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Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Filosofia

Disciplina: Tópicos Especiais em Filosofia Contemporânea.


Docente: Rodrigo Ribeiro.

Texto II:
Os desdobramentos e a crise da moderna racionalidade técnico-científica.

1. Do sujeito da ciência-técnica à socialização tecnificada: a negação positivista da


“metafísica da subjetividade”:

Retomemos os elementos mais essenciais das nossas análises precedentes. Vimos que a
característica marcante da mentalidade moderna – expressa e impulsionada de modo mais
significativo pelo advento da racionalidade técnico-científica, com Galileu e Newton – foi a
convicção filosófica (formulada nas obras de Bacon, Descartes e Kant) de que o homem só
conhece o que ele produz, pois já seria passado o tempo das vãs disputas escolásticas e teria
chegado o momento de proclamar a virtude emancipatória de uma ciência nova e de um novo
conceito de “razão”. A ciência moderna minou toda a confiança do homem no universo de
sentido e compreensão proveniente da experiência sensorial ordinária, das verdades da
revelação e da especulação vazia, pautada na autoridade da tradição aristotélico-medieval. Essa
desconfiança fez surgir a convicção de que não poderia haver conhecimento seguro acerca de
objetos não produzidos pelo homem, pois a objetividade da natureza resulta da atividade
humana e nunca da passividade inerente à quietude da contemplação inativa. A natureza não é
mais, para a física-matemática, uma dynamis, uma atividade orgânica ou cosmológica (apoiada
em noções como ordem, hierarquia e finalidade), pois toda realidade material foi encerrada e
limitada em um sistema de coordenadas mecânicas nas quais é conhecida, isto é, medida
matematicamente por uma razão calculadora. As causalidades final, formal e material, cruciais
na filosofia da natureza aristotélico-medieval, foram banidas na moderna ciência da natureza,
restando apenas, enquanto causa, algo semelhante à causalidade eficiente. A pergunta pelo como
se dá algo ou como veio a existir torna-se indiferente às questões sobre “o que” é e “por que” é,
prescindindo, portanto, do conhecimento da forma, do conteúdo e da finalidade para qual existe.
Da mesma maneira, a questão do êxito passou a dominar a ciência e a prova da teoria passou a
ser uma prova “prática” ou “técnica” – ou funciona ou não. A racionalidade técnico-científica
formula hipóteses para organizar experimentos e, em seguida, emprega esses experimentos para
verificar suas hipóteses, fazendo dos processos naturais algo sempre passível de se tornar uma
realidade fabricada e controlada pelo homem. A natureza é construída mediante o
comportamento dos fenômenos durante o experimento e de acordo com as funções matemáticas
que o homem é capaz de traduzir tecnicamente em realidade operativa. A ciência moderna põe e
dispõe do objeto em um conjunto de operações causais e processamentos repetíveis em
condições artificiais controladas: o experimento. Portanto, se, com a dissolução dos parâmetros
usuais de juízo e compreensão (provenientes da tradição, da religião e da autoridade), o homem
moderno perdeu toda garantia de conhecimento da verdade como algo dado e revelado, ele
passou a apostar na possibilidade de conhecer o que ele próprio faz, enfim, conhecer a forma
como os objetos afetam o seu aparato racional de estruturação imanente da realidade e os seus
instrumentos tecnológicos de matematização e controle experimental.
Essa convicção abarcou o todo da cultura moderna, acarretando uma avassaladora e
entusiasmada valorização da produção ou do “fazer”, culminando na moderna concepção do
homem como um homo faber, isto é, um construtor e fabricante do mundo. Essa inédita auto-
compreensão do homem moderno aboliu definitivamente a contemplação inativa da ordem do
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conhecimento, tornando hegemônica a interpretação do pensar, do agir e de todas as dimensões


da existência humana a partir das exigências e características do fazer e do fabricar. Como
vimos, vinculado a esse moderno projeto filosófico, Francis Bacon preconizava que a razão
esclarecida, uma vez dissipadas as trevas da ignorância e da superstição, poderia assumir a
tutela dos interesses fundamentais da humanidade, garantindo a sua prosperidade na Terra e
efetuando a “melhoria da situação humana e a ampliação de seu domínio sobre a natureza”. A
moderna racionalidade técnico-científica estaria, então, essencialmente destinada a realizar o
domínio sobre os processos naturais, pois é intrínseco à razão calculadora a fecundidade das
suas aplicações e a vinculação entre saber e poder: scire est posse, asseverava Bacon.
Analisamos, portanto, que a grande tarefa da filosofia moderna, diante do advento da
racionalidade técnico-científica, consistia em determinar definitivamente o fundamento
metafísico a partir do qual a razão calculadora seria plenamente integrada ao todo da existência
humana, não encontrando mais o menor obstáculo exterior e o menor constrangimento
autoritário, sendo capaz de se movimentar livremente e, apoiando-se nessa liberdade, chegar,
enfim, ao pleno conhecimento de si mesma e das forças que possui em seu conjunto. Mas que
espécie de fundamento metafísico da tecnociência seria esse? A crença da filosofia moderna,
inaugurada por Descartes, foi a de que se alguma salvação existia para o pensamento metafísico,
ela não poderia mais residir no “ser” ou no “ser supremo”, mas no “ser pensante”, ou seja, no
próprio homem. Tratava-se de levar o “ponto arquimediano” (investigação calculadora dos
processos naturais do ponto de vista do universo infinito ou do espaço geométrico, acêntrico,
neutro e homogêneo) para dentro do próprio homem e considerar que não podemos submeter o
“eu” calculador ao próprio cálculo efetuado por ele, mas, ao contrário, só podemos compreender
como a própria ciência da natureza é possível se a submetermos ao exame introspectivo do
aparato mental desse “eu” conhecedor. Assim, a fundamentação metafísica do conhecimento,
centrada no sujeito, vem antes da ciência, pois não pode ser realizada pela objetivação
científica. A reflexão filosófica sobre a ciência revela que não haveria o conhecimento se este
não pertencesse a um sujeito e, uma vez que nada pode ser conhecido antes desse sujeito
conhecedor, a ciência não possui nenhuma autonomia com relação à metafísica, pois depende de
uma fundamentação prévia. A necessidade de pensar sobre a ciência não é, neste sentido, de
natureza científica, mas filosófica, isto é, trata-se da necessidade de enraizar a ciência moderna
em um fundamento metafísico: o sujeito. Considerando que a filosofia se transformou em uma
“metafísica da subjetividade”, com a pretensão de se colocar na posição de fundamentação do
conhecimento em geral, restaria à racionalidade técnico-científica a posição de fundada. As
construções sistemáticas dos séculos XVII e XVIII configuram uma densa série de esforços
filosóficos imbuídos da tarefa de reconciliação da herança metafísica com a racionalidade
calculadora da modera ciência-técnica.
Para Descartes, o que podemos conhecer é o resultado necessário de certas operações do
intelecto humano, pois o que os homens têm em comum não é mais a realidade do mundo, e sim
a estrutura metafísica da mente, supostamente a mesma para todos os seres humanos. A
realidade material, no sistema cartesiano, não possui dinamismo próprio, seria uma estrutura
comparável à de uma máquina, redutível a um sistema de determinismos mecânicos. Ela nada
tem de divino, orgânico ou anímico, pois é um objeto criado e, enquanto tal, encontra-se
inteiramente entregue a exploração da racionalidade técnico-científica que, por sua vez, tornaria
o homem “mestre e possuidor da natureza”. Rejeitando o conceito escolástico da ciência,
baseado em meras disputas verbais e valorizando o vigor emancipatório de uma “ciência ativa”
e “útil à vida”, que nos tornaria “senhores da natureza”, Descartes formulou as bases metafísicas
dessa esperança triunfalista nas potencialidades da razão centrada no sujeito autônomo e livre,
colocando-a em condições de enfrentar e resolver, com sucesso, os mais importantes problemas
humanos. O sujeito garante seu domínio sobre as forças da natureza e, ao mesmo tempo, realiza,
mediante o poderio técnico-científico, a emancipação racional, a prosperidade material, a
superação da fome e das doenças, a conquista da paz e da justiça nas relações entre os homens, a
valorização do direito, da igualdade, da ordem e do progresso da humanidade. Essa glorificação
da atividade e do “fazer” foi radicalizada ao extremo pela mentalidade moderna, tornando
célebre o seguinte ditado: “toda ação tem sentido, até mesmo o crime, enquanto toda
passividade é sem sentido, até mesmo a virtude”.
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Nesse aspecto, o que define intrinsecamente a modernidade é a maneira como o ser


