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Interação entre filarídeos, vetores e Wolbachia Hertig, 1936:

um foco ativo de transmissão de Dirofilaria immitis (Leidy, 1856)


como modelo
Jonimar Pereira Paiva
NITERÓI – RJ
2009

2.4 DIROFILARIOSE CANINA

2.4.2. Patogenia
As alterações patológicas decorrentes da infecção por D. immitis e sua
conseqüente manifestação clínica estão diretamente relacionadas ao número
de parasitos, à duração da infecção, à resposta imune do hospedeiro e ao seu
nível de atividade física (CALVERT; RAWLINGS, 2001; GUERRERO, 2005).
Tosse e dispnéia, com evolução crônica, são os sinais clínicos mais comuns, e
geralmente associados à doença do parênquima pulmonar. Com a evolução da
lesão pulmonar instala-se a intolerância à atividade física, por alteração da
ventilação-perfusão e conseqüente hipoxemia (VENCO, 2007).
Inicialmente as formas jovens do parasito chegam aos ramos periféricos das
artérias pulmonares e, ao se tornarem adultos, ocupam ramos mais proximais
(KNIGHT, 2004). Quanto maior a carga parasitária mais proximal será a
localização dos helmintos, podendo atingir artéria pulmonar principal, ventrículo
direito, átrio direito, e até as veias cavas nas infecções maciças (CALVERT;
RAWLINGS; McCALL, 1999).
A presença dos parasitos nos vasos é uma agressão mecânica ao endotélio
vascular, causando descamação e inflamação, aumentando assim o tamanho
das células endoteliais e tornando-as menos aderidas umas às outras. A lesão
endotelial estimula a agregação plaquetária e a atração de leucócitos
(neutrófilos e eosinófilos) para a região (KITTLESON, 1998). Fatores de
crescimento são liberados pelas plaquetas e leucócitos, desencadeando a
proliferação das células da musculatura lisa arterial e migração em direção ao
endotélio. Como conseqüências dessa proliferação formam-se estruturas
semelhantes aos vilos da mucosa intestinal, que invadem a luz arterial,
reduzindo o espaço interior dos vasos. (ADCOCK, 1961; CALVERT; RAWLINGS;
McCALL, 1999; KNIGHT, 2004).
Quanto maior o número de parasitos e o tempo de infecção, maior será a
agressão endotelial que, somado à massa de vermes reduzirá a luz das artérias,
agravando assim o quadro obstrutivo. Os vasos tornam-se maiores e tortuosos
nos pontos imediatamente antes da obstrução, comprometendo cada vez mais
o fluxo sangüíneo pulmonar (VENCO, 2007; CALVERT; RAWLINGS; McCALL,
1999).
O endotélio danificado e invadido pelas células inflamatórias torna-se
permeável ao plasma e às células, permitindo seu extravasamento para o
interstício pulmonar adjacente às pequenas artérias, caracterizando inflamação
intersticial perivascular, com apresentação de infiltrados intersticiais e até
alveolares. Com a cronicidade do processo inflamatório ocorre a substituição
por tecido fibroso. A doença do parênquima pulmonar é a principal causa de
tosse nos animais portadores de dirofilariose (GRANDI; ZIVICNJAK; BECK,
2007; VENCO, 2007).
De forma compensatória, por liberação de mediadores locais (endotelina-1), os
vasos das áreas acometidas entram em constrição na tentativa de direcionar o
fluxo sangüíneo para áreas sadias do pulmão. Este mecanismo é eficiente até
que extensas áreas estejam acometidas, quando então perde eficiência e
contribui para aumentar a resistência vascular e conseqüente hipertensão
pulmonar (ALLEN; MACKIN, 2001; GRANDI; ZIVICNJAK; BECK, 2007).
A resistência vascular pulmonar faz com que o ventrículo direito tenha
dificuldade em ejetar o sangue para a artéria pulmonar, mantendo volumes
sangüíneos residuais cada vez maiores no seu interior. A câmara assume a
aparência de dilatada, que pode estar associada à hipertrofia excêntrica
compensatória ou não. Ao contrário do esperado, o aumento da pós-carga não
desencadeia, na dirofilariose, hipertrofia ventricular concêntrica (KITTLESON,
1998).
O processo congestivo em ventrículo direito pode gerar exagerado estiramento
das fibras miocárdicas pela sobrecarga volumétrica, fazendo com que a câmara
perca sua propriedade contrátil, evoluindo para falência miocárdica. Instala-se
desta forma a insuficiência cardíaca direita, com congestão passiva sistêmica,
e derrames cavitários como a efusão abdominal (GUERRERO, 2005; GRANDI;
ZIVICNJAK; BECK, 2007).
Episódios de tromboembolismos podem ocorrer por morte dos vermes adultos
no pós-tratamento ou mesmo de forma natural, agravando o processo
