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Escrita Dossiê

da História
http://dx.doi.org/10.20396/resgate.v25i1.8647927

Algumas perspectivas
sobre a interpretação
na História

Jônatas Roque Mendes Gomes Some perspectives about


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) interpretation in History

Resumo Abstract
Abordo nesse texto como alguns autores traba- I will study in this article how some authors
lham ou analisam o paradigma hermenêutico. work or analyze the hermeneutic paradigm.
Esta perspectiva é relevante para pesquisadores This perspective is relevant for researchers
que se utilizam, principalmente, da análise de who are using the analysis of texts and
textos e discursos para o seu fazer histórico. O discourses in their historical work. The in-
estudo aprofundado do paradigma interpretati- depth study of the interpretive paradigm
vo e suas variantes apresenta-se como uma boa and its variants is a good alternative when
alternativa quando nos deparamos com análise we come across language analysis for history
da linguagem para a escrita da história. Nesse writing. Therefore, we will highlight authors
sentido, destacaremos autores como Hayden such as Hayden White, François Dosse,
White, François Dosse, Hans-Georg Gadamer e, Hans-Georg Gadamer and, mainly, Reinhart
principalmente, Reinhart Koselleck. Koselleck.
Palavras-chave: Interpretação; Historiogra- Keywords: Interpretation; Historiography;
fia; História dos conceitos. History of concepts.

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I n t r o d u ç ã o
A
interpretação ou hermenêu- escrita da história. Dessa feita, longe
tica na história é um tema de esgotarmos tal assunto, neste artigo
debate caro a alguns historia- objetivamos colaborar com o debate
dores e filósofos, dentre os quais des- em torno do tema.
tacamos François Dosse, Hayden Whi-
te, Paul Ricoeur, Reinhart Koselleck e,
ainda, Hans-Georg Gadamer. Preten-
demos, primeiramente, nesse artigo, A interpretação e a história
promover um debate historiográfico
sobre o paradigma hermenêutico e o
papel da interpretação na história. Vi- François Dosse defende que as ciên-
samos, também, evidenciar e analisar cias humanas e sociais não podem
o debate entre os intelectuais alemães mais usar pressupostos das ciências
Koselleck e Gadamer sobre o campo exatas e naturais, pois aquelas se di-
hermenêutico.
ferenciam epistemologicamente des-

Outro aspecto que nos preocupamos tas. As ciências humanas e sociais têm
em demonstrar é como podemos uma epistemologia comum – o que
aplicar cada uma dessas abordagens, Jean-Claude Passeron (1995) chama
a História dos conceitos ou a história de raciocínio sociológico –, que as di-
conceitual alemã, na pesquisa em his- ferenciam e muito das demais. Dosse
tória. A preocupação com os conceitos (2001, p. 40) apropria-se da ideia de
presentes nas fontes elencadas pelos “dupla hermenêutica”, de Antony Gi-
historiadores, pensados dentro de seu ddens, que consiste no processo de
contexto sócio-político, e a consciên- traduzir e interpretar fenômenos e
cia da importância que tem a lingua- ações de atores e instituições. Segun-
gem para as relações sociais, políticas do Dosse, a dupla hermenêutica “tem
e econômicas, demostram como esta um efeito de retorno na apropriação
abordagem pode contribuir para a pelos autores e pelas instituições dos

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conhecimentos produzidos pelas ci- O paradigma interpretativo, segundo


ências humanas” (DOSSE, 2001, p. 40). François Dosse (2001, p. 44), pode ser
Seguindo esta ideia, a enunciação das assim denominado pois “visa pôr em
representações é inseparável da atua- evidência o lugar da interpretação na
ção dos autores. Como também afir- estruturação da ação, revisitando toda
ma Reinhart Koselleck (2012, p. 13), a rede conceitual, todas as categorias
“todo fato social e a diversidade de semânticas próprias à ação: intenções,
suas relações se baseiam em premis- vontades, desejos, motivos, sentimen-
sas comunicativas e no aporte da co- tos”.
municação linguística”.
Paul Ricoeur (1977) concebe a herme-
Para introduzir a “reviravolta” no pa- nêutica como uma via intermediária e
radigma predominante na história, alternativa à explicação (atribuída às
François Dosse ressalta a emergên- ciências da natureza) e à compreen-
cia de um paradigma crítico, que deu são (atribuída às ciências do espírito).
condições para o surgimento de um Contudo, o autor evita apresentá-las
paradigma interpretativo, em res- como antagônicas. Segundo Ricoeur
posta à “guinada linguística” e apon- (1977, p. 55), devemos explicar mais
tando para uma preocupação maior para compreender melhor, não sen-
com a narração, com os discursos so- do necessário assumir uma dicoto-
bre as ações e com a “transformação mia entre explicação e compreensão.
das ações em ‘enredo’”. Contudo, essa Para ele, o conceito não desqualifica a
atenção não remete a um enclausu- vivência e a leitura, e a interpretação
ramento na discursividade ou na lin- traz à tona o “mundo do texto”, o que
guística. Dosse ressalta que o valor da Gadamer chama de “a coisa do texto”.
interpretação não deve ser maior que
o das fontes, no sentido de que não se Dosse (2001, p. 48) afirma que a in-
pode ignorar os argumentos e provas sistência na dicotomia “explicação x
dadas pelos atores estudados. Dessa compreensão”, apontada acima, é fru-
forma, a hermenêutica deve fidelida- to do paradigma estruturalista, que
de ao documento, não discorrendo so- defende a cientificidade, a busca pela
bre o que não é “dito” nele. verdade e pelo real, em que estão in-