humano nela é concebido e afirmado enquanto fonte de suas representações e de seus atos, seu
fundamento (subjectum) ou, ainda, seu autor. O sujeito da ciência se converte no primeiro e
autêntico fundamento, isto é, converte-se naquele suporte metafísico sobre o qual se sustenta
todo o real no tocante ao seu modo de ser e sua verdade. O homem se converte em centro de
referência da realidade em sua totalidade. Com o cogito sum, a subjetividade é agora posta,
expressamente e de acordo com a sua exigência própria, como primeiro fundamento de todo o
saber e como fio condutor de qualquer determinação dos objetos em geral. Este sujeito
concebido pelo humanismo moderno não admite mais receber a verdade ou a lei como algo
dado e revelado, pois pretende fundá-las ele próprio a partir de sua razão subjetiva e de sua
vontade. É também neste sentido que as sociedades modernas se conceberão como auto-
instituídas, visto que o homem não possui outro legislador senão ele próprio. Passa a imperar o
interesse sem precedentes pelo próprio homem como sujeito conhecedor que, examinando a sua
mente, toma consciência de si como autônomo em relação aos objetos. O conhecimento
verdadeiro só poderia nascer do trabalho interior realizado pela consciência humana, graças a
seu próprio esforço, sem aceitar dogmas religiosos, preconceitos sociais, censuras políticas e os
dados imediatos fornecidos pelos sentidos1.
Por esta via, a mentalidade moderna concebe como fundamento da liberdade humana
uma subjetividade capaz de auto-determinação. A moderna concepção filosófica da ciência e da
técnica como instrumentos ou meios de intervenção e poder, associada à idéia de progresso, ao
papel libertador do conhecimento e ao projeto de reforma da humanidade, baseava-se em um
conceito de subjetividade autônoma e livre. Hegel considerou que essa descoberta do homem
como sujeito da ciência alcançou para a filosofia pela primeira vez “ein fester Boden”, um solo
firme, no qual a solidez da subjetividade seria assumiria como o lugar de todos os lugares. A
conquista da supremacia subjetiva da razão é um processo no qual a cultura se realiza na e como
história, isto é, baseada na diferença e na separação entre Natureza e Espírito a partir da
absorção da primeira pelo segundo. O processo sócio-histórico seria um desenvolvimento da
razão que se torna cada vez mais consciente de si através das obras espirituais da cultura, isto é,
das idéias que se materializam em instituições sociais, religiosas, artísticas, científico-filosóficas
e políticas. Vê-se que a filosofia moderna já não se retira de um mundo enganoso e perecível
para ter acesso ao “mundo verdadeiro” das essências eternas, mas opera uma retirada de ambos
e um radical recolhimento dentro do fluxo mental da subjetividade em movimento constante. Só
então, pela primeira vez na história do pensamento, o homem se crê senhor absoluto do ser, pois
é o “projeto antecipado da razão” que estabelece as leis que regem a objetividade e a ordem
sócio-histórica do mundo.
Desse modo, a imediata conseqüência dessa descoberta da subjetividade como
fundamento da ciência foi a transformação do mundo da matematização e da experimentação
científica em uma realidade criada pelo homem, da mesma forma como a moderna filosofia
política fez da sociedade algo fabricado artificialmente por uma associação de indivíduos. Ainda
que tenha estabelecido um imenso poder fabricador e intervencionista sobre a natureza, ainda
que tenha fundado o Estado moderno e realizado a transformação revolucionária da sociedade,
essa glorificação da produção e da fabricação tecnológica acabou encarcerando o homem na
prisão de sua própria mente e no âmbito de sua subjetividade autônoma, pois ele, como sujeito e
indivíduo, só pode estar consigo mesmo, não pode mais estar com aquilo que ele mesmo não é.
Diante da natureza objetivada, o sujeito calculador se encontra apenas com as estruturas de sua
própria mente e com as configurações que ele mesmo criou. O tecnicismo da moderna razão
instrumental, fundada na subjetividade que representa e calcula, anulou toda modalidade de

