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EAD

O Auge e a Crise da
Cristandade A Inquisição
A Transição Entre
a Idade Média e a
Idade Moderna 6
1. OBJETIVOS
• Compreender a transição entre Idade Média e Idade Mo-
derna.
• Conhecer a ciência escolástica e a mística medieval.
• Analisar a crise da Cristandade e os movimentos pré-lute-
ranos.
• Conhecer as heresias medievais (cátaros, valdenses, apo-
calípticos).
• Identificar os movimentos de renovação eclesial (mendi-
cantes).
• Interpretar a Inquisição.
• Conhecer a transição da Igreja Medieval para a Igreja
Moderna.
228 © História da Igreja Antiga e Medieval

2. CONTEÚDOS
• Auge e crise da Cristandade (investiduras).
• Heresias medievais (cátaros, valdenses, apocalípticos).
• Movimentos de renovação eclesial (mendicantes).
• Inquisição.
• Transição entre Idade Média e Idade Moderna.
• Ciência escolástica e a mística medieval.
• Crise da Cristandade e os movimentos pré-luteranos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Um estudo organizado com sentido é facilmente com-
preendido e interiorizado. Para que isso ocorra, você
precisa se dedicar a descobrir os princípios e as leis que
ligam as várias partes do conteúdo a ser estudado nesta
unidade. Lembre-se de que esta visão global facilitará o
entendimento dos detalhes e da aplicação prática do as-
sunto aqui tratado.
2) Sabemos que pesquisar e estudar são hábitos que preci-
sam ser criados. Assim como qualquer outra habilidade,
no início, ler e estudar precisam ser atividades realizadas
com dedicação e esforço, até que se adquira gosto e se
torne uma tarefa cotidiana comum. Pesquise!
3) Suas reflexões podem ser úteis na elaboração de sua
monografia ou de futuras produções científicas. Assim,
anote-as no Bloco de anotações disponibilizado na Sala
de Aula Virtual ou mesmo no CD-ROM. Aproveite esta
oportunidade para amadurecer sua aprendizagem sobre
os conteúdos estudados e confrontá-los com sua expe-
riência.

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4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A unidade anterior abordou o tema da Cristandade medieval,
o Cisma do Oriente, o Islamismo e as Cruzadas. Agora, na Unidade
6, última unidade da disciplina História da Igreja Antiga e Medie-
val, você terá a oportunidade de estudar conceitos relacionados
ao auge e à crise da Cristandade medieval, às heresias medievais e
aos movimentos de renovação eclesial, à Inquisição e à transição
entre Idade Média e Idade Moderna, destacando a ciência esco-
lástica, a mística medieval, a crise da Cristandade e os movimentos
pré-luteranos.
Vamos lá?

5. O AUGE E A CRISE DA CRISTANDADE (AS INVESTI-


DURAS)

Apogeu do poder eclesial (as reformas monásticas e


eclesiásticas)
Já vimos nas unidades anteriores que a partir dos papas da
segunda metade do século 11, com destaque para a reforma de
Gregório VII (1073-1085), a Igreja foi se fortalecendo e, com refor-
mas eclesiais e monásticas, foi superando seus principais proble-
mas internos e externos, até chegar no período do auge do papado
com Inocêncio III (1198-1216), período da hierocracia, eclesiocra-
cia ou eclesiocentrismo.
Os aspectos mais marcantes da reforma eclesial foram:
• inves­tidura leiga: leigos ocupando cargos e funções ecle-
siásticos;
• simonia: compra e venda de sacramentos e benefícios
eclesiásticos;
• nico­laísmo: a questão do celibato clerical.
230 © História da Igreja Antiga e Medieval

Com a superação desses problemas, a Igreja direcionou-se


para uma forte estru­turação e domínio temporal da sociedade,
fundamentando-se no sistema de Cristandade, com a expansão do
pensamento da superioridade absoluta de religião cristã sobre to-
dos aqueles que não seguiam os seus ensinamentos e eram infiéis.
Na Cristandade, a Igreja ocupava o centro de toda a vida social, re-
ligiosa, econômica e, principalmente, política da Europa ocidental
e, a partir do fim do século 15, com a expansão ibérica, chegou na
América, África e em algumas regiões da Ásia!
A Cristandade expandiu-se graças, em grande parte, à ex-
pansão e ao trabalho das ordens monásticas.
Vamos conhecer um pouco mais sobre elas!

