Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Aula 13/14
Ou seja, mesmo o campo intersubjetivo da cadeia significante só pode fazer o sujeito falar
ao petrificá-lo e ao dividi-lo, pois: “se ele aparece de um lado como sentido, produzido pelo
significante, do outro ele aparece como aphanisis” (LACAN, 1973, p. 191). Que o sujeito
deva aparecer do outro lado como aquilo que não se objetiva, como aphanisis, ou seja,
como o que esta em vias de desaparecer, eis algo que deve ser compreendido em todas suas
consequências. Lacan tenta dar conta desta situação fazendo apelo à distinção lingüística
entre sujeito da enunciação e sujeito do enunciado. Em uma frase como, por exemplo, a
clássica “Eu minto”, vemos claramente como o sujeito que aparece no enunciado (este que
mente) não pode se confundir com a posição ocupada pelo sujeito que enuncia (este que
fala a verdade). Esta distinção serve a Lacan para exemplificar como o sujeito pode
transcender o enunciado, colocar-se em um contexto que não está posto pelo enunciado,
mas apenas pressuposto. Desta maneira, ele não será totalmente representado pelas
determinações fornecidas pela linguagem.
5
Idem, p. 517
No entanto, a princípio, parece que estamos em plena contradição. Por um lado,
Lacan insistiria não haver nada como relações à si mesmo pré-linguísticas. No entanto, por
outro lado, ele não deixa de dizer que a entrada no interior do universo da linguagem, na
ordem simbólica que estrutura o pensar, não deixa de produzir uma perda. Em nosso texto,
ele chega mesmo a subverter a fórmula do cogito cartesiano (“Penso, logo sou”) a fim de
afirmar: “Penso onde não sou, logo sou onde não penso” 6. Pode parecer que Lacan faz aqui
uma profissão de fé irracionalista. Algo como: minha verdadeira natureza está lá onde o
pensamento ainda não foi capaz de impor sua ordem e seu sistema. Deveríamos então
retornar a este impensado originário, pois seria a incapacidade de retornar a esta dimensão
do imediato e do impensado que nos faria sofrer.
Mas esta não é a via de Lacan. Se assim fosse, não haveria sentido em se perguntar
sobre “a razão depois de Freud”, mas apenas de um certo irracionalismo freudiano. É para
evitar confusões desta natureza que Lacan não deixa de completar sua frase dizendo: “Eu
não sou, lá onde sou o joguete do meu pensamento; penso no que sou, lá onde imagino não
pensar”7. Ou seja, há um pensamento que está lá, em uma Outra cena, onde o Eu imagina
que não há pensamento algum. Lacan lembra que já Freud falava, de maneira
extremamente significativa, de “pensamento inconsciente”, pensamento que não é acessível
à consciência e que dá forma às formações do inconsciente. Isto significa: há um
pensamento que não pode ser pensado a partir do sistema de regras, normas e leis próprias à
linguagem da consciência. Já vimos como Lacan insistia que as formações do inconsciente,
em especial os mecanismos oníricos com seus processos de condensação e deslocamento,
são estruturados como uma linguagem. Daí uma afirmação chave como: “O inconsciente
não é o primordial, nem o instintual e de elementar ele conhece apenas elementos
significantes”8. Mas estaria Lacan dizendo algo como: há a linguagem da consciência, com
seu sistema próprio de representações e de constituição de objetos, e há a linguagem do
inconsciente, que não opera por representações e que desconhece a fixidez própria à noção
de objeto? Lembremos como, em nosso texto, Lacan propõe uma certa interpretação
estilística do inconsciente, isto ao ler os mecanismos de defesa, tais como eles são escritos
por Otto Fenichel, como figuras da retórica e tropos lingüístico. Assim, ao invés de falar de
isolamento, repressão, inversão, Lacan preferirá falar de perífrase, elipse, digressão, ironia,
litote etc.