                                                            
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Como atesta o sistema cartesiano, o moderno conceito de razão centrada no sujeito não é necessariamente anti-
teológico ou até mesmo anti-religioso, pois visa a abrir o caminho para a possibilidade de que a natureza possa ter sido
criada por Deus, e de que a ordem do mundo seja fundada em uma ordem metafísica, ainda que não mais pautada por
verdades obtidas por revelação e contanto que isso não exclua o direito da razão de moldar o mundo segundo sua forma
calculadora e experimental, pois a racionalidade humana não estaria limitada por nenhuma ordem prévia ou dada de
antemão. O sentido moderno de um mundo racional implicava que ele pudesse ser compreendido e transformado pela
ação intencional do homem. A natureza era tida como racional, com o sujeito e o objeto se encontrando exclusivamente
no elemento da razão, ainda que ambos possuíssem uma origem comum na substancia divina.
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encontro do homem com a natureza na qual esta se mostre em sua dimensão ontológica própria
e se ofereça em sua patente doação, sendo acolhida em sua realidade imediata e aceita em seu
valor intrínseco.
Como os critérios do instrumentalismo e a exigência de produção passaram a governar o
mundo e mentalidade humana, tornando-se guias para toda atividade, o moderno sujeito-
fabricador considerou tudo o que existe como simples meios à sua disposição. O sujeito da
ciência-técnica relacionou-se com o mundo como se todas as coisas pertencessem à categoria de
objetos de uso. A natureza, independente e com sua valia intrínseca, passa a ser considerada
exclusivamente do ponto de vista das finalidades do homem, sujeito-fabricador do real. O
problema inerente a tal instrumentalização do mundo foi a fabricação ter transformado
sucessivamente todo fim atingido em mais um meio para a obtenção de outros fins, que se
tornarão novamente “meios”, assim por diante e a tal ponto que nada mais poderá se manifestar
como tendo um “fim em si mesmo”. Essa instrumentalização promoveu uma curta duração dos
fins, visto que eles logo se tornam objetos passíveis de serem transformados em um meio para
novos fins. E quando aquilo que resulta da fabricação passa a ser considerado como mero
“acidente” do processo de produção que lhe deu existência, os resultados fabricados perdem o
seu significado como “obra acabada”, pois já não são mais um fim em si mesmos, pois são
avaliados não em relação ao seu uso predeterminado, e sim em relação à sua capacidade de
produzir outra coisa. Em meio ao aparentemente interminável progresso moderno, pelo qual a
finalidade de hoje se tornou o meio de um amanhã melhor, ressoa aquela questão, formulada por
Lessing, que essa racionalidade instrumental e utilitarista jamais pôde responder: para que serve
servir?
Esse crescente processo de ausência de valor independente e significado intrínseco de
todas as coisas naturais ou artificiais, no qual todo fim se torna um meio, só pode terminar
quando se faz do próprio homem, como diz Descartes, “o senhor e o mestre da natureza”.
Somente quando o homem, como usuário, tornou-se o fim último dessa cadeia de
funcionalização, é que ela se tornou aparentemente controlável, instaurando um mundo
inteiramente antropocêntrico, no qual os processos naturais foram considerados como meios
para fins. A única solução do dilema de ausência de significado em toda filosofia estritamente
instrumentalista é afastar-nos do mundo objetivo de coisas de uso e voltar a sua atenção para a
subjetividade da própria utilidade. A instrumentalização do mundo gerou no homem moderno a
crença tão bem expressa na clássica asserção de Protágoras: “o homem é a medida de todas as
coisas”. Kant, para evitar que as categorias de meios e fins fossem utilizadas na esfera da ação
política, asseverou que “nenhum homem deve jamais tornar-se um meio para um fim; todo ser
humano é um fim em si mesmo”. Como, para Kant, o homem é o fim supremo de todas as
coisas, ele mesmo não está submetido às categorias de meios e fins, ou seja, só ele é capaz de
usar tudo como “meio”. Contudo, a origem dessa asserção kantiana reside ainda no utilitarismo
antropocêntrico, tanto quanto sua concepção da obra de arte, como único objeto do mundo não
destinado ao uso e proporcionando “prazer destituído de interesse”. Isso porque Kant, mesmo
pretendendo pôr a categoria de meios e fins em seu devido lugar, efetuou uma operação que, ao
elevar o homem ao nível de “fim supremo”, promove, ao mesmo tempo, a submissão do mundo
a esse fim, reduzindo todas as coisas a simples meios, degradando-as em seu valor intrínseco e
dignidade independente.
Na crítica da metafísica elaborada por Kant no século XVIII, o sujeito da ciência, na
relação com os objetos, não se porta mais como um mero observador, mas, antes, interroga
formalmente a natureza por meio de seus princípios, instaurando um tribunal crítico que o põe
na condição de juiz e a natureza na condição de testemunha. O conhecimento se torna uma
forma de produção ou uma atividade produtiva. Em 1796, em um famoso ensaio contra a
filosofia da intuição intelectual e do pressentimento dos românticos (Jacobi, Schlosser e
Stolberg), Kant diz explicitamente que conhecer é um “fazer”, pois na razão teórica vale a “lei
da razão de se adquirir qualquer coisa pelo trabalho”, pois a atividade teórica é um “herkulische
Arbeit” (“trabalho de Hércules”). É famosa a asserção na qual Kant considera que “a razão só
entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem de tomar a dianteira
com princípios, que determinam os seus juízos segundo leis constantes, e deve forçar a natureza
a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta”. Em resumo, se o que
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chamamos de “natureza” resulta da aplicação de categorias do entendimento aos objetos dados


na sensibilidade, não é a natureza que impõe suas leis ao entendimento, mas este é que as
prescreve à natureza. Como diz o filósofo: “dai-me a matéria e eu construirei com ela um
mundo, isto é, dai-me a matéria e eu vos mostrarei como um mundo foi criado a partir dela”.
Essas palavras exprimem a moderna amálgama do produzir e do conhecer, pois a tecnociência
precisa produzir aquilo que deseja conhecer2. Para Kant, não devemos supor que o sujeito do
conhecimento gira em torno dos objetos, mas que o sujeito está no centro da dinâmica de
produção do conhecimento, fazendo a objetividade se constituir a partir dele. Afinal de contas,
não há nada em si a ser conhecido; o conhecimento só pode ser relativo a um sujeito que é
afetado por este em si, formando o fenômeno. Ressoa aqui a insigne asserção kantiana: “só
conhecemos a priori das coisas o que nós mesmos colocamos nelas”, sem que para isso seja
necessário nenhum recurso à existência de Deus ou a qualquer confirmação externa. Aquilo que
se mostra e pode ser conhecido é constituído pelo sujeito que se põe a conhecê-lo. Para Kant,
como dirão mais tarde Adorno e Horkheimer, “não há ser no mundo que a ciência não possa
penetrar, mas o ser que pode ser penetrado pela ciência não é o ser”. A razão possui, então, um
uso legítimo quando não pretende ser conhecimento de um mundo transcendente3, mas um
conhecimento a respeito das condições transcendentais de todo conhecimento baseado na
experiência possível. A supremacia metafísica do sujeito como base de toda inteligibilidade e a
“consciência de si” como princípio e fundamento da experiência abrem a possibilidade e um
mundo compreensível, dominável e disponível para a apropriação técnico-científica.
Por esta via, para o movimento cultural conhecido como Esclarecimento4, o progresso
da razão é o resultado de uma combinação inseparável entre o desenvolvimento científico, a
apropriação tecnológica da natureza e sua utilização em benefício da esfera ético-política da
humanidade, compreendida a partir de valores tais como autonomia, dignidade e justiça. Eis a
esperança inaugural da Aufklärung, que em muito pouco tempo transformou inteiramente a face
                                                            