Reformas monásticas
Como já vimos, na segunda fase da Idade Antiga da Igreja
(séculos 4º ao 7º), surgiram várias Ordens Religiosas no Cristia-
nismo. Elas se desenvolveram a partir do Oriente, e dali, poste-
riormente, se expandiram para o Ocidente cristão. Como muitas
instituições sociais ou religiosas, já na Idade Média, várias dessas
Ordens desapareceram.
Em contrapartida, outras, especialmente a Ordem Benedi-
tina, desenvolveram-se muito, trazendo uma grande contribuição
para a Igreja e ajudando no forta­lecimento do sistema de Cris­
tandade. A Ordem Beneditina teve um grande destaque em todo
este processo. Em 529, São Bento de Núrsia fundou, na Itália, o
mosteiro de Monte Cassino.
Na Europa, aconteceu uma grande expansão de mosteiros e
a regra beneditina, muito precisa e fundamentada no ora et labo-
ra (oração e trabalho), foi, aos poucos, impondo-se sobre as outras
regras do Ocidente. No início do século 8º, com o apoio dos impe-
radores em seus projetos de reforma eclesial, ela foi imposta a todo
o Ocidente e os mosteiros foram fundados em todos os países, nos
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locais mais inóspitos e distantes, levando progresso e novidades re-


ligiosas, agrícolas e culturais para várias regiões europeias.
Entretanto, em muitos mo­mentos, os próprios mosteiros
precisavam ser reformados, pois, com seu crescimento e expan-
são, tornaram-se fontes de riquezas e passaram a ter um poder,
tanto eclesial como político, muito grande.
Além disso, era grande a intromissão dos nobres e, nesta si-
tuação, decaiu muito a vida dos monges, o que provocou a neces-
sidade de reformas.
Assim, des­tacaram-se as reformas:
• de Bento de Aniane, no início do século 9º;
• Lorenense, no século 10º;
• de Cluny, a maior reforma mo­nástica, na França.

Informação–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A reforma mo­nástica de Cluny, na França, foi iniciada por um nobre, Guilherme, o
Pio, de Aquitânia e São Berno, um grande reformador, e expandiu-se pela Fran-
ça, Itália, Es­panha, Inglaterra, Portugal, Alemanha etc. No seu apogeu, foram
mais de 1.500 mosteiros dependentes.
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Nesse mesmo período, novas ordens surgiram:
1) Em 950, São Nilo fundou o mosteiro na Calábria e, de-
pois, assumiu a abadia de Grottaferrata, em Roma.
2) Camaldolenses de São Romualdo, fundados em 982, na
Itália.
3) Valombrosa de São João Gual­berto.
4) Congregação da Cava etc.
Houve, também, as reformas do clero secular, a partir do sé-
culo 11, que iniciaram, em muitas regiões, um tipo de "vida comum"
ou "vida canônica".
Desse modo, com a Reforma Gre­goriana (1073­-1085), foi
fortalecida a autoridade papal e a tentativa de se acabar com a
intromissão leiga dos nobres e príncipes nos assuntos da Igreja.
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Contemporaneamente ao apo­geu da Igreja, surgiram vários


movimentos contra seu poder temporal, os quais exigiam uma
Igreja mais evangélica, pobre, austera, atenta aos mais humildes e
desligadas de toda espécie de po­der e domínio deste mundo.

Apogeu do Papado com Inocêncio III

Inocêncio III (1198-1216) foi um dos maiores papas de toda a história


da Igreja.

