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Parte da Psicologia que ocupa-se do componente de segurança da conduta humana. Pode ser entendida
como o resultado da impossibilidade de se construir ambientes plenamente seguros, o que configura o
papel fundamental dos aspectos humanos na construção da segurança.
A “Psicologia da Segurança no Trabalho” definida por Meliá (1999) como sendo “a parte da psicologia
que se ocupa do componente de segurança da conduta humana” é uma ciência que vem sendo
desenvolvida desde a década de 70 e é também um conjunto de técnicas (metodologia de intervenção)
que permitem compreender e agir sobre os elementos humanos da prevenção de acidentes de trabalho
com profundidade e precisão. No Brasil seu desenvolvimento ainda é bastante discreto, sendo
encontrada com maior incidência nos EUA e na Europa.
A Psicologia da Segurança pode proporcionar conhecimentos que complementem as práticas dos demais
profissionais que atuam em segurança no trabalho como médicos, engenheiros e técnicos, o que não
significa que interferir sobre os fenômenos psicológicos em segurança seja algo que possa ser feito de
forma efetiva por profissionais sem a devida capacitação. Referindo-se à utilização de conceitos e
técnicas da Psicologia por profissionais de outros campos de atuação, Geller (2001) comenta que muitas
das estratégias para promover crescimento e desenvolvimento, incluindo mudanças de atitudes e
comportamentos, são acatadas com crença e otimismo por empresários e trabalhadores porque “soam
bem” e não por que são estratégias embasadas em conhecimentos produzidos cientificamente”.
Propostas sem critérios podem gerar frustrações, resistências e descrenças, pois muitas vezes, os
resultados obtidos são parciais ou então são conquistados às custas de desgastes emocionais, relacionais
e de saúde geral dos trabalhadores (principalmente aqueles colocados nos mais baixos níveis
hierárquicos, o famoso “chão de fábrica”). Nestes casos, o que foi criado e implementado para promover
a saúde utilizando como meio a “mudança de comportamento” passa a ser causa de sofrimento para os
envolvidos. Sofrimento suportado em silêncio, muitas vezes, pela necessidade de preservação do
emprego.
Dejours (1999) e Geller (2001) consideram que expressões como fator humano, comportamento,
atitudes, além de serem utilizadas muitas vezes como sinônimo de Psicologia (o que não é verdade),
funcionam como um verdadeiro “condensado de psicologia do senso comum”. Exemplos destas
distorções são alguns tipos de programas de incentivos (com brindes e sorteios), as “sessões de
tragédias” (apresentações de vídeos e fotos de acidentes de forma sistemática como forma de
conscientizar), treinamentos e cursos com alta carga horária e didática inadequada. Estratégias como
estas acabam por promover aprendizagens inadequadas, fazendo com que o trabalhador fique mais
interessado em ganhar num boné ou um sorteio de DVD do que se comprometer para garantir sua
integridade na saída da fábrica. A saúde e a qualidade de vida é que são os verdadeiros ganhos no
processo de prevenção.
Considerando que a noção de comportamento tem sido amplamente utilizada em programas e ações de
segurança em empresas brasileiras e estrangeiras, recebendo até o nome de “Segurança
Comportamental”, é importante refletir sobre o que de fato tem sido tratado por essas estratégias.
Percepção de Risco
Partindo do entendimento de que o Comportamento Seguro é definido por “identificar e controlar
riscos...”, a Percepção de Risco tem um importante “status” nas recentes pesquisas em Psicologia da
Segurança no Trabalho. Este conceito é tido como mais um elemento importante para a compreensão
dos aspectos psicossociais relacionados à prevenção dos acidentes de trabalho, Na prática há uma
evidente lacuna por parte das organizações por não buscarem conhecer o nível em que se encontra a
percepção de risco dos trabalhadores de seus quadros.
Para explorar o conceito de percepção de risco é preciso lembrar que o contato que o ser humano
estabelece com o mundo externo é mediado pelos seus sentidos (tato, olfato, audição, gustação, visão),
por meio dos quais os dados da realidade são recebidos e ganham significados. O processo de receber e
converter o estímulo externo é chamado de sensação. Já o processo de atribuição de sentido à
informação recebida é chamado de percepção.
Em prevenção o processo perceptivo é fundamental uma vez que, quando lidamos com preservação da
saúde, estamos vinculados à capacidade das pessoas de se relacionar com os perigos de forma
cuidadosa, evitando danos à integridade física e psíquica dos indivíduos, isto é, prevenir acidentes e
doenças.
A percepção de risco diz respeito à capacidade da pessoa em identificar a freqüência na qual está
exposta a situações ou condições de trabalho que possam causar dano (perigos) e reconhecer os riscos
que este oferece, não só na sua atividade imediata, mas também em todo o contexto de trabalho. Olhar
sempre para a freqüência e deixar a probabilidade de lado neste momento, possui uma justificativa
importante como é possível perceber no exemplo que segue:
Exemplo prático: um profissional que trabalha numa fábrica de explosivos e que, durante sua rotina, vai
poucas vezes a área industrial, mantendo-se 95% do tempo no escritório. É de praxe ele não acreditar
que possa ocorrer algo negativo, visto o pouco tempo que ele fica exposto ao risco – isso é
probabilidade. Entretanto, ele trabalha do lado de dentro dos portões de uma indústria diariamente.
