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Max Weber (1864-1920) adota uma perspectiva que enxerga na sociedade


indivíduos interagindo. Essas ações mútuas são motivadas e buscam concretizar
intenções, possuindo um significado social que pode ser compreendido.

A finalidade da sociologia, assim, seria entender a conduta humana (descobrir seus


motivos) e seu significado, formulando princípios gerais que possam explicar outras
ações semelhantes. Muitas vezes, Weber elabora “tipos” de explicações, ou seja,
modelos que descrevem várias dessas ações semelhantes. O entendimento
sociológico, assim, seria avalorativo e desprovido de preconceitos, limitando-se a
descrever a conduta a partir dos “tipos” que revelam seus motivos e suas intenções.

Olhando de modo o mais geral para as condutas humanas, Weber apresenta quatro


tipos principais de interações:

1. Tradicional – a ação tradicional é aquela cujo motivo deriva de um mero hábito ou


costume. Uma pessoa que age desse modo, simplesmente faz o que sempre foi
feito, sem questionar ou planejar sua atitude;
2. Afetiva – a ação afetiva é motivada pelas emoções. A pessoa age movida pela
raiva, pelo rancor, pelo amor, pela compaixão…;
3. Valorativa-racional – a ação valorativa-racional é motivada por uma crença
valorativa que aparece desconectada de qualquer análise de correspondência entre
o ato praticado e o resultado almejado. A pessoa age movida pela busca da justiça
social, da transformação do mundo, da liberdade, mas seu ato não guarda qualquer
nexo lógico com esse fim;
4. Intencional-racional – a ação intencional-racional é aquela motivada por um
cálculo que elege os melhores meios para se chegar a um resultado. A pessoa age
escolhendo meios conforme sua utilidade, fazendo contas, deliberando, buscando a
eficiência e a obtenção efetiva do resultado.

Analisando
 a sociedadet
moderna, Weber constata
 que o quarto
 tipo de ação se

torna o mais importante. Cada vez mais pessoas agem de modo intencional-
racional; mais e mais setores da sociedade são dominados por esse tipo de ação,
como a política, a economia, a cultura. O cálculo dos meios mais eficientes de
conduta para se atingirem os fins torna-se a regra da modernidade.

No caso da política, isso pode ser percebido observando-se os tipos de legitimação


do poder:

1. Tradicional – o poder tradicional legitima-se pela crença na perpetuidade da


dominação, que se transforma em um hábito social;
2. Carismática – o poder carismático legitima-se pela crença de que o líder político
possui qualidades extraordinárias, superiores às das outras pessoas, merecendo por
isso ser seguido, ainda que, às vezes, cegamente;
3. Legal-racional – o poder legal-racional legitima-se pelo recurso à estrutura lógica
de um sistema de leis criadas por um processo representativo que limita os atos
praticados pelo Estado.

O terceiro tipo de legitimação ao poder político é o mais adequado para a


modernidade. As pessoas querem ter certeza e segurança de que seus cálculos
levam em consideração todas as circunstâncias possíveis ao elegerem os melhores
meios de agir. Para tanto, precisam prever com o máximo de exatidão a postura dos
detentores do poder político, sobretudo o Estado. Se houver um sistema de leis claro
e preciso, o poder que o respeitar será aceito.

Para o sistema de dominação legal-racional funcionar, há a necessidade de um


Estado adstrito aos termos das leis, praticando o menor número de atos
imprevisíveis que puder. Conforme Weber, o Estado é composto por agentes
públicos e órgãos, monopolizando, dentro de um território determinado, o uso
legítimo da coerção física. Entre seus afazeres está policiar a sociedade, administrar
a justiça, cultivar interesses culturais, criar legislativamente o direito e defender o
território.


As pessoas que compõem o Estado, a fim de que ele se torne limitado pelas leis,
transformam-se em burocratas. Não há qualquer juízo de valor negativo na

afirmação, t
talvez o contrário: a burocraciaé indispensável para
 a dominação legal-

racional. Sua finalidade é adotar uma conduta intencional-racional dentro do Estado,
buscando os meios administrativos mais eficientes para o funcionamento estatal e a
implementação de políticas públicas.

Para a racionalidade burocrática se consumar, há a necessidade de possuir algumas


características:

1. Sujeição dos órgãos e dos funcionários a princípios gerais que delimitam esferas
de competência dentro das quais podem atuar;
2. Estrutura hierárquica dentro de cada órgão e entre os órgãos, respeitadas as
esferas de competência;
3. Gerenciamento do trabalho a partir de regras gerais que podem ser aprendidas
pelos subalternos e direcionam suas atuações;
4. Treinamento especializado dos funcionários conforme as regras gerais que
norteiam suas atividades;
5. Rotina full-time baseada na produção de documentos escritos que deixa um rastro
comprobatório da atividade desempenhada com eficiência e respeito aos limites da
competência.

