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portanto, sempre singular, dado que ser capazes de construir estes proble-
caracteriza o trabalho de indivíduos mas, como sinalizou há décadas o
singulares e instáveis/variáveis, efetua- ergonomista Alain Wisner.
do em contextos singulares e variáveis A inteligência do/no trabalho, de
(em suas dimensões materiais, acordo com a psicodinâmica do tra-
organizacionais ou sociais). balho (Dejours, 1997), se caracteriza
Além disso, a defasagem entre a pela astúcia a que é necessário recorrer
prescrição e a realidade do trabalho diante das dificuldades da prática. É
também se deve à diferença entre o uma forma de inteligência criativa,
discurso produzido sobre a prática e multiforme e móvel, o que permite
aquilo que os trabalhadores experimen- uma atuação exitosa nos processos de
tam concretamente na prática. Trata- trabalho, com suas instabilidades. Um
se dos limites das rotinas e protocolos outro traço desta inteligência – que tem
tomados como referência, indicando como modelo uma divindade femini-
que há sempre uma parte da atividade na da Grécia Antiga, Mètis – é que suas
que não é traduzida em palavras. É por capacidades estão sempre enraizadas
isso que a abordagem da ‘psicodi- no corpo. A inteligência da prática está
nâmica do trabalho’ chama a atenção relacionada com ajustes feitos às nor-
que trabalhar implica sair do discur- mas prescritas, visando solucionar as
so para confrontar-se com o mundo. dificuldades experimentadas no con-
E nesse confronto os trabalhadores fronto com o real (e não previstas nos
não ‘aplicam’ os saberes adquiridos manuais, protocolos etc.). Portanto, o
(não são ‘executores’), mas, afetados trabalho envolve inteiramente aquele que
pela situação de trabalho, mobilizam- trabalha, tem sempre um caráter
se, operando com o patrimônio de inventivo e, neste sentido, é enigmático.
saberes adquiridos, produzindo no- A evolução do debate sobre o
vos elementos. hiato entre trabalho prescrito e ‘traba-
Observa-se, além disso, que os lho real’ tem levado à efervescência e
problemas que os trabalhadores têm renovação conceitual da noção de ati-
de resolver, além de nunca estarem vidade de trabalho – para muitos mais
definidos inteiramente no enunciado fértil que a noção de ‘trabalho real’.
formal de suas tarefas prescritas, não Yves Schwartz (2005), na perspectiva
estão totalmente definidos a priori; ou da ergologia, aponta três razões para
seja, são os trabalhadores que devem esta efervescência do debate. Primei-
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(Clot, 2006), sinaliza-se que, para uma construção fundada em regras produ-
melhor compreensão da atividade de zidas pelos coletivos de trabalho, a
trabalho, se deve considerar também partir de critérios de eficácia e de va-
o que não se fez e o que não se faz, lores. Esta cooperação depende de
por não querer ou poder, assim como condições favoráveis à mobilização
aquilo que se tem vontade e se pensa subjetiva – que por sua vez está relaci-
fazer em outro momento. Esta abor- onada à dinâmica do reconhecimento
dagem enfatiza que o conceito de ati- das contribuições dos trabalhadores
vidade de trabalho deve englobar, além (invenções e ajustes feitos) para que não
do trabalho realizado e dos obstácu- haja uma paralisação da produção.
los encontrados, também as possibili- Trata-se de uma dinâmica que passa
dades de desenvolvimento da ativida- necessariamente pela visibilidade do
de, remetendo ao trabalho como ‘zona que se faz (das transgressões), exige a
de desenvolvimento potencial’ e às possibilidade de confiança, compreen-
potencialidades do agir individual e co- de a existência de um espaço público
letivo no trabalho – aquilo de novo que interno no meio de trabalho, passa por
no trabalho cada um pode se tornar. um julgamento – por parte dos pares,
Todo este debate sobre o ‘traba- da hierarquia e dos clientes – sobre o
lho real’ e mais especificamente sobre ato profissional e o seu produto, en-
o conceito de atividade de trabalho fim, pelo reconhecimento da contri-
mostra que este é um assunto atraente buição. Logo, o ‘trabalho real’ apre-
e complexo, envolvendo vários aspec- senta também uma dimensão subjeti-
tos. A dimensão coletiva do trabalho va e intersubjetiva.
exige ser considerada. Já foi evidenci- Considerar a dimensão coletiva
ado pela ergonomia da atividade e pela do trabalho implica ainda reconhecer
psicodinâmica do trabalho que a or- que diferentes redes são formadas para
ganização real do trabalho se baseia na que as atividades se desenvolvam. Re-
cooperação espontânea entre os tra- des que podem envolver contatos
balhadores, ao contrário da organiza- presenciais diretos ou comunicações
ção prescrita do trabalho que busca telefônicas ou escritas, que podem se T
definir separadamente os papéis, os constituir e em seguida se desfazer, mas
domínios de competência e as respon- que integram o ‘trabalho real’. Por
sabilidades de cada um. A coopera- exemplo, no cuidado de recém-nasci-
ção não pode ser prescrita: é uma dos prematuros, em uma UTI-
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