amor e Bandinha – sem qualquer chance de
vitória.
A eleição estudantil mais disputada de 1968 teve muitos cartazes, faixas e
distintivos para serem afixados nas camisas, principalmente dos seguidores da
Vanguarda, da Convenção e da Ala Independente. Esta apresentava como principais
bandeiras a luta pela construção da área de esportes, pela solução definitiva para o
problema da cantina e a defesa do livre pensamento dos estudantes. A Vanguarda
prometia lutar contra o vestibular, contra a infiltração estrangeira no ensino, defendendo
a liberdade de expressão dos estudantes, bem como seu direito de realizar assembléias.
Outra bandeira era “apoiar a luta dos trabalhadores”. Por sua vez, a Convenção se
propunha a dinamizar as atividades culturais e esportivas no colégio, lutar pela melhoria
da biblioteca e dos laboratórios e estimular o estudo de documentos sobre a política
educacional do Governo, como o Acordo MEC-USAID.
A Vanguarda ganhou a eleição, com seis votos a mais que a Ala Independente.
A Convenção ficou em 3º lugar.
A vencedora tinha o mesmo nome da chapa destituída pelo diretor em agosto. E
seu vice-presidente, Iraê Sassi, expulso do colégio na mesma ocasião, fora reintegrado
através de medida judicial contra a decisão do diretor.
O policial disse que não podia responder às insistentes perguntas dos estudantes
sobre o nome de agentes infiltrados na UnB. Alegou que trabalhava no combate à
mendicância e que, portanto, não tinha qualquer ligação com a repressão ao movimento
estudantil.
Sempre com os olhos vendados, Pêra Dourada insistia em afirmar que não estava
em serviço e que apenas procurava uma pessoa. Se usava uma viatura policial, era
porque seu carro estava na oficina.
Às 20h20, os estudantes anunciaram para o público externo que iam levar o
prisioneiro para outro local, fora da Universidade, onde ele passaria a noite sendo
interrogado. Segundo os estudantes, a retirada de Edrovano do campus visava à própria
segurança dele. Fora da UnB ele estaria a salvo de eventuais agressões de militantes
mais inquietos, alegavam os responsáveis pelo prisioneiro.
Na verdade, Pêra Dourada foi removido para o Instituto Central de Ciências, um
prédio do campus que ainda estava em obras e se constituía num verdadeiro labirinto de
corredores em obras, salas sem reboco e material de construção por todos os lados.
O policial foi bem tratado enquanto esteve sob poder dos universitários, que
apenas evitavam falar seus nomes verdadeiros. Todos se tratavam simplesmente como
“João”, como Pêra Dourada chamou o estudante que o deteve no restaurante.
Edrovano acabou dizendo que já tinha sido aluno da UnB em diversos cursos de
extensão cultural: Teoria Geral do Direito, uma matéria de Jornalismo e um curso
denominado Direções da Poesia Brasileira Contemporânea. A suposta namorada dele
não foi encontrada e mais tarde ele confessou que era casado, tendo pedido para mandar
um bilhete à esposa.
O prisioneiro foi identificado como o policial que comandou a repressão ao
movimento estudantil no Centro de Ensino Médio Ave Branca, em Taguatinga.
Também foi reconhecido como figura sempre presente em manifestações estudantis.
7.1 - Negociações
Às 11h30, um ônibus saiu da UnB com três professores e dois delegados para
buscar os presos – que a Secretaria de Segurança dizia serem apenas nove. Logo que o
ônibus saiu, foi permitida a entrada de jornalistas e estudantes que aguardavam fora do
campus.