Se este for o caso, não há como deixar de notar a existência de um problema de
difícil equação. Ele é enunciado pelo próprio Lacan: “O que pensa assim em meu lugar é
um outro eu?”9. Pergunta fundamental por questionar se existiria algo como um Eu
profundo para além de um conceito alienado de Eu. Se assim fosse, resolveríamos um
problema, a saber, a injunção de não aceitar relações à si pré-linguísticas, mesmo admitindo
que a sujeição à linguagem que estrutura a ordem simbólica social, com seus lugares e
divisões, produz algo que só pode ser pensado através de um outro regime de linguagem.
De fato, por vezes parecer ser este o caminho de Lacan. Um exemplo privilegiado
aqui seria seu conceito de sintoma. O sintoma faria apelo à existência de uma outra cadeia
significante que insiste na cadeia que compõe o texto do pensamento da consciência, já que
ele é um significante que ocupa o lugar de um significante recalcado. Na dimensão do
6
Idem, p. 517
7
Idem, p. 517
8
Idem, p. 522
9
Idem, p. 523
sintoma, a metáfora é solidária de uma operação de recalcamento de significantes.
Podemos encontrar tal estrutura do sintoma na seguinte afirmação sobre a metáfora:
10
LACAN, E., p. 708
11
Idem, p. 524
O desejo como regra
Neste sentido, a clínica lacaniana só poderá ser uma certa forma de crítica da alienação.
Proposição que nos leva diretamente a um problema, já que quem diz alienação diz perda
de uma essência. Mas se o Eu é o resultado de um processo social de identificação, então só
posso falar em alienação de si se aceitar a existência de algo, no interior do si mesmo, que
não é um Eu, que é uma certa essência recalcada pelo advento do Eu. Digamos que é neste
Si mesmo estranho ao Eu, um Si mesmo que Lacan chama de “sujeito”, que encontraremos
o desejo. A este respeito, Lacan chega a criar uma dualidade entre moi (o Eu produzido pela
imagem do corpo) e Je (o sujeito do desejo), isto para falar da: “discordância primordial
entre Eu [moi] e o ser [do sujeito]” 12. Esta discordância entre o Eu e o sujeito do desejo é
fundamental. É por isto que o sujeito em Lacan é irremediavelmente descentrado, ou seja,
ele nunca se confunde com o Eu.
Por sua vez, o conceito lacaniano de desejo virá de Alexandre Kojève. Podemos
dizer que, para Kojève, a verdade do desejo era ser pura negatividade que desconhece
satisfação com objetos empíricos. “Revelação de um vazio” 13, manifestação do negativo no
sujeito, o desejo seria “nada de nomeável” 14. Daí porque Kojève insistirá que o desejo
humano não deseja objetos, ele deseja desejos, ele só se satisfaz ao encontrar outra
negatividade. A este desejo que sempre se manifesta como inadequação em relação a todo
objeto, Lacan dará o nome de “desejo puro”.
De fato, Kojève foi, ao menos neste ponto, fiel à intuição hegeliana de insistir que a
primeira manifestação da subjetividade é uma pura negatividade que aparece inicialmente
como desejo. Ao articular desejo e negatividade, Hegel vincula-se a uma longa tradição que
remota a Platão e compreende o desejo como manifestação da falta 15. No entanto, já em
Hegel esta falta não é falta de algum objeto específico, falta vinculada à pressão de alguma
necessidade vital, tanto que o consumo do objeto não leva à satisfação. A falta é aqui um
modo de ser do sujeito, o que levará Lacan a falar do desejo como uma “falta-a-ser”. Um
modo de ser que demonstra este indeterminação fundamental do sujeito moderno, esta
liberdade manifestada pela ausência de essência positiva que faz com que ele nunca tenha
correlação natural com atributos físicos, nunca seja completamente adequado às suas
representações, imagens e papéis sociais. É pensando nisto que o jovem Hegel chamará o
homem de “a noite do mundo”.