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Uma observação aqui é importante: por um lado, a idealidade transcendental da sensibilidade e do entendimento não
torna arbitrário o conhecimento humano em geral e, por outro lado, o entendimento não é um conhecimento completo de
objetos, pois as leis nele enraizadas regulam os objetos quanto à forma, mas os objetos específicos só se constituem na
medida em que nos são dados empiricamente, ou seja, na medida quem somos afetados por algo em nossa sensibilidade.
Portanto, não criamos os objetos do nosso conhecimento, apenas participamos ativamente da sua constituição, uma vez
que as condições transcendentais de apresentação e unificação dos objetos estão em nossa subjetividade. Sendo um
sujeito finito, o homem, para conhecer, precisa sempre receber algo que o afete.
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Na Crítica da Razão Prática, o que Kant vedou ao uso teórico da razão é aberto ao campo prático entendido como o
âmbito do agir moral. A razão pura prática pode com todo direito construir a partir de si uma objetividade transcendente
ao fundar um querer objetivo apoiado em leis universais da ação. O fundamento de uma ação moral não depende de
nenhuma condição sensível. Aquilo que a razão teórica não podia realizar, a razão prática o pode enquanto reguladora de
uma ação de valor objetivo incondicionado ou supra-sensível. A vontade subjetiva racional dá a si mesma uma ordem
válida objetivamente para todo sujeito que usar da mesma razão, independente de qualquer tipo de condição e, assim,
realiza a idéia de liberdade, isto é, efetiva praticamente um conceito racional puro, uma idéia da razão, conferindo-lhe a
realidade transcendente que lhe foi negada no campo teórico. O projeto crítico salva os fenômenos, determina a condição
de seu saber, elaborar os limites insuperáveis de todo conhecimento científico, mas todo esse esforço não consiste em
uma defesa da racionalidade científica contra a filosofia. Se, por um lado, a crítica busca restringir a razão especulativa,
delimitando o interesse teórico da razão, ela almeja também, em nome do interesse prático da razão, suprimir os
obstáculos que restringem o uso prático absolutamente necessário da razão pura e, ainda, conservar, como princípio
subjetivo, a metafísica como disposição natural do homem. Trata-se, assim, de delimitar a razão teórica, mas não para
reprimir absolutamente a filosofia, pois é tarefa da crítica também salvar, ao mesmo tempo, a razão prática e a metafísica
como espaço de pensamento e ação. Se a crítica fosse apenas uma defesa do interesse epistemológico da razão, os
demais interesses da razão estariam em perigo, sobretudo o interesse na liberdade para que a idéia do dever tenha
sentido, o interesse no que é preciso fazer, na vontade livre, na existência de Deus e em uma vida futura.
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O “Esclarecimento” ou o “Iluminismo” foi um movimento intelectual europeu que se constituiu de forma plena no
século XVIII com os enciclopedistas franceses Voltaire, Diderot, Helvétius, Rousseau e outros. Na Inglaterra, é Locke o
seu representante mais expressivo. Na Alemanha, Kant. O iluminismo nasceu e se desenvolveu a partir da “luz natural da
razão”. A razão iluminista prometeu conhecimento da natureza através da ciência, aperfeiçoamento moral e emancipação
política. A consciência de uma época se reconhece na metáfora da luz. Aufklärung, Ilustración, Enlightment, Lumières,
significa “clareamento”, “iluminação”, “clarificação”. Nada deve permanecer velado ou obscuro. O conhecimento da
natureza se emancipa do mito e o conhecimento da sociedade deve-se fundar na razão. A razão esclarecida seria uma
razão emancipada. Como seres dotados de razão, devemos nos valer sempre de nosso próprio entendimento, sem tutela
de nenhuma instância exterior. A razão esclarecida seria a razão em estado de maioridade, superando a minoridade da
qual o homem é responsável. O lema kantiano para esse processo de esclarecimento e emancipação foi: Sapere aude
(ouse saber), isto é, tenha a coragem de te servir de tua própria inteligência.
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da Europa e de todo o mundo: a humanização da natureza por intermédio do controle racional


dos processos naturais estaria acompanhada da correlativa humanização das relações sociais.
Com isso, esperava-se levar a cabo a suposta superioridade do sujeito pensante e a supremacia
do espírito humano sobre a natureza, acarretando uma elevação das atividades de fazer e
fabricar e das capacidades produtivas do homem a uma dignidade completamente sem
precedentes. Sujeito da ciência e da técnica, o homem poderia doravante tomar integralmente
nas próprias mãos a planificação e o controle das condições de existência no planeta.
Se, outrora, a filosofia da natureza aristotélico-medieval considerou a ordem do mundo
como um dinamismo cosmológico sobre o qual o homem não tem controle e poder de
interferência, agora, a moderna razão calculadora, na qual ciência e técnica se fundiram,
envolveu definitivamente a ordem natural com o domínio do fazer humano, cuja inteligibilidade
intervencionista e operativa se apodera subjetivamente das conexões lógico-empíricas que
regem os processos naturais, transferindo-os, por invenção e construção, para outros processos,
as máquinas e os instrumentos tecnológicos. Foi dessa forma que o homem moderno se afirmou
como sujeito pensante, mas não em caráter abstrato e especulativo como o “animal racional”,
mas no sentido do “homo faber”, que se diferencia dos animais em geral porque seu pensamento
interfere, produz e controla fenômenos, tornando sua a racionalidade a que obedecem. O sujeito
conhece e possui a si mesmo em todos os seus objetos, pois o real é auto-posição do sujeito.
Do mesmo modo, se, outrora, a doutrina cristã concebeu que a vida terrena só
encontraria os seus fins e o seu sentido na relação com a vida eterna, promovendo a esperança
de uma vida melhor no além, dependendo da misericórdia divina, a partir da modernidade, passa
a imperar a convicção de que os fins e o sentido da existência humana dependem da capacidade
do homem de tomar em suas mãos o seu destino neste mundo e nele se realizar plenamente. Em
outros termos, a vida terrena se torna um fim em si, ao passo que até então era apenas uma etapa
no caminho da salvação. A busca da liberdade, do progresso técnico-científico, da emancipação
racional e da felicidade individual toma cada vez mais o lugar da moral da redenção espiritual.
Assim sendo, a era moderna culminou na profunda crença no progresso e na evolução
dos conhecimentos que, um dia, explicariam totalmente a realidade e permitiriam manipulá-la
tecnicamente em beneficio da promoção humana. Na medida em que se estendem e se
aprofundam os processos de transformação econômica, social, política e cultural que decorrem
do aproveitamento industrial, em macro-escala, da ciência e da técnica moderna, a orgulhosa
consciência filosófica da modernidade se encerra cada vez mais sobre si mesma, fazendo da
ideologia do progresso seu autêntico credo profano. O progresso seria o nome que ganha a
história enquanto caminho para a perfeição. Trilhar este caminho é responsabilidade de nossas
ações, logo, os indivíduos não estão na labuta para salvar suas almas, mas para salvar a história,
a humanidade.
Vimos que a maior expressão política dessa glorificação da subjetividade, da liberdade,
do progresso, do “fazer”, da felicidade, da igualdade e da emancipação da racionalidade técnico-
científica foram as revoluções modernas, que manifestaram claramente uma característica
marcante da atividade técnica ou fabricadora: a violência, isto é, a necessidade de intervir na
natureza e alterá-la, tendo em vista a transformação da matéria prima no produto a ser fabricado.
O ímpeto revolucionário iluminista nasceu da percepção de que o universo espiritual e humano
não é algo dado nem eterno, mas resultado das atividades e capacidades humanas e, como tal,
pode ser transformado, desfeito, refeito ou reconstruído de outra maneira. Com a extrema
valorização das noções de sujeito e de indivíduo, surge uma nova representação do ser humano
a partir do projeto de legislação autônoma da humanidade. Dizer que a racionalidade do sujeito
pensante é a base última da organização racional da sociedade significa reconhecer a igualdade
essencial de todos os homens. Essa liberdade subjetiva e a reivindicação de igualdade
procuraram assegurar o desenvolvimento autônomo da racionalidade técnico-científica em todas
as suas faculdades, independente de todas as hierarquias tradicionais e de qualquer forma de
compromisso com os saturados padrões estipulados pelo absolutismo monárquico e pelo ideal
da vida contemplativa.
Mas as revoluções burguesas do fim do século XVIII foram de tal modo a tradução
política de uma nova conjuntura favorável ao mundo da produção que acabaram promovendo a
entrada da moderna razão tecnológica em uma nova situação histórica de determinações,
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profundamente marcada pela recusa do projeto iluminista centrado na subjetividade metafísica