A atividade burocrática torna-se estável, operando de modo impessoal e


disciplinado, executando ordens recebidas diuturnamente. Permite ao Estado
funcionar de forma eficiente e previsível ao mesmo tempo, permitindo a
concretização de um dos pressupostos para a legitimação legal-racional do poder. O
outro desses pressupostos é a existência de um direito formal-racional.

Weber detecta quatro tipos de direito, conforme o conteúdo e o procedimento dos


julgamentos:

1. Direito racional-material – os julgamentos são realizados por meio de normas


gerais conhecidas, mas não internas a um sistema legal, como crenças éticas,
ideológicas, máximas políticas ou jusnaturalistas. De certo modo, as pessoas
conhecem os critérios gerais de julgamento, mas não conhecem seus ▾
procedimentos;
2. Direito irracional-material – os julgamentos são realizados caso a caso, sem a
 t   
ocorrência de generalizações e abstrações. O caso é decidido na hora, conforme
uma impressão qualquer, uma emoção, um juízo repentino. um segundo caso
parecido pode receber uma decisão completamente diferente do primeiro;
3. Direito irracional-formal – os julgamentos são realizados conforme
procedimentos conhecidos, porém não racionais. Os resultados são imprevisíveis ou
desconectados do teor do assunto ou do conflito julgado. As decisões baseadas em
ordálios ou oráculos exemplificam o tipo;
4. Direito racional-formal – os julgamentos são realizados conforme procedimentos
e conteúdos conhecidos e compatíveis com o conflito em questão. Há normas
gerais prevendo as fases de julgamento e normas gerais aplicáveis a casos
parecidos estabelecendo os parâmetros para a decisão.

O quarto tipo de direito é ideal para a modernidade, baseada na conduta intencional-


racional, e, em complemento com a burocracia estatal, consolida a dominação
política legal-racional. Ele se torna um sistema fechado, composto por regras
jurídicas hierarquicamente estruturadas e criadas conforme um procedimento
legislativo previamente definido.

Profecias atuais.

Alcione association. Abrir

Enquanto sistema de normas, o direito se transforma em um conjunto coerente e


completo. Tendo-se em vista que cumpre o objetivo de gerar previsibilidade na
conduta estatal e na proteção de direitos subjetivos, suas normas não podem ser
incoerentes, ou seja, conflitantes entre si, posto que isso geraria incerteza e
insegurança. Além disso, todas as situações sociais devem estar previstas nas leis,

não podendo haver lacunas ou incompletudes.

 t   
M di it d ã li it j t d l i Há id d d
Mas o direito moderno não se limita a um conjunto de leis. Há a necessidade de
órgãos e funcionários que interpretem e apliquem essas leis sem gerar instabilidade
ao sistema. De nada adiantaria a coerência e a completude das leis se os juízes as
interpretassem sem quaisquer critérios e decidissem os casos de modo aleatório e
arbitrário.

Assim, as decisões do Poder Judiciário devem seguir regras estritas não apenas
quanto a procedimentos, mas também quanto ao seu conteúdo. Em termos lógicos,
para a fidelidade ao sistema ser total, gerando um grau máximo de certeza e
segurança, a decisão deve ser fruto de um raciocínio dedutivo silogístico que
simplesmente opere a conversão da norma geral e abstrata que está na lei em uma
norma individual e concreta que estará na sentença.

O juiz torna-se a “boca da lei”, proferindo decisões sem colocar nelas suas
preferências pessoais, sem levar em conta as características pessoais dos
envolvidos, nem tratar o conflito de modo parcial. As leis são aplicadas a todos de
modo imparcial e impessoal, quase mecanicamente.

O equivalente da burocracia estatal para o direito é sua profissionalização. Os


funcionários das cortes são treinados profissionalmente, aprendendo a identificar e
aplicar as normas jurídicas dentro dos limites do ordenamento. Mas também os
operadores do direito que entram em contato com a população tornam-se
profissionais (os advogados) e aprendem a agir do mesmo modo que os juízes com
relação à interpretação das normas jurídicas. Esse fenômeno acelera a
transformação do direito moderno em formal-racional.