Como já vimos na Unidade anterior, as reformas eclesiásticas


tiveram seu auge nos séculos 12 e 13, quando o Papado tornou-se
a maior força política do Ocidente. Assim, após a morte do Papa
Gregório VII, em 1085, seguiu-se uma fase de muita instabilidade:
• os imperadores alemães e, depois os franceses, queriam
dominar a Igreja, os papas e os territórios pontifícios;
• a nobreza romana queria a cidade de Roma livre de toda
a interferência dos imperadores alemães e lutou contra a
presença deles na cidade e, também, não queriam que o
papa fosse o 'senhor da cidade';
• da mesma forma, os papas tentavam conquistar seu es-
paço, defendendo os territórios pontifícios e se impondo
em Roma.
Vamos rever algumas das conquistas de Inocêncio III?
1) restituiu ao papado o poder absoluto sobre o Estado
Pontifício;
2) retomou os "direitos feudais" sobre várias regiões;
3) promoveu a reforma da corte pontifícia;
4) lutou contra vários movimentos heréticos que es­tavam
aflorando na Igreja;
5) apoiou vários movimentos de reforma nas ordens reli-
giosas e a fundação dos franciscanos e dominicanos.

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Durante seu pontificado, influ­en­ciou e controlou a vida polí-


tica ocidental na:
1) Alemanha.
2) França.
3) Inglaterra.
4) Espanha.
5) Portugal.
6) Boêmia.
7) Hun­gria.
8) Dinamarca.
9) Islân­dia.
10) Bulgária.
11) Armênia.
12) Constan­tinopla, quan­do os cru­zados tomaram a cidade,
instau­rando ali um império latino.
O seu pontificado foi uma grande obra de fortalecimento do
poder eclesial.

Informação–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O ponto culminante dessa obra foi o IV Concílio de Latrão, em 1215, que promul-
gou pela primeira vez a doutrina da transubstanciação (no ato da consagração, o
pão e o vinho da comunhão se transformam substancialmente no corpo e sangue
de Cristo).
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Além disso, vale destacar os seguintes acontecimentos:
1) Foram con­denados os val­denses, os albigenses e as dou­
trinas de Joaquim de Fiore.
2) Foi decretada a Inquisição epis­copal, que ordenava a cada
bispo in­vestigar as heresias de sua diocese e extirpá-las.
3) Foi proibido fundar ordens religiosas com novas regras
monásticas.
4) Ordenou-se que fossem criadas escolas nas catedrais
para a educação dos pobres.
5) Foi proibido que os clérigos participassem de teatro, de
jogos, de caça e de outros passatempos semelhantes.
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6) Foi requerida a confissão de pecados por parte de todos


os fiéis, pelo menos uma vez por ano.
7) Foi proi­bida a introdução de novas relíquias sem apro-
vação papal.
8) Ficou estabelecido que os judeus e muçulmanos deveriam
usar roupas especiais, para se distin­guirem dos cristãos.
9) Os sacerdotes ficaram impedidos de cobrar pela admi­
nistração dos sacra­mentos.
Desse modo, muitas outras medidas seme­lhantes foram to-
madas.
Se levarmos em conta que o Concílio fez tudo isso em três
sessões de um dia cada, fica claro que quem tomou essas medidas
não foi a Assembleia, mas Ino­cêncio III, que uti­lizou o Concílio para
referendar as medidas que ele decidira fazer.
Por tudo isso, não resta dúvida de que, com Inocêncio III, o
ideal de uma Cristandade unida sob um só pastor aproximou-se
da sua realização. Não nos surpreende, então, o que esse papa
chegou a dizer (e muito dos seus contemporâneos creram), que o
papa "está entre Deus e o ser humano; abaixo do primeiro e acima
do segundo. Menos que Deus, e mais que o homem. Julga a todos,
mas ninguém o julga" (GONZALEZ, 1978, p. 184-185).
O pontificado de Inocêncio III marcou, na Igreja, o período
da supremacia do poder espiritual sobre o temporal. Essa fase é
confirmada no seguinte discurso:
[...] assim como Deus, o Criador do universo, estabeleceu dois
grandes luminares no firmamento, o maior para presidir o dia e o
menor para presidir sobre a noite; assim ele também estabeleceu
dois lumi­nares no firmamento da Igreja universal [...]. O maior para
que presida sobre as almas, como dias, e o menor para que presida
sobre os corpos, como noites. Estes são a autoridade pontifícia e
o poder real. Por outro lado, assim como a lua recebe a luz do sol
[...]. Assim o poder real recebe da autoridade pontifícia o brilho da
sua dignidade.