como fundamento do conhecimento. Impulsionado pela fé no progresso técnico-científico como
fundamento de toda emancipação humana, o projeto de modernização efetuou, ao longo do
século XIX, mutações profundas nas condições materiais e espirituais da existência do homem
moderno, difundindo-se em diversas sociedades européias e, mais tarde, abarcando o mundo
inteiro. Um novo tipo de sociedade estava nascendo, não mais teocêntrica, monárquica e feudal,
pautada na tradição, na autoridade e na religião, mas uma sociedade integralmente organizada
sob bases científicas e industriais. Cientistas, tecnólogos, politécnicos, industriais, empresários e
banqueiros apresentam-se como substitutos dos sacerdotes, teólogos e metafísicos na
fundamentação intelectual e moral da nova ordem social, ou seja, na condução da compreensão
e da ação dos homens da nova sociedade científico-industrial. Para o projeto industrialista, a
grave crise em que a modernidade se encontrava só teria fim quando a racionalidade técnico-
científica presidisse autonomamente a reordenação social e moral, tal como no passado estas
foram presididas pela teologia ou pela metafísica.
No comando das alavancas econômicas e políticas, o liberalismo triunfante apostava no
desenvolvimento técnico-científico como a conditio sine qua non de todo progresso,
focalizando a idéia de aceleração do crescimento de potenciais produtivos (máquina a vapor,
utilização do carvão como fonte energética, novos processos metalúrgicos, progresso das
construções mecânicas) a partir dos quais se instauraria e se consolidaria mundialmente uma
nova formação sócio-econômica: o capitalismo industrial. Tornou-se hegemônica a convicção
de que a organização industrial e científica da produção econômica e do trabalho se caracteriza
pela liberdade de trocas e pela busca do lucro por parte dos empresários e comerciantes. A
condição essencial para o desenvolvimento da riqueza seria, portanto, a busca do lucro, a livre
concorrência e que, quanto menos o Estado intervier na economia, mais rapidamente aumentaria
a produção e a riqueza. O processo de industrialização que atingiu a Europa no século XIX
resultou de um novo modo de produção baseado na máquina e na fabricação em série
(mecanização que permitiu baixar os custos e acelerar as cadências de produção), mas também
na organização técnica do sistema financeiro e bancário, das zonas de livre comércio, das
imensas obras de infra-estrutura (dragagem de canais, construção de estradas, desenvolvimento
de vias férreas). Estimulado pelo crescente aprimoramento tecnológico, pela concentração do
capital, pelo abundante acúmulo de riqueza social, pela expansão do comércio e pelo
crescimento demográfico5, a moderna racionalidade tecnológica impulsionou a formação de
grandes empresas e fábricas. A livre troca comercial das mercadorias transformou o mundo em
um imenso e abrangente mercado, onde cada vez mais circulavam não apenas capital e
tecnologia, mas trabalhadores, idéias e valores. E tudo isso fez advir, com amplitude e extrema
rapidez, profundas mudanças globais, tais como: o surgimento e a organização técnico-
burocrática das cidades (a partir de processos de rápida urbanização), a decadência do artesanato
familiar, a cada vez mais intensa confrontação entre a fortalecida burguesia-liberal e o vasto
proletariado operário submetido a condições de vida particularmente penosas, o advento da
linha de montagem, o agigantamento das forças produtivas, a crescente massificação do
consumo, a mundialização da economia, a exportação maciça de capitais, a internacionalização
do trabalho pela circulação sem fronteiras de imigrantes provenientes de toda parte do mundo, o
desenraizamento de gigantescas massas supérfluas não integradas ao sistema capitalista de
produção e consumo, assim como a crescente coletivização dos homens em sindicatos e
movimentos populares.
Dentre as transformações tecnológicas mais decisivas, nenhuma foi mais marcante do
que aquela que modificou o ritmo e o movimento da própria vida dos habitantes do planeta. Da
extensão inusitada do transporte ferroviário à invenção do telégrafo, do telefone, da fotografia,
                                                            
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O crescimento demográfico representa um papel importante no advento dessa sociedade industrial, pois o recuo da
mortalidade fez o continente europeu passar de 192 milhões de habitantes em 1800 para 274 milhões em 1850. As
cidades foram tomadas por uma abundante mão-de-obra barata, capaz de participar do esforço de produção. E com o
aumento da renda média por habitante, somente novas formas de produção mais eficazes poderiam satisfazer a crescente
demanda socioeconômica. Paradoxalmente, os progressos rápidos da indústria foram acompanhados pelo crescimento da
agricultura, com o fortalecimento dos grandes latifundiários. O aprimoramento tecnológico e a extensão das áreas
cultiváveis compensaram, em certa medida, o êxodo rural, alimentando as já numerosas populações urbanas.
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do cinema (em 1895), etc., os homens se viram imersos em um novo universo de relações com o
mundo exterior, cada vez mais regulado por estímulos sensoriais e condicionamentos sócio-
econômicos, enfim, cada vez menos orientados pela “luz natural da razão”, centrada no sujeito
auto-determinado, tal como pensara o projeto do racionalismo iluminista. As maquinarias do
conforto doméstico, com a eletrificação e os sistemas de canalização de águas e esgotos, bem
como as redes viárias, com seus sistemas de bondes e metrôs, e posteriormente com o transporte
de ônibus e automóveis, alteraram a forma a partir da qual o tempo de trabalho e o tempo de
lazer eram divididos. As transformações tecnológicas do processo produtivo, com a introdução
do taylorismo e das linhas de montagem mudaram radicalmente as relações dos homens com os
instrumentos de trabalho. A expansão incomensurável da razão instrumental caminhava junto
com o desmantelamento do “sujeito pensante” e com o seu progressivo deslocamento das
esferas de decisão e conhecimento. A racionalidade deixava de se ancorar nos padrões
iluministas centrados na figura metafísica da subjetividade emancipada, para se constituir em
um complexo sistema de relações técnico-burocráticas, capaz de moldar os diferentes domínios
das organizações estatais, científicas e empresariais. O encurtamento do espaço e do tempo
comprometeu os limites estreitos do Estado nacional e a mundialização desse novo modo de
vida veio a ser efetivada por uma nova e agressiva política internacional, correntemente
chamada de “imperialismo”. Assim, administrar multidões e seus movimentos e organizar a
presença das massas no universo urbano tornaram-se tarefas urgentes para os saberes técnico-
científicos estatais e empresariais. A crescente mobilização do proletariado, fortemente
sindicalizado, promovia o seu ingresso na cena pública e reivindicava direitos em nome de um
“sujeito coletivo” e não mais “individual” ou “subjetivo”, como até então havia sido pensada a
esfera da cidadania pela burguesia liberal e pelo moderno racionalismo metafísico.
No plano filosófico, autores como Saint-Simon (1760-1825) e Auguste Comte (1798-
1857) formularam as bases iniciais de um novo conceito de razão, cujos propósitos foram, por
um lado, elaborar um diagnóstico dessa turbulenta transição para uma nova ordem social,
marcada por graves conflitos e crises, tendo em vista, por outro lado, uma fundamentação
filosófica do projeto industrialista, que recusaria simultaneamente a metafísica iluminista e o
liberalismo burguês. Estes últimos eram vistos como entraves para a consolidação definitiva e
ordenada do avanço técnico-científico como base para o desenvolvimento socioeconômico da
sociedade industrial. Em se tratando de uma filosofia voltada para o projeto de industrialização
integral, sua questão primordial está inteiramente centrada no “nós”, nos homens enquanto
imersos na esfera sócio-econômica, e não mais no “eu” da abstração metafísica, no “sujeito”
iluminista ou no “indivíduo” liberal.
Foi a partir dessa perspectiva que surgiu a “ciência da sociedade” ou a “Sociologia”
como uma investigação empírica independente. A moderna teoria social, chamada por Saint-
Simon de “ciência da produção” ou “ciência do homem6”, recebeu do positivismo seu maior
estímulo durante o século XIX. As potencialidades humanas não seriam mais a preocupação de

