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TÚNEIS NO EXTERIOR CONSTRUÍDOS POR EMPRESAS DE ENGENHARIA BRASILEIRAS

Introdução

Desde o descobrimento do Brasil a História tem ensinado que quanto mais um país exporta, mais riqueza interna produz e
menos vulnerável se torna ao capital externo. Mais recentemente, notadamente nos últimos 50 anos, países que tiveram maior
inserção na economia internacional tiveram também melhor desempenho econômico. A participação do comércio mundial
saltou, neste mesmo período, de 10% para 33% do Produto Interno Mundial, o que demonstra o comportamento da sociedade
mundial, neste mesmo sentido. Finalmente, o movimento da globalização, tão em voga nos últimos anos, segue a reforçar a
tese inicial.

O Brasil não acompanhou o ritmo mundial e segue a discutir estratégias de comércio exterior que possibilitem ampliar de forma
sustentada sua atuação no mercado internacional, de forma a fortalecer posição política e econômica no cenário mundial, bem
como sua avaliação pelas agências de crédito internacional.

A carteira brasileira de exportações se caracteriza pela predominância de bens, o que, nas relações de curto prazo, parece
razoável. Entretanto, estrategicamente, a exportação de serviços como os de engenharia, embora de maturação mais mediata,
possibilita uma maior estabilidade nas relações, além de proporcionar relacionamentos comerciais mais duradouros, alavanca a
exportação de bens industriais e potencializa a exportação de bens que, de forma isolada, não estão inseridos na carteira atual.
Portanto, a implementação de uma política de promoção da exportação de serviços deveria ser inserida dentre as estratégias
de crescimento do país.

O objetivo deste capítulo do livro é mostrar, através dos vários túneis construídos e em construção no exterior, exemplos da
engenharia brasileira de exportação e seu impacto no desenvolvimento de diversos países.

Histórico

A exportação de serviços de engenharia iniciou-se na década de 60, de forma isolada, espontânea, na maioria das vezes sem
planejamento e, por isso mesmo, nem sempre bem-sucedida. A década de 70, marcadamente na sua segunda metade,
caracterizou-se pela forte retração da economia brasileira, com reflexos diretos no mercado da construção nacional. Algumas
empresas, já de forma mais estruturada, partiram em busca de oportunidades no mercado externo. Foi o caso, por exemplo, da
Construtora Norberto Odebrecht que, em 1979, conquistou suas primeiras obras: a Hidrelétrica de Charcani V e os Túneis de
Desvio do Rio Maule (2 túneis de seção escavada de 220 m2 e acabada de 168 m2 – Figs 1 e 2), para o Projeto Hidrelétrico
Colbun Machicura, na região de Talca, no Chile.

Fig 1 – Seção Longitudinal dos Túneis de Desvio do Rio Maule Fig 2 – Seção Transversal dos Túneis

O desafio de engenharia representado por Charcani V não poderia ser maior, tanto pelas dificuldades técnicas e logísticas
numa região de topografia acidentada e geologia imprevisível, quanto pela expectativa do país em torno do projeto.

A hidrelétrica de Charcani V, cuja construção iniciou-se em 1980, está localizada no Departamento de Arequipa, no sul do país,
a 1.000 quilômetros de Lima, e tem uma capacidade instalada de 135 MW. Atende à demanda da região sudoeste do Peru, que
compreende Arequipa, Moquegua e Tacna. Sua construção faz parte do projeto de aproveitamento do rio Chili, integrado por
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cinco usinas - Charcani I, II, III,IV e V, tendo a primeira delas entrado em operação ainda no século XIX, no ano de 1898. A
importância de Charcani V para o abastecimento de energia da região de Arequipa pode ser avaliada pelo fato de que as
demais usinas possuem, em conjunto, 35 MW, enquanto Charcani V isoladamente tem a capacidade de 135 MW (3 turbinas
Pelton de 45 MW).

Encravada no meio de uma cadeia vulcânica, amais de 3.000 metros de altitude, a obra de Charcani V representou um
verdadeiro desafio da tecnologia moderna sob o ponto de vista da hidráulica e da logística. A hidrelétrica tem mais de 90% de
suas obras subterrâneas, dentro do vulcão Misti, de atividade recente, numa região da Cordilheira dos Andes sujeita a abalos
sísmicos que ocorrem várias vezes ao dia (Fig 3). Um teleférico com capacidade para transportar 25 passageiros e 10
toneladas de carga útil foi desenhado especialmente para facilitar e apoiar os trabalhos de blindagem e concretagem dos túneis
e da chaminé de equilíbrio, e para a construção da câmara de válvulas, vencendo um desnível de 600 metros (Fig 4).