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seridos os annalistes e marxistas, prin- gina e reconstrói a história. Já Latour


cipalmente. A guinada interpretativa (1984, p. 202) afirma que “nada em si é
traz, assim, uma alternativa à cientifi- dizível ou indizível; tudo é interpreta-
cidade que focava na quantificação e do”. Porém, isso não significa que seja
nas “curvas estatísticas”. inventado ou criado pelo historiador.
O historiador ao realizar uma análise
O paradigma interpretativo não visa tem um importante e complexo pa-
fechar-se nos textos e nos discursos, pel de encarar as diversas descrições e
mas busca pensar as intenções dos interpretações possíveis e fazer a sua
atores, a recepção das comunicações análise, segundo seus parâmetros te-
(orais ou escritas) e o contexto e lugar órico-metodológicos.
de produção dos textos. O objetivo da
Hayden White (2001, p. 66), ao falar
hermenêutica é “restabelecer a comu-
sobre a interpretação e, propriamen-
nicação perdida em razão da distân-
te, o fazer histórico, fala sobre a inter-
cia temporal, espacial ou linguística”
venção do historiador. O investigador
(DOSSE, 2001, p. 46). Para Dosse, a “deve ‘interpretar’ os seus dados, ex-
interpretação entra como uma forma cluindo de seu relato certos fatos que
de preencher as lacunas deixadas pelo sejam irrelevantes ao seu propósito
tempo, para que o historiador possa narrativo”. Sempre haverá uma seleção
reconstruir acontecimentos e proces- e por isso, também, uma exclusão por
sos do passado, e não para modificar o parte do pesquisador. Neste sentido, o
que as fontes apresentam ao pesqui- historiador, como afirma White, pode
sador, que já exerce sua subjetividade elencar alguma fonte que necessite de
ao escolhê-las. uma interpretação para ser compreen-
dida. Hayden White também defende
Alguns argumentos de Bruno Latour a ideia do preenchimento de lacunas
e Paul Ricoeur nos auxiliam a pensar a partir de inferências, numa imagem
a interpretação e a subjetividade. Se- semelhante à apontada por Dosse.
gundo Ricoeur (1977), interpretar é White (2001) evidencia que se costu-
imaginar um modo ou modos possí- ma afirmar que o historiador deve re-
veis. O historiador age no campo aber- construir o que aconteceu, utilizando-
to pelo texto; nesse espaço, ele ima- -se o máximo possível da explicação

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dos acontecimentos encontrada em expectativas (futuro presente). Estas


suas fontes e, apenas quando não hou- categorias históricas foram elaboradas
ver fatos suficientes para preencher os por Reinhart Koselleck (2006a) para ex-
espaços, o estudioso pode utilizar a in- plicar o passado que é conhecido e que
terpretação – e mesmo assim indican- se faz presente (espaço de experiência),
do onde está interpretando e onde está e o futuro que é pensado no presente, e
relatando. Já os meta-historiadores não por isso é um futuro presente (horizon-
partilham dessa necessidade, visto que te de expectativas). Essas concepções
a explicação e a interpretação são feitas koselleckianas modificaram a forma de
simultaneamente, sem divisão rígida. se pensar o tempo histórico e a narra-
tiva histórica, pois apontam para uma
Segundo White (2001, p. 77), o conhe- quebra entre o passado e o presente,
cimento de “alguma ideia da estrutura que se deu na virada dos séculos XVIII
de enredo pré-genérica”, como o con- e XIX, principalmente na Europa. Para
texto histórico e a cultura, é importan- Koselleck, o presente reconstrói o pas-
te para o historiador interpretar cor- sado partindo de questões advindas da
retamente, ou da melhor maneira, o sua contemporaneidade e, ao mesmo
fato estudado, pois para o autor, cada tempo, ressignifica o passado e o futu-
acontecimento possui uma infinidade ro. Dosse (2001, p. 50) ainda afirma que
de “estórias” possíveis. Para ele, cada a “construção dessa hermenêutica no
historiador conta uma mesma “estória” tempo histórico oferece um horizonte
de forma diferente, e toda represen- não mais tecido apenas pela finalida-
tação histórica tem uma implicação de científica, mas estendida para um
ideológica. Como evidencia Michel de fazer humano”. Assim, o fazer humano
Certeau (1982, p. 66), o historiador, ao ganha prioridade frente à cientificida-
fazer história, fala de um lugar social de que imperava (mesmo que ainda
ou institucional. impere consideravelmente em nossos
dias), o que deu lugar ao paradigma in-
Como bem afirma Dosse (2001), a nar-
terpretativo.
ração tem um importante papel na co-
nexão entre o espaço de experiência A partir da reflexão sobre categorias
(passado presente) e o horizonte de históricas de Koselleck e sua teori-