Os sucessores de Inocêncio III continuaram a sua obra, tanto


na relação política com os impera­dores como nos assuntos eclesi­
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ásticos. As relações da Igreja com a monarquia alemã foram se en-


fraquecendo e, simultanea­mente, fortaleceu-se a aliança da Igreja
com a monarquia francesa, de modo especial com o rei São Luís IX
(1226­-1270).
Desse modo, o sinal do estrei­tamento da relação e depen-
dência da Igreja com a França se deu com a convocação do Con-
cílio Ecu­mênico de Lyon, em 1274, para fortalecer a reforma ecle-
siástica, buscar ajuda para a Terra Santa e para se tentar a união
com a Igreja Grega, que estava separada da Igreja ocidental desde
o Cisma do Oriente de 1054.
Vale ressaltar que com o Papa Bonifácio VIII (1294-1303) foi
iniciada a fase de decadência do poder temporal dos papas em
função do enfraque­cimento da Igreja.
As nações europeias buscavam o forta­lecimento da auto-
nomia, mais preocupadas com os seus assuntos internos, com o
forta­lecimento das novas classes burguesas em detrimento da no-
breza feudal, com o surgimento do humanismo e da sociedade e
das culturas modernas. Isto também fez com que elas se envolves-
sem menos com questões externas e eclesiásticas.
Assim, Bonifácio VIII não conseguiu dialogar com as novas
realidades que surgiam e nem com o poder político estabe­lecido e
acabou ficando sozinho.
A Idade Moderna começava e a Igreja permanecia à parte,
ten­tando manter as estruturas medievais, antiquadas para a nova
realidade emergente.
Infe­liz­­mente, a atitude de fechamento da Igreja durou até
o século 20. O fruto desse fechamento foi a inse­gurança, o refor-
ço das de­cisões e atitudes intransigentes e, conse­quen­temente,
a perda da capaci­dade de diálogo, de com­preensão, de discerni-
mento e de abertura para o novo.
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6. HERESIAS MEDIEVAIS (CÁTAROS, VALDENSES,


APOCALÍPTICOS)

Heresias medievais
A formação da ortodoxia cristã teve o seu auge entre os sé-
culos 4º e 7º, época dos grandes concílios ecumênicos. Com o Con-
cílio Ecumênico de Constantinopla (680­­-681), terminou a fase das
dis­cussões antigas sobre a dou­trina da Igreja.
Na primeira fase da Ida­de Média (692-1073), em função das­
várias mudanças sociais e eclesiais, especialmente a questão das
instabilidades ocorridas pelas invasões bárbaras e expansão mu-
çulmana, o ambiente não foi muito favorável para a re­flexão teo-
lógica.
Dentre as mudanças sociais na primeira fase da Idade Média,
estão: que­da do império, invasões dos "bár­baros", fortalecimento
do sistema feudal, expansão muçulmana etc.
Assim, não surgiram heresias, mas sim várias discus­sões te-
ológicas sobre a dou­trina cristã que não saíram do am­biente dos
mos­­­teiros e es­colas teológicas: ­
1) questão da Iconoclastia sobre a ve­neração das ima­gens
sagradas, iniciada em Cons­tantinopla e es­clarecida no II
Con­cílio de Niceia, em 787;
2) questão do Filioque, es­sa­ discussão provocou o aumen-
to das­ diferenças entre as Igrejas la­tina e grega e persiste
ainda ho­je;
3) questão do Adocianismo (Jesus teria sido adotado como
Filho de Deus, desde o batismo), sur­gida na Espanha
com os bispos Elipando de Toledo e Félix de Urge e con-
denada no sínodo romano de 798;
4) controvérsia sobre a Pre­destinação, levantada pelo
monge Godescalco, do mosteiro de Fulda, na Alemanha
e condenada em vários sínodos alemães;

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5) controvérsias eucarís­ti­cas que não se referiam à pre­sen­­


ça real de Cristo na Eucaristia, e sim ao modo dessa pre-
sença real, tiveram vários re­pre­sentantes:
• Pascasio Rad­berto.
• Ratra­mno de Cor­bie, no século 9º.
• Berengário de Tours, no século 11.