Fig 3 – Vista do Vulcão Misti e acampamento Fig 4 – Vista e Detalhe do Teleférico

O aproveitamento hídrico para desenvolvimento energético faz-se através da captação direta das águas do rio Chili na represa
de Aguada Blanca e sua condução, através de um túnel, até Volcancillo, nas encostas do vulcão Misti. Para isso, o projeto
exigiu: obras de tomada de água e câmaras de comportas, túnel de condução, chaminé de equilíbrio, câmara de válvulas,
conduto forçado, casa de máquinas, galerias de acesso, pátios de transformadores e subestações (Figs 5 e 6).

Fig 5 – Esquema Gráfico das Obras Fig 6 – Seções Típicas dos Túneis

O ponto crítico da obra foi o túnel de condução, com 10.081 metros de comprimento, onde as condições geológicas
encontradas, bastante desfavoráveis em relação ao previsto inicialmente, determinaram um acréscimo de 2 mil metros lineares
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de blindagem. As seções deste túnel, em forma circular, foram revestidas em concreto; as escavações têm a forma de
ferradura. Esta foi parte da obra com maior volume de concreto (83.177 m3) e, também, a que exigiu 59.277 m3 de escavações
subterrâneas de alto grau de dificuldade, de um total de 299,698 m3.

A chaminé de equilíbrio,no extremo do túnel, perto de Volcancillo, é totalmente subterrânea, com altura de 91 m e 4 m de
diâmetro interno, revestidos em concreto, que se estreitam na extremidade inferior até alcançar 2,85 m e ajustar-se ao túnel de
condução.

O conduto forçado, com 745 m de comprimento na parte subterrânea e 115 m a céu aberto, inclinação de 52 graus com a
horizontal, foi uma das obras maiores desafios vencidos. A parte subterrânea, com diâmetro médio de 3,70m, foi escavada
integralmente na encosta do Vulcão Misti e além de problemas geológicos, outra dificuldade enfrentada foi a fixação dos trilhos
do equipamento "Alimak modelo STH-5E/EE", usado durante as perfurações das frentes 1 e 3, pois os tirantes comuns não
apresentavam condições de ancoragem. Como solução foram utilizados tirantes de resina. As escavações foram executadas
em três frentes distintas. A primeira frente, correspondente ao trecho subterrâneo inferior, num tramo total de 335 metros, foi
escavada entre jun/81 e mai/82, a partir da casa de máquinas até se atingir a janela de acesso utilizada para remoção do
material escavado no trecho subterrâneo superior,. A segunda frente, escavada aproveitando o acesso à câmara de válvulas,
incluiu um trecho de 115m a céu aberto e os primeiros 150m de trecho subterrâneo superior e foi realizada entre jun/81 e fev/82.
A terceira frente que uniu as demais, num tramo de 259 metros, foi realizada entre jul/82 e nov/82 (Figs 7 e 8). A obra exigiu
11.277m3 de escavações e 9.108 m3 de concreto.

Figura 7 – Seqüência de Escavação do Conduto Forçado Figura 8 – Escavação do Conduto Forçado

A casa de máquinas, de dimensões dignas de uma catedral (70m de comprimento, 40m de altura e 25m de largura) foi
escavada dentro do vulcão Misti, num volume de 47.300 m3, em rocha andesítica, bastante alterada, com falhas, que exigiu
cuidados especiais, entre eles o preenchimento com o uso de material calcáreo.

As galerias de acesso, de descarga e de cabos com comprimento de 373m, 401m e 439m, respectivamente, exigiram a
remoção de 30.000m3 de rocha e areia vulcânica, durante um ano de trabalho, superando todo tipo de dificuldades geológicas e
sísmicas.

A partir da casa de máquinas, a energia foi conduzida a um pátio sob tensão de 138 kV e transportada à subestação de
Socabaya, centro de distribuição e transformação mais importante do sudoeste peruano, para a interconexão com o sistema
elétrico de Arequipa-Cerro Verde.

A construção da hidrelétrica Charcani V, concluída em 1988, contribuiu para o desenvolvimento sócio-econômico da região,
estimulando as atividades de mineração, de indústrias, etc., gerando empregos diretos e indiretos. A obra integrou os
conhecimentos e a cultura de brasileiros e peruanos, associando a engenharia e o gerenciamento brasileiros com a experiência
peruana na construção de hidrelétricas em regiões montanhosas, como é o caso de Charcani V.

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