obstrutivo desencadeado pelas alterações endoteliais. Fragmentos de parasitos
mortos se deslocam pela circulação arterial pulmonar, obliterando o fluxo
sangüíneo em porções mais distais da ramificação
arterial (CALVERT; RAWLINGS; McCALL, 1999; GRANDI; ZIVICNJAK; BECK,
2007; CALVERT; RAWLINGS, 2001; KNIGHT, 2004).
A resposta pulmonar à morte dos vermes adultos é a exacerbação das
alterações endoteliais já existentes, com maior proliferação das vilosidades e
adesão plaquetária, formando os trombos. Com a obstrução do fluxo arterial
pelo tromboembolismo, ocorre maior extravasamento de plasma e células
sangüíneas para o parênquima, se estabelecendo um processo inflamatório
granulomatoso. Quando este processo ocorre de forma aguda, comum no
tratamento adulticida, quadros de tosse, angústia respiratória e hemoptise,
podem ocorrer (CALVERT; RAWLINGS; McCALL, 1999; CALVERT; RAWLINGS,
2001).
A participação de Wolbachia sp. na patogenia da doença é sugerida, uma vez
que, após a morte dos nematódeos, há liberação de grande quantidade destas
bactérias que, expostas ao sistema imune do hospedeiro, parecem contribuir
para que as alterações patológicas se agravem (KRAMER et al., 2004).
Desta forma, poderia ser explicado a polarização de respostas imunes do tipo
Th1, típicas contra agentes bacterianos, em infecções por filarídeos. Este tipo
de resposta atrai macrófagos, neutrófilos e linfócitos para o sítio de agressão, o
que já foi intensamente observado nos achados patológicos subseqüentes a
infecções por D. immitis (BANDI; TREES; BRATTIG, 2001; TAYLOR et al., 2001;
KRAMER et al., 2004).
Estudos recentes demonstraram que o uso de antibióticos do grupo das
tetraciclinas associado ao tratamento adulticida, reduz as alterações
patológicas pulmonares decorrentes deste tratamento, o que sugere que a
redução de Wolbachia no filarídeo adulto antes de sua morte, pode servir como
um importante adjuvante para minimização dos riscos do tratamento adulticida
(KRAMER et al., 2008).
Os achados radiográficos da dirofilariose podem determinar a gravidade da
doença, e são úteis para avaliar as alterações cardio-pulmonares. Dentre eles o
aumento do tamanho e da densidade das artérias pulmonares, aumento de
densidade com marcação intersticial a alveolar e aumento ventricular direito
são importantes (HOCH; STRICKLAND, 2008).
O ecocardiograma auxilia na avaliação da função cardíaca direita e na
avaliação do grau de hipertensão pulmonar, podendo ainda estimar o número e
a localização dos parasitos nas infecções com alta carga parasitárias
(CALVERT; RAWLINGS; McCALL, 1999; NELSON et al., 2005).
Outras alterações patológicas podem ser encontradas: 1) pneumonite
eosinofílica, normalmente associada a infecções ocultas imunomediadas,
envolvendo reação de hipersensibilidade, quando microfilárias são destruídas
pelo sistema imune dentro dos capilares pulmonares; 2) granuloma eosinofílico,
de ocorrência menos comum, pode ser confundido com neoplasias e; 3)
glomerulopatia, por deposição de imunocomplexos nos glomérulos é a causa da
proteinúria na dirofilariose (KITTLENSON, 1998; CALVERT;
RAWLINGS; McCALL, 1999; CALVERT; RAWLINGS, 2001; KNIGHT, 2004;
PAES-DE-ALMEIDA et al., 2003).
Uma forma pouco usual de dirofilariose pode ocorrer em cães residentes em
regiões onde a transmissão de D. immitis é intensa. Nessas localidades a
possibilidade de infecção maciça em um curto espaço de tempo é grande,
principalmente para cães procedentes de áreas indenes. Consequentemente,
muitos vermes adultos chegarão ao habitat ao mesmo tempo, podendo ocupar
as câmaras cardíacas direitas até as veias cavas de forma repentina. Esta
localização, na ausência de tempo suficiente para as adaptações
vasodinâmicas possíveis, dificulta o trabalho da valva tricúspide, permitido
assim regurgitação de sangue para o átrio direito no momento da sístole
ventricular com importante elevação da pressão venosa central. Este processo
pode evoluir com choque cardiogênico, hemólise intravascular, coagulação
intravascular disseminada e falência renal e hepática, denominada Síndrome
da Veia Cava. Clinicamente o animal apresentará angústia respiratória,
taquicardia, pulso arterial fraco e pulso jugular positivo. O quadro se estabelece
de forma aguda, com risco de vida para o animal (CALVERT; RAWLINGS;
McCALL, 1999; STRICKLAND, 2007; VENCO, 2007).

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