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zação sobre os conceitos históricos, os sonhos, e isso vale também para os


podemos fazer uma história além da ritos e símbolos.
simples descrição de eventos. Os con-
ceitos1, gestados nas experiências e Mesmo defendendo a hermenêutica e
expectativas, possuem uma relação sendo crítico à historiografia moderna
forte e específica com a linguagem, a e à cientificidade estruturalista, Fran-
partir da qual reagem e interagem. çois Dosse (2001) considera que a his-
tória é uma ciência. Porém, não segun-
Paul Ricoeur e Koselleck defendem do os parâmetros das ciências exatas e
que “a história não coincide nunca da natureza. Já Hayden White (2001),
perfeitamente com o modo como também defensor da interpretação
a linguagem a capta e a experiên- e da narração, considera a história
cia a formula” (DOSSE, 2001, p. 55), mais próxima da arte e da literatura.
mas, como também afirma Koselle- Jürgen Habermas (1989), ao mesmo
ck (2012, p. 14), “uma história não se tempo que é favorável à hermenêu-
leva a cabo sem a fala”, ou coisas além tica nos estudos das ciências sociais,
da fala, como ritos, símbolos e, para defende que estas são sim ciências e
continuarmos citando uma contribui- produtoras de saber teórico. Segundo
ção do autor, os sonhos. Sobre estes, Habermas (1989, p. 52), há formas de
o historiador alemão afirma que não estabelecer uma “imparcialidade ne-
proporcionam uma representação do gociada”, sendo que o intérprete, ao
real, mas isto não impossibilita que se pesquisar, utiliza padrões de raciona-
aproximem de uma realidade vivida lidade que conferem uma teorização
(KOSELLECK, 2006a, p. 251). Koselleck ao seu trabalho.
ainda lembra que é necessário apren-
der a interpretar antropologicamente Hayden White (2001, p. 89) afirma que
1 O conceito deve ser entendido como mais do que uma
se interpreta a história de três manei-
palavra ou um termo. Isto em razão do seu caráter polissê- ras: esteticamente, quando escolhemos
mico. Para ser um conceito, a palavra deve ter, simultane-
amente, mais de um significado, principalmente quando uma estratégia narrativa; epistemologi-
estes significados se relacionam ou derivam. As definições
são somadas e se relacionam com o conceito diacronica- camente, ao se escolher um paradigma
mente. No decorrer dos anos, vão sendo adensadas novas
significações a um determinado conceito, que passam a ser
explicativo2; e eticamente, quando se es-
interpretações possíveis deste conceito. Isto ocorre sincro-
nicamente, de modo que os significados se estabeleçam si- 2 Hayden White (2001, p. 89) aponta para quatro tipo de
multaneamente, apoiando-se nas definições somadas pela paradigmas interpretativos utilizados por historiadores:
diacronia (KOSELLECK, 2006a). idiográfico, organicista, mecanicista e contextualista.