Filioque: doutrina segunda a qual o Espírito Santo procede do Pai


e do Filho.

Eles foram con­de­nados e o es­cla­re­ci­men­to final veio no IV


Concílio do La­trão, com o Papa Inocêncio III, em 1215, quando foi
apro­vada a dou­trina da "tran­substanciação".
Na segunda metade da Idade Média (1073-1303), a Igreja viveu
a fase do "apogeu do Papado". Uma Igreja forte, rica e po­derosa, que
muitas vezes se con­fundia com os poderes deste mundo e­ estava com-
prometida com a cor­rupção e o luxo. Nesse contexto, surgiram muitos
mo­vimentos que pregavam a renovação da Igreja e sua volta aos tem-
pos primitivos, ou seja, pregavam um Cristianismo, mas pobre, mais
puro e mais fiel aos ideais do Evangelho. Al­guns­ deles perma­neceram
na comu­nhão eclesial e outros romperam com ela.
A partir do século 12, surgiram várias heresias, com forte
apelo po­pular e com um caráter forte­mente an­ti­e­clesiástico. Des-
se modo, as causas do sur­gimento dessas heresias de­vem ser bus-
cadas na decadência da vi­da interior e religiosa, na ri­que­za, na vida
mundana e no luxo dos e­clesi­ás­ticos. Além do aspecto mais ecle­
sial, temos de mencionar a di­minui­ção da autoridade do Papado,
com as lutas deste com os impe­ra­dores.
Finalmente, existem as causas políticas, econômicas e cultu-
rais, de acordo com o que afirma Ribeiro Júnior:
Do século XI ao século XIII, a expansão econômica da Europa, a reu-
nião nas cidades de merca­dores e das classes pobres, mais orga­
nizadas (tecelões, artesãos, mi­nei­ros etc.), pro­porcionaram, por
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toda parte, o aparecimento de mo­vimentos populares, os quais


de­ram­ origem a várias heresias e levaram a Igreja e o poder civil a
montarem um violento aparelho re­pressivo, uma vez que, para a
so­ci­edade feudal cristã, a heresia que­brava as ordens divina e so-
cial, alicerçadas sobre o juramento de fidelidade do vassalo a seu
senhor. A heresia nem sempre nasce da dúvida intelectual, co­mo
ocorreu nos­­ séculos anteriores. Surge, tam­bém, das con­dições so-
ciais, econômicas e políticas; da oposi­ção das clas­ses a uma outra
domi­nante. Assim, praticamente todas as heresias medievais esta-
vam li­ga­das a fatores sócio­-eco­nômicos. Os cultos da pobreza e da
vida co­mum­ re­pre­sen­tavam não só uma es­­­­piritualização das con-
dições ma­­­­­­te­riais e­xistentes mas também uma reação contra o luxo
e a ri­que­za nascidos do desenvolvimento do capitalismo. A luta de­
ten­dência anti­feudal, anticlerical e anti­-sa­cramental que se desen-
volveu nes­se período foi uma luta de opri­midos con­tra o­ re­gime
feudal, o e­piscopado aristocrático e as ins­titui­ções religiosas exclu-
sivistas e ambiciosas, mas uma lu­ta­ tra­du­zida no discurso da época,
que era um discurso te­ol­ógi­co (1989, p. 62-63).