                                                            
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Foi nessa atmosfera teórica e a partir desses pressupostos epistemológicos que foram surgindo as chamadas
“ciências do homem” na passagem do século XIX para o século XX. Essas ciências estudaram seus objetos
empregando conceitos, métodos e técnicas propostos pela moderna ciência da natureza, isto é, a partir do mundo dos
fatos regidos por condições quantificáveis e observáveis. A esperança social depositada nessas ciências seria a
superação da concepção metafísica do homem, pois elas forneceriam uma nova orientação no registro de uma
pretensa objetivação e um ajustamento no domínio das perturbações, dos crimes e dos desvios, procurando responder
aos desafios de adaptação, treinamento e controle social inerentes à conturbada sociedade de massas, cada vez mais
industrial e capitalista. Acreditou-se que a Sociologia, por exemplo, nos ofereceria um saber seguro e definitivo sobre
o modo de funcionamento das sociedades e que os seres humanos poderiam organizar racionalmente o social,
evitando revoluções, revoltas e desigualdades. Acreditou-se, mais tarde, que a psicologia demonstraria como funciona
o comportamento animal e a conduta humana, quais as suas causas e os meios de controlá-las, quais as causas das
motivações e emoções e os meios de controlá-las, quais as causas da aprendizagem e os meios de controlá-las; de tal
modo que seria possível nos livrar das angústias, do medo, da loucura, dos desajustes sociais assim como seriam
possíveis uma psicotécnica, uma psicoterapia e uma psicopedagogia que permitiriam não só adaptar as crianças e os
adultos às exigências da sociedade, como também educá-los, orientá-los, selecioná-los ao emprego e otimizar a sua
capacidade produtiva. Assim, por exemplo, a organização do processo de trabalho nas indústrias apresenta-se como
científica porque é baseada em conceitos da psicologia, da sociologia, da economia, que permitem dominar e
controlar o trabalho humano sob todos os aspectos (controle sobre o corpo e o espírito dos trabalhadores), a fim de
que a produtividade seja a maior possível.
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uma teoria desligada da prática, o conteúdo da teoria não teria nada de metafísico, pois deveria
ser transferido para um plano de atividade racional realizada pelos homens diretamente
associados uns com os outros: a industrialização e a troca. “A sociedade como um todo está
baseada na indústria. A indústria é a única garantia da sua existência e única fonte de toda a
riqueza e prosperidade. A situação que for a mais favorável para a indústria será, pois, a mais
favorável para a sociedade”, afirma Saint-Simon. Nessa perspectiva, o sistema industrial
contribuiria para o restabelecimento dos laços sociais de solidariedade e reciprocidade, pautados
em uma unidade pacífica apoiada sobre a associação e a troca. O governo da sociedade excluiria
a coação e a força bruta, pois privilegiaria senão a competência e a meritocracia. Tal posição
sugere a formação de um Estado tecnocrático que, por seu domínio técnico-científico, afastaria
todo conflito e desordem em nome de uma organização puramente funcional. Tratava-se de
substituir o “governo dos homens” pela “administração das coisas”. O sistema industrial
reconciliaria o mundo moderno com ele mesmo, ou seja, graças ao progresso técnico-científico,
à produção industrial e ao sistema de troca, todas as formas de dominação e a violência seriam
definitivamente banidas, pondo fim ao isolamento social e à miséria econômica7.
Uma das características mais novas dessa concepção positivista da tecnociência está em
que as pesquisas científicas passaram a fazer parte das forças produtivas da sociedade, isto é, da
economia. A automação, a informatização, a telecomunicação determinaram formas de poder
econômico, modos de organizar o trabalho industrial e os serviços, criaram profissões e
ocupações novas, destruíram profissões e ocupações antigas, introduziram a velocidade na
produção de mercadorias e em sua distribuição e consumo, modificando padrões industriais,
comerciais e estilos de vida. Portanto, a ciência-técnica tornou-se parte integrante e
indispensável da atividade econômica, tornando-se agente econômico e político.
Na esteira de seu mestre, o positivismo de Comte empreendeu uma síntese das idéias de
ordem e progresso, visando superar a desordem e a anarquia a fim de restaurar a unidade social.
Trata-se do progresso concebido como lei da história humana e, enquanto tal, legitimadora de
uma ordem social definitiva, pacificada e solidária. A aposta positivista era a de que a ciência-
técnica, que nos conferira o domínio da natureza, tornaria possível, na “física social”, o controle
total da sociedade e dos indivíduos, organizando o mundo dos valores ou a realidade histórico-
social, evitando revoluções, revoltas e legitimando a ordem vigente. A identificação do estudo
da sociedade ao estudo da natureza, que leva a primeira à busca de leis sociais iguais às leis da
física, elimina o papel da prática social como elemento gerador de mudanças na sociedade. A
prática social, especialmente no que se refere à transformação do sistema industrial, fora assim
suprimida pela fatalidade. A sociedade era concebida por leis racionais que funcionavam com
necessidade natural. A sociedade tem uma ordem natural que não muda e à qual o homem deve
submeter-se. Essa posição de submissão aos princípios das leis invariáveis da sociedade leva a
uma posição de resignação grandemente enfatizada na obra de Comte. A pregação da resignação
facilita a aceitação de leis naturais que consolidam a ordem vigente, justificadora da autoridade
reinante e facilitadora da proteção dos interesses hegemônicos naquele momento histórico.
A tarefa do positivismo era, portanto, contra-revolucionária, pois busca formular uma
filosofia que estabilize e justifique a ordem socioeconômica dada. Não era preciso superar ou
transformar o dado, a “filosofia positiva” só precisava compreender e organizar os fatos. Com o