Atualmente, há várias críticas que visam esta concepção lacaniana do desejo como
negatividade. Uma das mais conhecidas vem de Gilles Deleuze (1925-1995), para quem tal
noção de desejo seria, no fundo, a tentativa de implementação clínica de uma espécie de
teologia negativa que só poderia produzir uma certa moral da resignação infinita, um
retórica da perpetuação da falta, da finitude absoluta. Pois, segundo Deleuze, “não falta
nada ao desejo, não há objeto que lhe falte”16. Ele é antes a manifestação produtiva de uma
vida em expansão. No entanto, questionamentos desta natureza são falhos por ignorarem
que a negatividade do desejo lacaniano visa, entre outras coisas, criticar o caráter normativo
de toda tentativa de construir relações de identidade imediata entre o desejo e seus objetos.
12
Jacques Lacan, Escritos (Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1996), p. 188
13
Alexandre Kojève, Introdução à leitura de Hegel, p. 12
14
Jacques Lacan, SII, p. 261
15
Sobre este ponto, ver “Hegel e o trabalho do desejo” Em: Vladimir Safatle, A paixão do negativo (São
Paulo; Unesp, 2006)
16
Gilles Deleuze e Félix Guatarri, L´anti-Oedipe (Paris : minuit, 1969), p. 34
Normatividade a respeito da qual não conseguimos escapar quando afirmamos nada faltar
ao desejo. Não é a “finitude” que interessa a Lacan, mas a noção de que há algo no sujeito
que só se manifesta de maneira negativa, como se a negatividade trouxesse uma forma de
presença daquilo que desconhece imagem. No entanto, esta negatividade deve ser
compreendida não de maneira transcendente, mas ligada àquilo que existe antes da entrada
do sujeito no universo da linguagem, a saber o corpo libidinal e polimórfico. Esta
polimorfia do corpo
20
Ver, por exemplo, FRIE, Methapor and Aesthetic experience in Subjectivity and Intersubjectivity in
Modern Philosophy and Psychoanalysis, Lanham: Rowman and Littlefield, 1997, pp. 147-154
21
LACAN, E., p. 890
22
LACAN, E., p. 708
23
LACAN, E., p. 528
verossimilhança, abre a diversidade de objetivações a serem verificadas de uma
mesma coisa24.
24
LACAN, E., p. 805
25
LACAN, S IV, p. 294
26
No entanto, é verdade que Lacan desliza de maneira sintomática em direção à idéia da metáfora como
negação do real. Pensemos, por exemplo, em sua afirmação a respeito do caráter metafórico próprio ao
trabalho do Witz: "Tudo o que Freud desenvolve na sequência [de suas considerações sobre o Witz] consiste
em mostrar o efeito de uma nadificação, o caráter verdadeiramente destrutivo, diruptivo, do jogo de
significante em relação àquilo que podemos chamar de `existência do real`” (LACAN, S IV, p. 294). Mas, se
a metáfora é negação do real, então o real terá o mesmo estatuto do empírico. No entanto, podemos tentar
compreender esta afirmação de Lacan dizendo que o real é o que, na referência, apresenta-se como fora da
simbolização. Ele não se confunde totalmente com a referência (já que a referência sempre é intuída através
do Imaginário). Ao contrário, ele indica o que, na referência, não se esgota na imagem e no significante.
Lacan é muio claro neste sentido quando afirma: “O referente é sempre real, pois ele é impossível de ser
designado, não restado assim outra coisa a não ser construí-lo” (LACAN, S XVIII, sessão do 20/01/71)
Assim, o jogo significante pode ter um efeito de nadificação do real porque ele perpetua o real como o que
resta fora da simbolização.
falar, a respeito da relação entre metáfora e referência: "nós encontramos aí o esquema do
símbolo como morte da coisa"27.