Pode-se afirmar que este trabalhador tem menor chance de sofrer um acidente de que outros que
rotineiramente trabalham na área industrial?
Logicamente, responder esta questão não é tão simples como parece. Afinal existem outras variáveis
importantes que não estão sendo levadas em contas nesta análise, por exemplo: nível de saúde, estado
emocional, conhecimento técnico e operacional de ambos, capacidade de reconhecer os riscos
existentes, bem como a própria atitude deles neste ambiente. Assim, olhar apenas a probabilidade
decorrente do tempo de exposição distorce, muitas vezes, a nossa percepção.
Desta forma, o processo de percepção do risco pelo homem nem sempre é objetivo, ou quem sabe
racional, mas fortemente influenciado por fatores diversos que variam de indivíduo para indivíduo, em
função de sua estrutura mental e do seu repertório adquirido.
Por meio do mapeamento da Percepção de Risco dos trabalhadores é possível mensurar a capacidade
dos trabalhadores em identificar os perigos e riscos. Na prática, é a atividade do caldeireiro na
metalurgia, do engenheiro que atua na petroquímica, do médico do trabalho que atua na indústria. Ou
seja, neste mapeamento é considerado não apenas a atividade-fim do profissional, mas todo o entorno
que compõe cenário no qual o trabalho ocorre.
Uma das ferramentas utilizadas pela Psicologia da Segurança no Trabalho para este mapeamento é um
questionário com diversos tipos de perigos e riscos de acidentes. Seu formato permite avaliar a
percepção e a noção de risco dos trabalhadores. Inicialmente o trabalhador constrói o seu cenário de
trabalho e, em seguida, ele identifica as situações a que está exposto no seu dia-a-dia.
Mas afinal, para que se preocupar com a Percepção de Risco dos trabalhadores? Muitas vezes, o
trabalhador comete comportamentos de risco por não conhecer de fato quais os perigos aos quais está
exposto. Sem esta informação (que em Análise do Comportamento recebe o nome de “estímulo
discriminativo”) dificilmente ele consegue reconhecer os riscos da tarefa, assim a probabilidade de se
expor ao perigo fica aumentada e por conseqüência seus comportamentos tendem a ser inseguros. Onde
o trabalhador não percebe o risco é justamente onde ele mais se expõe aos perigos (desvios/incidentes),
aumentando o risco de suas atividades e como conseqüência têm-se as ocorrências de acidentes.
Em última análise, quem não percebe os riscos dificilmente tem condições de escolher o meio mais
seguro de agir, pois ela é pré-requisito para um comportamento seguro consciente (escolhido e não “por
acaso”). Alguém que não identifica os riscos da sua tarefa tem alta probabilidade de agir de forma
arriscada. Mas vale deixar claro: percepção de riscos e comportamento seguro não são sinônimos! É
possível que a pessoa perceba que pode se machucar e escolha fazer o serviço assim mesmo. Se existir
pressão desmedida por produção, heroísmo, condições de trabalho precárias, despreparo, o fato de
perceber os riscos não levará, isoladamente, a uma mudança de atitudes. O comportamento seguro é um
resultado de fatores (internos ao indivíduo e do ambiente de trabalho) que permitem às pessoas agir de
maneira preventiva no trabalho.
3. Quantidade de horas de treinamento em segurança: não existe um nível ideal de horas de treinamento
em segurança. O ideal varia em função do nível de risco da empresa, da cultura de segurança que ela já
possui, dos objetivos que ela almeja em prevenção, porém este é um indicador necessário para averiguar
o nível de investimento do sistema de gestão no desenvolvimento das pessoas em segurança no trabalho.
Algumas empresas têm substituído ou acrescido em suas placas: “Estamos há XX dias sem acidentes e
com XX horas de treinamento em prevenção”. Isso permite visualizar que estar sem acidentes não é uma
obra do acaso, mas de atuação coerente e alinhada de todos os componentes da organização.
4. Quantidade e Nível de Compreensão das Sinalizações de Advertência: uma boa prática é averiguar
constantemente se as pessoas têm informações “demais” ou “de menos” sobre segurança. O excesso e a
falta de informação sobre os riscos presentes no ambiente de trabalho pode prejudicar sua efetividade.
Símbolos desconhecidos, pouco trabalhados ou já “desgastados” com a força de trabalho podem
prejudicar seu objetivo.
Checar a freqüência de consultas aos mapas de riscos é uma forma de atuar nesta direção, lembrando
que, em algumas empresas ele é “um quadro a mais” pendurado na parede, em cumprimento à
legislação.