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colhe “uma estratégia pela qual as im- -Georg Gadamer, e foi publicado no
plicações ideológicas de uma dada re- livro Historia y hermenéutica, de autoria
presentação possam ser deduzidas para de ambos. Parte dele também está no
a compreensão de problemas sociais do livro Estratos do Tempo: Estudos sobre a
presente”. história, de autoria de Reinhart Kosel-
leck (2014), com a contribuição de Ga-
A interpretação e a narrativa na histó-
damer, recentemente traduzido para
ria não são aspectos que surgiram no
o português. Nessas obras, Koselleck
século XX. Ao contrário, White aponta
rebate afirmações de hermeneutas de
alguns historiadores, como Leonard von
que a sua Historik (Teoria da história3),
Ranke, Jacob Burkhardt e Jules Michelet,
seria um campo da hermenêutica filo-
que interpretavam – além de narrar – ao
sófica e, assim, seu esforço nos textos
escrever história. Contudo, o que pro-
é separar ambas as abordagens e rea-
curamos foi realizar um debate sobre
firmar o valor e a autenticidade da sua
a atualidade da prática historiográfica,
teoria da história.
que se preocupa em teorizar e praticar a
interpretação. Para continuar trilhando É necessário salientar que a herme-
esse caminho, entendemos que o diá- nêutica (a teoria da interpretação ou
logo entre a hermenêutica filosófica de compreensão), que Gadamer defende
Gadamer e a História dos conceitos de como forma de apreender as repre-
Koselleck seja muito importante. sentações da realidade passada, foi
ressignificada por intelectuais como
Wilhelm Dilthey e Martin Heidegger,
os quais se apropriaram da herme-
A historiografia de Reinhart nêutica dos estudos teológicos, que se
Koselleck versus a hermenêutica de apoiavam na exegese para interpretar
Hans-Georg Gadamer a Bíblia através dela mesma, ou seja,
na interpretação do texto pelo texto,
sem o apoio de fatores externos ou co-
O debate entre Gadamer e Koselleck 3 Podemos ver “historik” também traduzida como “histó-
rica”, como notamos no trabalho de Luisa Rauter Pereira
(1997) ocorreu durante uma série de (2004), que utilizou a versão em espanhol do debate entre
Koselleck e Gadamer (1997). Encontramos a tradução “Teo-
palestras em homenagem à Hans- ria da história” na versão em português (KOSELLECK, 2014).

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mentadores. Segundo Zagni (2012), cios que o estudo do passado pode


mesmo criticando os autores acima, nos oferecer, isto é, se interessa mais
Gadamer é tributário desta concepção em projetar futuros e em criar mun-
interpretativa para estudos de história dos, deixando em segundo plano a
e filosofia. busca pela descoberta de como as coi-
sas ocorreram ou foram representa-
Hans-Georg Gadamer considera que
das. Já Reinhart Koselleck (2014) não
os preconceitos e opiniões do pesqui-
partilha dos objetivos gadamerianos,
sador influenciam o ato interpretati-
pois relaciona-se com as temporali-
vo. Quem busca interpretar um texto
dades partindo de concepções e ob-
ou acontecimento parte de um proje-
jetivos bem distintos aos de Gadamer.
to. Segundo Pereira (2004, p. 21), Ga-
Porém, o debate entre os dois autores
damer retira essa ideia da “estrutura
alemães é muito interessante.
de antecipação da compreensão” de
Heidegger, que defende que a com- Ao rebater a hermenêutica filosófica
preensão se dá pela revisão contínua de Heidegger, autor que inspira os es-
dos projetos iniciais, durante a leitura tudos de Gadamer, Koselleck (2014,
do texto ou da relação com as fontes p. 95) apresenta cinco categorias,
pesquisadas. Por meio da linguagem, apropriadas em pares antitéticos4,
o ser humano comunica fatos, descre- reelaborados a partir da sua leitura
ve a constituição de acontecimentos, de Heidegger, que seria “a estrutura
mas também expressa incertezas: o temporal fundamental de qualquer
homem projeta e propõe um devir. história possível”. Segundo Koselleck,
a análise da presença dos pares anti-
Para Gadamer (1997), pensar o passa- téticos torna possível a escrita de uma
do é algo muito importante, que deve história. Para dar um exemplo, dificil-
ser feito de forma crítica e buscando mente se constata uma história em
uma orientação futura. Segundo o que não vejamos as relações “acima”
autor, o passado deve ser discutido e
4 Os pares antitéticos são: (1) “antecipação da morte” e “po-
reavaliado com base em questões do der matar”; (2) “inimigo” e “amigo”; (3) “interior” e “exterior”,
que se desdobram em “secreto” e “público”; (4) “ser-arre-
presente – ele foca menos numa pre- messado” e “geratividade”; (5) “senhor” e “servo” ou, como
Koselleck (2014, p. 95-103) também denomina, “acima” e
tensa história real e mais nos benefí- “abaixo”.

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e “abaixo” (ou “senhor” e “servo”), evi- ção de experiências e expectativas.