Isto permite a Lacan mostrar como a linguagem é feita de significantes puros, ao
invés de ser feita de signos. Por pressupor a negação da referência, a metáfora se coloca
como significante puro desprovido de força denotativa. Significante que produziria sentido
através de uma : “conotação pura e simplesmente liberada da denotação” 28. Este é o ponto
central para Lacan : simbolizar através de metáforas significa necessariamente simbolizar
através de significantes puros que são a negação do empírico. Eles são a formalização da
inadequação da linguagem às coisas sensíveis, tal como vemos na afirmação:
34
LACAN, S III, p. 23
35
LACAN, S XXII, sessão de 18/03/75
36
LACAN, Discours de Tokio, conferência não-publicada
37
Podemos falar em força perlocucionária da metáfora lacaniana porque, através de sua enunciação, ela é
capaz de realizar um ato que produz efeitos no enunciador e neste que recebe a palavra. Neste sentido,
Lacan faz uma espécie de uso clínico da idéia de Austin segundo a qual: “Dizer algo normalmente provoca
certos efeitos sobre os sentimentos, pensamentos, atos do auditório ou deste que fala ou mesmo de outras
pessoas. E podemos falar no intuito, na intenção ou no propósito de suscitar tais efeitos (...) Chamamos tal ato
de um ato perlocucionário ou uma perlocução"(AUSTIN, Quand dire c'est faire, Seuil: Paris, 1970, p. 114).
Vários comentadores já fizeram tal aproximação entre a estrutura lacaniana da metáfora e os problemas dos
performativos em Austin. Ver, por exemplo, FELMAN, Le scandale du corps parlant, Paris: Seuil, 1980,
BORCH-JACOBSEN, Lacan: the absolute master, Stanford: Stanford university Press, 1991, pp. 143-146,
FORRESTER, Seductions of psychoanalysis, Cambridge: Cambridge University Press, 1991
38
LACAN, S VI, sessão de 19/11/58
Lacan é claro a respeito da força perlocucionária de exemplos desta natureza. A
este propósito, ele falará que: "a unidade da palavra enquanto fundadora da posição de
dois sujeitos é aí manifesta"39. O advento do significante é instauração da realidade
partilhada pelos sujeitos.
Mas, se nos perguntarmos sobre o critério que impede a transformação da
performatividade da interpretação metafórica em simples operação de sugestão, a resposta
só pode ser: a convicção que ela despertaria viria da sua capacidade em ser simbolização
que conserva a negatividade do desejo puro. De onde se segue o papel maior da metáfora
enquanto escritura da inadequação entre designação e significação. Graça a seu caráter de
escritura de inadequação, a metáfora poderia inscrever, no sistema simbólico, a
"permanência transcendental do desejo".
Isto pode nos explicar porque Lacan irá aproximar sua concepção da metáfora da
metáfora surrealista, o mesmo surrealismo que afirma que toda conjunção de dois
significantes seria suficiente para constituir uma metáfora. Como dirá Breton, a respeito do
jogo surrealista do um no outro: "Todo e qualquer objeto está ´contido´ em todo e qualquer
outro objeto"40. Esta formalização estética de uma noção de indiferenciação e de
intercambialidade absoluta do objeto empírico pode servir a Lacan para expor a
inadequação entre a referência e o desejo que habita a língua. Ele serve claramente a Lacan
na medida em que ele procura um dispositivo de simbolização da relação negativa entre a
transcendência do desejo e os objetos empíricos-imaginários.