                                                            
7
A industrialização do sistema de produção e da estrutura do trabalho acarretou contínuas crises e conflituosas relações
de força entre a classe dos operários e a classe burguesa dirigente. No âmbito filosófico, esse antagonismo se exprimiu
no confronto entre duas grandes posições ideológicas que permanecem em oposição, de algum modo, ainda hoje: o
liberalismo e o socialismo. Na obra do próprio Saint-Simon e a partir dela, com os sansimonistas ou os primeiros
socialistas franceses (Proudhon, Sismondi, Bazard, etc.), encontramos a formulação de uma dura crítica ao
individualismo burguês e ao princípio liberal da competição irrestrita, acusando-os por acirrar o conflito de classes, pela
concentração de riqueza, pela exploração e pela alienação do proletariado. Para alguns analistas, tais filósofos foram os
precursores do socialismo, pois consideraram que o maior objetivo da emancipação da racionalidade técnico-científica e
da formação do sistema industrial seria a melhoria das condições de vida da classe mais pobre. Eles apoiavam a
intervenção do Estado na economia a fim de impedir a concentração de riqueza e o advento de uma nova dominação
hierárquica que se diferenciaria da opressão do Antigo Regime somente em sua forma. Com o progressivo agravamento
das contradições geradas pelo impacto do capital no sistema produtivo, com o aumento da exploração e das crises de
pobreza, apesar da extrema riqueza acumulada, o pensamento socialista passou a reivindicar, portanto, uma correção ou
uma transformação de base no industrialismo capitalista e não apenas uma justificação filosófica que o legitimasse.
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objetivo de fortalecimento da ordem social, combate-se qualquer doutrina revolucionária e todas


as forças se concentram numa restauração moral da sociedade. A mudança da sociedade passa
fundamentalmente por um refazer dos costumes, uma reforma intelectual do homem, e menos
pela transformação de suas instituições. A sociedade se modifica através da visão de progresso
como um mecanismo da própria ordem, sem destruição da ordenação vigente, num processo
evolutivo. O progresso é, em si, ordem – não é revolução. Trata-se de melhorar as condições de
vida da sociedade, mas sem incomodar a ordem econômica e política da modernidade industrial.
O desenvolvimento histórico dá-se, portanto, pela evolução organizada, regida por leis naturais,
ou seja, o progresso histórico consolida a ordem e esta última é a condição do progresso. A luta
entre classes e as contradições do capitalismo industrial eram vistas por Comte como
decorrências da separação entre ordem e progresso, ocorridas tanto na revolução quanto no
liberalismo burguês. Vemos, desse modo, que o reformismo de Comte procurou superar tanto o
liberalismo quanto o socialismo. A tarefa da “filosofia positiva” seria justamente elucidar de que
modo progresso é, em si, ordem, não residindo, portanto, na revolução do sistema econômico-
social vigente e nem na conciliação final dos interesses individuais, mas sim na evolução
ordenada, pacífica e harmonizada da aplicação da ciência e da indústria na organização da
produção e do trabalho.
Neste sentido, com o positivismo, o desdobramento do moderno projeto racionalista
atingiu um ponto decisivo, no qual quanto mais a razão triunfava na esfera técnico-científica,
mais difícil se tornava, na vida social-histórica, corresponder-se à exigência iluminista de
emancipação metafísica do homem como sujeito da ciência-técnica. A sociedade industrial não
exprimia a suposta superioridade metafísica do “sujeito pensante” ou a supremacia do espírito
humano sobre a natureza, pois, paradoxalmente, a elevação das atividades do fazer e do fabricar
ao longo da modernidade, que primeiro pareciam elevar o sujeito sobre a natureza objetiva,
culminaram na profunda naturalização do homem. O positivismo apresenta a sociedade como
governada por leis objetivas, análogas ou mesmo idênticas às leis que regem a natureza. A
sociedade era descrita como uma entidade objetiva mais ou menos inflexível aos desejos, metas,
princípios e propósitos da razão subjetiva. A vontade racional do sujeito autônomo foi
dissolvida e o homem moderno se viu submetido às leis pretensamente objetivas do processo
social e econômico, pois a sociedade é condicionada pela estrutura onipotente do seu progresso
industrial. A relação sócio-histórica entre os homens resultariam, então, de leis objetivas que
operavam com a necessidade de leis físicas e a liberdade humana consistia em adaptar a
existência privada a essa necessidade sócio-histórica. Sob a pressão desse processo de
dissolução da razão metafísica centrada no sujeito, os elementos idealistas, críticos e
revolucionários do iluminismo e os ideais do individualismo burguês foram lentamente
enfraquecidos pelo ideal reformista da sociedade industrial.
O positivismo de Comte foi a expressão filosófica mais elaborada do ideal reformador
da ordem capitalista e industrial vigente, cujo propósito primordial foi compreender uma
sociedade orgânica e historicamente necessária, estágio final da evolução progressiva da
humanidade em direção ao “espírito positivo”. Mas a instauração dessa positividade necessitava
de um novo conceito de “razão”, distinto daquele “espírito absoluto” hegeliano, da razão
iluminista e do individualismo burguês, ambos centrados na idéia de “sujeito livre e pensante”.
Para Comte, o progresso humano não poderia se efetuar senão em uma sociedade fundada em
bases inteiramente técnico-científicas, ou seja, bases purificadas dos parâmetros metafísicos da
tradição filosófica, assegurados de Platão a Hegel8. O positivismo formula, portanto, um novo
conceito de razão ou um novo espírito científico que nega toda idéia de sujeito como condição
primeira do conhecimento ou fundamento da ação. A “filosofia positiva” pretendeu recusar a
herança idealista da filosofia hegeliana, denominada como “filosofia negativa”, e, assim,
desembaraçar-se definitivamente dos raciocínios especulativos e suas “formas lógicas”. Por um
                                                            