O poder político legitima-se adotando uma dominação legal-racional. Para tanto,


confina o Estado aos limites da legislação por meio de uma burocracia e de um
direito formal-racional que se tornam previsíveis para a sociedade que age
calculando. Em específico, a economia capitalista beneficia-se dessa equação, pois
seus imperativos (livre iniciativa, livre trabalho e concorrência) pressupõem um
ambiente de certeza e a segurança.

Durante o início do século XX, contudo, Weber detecta uma tendência
de materialização
 do direito
t moderno, ou 
seja, de julgamentos
 realizados a partir
 de
imperativos éticos ou valorativos interpretados de modo a ganhar um significado
externo ao ordenamento jurídico. Em específico, tais imperativos, como a efetivação
do bem comum, da dignidade da pessoa humana e da justiça, levam ao surgimento
de novos direitos, chamados de sociais.

Esse surgimento deriva de uma consequência do excessivo formalismo e


aprisionamento sistêmico do direito: ao ser obrigado a julgar exclusivamente de
acordo com as leis e princípios interpretados de modo silogístico, o Poder Judiciário
termina por afastar-se da realidade concreta e seus problemas reais. Uma fria
interpretação das leis leva a decisões que são vistas como injustas pela sociedade.
Para corrigir isso, os juízes buscam novos princípios e novas interpretações que
tensionam a racionalidade formal do Judiciário, agindo movidos pela razão
valorativa. O resultado é a criação de novas normas jurídicas que consagram tais
princípios e rompem o rigor lógico do direito garantidor.

O problema dessa materialização é que ela torna imprevisível a atuação do Poder


Judiciário, gerando incerteza e insegurança. Com isso, a equação entre a política
legal-racional e o Estado limitado pelo direito formal-racional e pela burocracia
começa a romper-se. Por um lado, a legitimidade política entra em crise; por outro, a
atuação estatal e judiciária começa a atrapalhar o desenvolvimento econômico de
vários países.

Essa lógica weberiana se faz presente em muitas análises contemporâneas que


associam os direitos sociais a barreiras para o funcionamento da economia. O
discurso da flexibilização do direito trabalhista é fruto dessa lógica. Em linhas gerais,
afirma-se que quanto maior a proteção ao trabalhador, menos atrativo o ambiente se
torna para empresas e capitais estrangeiros.

Também podemos destacar a presença do pensamento weberiano em discursos


pela Reforma do Poder Judiciário, associando-a ao desenvolvimento econômico.
Esse ponto de vista preconiza que um Poder Judiciário previsível, funcionando de
modo rápido e eficiente, gera certeza e segurança aos investidores capitalistas.

Referências:
 t   
BILLIER, Jean-Cassiere MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri:
Manole, 2005.
DEFLEM, Mathiew. Sociology of Law. Cambridge: CUP, 2008.
RODRIGUES e SILVA. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013.

Adriano Ferreira
Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1999), mestrado em Direito Político e
Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2004), mestrado em Letras (Teoria Literária
e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (2004), doutorado em Ciências Sociais
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012), doutorado em Literatura Brasileira pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP (2010) e doutorado em direito pela Faculdade de Direito da USP
(2015). Atualmente é coordenador do núcleo temático de Teoria Geral do Direito da Escola Superior de
Advocacia da OAB - Seção SP, sócio fundador da empresa Conteúdo Legal e professor associado da
Universidade São Judas Tadeu. Estuda, na área de Ciência Política, a crise da democracia, o neoliberalismo e o
populismo. Realiza, também, estudos em Teoria Geral do Direito e em Sociologia das Profissões, com ênfase na
Advocacia Brasileira.

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VER COMENTÁRIOS

Mikael Matos
abril 15, 2021 at 2:29 pm

Não sei t
o que mais me impressionou  um estudante entusiasta
nesse artigo, como  de primeiro período
 na
f ld d d d b d d d f õ d
faculdade de direito, a objetividade das informações, sem os rodeios prosaicos que os juristas costumam
fazer em seus artigos, o que prejudica, algumas vezes, o entendimento das crianças (literalmente, só tenho
17 anos rsrs) que ingressam nesse campo, ou essa estupefata carreira acadêmica que o professor Adriano
tem, o que muito me motivou a continuar trilhando esse caminho. Agradeço aos envolvidos por compartilhar
tanto conhecimento.

comprobar resultados once


maio 6, 2021 at 1:30 pm

nos sirvio mucho.......


https://solicitar-acta.com/validar-vies/

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    

PUBLICADO POR

Adriano Ferreira

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direito moderno / Max Weber / sociologia jurídica

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