A fórmula é supreendente por demonstrar que o neurótico é um mal dialético. Ele quer
anular a anulação da coisa pelo significante. Este programa poderia nos levar à sublimação
enquanto modo possível de presença da singularidade, mas, se ele nos leva à neurose, é
porque o neurótico pensa por signos. Ele quer colocar uma correspondência entre a coisa e
48
LACAN, E., p. 691
49
"Algo me supreendeu [na leitura de textos de psicóticos] – mesmo quando as frases podem ter um sentido
nunca encontramos algo que pareça com uma metáfora" (LACAN, S III, p. 247)
50
LACAN, S IX, sessão do 14/03/62
as representações próprias ao pensamento fantasmático do eu (lembremos do julgamento
de existência em Freud como tentativa de reencontrar um objeto fantasmático na
realidade). E se Lacan pode afirmar que o neurótico tenta: “satisfazer, através da
conformação do seu desejo, à demanda do Outro "51, é porque ele quer anular a
incondicionalidade da demanda através da sua objetificação, da sua conformação a um
objeto empírico adequado ao desejo.
No caso do discurso psicótico, a natureza metafórica do significante não é
denegada (com as inversões infinitas de posição e de anulação do posto que a denegação
inaugura), mas simplesmente forcluída. É neste sentido que devemos compreender a
impossibilidade dos psicóticos criarem metáforas. Ao invés de uma construção metafórica,
há uma construção imaginária que preenche a falta e a indeterminação de sentido própria à
metáfora. É neste sentido que a linguagem psicótica adquire uma ‘inércia dialética’, tal
como Lacan insiste ao comentar a significação do delírio.
A respeito dos neologismos que normalmente compõem o delírio piscótico, Lacan
dirá: “É uma significação que não envia a nada, a não ser a ela mesma, ela fica irredutível.
O doente sublinha que a palavra tem peso em si mesma"52. Encontramos tal inércia também
nas considerações de Lacan a respeito da economia do inconsciente na psicose. Se é
verdade que, na psicose, o inconsciente não é recalcado, apresentando-se a céu aberto:
“Contrariamente ao que poderíamos acreditar, que ele esteja aí não significa em si mesmo
resolução alguma mas, ao contrário, uma inércia toda particular" 53. Tal significação inerte é
o signo de uma linguagem reduzida à economia imaginária do discurso, linguagem
naturalizada e coisificada, já que ela não dispõe da dimensão do Outro. Trata-se de uma
linguagem na qual o Outro está reduzido ao outro, o que produz uma suplementação do
Simbólico pelo Imaginário54. Lacan constrói sua teoria da psicose através da idéia de uma
redução do desejo ao imaginário devido à forclusão do Nome-do-Pai (que também deve
ser compreendido como a forclusão do caráter metafórico do pai). “Lá onde a palavra
[metafórica] está ausente”, dirá Lacan, “lá se situa o Eros do psicotizado"55.
Ainda sobre esta inércia própria à linguagem psicótica, lembremos que Freud
caracterizou tal linguagem como: “uma linguagem que trata as palavras como coisas”56.
Consideração ilustrada pelo exemplo da analisanda de Victor Tausk, conduzida à clínica
51
ibidem
52
LACAN, S III, p. 43
53
LACAN, S III, p. 164
54
Deriva-se daí a impossibilidade de uma mediação simbólica da alteridade. Um acontecimento da ordem da
alteridade só pode ser assumido como identificação imaginária, com as consequências de desintegração do
corpo próprio, explosão de rivalidade sob a forma de delírio de perseguição e de anulação dos regimes de
identidade que sustentavam uma certa establidade pré-psicótica. Neste sentido, podemos compreender porque
Schreber nunca integrou espécie alguma de figura feminina e por que o surto psicótico se deu à ocasião da
realização da identificação imaginária com a figura feminina através da afirmação: “seria bom ser uma mulher
no momento do coito”. Identificação resultante da descoberta de sua impossibilidade em ser genitor.