dências de dominação e sujeição, pois, Assim sendo, a história dos conceitos
como aponta Koselleck (2014, p. 102), cumpre o papel de uma metodolo-
mesmo em um trato Partindo das concepções gia que dá conta de
entre iguais, a força de Koselleck, podemos uma semântica dos
política “estabiliza as conceitos históricos,
compreender como a
novas relações”. objetivando a consti-
história se materializa na
tuição linguística “de
Em seu estudo sobre combinação de experiências
experiências do tem-
o debate acadêmico e expectativas. Assim
po na realidade pas-
entre Reinhart Ko- sendo, a história dos sada” (PEREIRA, 2004,
selleck e Hans-Georg conceitos cumpre o papel p. 46). Apesar de pro-
Gadamer, Luisa Perei- de uma metodologia que por uma história dos
ra (2004, p. 46) defi- dá conta de uma semântica conceitos, Koselleck
ne o ponto central da dos conceitos históricos, não se atém somente
proposta historiográ- objetivando a constituição à análise deles. O au-
fica de Koselleck, para linguística “de experiências tor alemão considera
o qual a proposta do do tempo na realidade as histórias algo ne-
historiador consistiria passada” (PEREIRA, 2004, cessário para o esta-
em “entender o movi- p. 46). Apesar de propor belecimento teórico.
mento da ação políti- Por isso, os fatores ex-
uma história dos conceitos,
ca e social ao longo da tralinguísticos fazem
Koselleck não se atém
história a partir da in- parte do arcabouço
somente à análise deles.
vestigação acerca da teórico-metodológi-
maneira com que os homens combi- co da história conceitual. Dessa fei-
naram concretamente em seu presen- ta, Koselleck critica a hermenêutica
te a dimensão de sua experiência pas- gadameriana, que se centra no texto
sada com suas expectativas de futuro”. como forma de compreensão da re-
alidade, esquecendo o extratextual.
Partindo das concepções de Koselle- Entretanto, a crítica de Koselleck foi
ck, podemos compreender como a rebatida por Gadamer, que afirmou
história se materializa na combina- que “a linguagem que a hermenêutica

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considera central não é apenas a dos tratextual. Quando os documentos


textos. Ela se refere também à condi- se tornam fontes, passam a ser indí-
ção fundamental de todas as ações e cios para a construção de uma histó-
criações humanas” (KOSELLECK, 2014, ria. Ainda segundo Koselleck (2014,
p. 116)5. Sendo assim, a hermenêutica p. 105-109), escrever a história é dizer
gadameriana leva em conta os efeitos coisas que não foram ditas na época
que os textos estudados tiveram na na qual ocorreram.
sociedade e na vida humana.
Ao problematizar a oposição entre res
A teoria da história de Koselleck opõe- factae e res fictae6, que após o Ilumi-
-se à hermenêutica gadameriana, nismo deixou de estar em uma rela-
fundamentalmente, pelo enfoque ção puramente antagônica, Koselleck
extralinguístico que podemos notar (2006a, p. 251) afirma que, para falar
na primeira, o que não percebemos de uma realidade que já desapareceu,
na segunda. Para Gadamer, o que se o historiador apropria-se de elemen-
quer compreender é superior a toda tos linguísticos fictícios para escrever
e qualquer interpretação, isto é, o que história. A partir dessas afirmações de
está registrado na fonte é o mais rele- Koselleck, podemos entender sua his-
vante. Já para Koselleck (2014, p. 107), toriografia como uma das abordagens
o historiador “se serve dos textos ape- do paradigma interpretativo de que
nas como testemunhas para extrair fala François Dosse.

a realidade que existe além deles”,


Reinhart Koselleck (2014) diferencia
pois existem coisas que fogem da in- o historiador de outros hermeneutas,
terpretação estritamente linguística, como o jurista, o teólogo e o filólogo,
daí a relevância do extralinguístico. pois o estatuto do texto para aquele
Mesmo expressando-se através da seria diferente dos demais. O teólogo
linguagem, o historiador reconstrói toma o que está escrito nas escrituras
o acontecimento também com o ex- como verdade. O filólogo concederá
5 Esta passagem, no livro Historia y hermenéutica, encontra- um peso ao texto que está trabalhan-
-se na página 104: “La lingüisticidad que la hermenéuti-
ca emplaza en el centro no es sólo la de los textos; por tal do, ainda mais se for uma obra poéti-
entiende igualmente la condición del ser fundamental de
todo actuar y crear humanos” (GADAMER & KOSELLECK, p. 6 Cf. Koselleck (2014, p. 247), res factae: fato; res fictae: inven-
104). ção (ficção).

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ca. O jurista interpreta a lei de acordo filosóficas de seu tempo” (PEREIRA,


com as limitações impostas pelas si- 2004, p. 52).
tuações específicas a que está subme-
tido, como ao ter que decidir o tempo
de uma pena. Há um limite mínimo e
máximo imposto a ele. Já o historiador A História dos conceitos e sua
não deve considerar que, ao interpre- prática
tar o seu documento, seguindo ape-
nas os elementos da linguagem pre-
sentes nele, ele descobrirá a realidade, Na História conceitual, há uma pre-
isto é, ele utiliza a fonte para extrair a ocupação de estudar o pensamento
realidade que existe além dela, anali- político levando em conta o arcabou-
sando criticamente o documento sem ço conceitual que o cerca e os usos
se tornar refém do mesmo. linguísticos dos atores políticos envol-