Nesse contexto, as heresias sur­­giram e se expandiram com


grande apoio po­pular. Destacamos a seguir as principais heresias
deste período:
1) Cátaros (puros) ou albigenses (da cidade francesa de
Albi): he­resia proveniente do dualismo maniqueu (luta
entre o bem e mal, Deus e o Diabo, com vitória de Deus
no fim dos tempos) oriental e do leste europeu que se
fixou em vários países, es­pecialmente na França. Eram
ad­mirados por causa de sua aus­teridade e do combate
às riquezas dos clérigos. Sua doutrina se ba­seava no du-
alismo e rejeitava tudo o que era material:
a) pro­priedades privadas;
b) casamentos;
c) carne;
d) tra­ba­lho;
e) guerra;
f) negavam o valor redentor da ressurreição de Jesus e
ensinavam que Ele só teve um corpo aparente e foi
o mais puro dos espíritos;
g) praticavam jejuns, ascetismo rigoroso e o suicídio
era um ideal de santidade.

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• Condenados no III Concílio do Latrão, em 1179,


foram desaparecendo com as Cruzadas movidas
contra eles e pela ação da Inquisição. Motsegur,
a grande fortaleza cátara no Languedoc francês,
caiu no ano 1244.
• Del Roio escreve assim sobre eles:
A mais importante heresia que o papado combateu, se considerar-
mos o número de adeptos que arregimentou, foi a dos cátaros, cha-
mados igualmente de albigenses, devido a um dos seus redutos, a ci-
dade francesa de Albi. As posições teológicas do catarismo são pouco
conhecidas. Seus documentos originais foram destruídos e chegaram
até nossos dias apenas os atos de processos forjados com base nas
calúnias dos adversários [...]. Aos fiéis, cabia o dever do ascetismo,
o afastamento das riquezas e prazeres mundanos, considerados ar-
madilhas do mal para manter os humanos ligados à matéria [...]. O
crescimento da heresia deu origem a várias estruturas organizativas,
com subdivisões dentro da comunidade com o nome de auditores,
crentes e eleitos. Estes, representando o grau maior de pureza, inclu-
íam as mulheres e tinha funções similares às de sacerdotes. As mui-
tas ruínas de seus templos apresentam indícios de que praticavam
ritos esotéricos de difícil compreensão. Devessem ou não os cátaros
ser considerados cristãos, o fato é que com eles nascia no Ocidente
latino, no final do século XII, uma igreja alternativa à de Roma. Coube
ao papa Alexandre III (1159-1181) lançar o anátema sobre os cátaros
(1179) e pedir a formação de uma cruzada para combatê-los. Era um
salto qualitativo, as cruzadas realizadas até então tinham-se voltado
contra os não-cristãos, religiões situadas nas fronteiras externas da
cristandade(1997, p. 72-74).
2) Valdenses: fundados por um rico comerciante francês,
chamado Pedro Valdo, que se converteu em 1173, e dis-
tribuiu seus bens aos pobres, levou vida penitente pre-
gando a Palavra de Deus de forma itinerante e, com seus
discípulos, formou um grupo chamado de os pobres de
Lyon. Para ele, a vida pura do Evangelho estava intima-
mente ligada à opção pela pobreza e no serviço aos po-
bres. Proibido de pregar pelo bispo de Lyon, con­seguiu
a permissão de fazê-lo do papa Alexandre III, no ano
de 1179. Ao dirigir críticas, porém, contra a corrupção
do clero, a situação piorou. Foi excomungado em 1184,
através de decreto do papa Lúcio III, que atingiu também
outros radicais hereges. Não se sabe como Pedro Valdo
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morreu, mas parte de seus seguidores per­maneceram