8
O sistema de Hegel levou a termo o período da filosofia moderna que começara com Descartes e dera corpo às idéias
básicas da metafísica moderna. Hegel foi o último a interpretar o mundo como razão, a sujeitar a natureza e a história aos
critérios do pensamento filosófico centrado do sujeito livre e absoluto. Ao mesmo tempo, ele identificou a ordem política
e social efetuada pelos homens com a base sobre a qual se deveria realizar a razão subjetiva. O idealismo hegeliano
considerou que existem elementos fundamentais na formação sócio-histórica que não poderiam ser investigados ao nível
dos fatos observáveis, pois eles eram expressão da autonomia absoluta da subjetividade.
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lado, o idealismo kantiano foi visto como a arbitrária sujeição da realidade empírica à
subjetividade transcendental e, por outro lado, a famosa afirmação de Hegel, de que o real é
racional, foi compreendida pelo positivismo como se apenas o racional fosse real, desprezando,
portanto, os dados da observação empírica e as condições concretas da realidade sócio-histórica.
Para o positivismo, deve ser preservada a independência dos “fatos comuns” e a razão deve ser
dirigida pela observação dos dados empíricos, sem subordinação a qualquer dimensão a priori.
Somente a “filosofia positiva” poderia superar essa negatividade metafísica, pois a racionalidade
técnico-científica seria a única condição necessária para que a humanidade evoluísse em direção
a um futuro próspero e uma vida abastada. Comte procurou restaurar a ordem na sociedade
saída da revolução francesa, substituindo seus princípios abstratos e suas fraturas internas por
mudanças de ordem técnico-científica, pois somente a prática técnico-científica pode produzir
uma forma social orientada para as necessidades da nova sociedade industrial. Recusando tanto
a aristocracia e os monarquistas quanto a burguesia liberal, o positivismo propôs que somente a
nova classe dos “industriais” (envolvida efetivamente com a atividade produtiva), aliando-se à
classe dos engenheiros e dos cientistas, poderia operar uma restauração da ordem social. Comte
via na sociedade industrial o estágio de maturidade histórica da humanidade ocidental-européia.
“Quem não se recorda, contemplando a sua própria história, que foi sucessivamente, com
respeito às noções mais importantes, teólogo na sua infância, metafísico na sua juventude e
físico na sua maturidade?”, indaga Comte.
Por esta via, o positivismo decretou a independência definitiva da racionalidade técnico-
científica com relação à metafísica, ou seja, com relação à especulação que investiga uma idéia
de natureza para além dos dados da observação e do cálculo e uma idéia de homem para além
do horizonte dos dados biológicos e sociológicos. O homem, animal histórico herdeiro de uma
tradição, explica-se, segundo Comte, em sua animalidade pela fisiologia das funções orgânicas
e, em sua dimensão cultural pela sociologia, como ciência da história intelectual e moral da
humanidade da qual a subjetividade e a individualidade são apenas abstrações. Aos olhos de
Comte, o sujeito isolado não pode reivindicar uma existência independente. Engajado no
contexto social, seu pensamento responde a influências que o ultrapassam e, enfim, a pretensa
consciência de si do sujeito pensante não pode fornecer nenhum conhecimento válido. O
conhecimento positivo renuncia à reflexão metafísica e à razão especulativa que só convinham à
infância da razão; e, desse modo, circunscreve seus esforços ao domínio exclusivo da verdadeira
observação, a única base possível dos conhecimentos realmente acessíveis, sabiamente
adaptados às necessidades reais da industrialização. Trata-se de substituir, em todos os
domínios, a inacessível determinação de substâncias, essências metafísicas e princípios
apriorísticos pela simples enunciação das leis naturais, isto é, das relações constantes que regem
os fenômenos observados. Portanto, para o positivismo, não haveria uma “ciência primeira”,
uma “ciência da ciência” ou uma “teoria geral do conhecimento” que investiga os primeiros
princípios do conhecimento independente dos objetos aos quais ele se aplica. Só haveria
conhecimento aplicado aos objetos nas ciências empíricas particulares. Esse recurso positivista
aos fenômenos fez a pergunta pelo conhecimento se voltar diretamente às ciências disponíveis
como sistemas de proposições empíricas e modos técnicos de proceder, como um complexo de
regras com base nas quais as teorias são construídas, verificadas e controladas. A meta da
racionalidade técnico-científica seria simplesmente: “ver para prever e prever para agir”. No
momento culminante do cientificismo positivista a ciência se encontra despojada de toda
dignidade teórica e reduzida a um simples instrumento da atividade vital. As teorias manterão
sua vigência caso se manifestem úteis à vida tecnificada. Toda a justificação teórica do
conhecimento estará vinculada à eficácia técnica com que se realiza esta utilidade. Serão
destituídos de justificação, caducos e fora de uso, no momento mesmo em que demonstrem sua
inutilidade à produção ou ao industrialismo. Destituída de toda orientação teológica, a
racionalidade técnico-científico fica reduzida a si mesma, sem qualquer necessidade de um
fundamento metafísico.
Em um mundo integralmente voltado para a emancipação da atividade produtiva e
instrumental, a racionalidade metafísica será considerada ultrapassada e desnecessária. A
racionalidade humana, para Comte, deve se ocupar somente com a investigação dos fatos
observados ou com os fatos da ordem social vigente e nunca com “ilusões transcendentais”, pois
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apenas o conhecimento técnico-científico é utilizável ou “produtivo”, contrariamente à


negatividade da contemplação ociosa e inativa. É por isso que o positivismo recusou o
racionalismo idealista, substituindo a livre espontaneidade do “Espírito” ou da subjetividade
autônoma por funções predominantemente receptivas ou passivas. E isso não é uma questão
meramente epistemológica, pois o conceito iluminista de “razão”, como vimos, havia sido
intrinsecamente relacionado à idéia da liberdade e da emancipação do sujeito auto-determinado,
opondo-se, assim, a toda concepção de uma necessidade natural imposta do exterior. Ao passo
que o positivismo pretendeu igualar o estudo da sociedade industrial ao estudo da natureza, de
modo que a objetivação da moderna ciência-técnica, particularmente a Biologia, tornar-se-ia o
padrão positivo do conhecimento. As leis naturais que a “física social” investiga eram
“positivas” no sentido de afirmarem a ordem estabelecida como base na negação da necessidade
de construção de uma nova ordem. Deste modo, as dimensões mais importantes da sociedade
industrial, de grande interesse para todos, são subtraídas da arena da luta social e destinadas à
investigação em algum campo de estudo científico especializado.
A este respeito, conhecemos a enorme influência exercida pelas teorias da evolução de
Lamarck (1744-1829) e, sobretudo, Darwin (1809-1882). Darwin estabelece uma continuidade
evolutiva entre o homem e os animais. Essa continuidade poderia ser notada não só através da
semelhança de características corporais, abarcando características mentais e comportamentais,
concebendo a formação do saber voltada para conseqüências adaptativas. Ganhou corpo a
refutação de toda e qualquer doutrina racionalista que confira ao homem um atributo metafísico.
É essa submissão do conhecimento aos fatos e aos imperativos do método experimental que se
imporá decisivamente em todos os domínios da cultura, dominada de ponta a ponta pela idéia
do determinismo universal. A transposição de teses do darwinismo para a teoria social originou
o que ficou conhecido como “darwinismo social”. No campo da Biologia, Darwin afirmava que
as diversas espécies de seres vivos se transformam continuamente com a finalidade de se
aperfeiçoar a garantir a sobrevivência. Em conseqüência, os organismos tendem a se adaptar
cada vez melhor ao ambiente, criando formas mais complexas e avançadas de existência, que
possibilitam, pela competição natural, a sobrevivência dos seres mais aptos e evoluídos. Tais
idéias, transpostas para a análise da sociedade, resultaram no princípio de que as sociedades se
modificam e se desenvolvem num mesmo sentido e que tais transformações representariam
sempre a passagem de um estágio inferior para outro superior, em que o organismo social se
mostraria mais evoluído, mais adaptado e mais complexo. Esse tipo de mudança garantiria a
sobrevivência dos organismos – sociedades e indivíduos – mais fortes e mais evoluídos. Estava
criado, assim, o suporte teórico para justificar, a partir do século XIX, o domínio colonialista de
nações européias sobre povos da América, da África, da Oceania e da Ásia. Dessa perspectiva,
as sociedades tradicionais não eram senão exemplares do passado da humanidade, “primitivas”.
As sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam evoluir em direção a
níveis de maior complexidade e progresso na escala da evolução social, até atingir o “topo”: a
sociedade industrial européia. Assim, a razão tecnológica exprime sua face totalitária, pois só
haveria um tipo de formação sócio-econômica absolutamente válida à qual toda a humanidade
deveria chegar necessariamente; ainda que, para Comte, essa formação se consolidaria
pacificamente, pois, ao contrário do que revelou o contexto dos violentos confrontos bélicos do
século XX, o positivismo acreditava que as guerras seriam anacrônicas nas modernas
sociedades industriais, uma vez que não seriam as armas que trariam reordenação e sim a
aplicação da ciência e da indústria à organização social.

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