55
LACAN, S III, p. 298. Hoje, discute-se a existência de casos de psicose que não estão necessariamente
vinculados à forclusão do Nome-do-Pai. Fala-se assim de neo-surto (néo-déclenchement) e de psicose
oridinária a fim de insistir na sua diferença com a psicose ‘extraordinária’ fundada na conjunção entre
forclusão do Nome-do-Pai e anulação do poder de simbolização do Falo (Ver, por exemplo, ECF,
Conversation d'Arcachon - cas rares. Les inclassables de la clinique, Paris: Agalma, 1997). Se esta
perspectiva estiver correta, ela exigirá uma reconsideração da relação entre Lei e psicose, assim como dos
modos de suplementação do Nome-do-Pai. No entanto, a análise desta perspectiva escapa aos propósitos deste
livro.
56
FREUD, GW vol. X, p. 298
após uma disputa com seu amante e portando a seguinte reivindicação: “Meus olhos
(Augen) não estão como devem estar, eles estão revirados (verdreht)”. Resultado da
coisificação da metáfora: “meu amado é um hipócrita, um Augenverdreher”. Pois, se Freud
afirma que, na esquizofrenia, há a predominância da relação de palavra sobre a relação de
coisa, é porque as palavras foram coisificadas.
Assim, psicose e neurose nos mostram como a denegação ou a forclusão da
natureza metafórica da linguagem impedem o reconhecimento intersubjetivo do desejo.
Agora, faz-se necessário compreender como a metáfora pode nos ajudar a descrever os
dispositivos maiores da simbolização analítica que preenchem o papel de fundamentos da
cadeia significante. Tratam-se do Nome-do-Pai e do Falo: significantes que articulam a
diversidade dos modos de sexuação, de socialização e de gozo.
A relação de complementaridade entre estes dois operadores clínicos é evidente, já
que o Pai é o portador do Falo e o Falo é a significação do Nome-do-Pai. Tal relação de
complementaridade leva Lacan a afirmar: “o falo, ou seja, o Nome-do-Pai; a identificação
desses dois termos tendo, em seu tempo, escandalizado pessoas piedosas”57.
Tal discussão sobre o Falo e o Nome-do-Pai serve também para um outro objetivo.
Atualmente, vários críticos acusam Lacan de ter hipostasiado uma Lei simbólica de forte
conteúdo normativo. A partir do momento em que a totalidade dos modos de cura foi
pensada através do fortalecimento da identificação simbólica a uma Lei paterna e fálica de
aspirações universalizantes, Lacan teria anulado a diferença irredutível própria ao desejo e,
conseqüentemente, limitado a multiplicidade plástica de identidades sexuais e sociais.
As colocações mais conhecidas contra as conseqüências deste ‘falocentrismo’
lacaniano vieram de Derrida com o texto O fator de verdade. Para Derrida, o significante
fálico apareceria como um operador de simbolização hermenêutica e de totalização
sistêmica. Ele seria o elemento transcendental capaz de guardar a presença: “É aquilo que
permite, através certos arranjos, a integração do falocentrismo freudiano em uma semio-
linguística saussureana fundamentalmente fonocêntrica”58.
Derrida pode falar de falocentrismo porque a presença do Falo como ‘significante
transcedental’ do desejo produziria a indexação dos circuitos de significantes e desvelaria o
sentido da cadeia. Sentido que sempre seria desvelamento da castração da mulher como
verdade59. Falicizar o desejo seria pois uma maneira de subjetivar a castração e de produzir
um ponto de basta cuja verdadeira função consistiria em impedir a disseminação e a
polissemia capazes de provocar: “sem esperança de reapropriação, de fechamento ou de
verdade, os reenvios de simulacro a simulacro, de duplo a duplo”60. Mas tal leitura pode ser
relativizada se insistirmos no caráter metafórico do Falo e do Nome-do-Pai.
57
LACAN, S XVIII, sessão do 20/01/71
58
DERRIDA, La carte postale, Paris: Flammarion, 1980, p. 506.
59
Derrida chega a falar em “significado primeiro” (Cf. DERRIDA, Positions, Paris: Minuit, 1975, p. 120) a
fim de assinalar o pretenso regime de adequação que estaria presente no sistema simbólico lacaniano.
60
DERRIDA, idem, p. 489