Para além das diferenças entre Ga- vidos. Outras preocupações teórico-
damer e Koselleck, podemos notar -metodológicas são: a diferenciação
alguns traços em comum entre as entre palavra e conceito, a inserção
duas abordagens, começando pelas no contexto, os conceitos contrários,
interpretações (mesmo que distintas) a consciência da importância da lin-
da filosofia heideggeriana. Koselleck guística, mesmo que se enfatize a dis-
(2014) chega a admitir que a pesquisa tância necessária para a História e a
histórica e a produção narrativa histó- coexistência de significações antigas
rica pertencem ao mundo hermenêu- e “modernas” de um conceito (e as
tico, visto que a interpretação e a sub- camadas temporais). Os estudiosos
jetividade do historiador, nesses casos, da História dos Conceitos valorizam
possuem uma grande importância. também a dinâmica das transforma-
Nesse sentido, a historiografia de Rei- ções históricas, e buscam o uso de
nhart Koselleck e a hermenêutica de elementos hermenêuticos para a in-
Hans-Georg Gadamer aproximam-se terpretação dos textos escritos, sem-
ao “mediar o passado, o presente e o pre se apoiando no conjuntural e não
futuro, num saber dialógico e crítico, apenas no textual (FERES JÚNIOR &
ligado a questões políticas, sociais e JASMIN, 2006a, p. 5-38).

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Assim, um conceito se torna fruto do a interpretação, traremos algumas


seu tempo e o tempo fruto dos con- análises em torno do conceito de pacto
ceitos anteriormente constituídos. A social, presentes em algumas fontes do
diversidade de definições possibilita e Primeiro Reinado.
ajuda a perceber as disputas políticas
No periódico Conciliador, do Mara-
em busca da significação correta ou
nhão, que até o seu fim, em 1823, ex-
mais apropriada do conceito. O con-
pressa fidelidade às Cortes de Lisboa e
texto em que o termo polissêmico se
ao rei D. João VI, pudemos perceber o
encontra pode nele ser condensado,
uso constante e diverso do conceito de
ampliando assim a própria polissemia
pacto social. Na publicação do dia 12 de
anterior, o que justifica o esforço de se
janeiro de 1822, o redator afirma que:
fazer uma história dos conceitos. Os
conceitos possuem também sua im- Não achamos nesse Pacto Social a clau-
sula por onde este Governo ficasse obri-
portância anterior ao contexto de dis- gado a respeitar supersticiosamente as
puta, devido a esta constituição prévia antigas formulas de Direito quando as
ter fundamentado a base de sentidos julgasse (ou mal ou bem) desavantajo-
sas ao primeiro dos títulos para que foi
que viriam. Mesmo que as novas signi-
authorisado por huma Sociedade de ho-
ficações nos digam muito sobre a his- mens liberaes, por um Povo, que foi So-
tória inscrita nos conceitos, as antigas beranamente livre em toda a extensaõ da
palavra, athe ás suas ulteriores relações
significações foram muito relevantes
com os poderes legislativo, e executivo da
para que as disputas conceituais em si Naçaõ de que faz parte. Por tanto parece-
ocorressem. Tanto as várias significa- -nos que no Pacto Politico Social, que o
Povo do Maranhão fez no dia 06 de abril
ções recebidas pelo conceito, sua his-
com o Governo que instalou, reduzio ta-
tória (diacronia), quanto os sentidos citamente todos as suas convenções, e
contemporâneos apresentados por clausulas, a esta clausula geral de todos
os Povos, e de todos os Governos livres,
ele (sincronia), são levados em conta
nas suas primitivas instituições. (CONCI-
na história conceitual (KOSELLECK, LIADOR, 1822a, p. 2).
2006a; 1992).
O dia “06 de abril”, ao qual se refere o
Para exemplificar uma abordagem redator, ocorreu em 1821, quando o
histórico-conceitual e sua relação com rei D. João VI, pouco tempo após seu

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retorno a Portugal, jurou as Bases O tema de Koselleck é a “segunda