2. Pesquisas de Clima e Cultura de Segurança: são as formas pelas quais os hábitos, as atitudes e os
valores em segurança aparecem no cotidiano da empresa. São indicadores de acompanhamento contínuo
e que permitem à empresa conhecer e a prática e a percepção dos trabalhadores em quatro importantes
aspectos do processo de prevenção:
Este conjunto de variáveis deve ser avaliado com uma periodicidade constante e considerada no
planejamento anual da área de segurança. Ele pode ser mensurado por meio de procedimentos e
instrumentos de medida já desenvolvidos pela Psicologia da Segurança no Trabalho. Outra fonte de
dados para esta investigação é a própria pesquisa de clima organizacional (ou ambiência) realizada pela
maior parte das empresas no Brasil.
Num país no qual seus cidadãos têm seu primeiro contato com noções básicas de segurança ao entrar em
uma indústria, construir uma “cultura de segurança” é uma tarefa que vai além dos muros fábrica. Trata-
se de um desafio não só para os profissionais prevencionistas, mas também para áreas como a educação,
a saúde pública, os sindicatos, enfim, para toda a sociedade.
da compilação e do tratamento das informações geradas pelos observadores. Vale destacar que esta é
uma metodologia que depende diretamente da cultura da empresa, o que significa que sua eficácia
depende de avaliar se ela é a melhor estratégia para aquele tipo de cultura (não é recomendável para
algumas empresas) e também de um processo de treinamento dos observadores cuidadoso e preciso.
2. Estudos do curso de ação ou análise do trabalho: este processo pode ser indicador da forma como o
indivíduo realiza seu trabalho integrando os conhecimentos, orientações recebidas, habilidades, limites e
potencialidades pessoais e, principalmente, se a organização das tarefas e atividades é compatível com
os cuidados de segurança necessários (tempo, recursos, competência, carga física e mental, entre outros).
A correta aplicação destes métodos e indicadores humanos em segurança, quando aliados a todos os
demais elementos existentes no Sistema de Gestão de Segurança, permite uma compreensão aprimorada
e consistente do componente humano no processo de prevenção dos acidentes de trabalho.
Vale destacar que a simples existência destes elementos e ações não garante resultados positivos em
prevenção de acidentes. Quando falamos de “gente” precisamos levar em conta realmente que “cada
caso é um caso”. O que dá certo numa empresa provavelmente não gerará o mesmo resultado em outra,
porque as pessoas são diferentes, a cultura de segurança é outra, o nível de desenvolvimento do Sistema
de Gestão em SST é outro. Ações de Segurança Comportamental têm como fator de sucesso a
competência avançada em identificar e analisar os fatores psicossociais de maneira adequada e
tecnicamente embasada. Profissionais que se propõem a atuar sobre o comportamento humano devem
ser devidamente capacitados para este fim, sob pena de incorrer em graves equívocos conceituais e até
problemas éticos. Hoje vemos práticas ocorrendo em algumas empresas que contrariam os
conhecimentos mais básicos da Psicologia do Trabalho. Bom senso e ciência não correspondem ao
mesmo nível de conhecimento.
Outra consideração fundamental diz respeito a alguns tipos de críticas produzidas sobre os processos de
gestão de pessoas com foco no comportamento. Elas normalmente acusam um caráter de manipulação
de comportamentos, de opressão dos trabalhadores sob a justificativa de “modificar aquilo que são”.
Grande parte destas críticas toma uma proposta de pesquisa e intervenção em Psicologia
(comportamental), avançadíssimo cientificamente e de origem datada do início do século XX (quase
centenário), como sendo um “meio de adestrar e dominar pessoas”. É preciso reconhecer que os efeitos
de aplicações inadequadas deste conhecimento, tão exploradas neste artigo, realmente podem remeter a
este entendimento. Um conhecimento mais aprofundado e consistente sobre os conceitos que compõem
esta forma de pensar o comportamento humano no trabalho certamente poderá esclarecer muitos destes
“mitos”. Parece óbvio que, se “manipular” de forma indiscriminada e decisiva o comportamento de
alguém fosse realmente possível, não precisaríamos mais de cadeias, radares nas estradas, multas de
trânsito, e educar filhos seria algo fácil e trivial. Bastaria aplicar tudo isso numa fábrica e nunca mais
teríamos um só trabalhador acidentado em decorrência do trabalho.
E por fim, a tradicional ênfase ao “tecnicismo” que sempre foi dada na formação dos profissionais que
atuam nos ambientes produtivos é um fator que certamente influencia na dificuldade de gerenciar as
pessoas com foco em SST. Isto porque, quando falamos de comportamentos, atitudes, cognição, cultura,
estamos falando “gente” e não de máquinas e equipamentos. Para que seja possível gerenciar a
segurança e a saúde das pessoas com consistência e ética é necessário desenvolver diferentes
componentes deste universo como uma formação mais “humanista” dos profissionais (do presidente da
empresa ao auxiliar de produção), normas e políticas públicas que considerem os aspectos mais
subjetivos deste processo, relações de trabalho mais saudáveis para ambos os lados, e tantos outros.
Enfim, para gerenciar comportamento humano é preciso
verdadeiramente humanizar o contexto produtivo.