(proposta) da constituição, acordando modernidade”8 – período no qual se
respeitar a decisão das Cortes. No tre- insere o Primeiro Reinado – que surge
cho acima, podemos perceber a clara na quebra entre o passado, o presen-
referência a um contrato (com o termo te e o futuro, a experiência e a expec-
cláusulas), na verdade um contrato so- tativa. Nela, o passado passa a poder
cial entre Governo e Povo7. Ainda não ser interpretado e/ou reinterpretado
havia uma Constituição, mas o novo a partir do presente e das expectati-
pacto foi firmado a partir do juramen- vas existentes nesse presente que olha
to da proposta de uma constituição. O para o futuro (como o juramento de
fato extralinguístico nessa passagem um projeto de constituição). De fato,
é extremamente importante para a algo simbólico (visto que as Cortes já
compreensão do trecho acima, pois haviam sido convocadas), porém que
um investigador que, ao analisar esta modificou a experiência existente en-
fonte, não souber o que se passou no tre o rei e seus súditos/cidadãos, que
dia 06 de abril de 1821, dificilmente até então existia em Portugal. Da mes-
compreenderá o impacto deste acon- ma maneira, o espaço de experiência,
tecimento no desencadeamento de este passado e presente, pode influen-
todo um processo de legalidade cons- ciar o horizonte de expectativas.
titucional em Portugal e, consequen-
Koselleck (2006b, p. 100) ressalta que
temente, no Brasil. Ou, ainda, sem o
“a história dos conceitos lida com o uso
conhecimento de que o pacto social
da linguagem específica em situações
referido ainda não era representado
específicas, no interior das quais os
por uma constituição materializada,
conceitos são desenvolvidos e usados
mas sim por um juramento, poder-se-
por oradores específicos”9, pois o que
-ia cair em imprecisões.
7 Gladys Ribeiro (2002, p. 323) diferencia Povo e povo, pre- 8 José D’Assunção Barros (2010, p. 65-88) denomina assim
sentes em documentos oficiais e jornais publicados duran- a “modernidade”, período que vai de 1750 a 1850, o mesmo
te o processo de construção da nação brasileira. Segundo ao qual se refere Koselleck em suas obras.
ele, a diferenciação estava além da letra inicial maiúscula 9 Neste texto, Koselleck (2006b) responde a algumas crí-
ou minúscula. Enquanto Povo subentendia cidadãos ativos, ticas recebidas por adeptos do enfoque colingwoodiano
os proprietários, componentes das elites luso-brasileiras, (Escola de Cambridge), e aponta similitudes e confluências
povo se referia aos “não-remediados, pobres, escravos, for- entre a História dos conceitos e aquele enfoque, o que, para
ros ou livres”, alijados do poder político e oprimidos caso se o autor alemão, abriria a possibilidade de os pesquisadores
agitassem. utilizarem ambas

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o autor denomina de extralinguístico tativo, o conceito de pacto social com


– o que está além da linguagem – ins- o sentido de acordo, como na edição
pira os conceitos, assim como estes do dia 14 de maio de 1828, em que o
inspiram o extralinguístico. Essas ob- redator, em resposta a um deputado,
servações nos auxiliam a pensar que deixa claro que: “O Sr. D. Pedro I he
um conceito geral deslocado não di- Imperador por unanime acclamação
reciona experiências; pelo contrário, é dos Povos: eis o grande fundamento
necessário que o mesmo esteja inseri- do nosso pacto social”. Neste trecho,
do em um contexto para ter sentido. podemos perceber a clara simbologia
da “acclamação dos Povos”. Esta seria,
Gabriel Motzkin (2006), ao comentar para o redator, a “Lei fundamental e
sobre A intuição de Koselleck acerca do base de todas as nossas instituições”,
tempo na história, afirma que a noção principal fundamento do pacto social,
de descontinuidade histórica pode o que o legitimaria. E ainda completa:
ser percebida pela análise conceitual, “No Brasil, todos os poderes são de-
pois se a história é marcada por con- legados da Nação” (AURORA FLUMI-
tinuidades e rupturas, estas se refle- NENSE, 1828, p. 1).
tem na linguagem. Inclusive, a pró-
pria linguagem pode originar uma No dia 27 de abril de 1822, o Concilia-
descontinuidade histórica. O período dor (1822b, p. 7) publica um texto de
que temos estudado neste trabalho 16 de fevereiro do mesmo ano, emiti-
é notório para compreendermos este do pela Câmara do Rio de Janeiro, que

processo, pois tanto as mudanças e dizia: “o Brazil quer tão bem sahir no

permanências ressignificam os con- Pacto Social que V. Magestade está

ceitos, como certos conceitos refletem celebrando, com condições em tudo


iguaes a Portugal: quer ser irmão des-
expectativas ou são indicadores de ex-
te, e não filho: Soberano como Portu-
periências idas.
gal, e nunca subdito, independente
No A Aurora Fluminense – periódico pu- finalmente como ele, e nada menos”.
blicado entre 1827 e 1834, no Rio de Novamente podemos ver pacto social
Janeiro – também encontramos, a par- como sinônimo de acordo, contrato.
tir novamente de um esforço interpre- Outro conceito importante que po-

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demos destacar nesta citação é o de que sofre o conceito em questão. Ree-


“Soberano”, ou soberania pois, como laborações e ressignificações, como as
aponta Koselleck (1992, p. 139), a par- apontadas acima, são características
tir de fins do século XVIII, quem passa do constitucionalismo luso-brasileiro
a ser soberano é o Estado e não mais do período estudado.
o rei. A sociedade civil, composta pela
união dos cidadãos/súditos – por meio Como pudemos perceber nos exem-
do pacto social – transfere o poder po- plos, os conceitos carregam cargas
lítico para o Estado. semânticas para além do contexto
em que são utilizados. Estas cargas
A maioria das vezes que o termo pac-
podem representar permanências es-
to social é empregado nos dois jornais
truturais, além das apreendidas em-
citados, tem o sentido de acordo tá-
piricamente, pois “um conceito não é
cito ou contrato, como pudemos ver
somente o indicador dos conteúdos
acima. Entretanto, também encon-
compreendidos por ele, é também
tramos o conceito de pacto social como
seu fator” (KOSELLECK, 2006a, p. 109).
um sinônimo de Constituição, como
no Conciliador de 01 de março de 1823 O conceito possibilita horizontes e ao
(p. 4), ao falar do “Juramento da nossa mesmo tempo pode limitar experiên-
Constituição política, do nosso Pacto cias.
social, base fundamental da nossa fe-
Koselleck esforça-se em demonstrar
licidade, e thesouro precioso de ricos
que sua Teoria da História não consis-
bens”. No A Aurora Fluminense de 08 de
te em uma ferramenta subsidiária da
janeiro de 1830 (p. 2), podemos ob-
servar uma referência mais direta que hermenêutica filosófica. Contudo, nas
a do Conciliador. O redator afirma que obras do autor que analisamos, inclu-
“o simples acto de adhesão á Indepen- sive no texto em que Koselleck rebate
dencia, sem os outros quesitos exigi- as críticas de Gadamer, o historiador
dos no art. 6º §. 4º. do Pacto Social, não alemão evidencia uma importante
constitue o Cidadão Brasileiro”. O ter- perspectiva interpretativa, inserida
mo pacto social substitui e, aqui, tem o no aporte teórico-metodológico da
mesmo valor que Constituição políti- história conceitual e das categorias
ca, evidenciando a clara reelaboração históricas de “espaço de experiência”

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e “horizonte de ex- cisões individuais de


O debate historiográfico
pectativas”. Estas re- oradores no tempo”
estabelecido ao longo deste
presentam uma inte- (KOSELLECK, 2006b,
trabalho é importante
ressante abordagem p. 105). Uma vez que
historiográfica para
pois, a partir dele, o vocabulário político
o estudo da segunda pudemos refletir sobre se modifica pelo de-
modernidade as diferentes abordagens senvolvimento de um
que veem na interpretação processo, o contexto
uma possibilidade sócio-político, os sig-
viável, distanciando-se, nificados formais e a
Considerações evidentemente, da busca intenção do agente
finais pela suposta verdade. político devem ser le-
A partir desse debate, vadas em considera-
reafirmamos a relevância ção ao analisarmos os
O problema da dia- do estudo deste tema. A conceitos políticos10.
cronia e sincronia história, escrita por um O debate historiográ-
aqui apresentado
historiador que, como fico estabelecido ao
contrapõe os signifi-
evidenciamos, parte de longo deste trabalho é
cados dos conceitos
um lugar social próprio importante pois, a par-
existentes na história
e carrega seu modo de tir dele, pudemos re-
aos significados exis-
ver o mundo, tem no fletir sobre as diferen-
tentes no uso destes
equilíbrio entre a teoria, a tes abordagens que
conceitos. Nesse sen-
metodologia e a prática sua veem na interpretação
tido, a reflexão sobre
possibilidade. uma possibilidade
a motivação do uso se
viável, distanciando-
soma ao interesse so-
-se, evidentemente, da busca pela su-
bre o significado dos conceitos empre- posta verdade. A partir desse debate,
gados. Entretanto, é necessário salien- reafirmamos a relevância do estudo
tar que a “linguagem do passado, seja
10 Por isso “a tarefa da Begriffsgeschichte [história dos con-
falada ou escrita, tem graus de auto- ceitos] é perguntar que camadas de significado persistem,
são traduzíveis e podem ser aplicadas de novo; que linhas
nomia que não estão sujeitos às de- de significado são descartáveis; e que camadas novas são
acrescentadas” (KOSELLECK, 2006b, p. 107).

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deste tema. A história, escrita por um boas leituras das linguagens presentes
historiador que, como evidenciamos, nas fontes históricas, sejam elas escri-
parte de um lugar social próprio e car- tas, orais ou iconográficas. Como afir-
rega seu modo de ver o mundo, tem no mamos anteriormente, não pretende-
equilíbrio entre a teoria, a metodolo- mos exaurir a discussão sobre o tema,
gia e a prática sua possibilidade. Dessa mas sim contribuir para o estudo do
forma, esta harmonia contribuirá para mesmo.

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