fiéis à Igreja, e parte optou por uma vida fora da Igreja e
muitos se uniram aos hereges cátaros. Os pontos princi-
pais da doutrina valdense eram esses:
a) re­jeitavam a Igreja visível;
b) re­jeitavam os sa­cramentos, menos a Euca­ristia;
c) exigiam a supressão dos dízimos e do serviço militar;
d) apreciavam muito a Bíblia.
No século 16, uni­ram-se aos calvinistas e existem até
hoje, como Igreja organizada, na Itália, Suíça, Argentina
e Uruguai.
3) Petrobrussianos: discípulos de Pedro de Bruis, que pre-
gou sua doutrina na França, no início do século 11. Ba-
seando-se num funda­mentalismo evangélico, criticavam
a hierarquia eclesiástica e alguns aspectos da doutrina
cristã. Eram contrários ao batismo de crianças, à cons-
trução de Igrejas, à missa, e pregavam a desobediência
ao clero e à hierarquia. Para os Petrobrussianos, deve-se
rezar em qualquer lugar.
• Pedro foi assassinado em 1124, quando fazia um
churrasco com o fogo aceso sobre cruzes queimadas
e teve sua doutri­na condenada, em 1139. Foram seus
discípulos:
• Henrique de Lau­san­ne;
• Tanquelmo de Brabante Eon de Stella.
4) Irmãos Apóstolos: fundados por Geraldo Segarelli, em
1260, e por Frei Dolcino de Novara. Pregavam uma po-
breza rigorosa e romperam com a Igreja e, em 1370, fo-
ram exterminados por um exército cruzado.

Geraldo Segarelli foi queimado em 1300 e Frei Dolcino de Novara,


em 1307.

5) Arnaldo de Bréscia: foi um cônego agostiniano, refor-


mador eclesial e grande asceta, com propensão ao fa-

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natismo e radicalismo. Criticou as riquezas da Igreja, sua


mundanidade e seu poder temporal; foi condenado no
Concílio do Latrão, em 1139. Em Roma, liderou um mo-
vimento político que queria o afastamento do Papa da
cidade e foi enforcado em 1155.
• Del Roio assim sintetiza sua vida:
Arnaldo nasceu nos primórdios de 1100 na cidade de Bréscia e pouco
se sabe da primeira parte de sua vida, apenas que era um monge
notabilizado pelos ataques ao seu bispo Manfredo, no qual, critica-
va o alto nível de vida que levava. Exilado, rumou para Paris, onde
travou elevados debates teológicos com Bernardo de CLairvaux, seu
acérrimo inimigo. Convocado a penitenciar-se pelo papa Eugenio III
(1145-1153), chegou a Roma em 1145. Encontrou a cidade rebela-
da contra o papado, exigindo maiores liberdades. Em pouco tempo
transformou-se num dos líderes dos insurretos e porta-voz dos seto-
res mais pobres da população. Sua apreciação sobre a Igreja institu-
cional fez-se sempre mais radical. Aos cardeais dizia que [...] as suas
moradias, por soberba, avareza, hipocrisia e muitas outras qualida-
des execráveis, não era a Igreja de Deus, mas um mercado e uma
taberna de ladrões [...]. Nem o papa escapava de suas acusações: [...]
homem sanguinário, que baseava sua autoridade sobre incêndios e
homicídios, torturador de igrejas, perseguidor da inocência [...].
O remédio que propunha era simples: a Igreja devia abandonar suas
riquezas e o poder temporal, entregando-se aos pobres, cumprindo
a sua missão espiritual. Em junho de 1148 foi excomungado e em
1155, vencida a sublevação, depois da volta do papa a Roma, o pre-
gador bresciano foi preso. Entregue ao braço secular, foi queimado
e, provavelmente, antes de colocado na fogueira, estrangulado. Em-
bora declarado herético, na verdade seu crime consistiu em opor-se
ao dualismo que interligava Igreja e Império, poder espiritual e po-
der temporal, que a seu ver degradava a missão confiada por Cristo.
Como ele, mesmo que exprimindo-se numa linguagem menos incen-
diária, pensavam muitos sacerdotes e leigos (1997, p. 70-71).

A Igreja medieval pre­cisava, urgentemente, de uma re­forma.


Ela se enfraquecia politicamente e precisava mudar o seu modo de
se relacionar com a nova sociedade que surgia.
Essas heresias mostraram­ as insatisfações popu­lares e ser-
viram para questionar a estrutura eclesial. Infelizmente, a Igreja
não se desligou dos com­promissos temporais e não resol­veu seus
problemas internos e externos. A crise aumentou e pro­vocou o
242 © História da Igreja Antiga e Medieval

surgimento de si­tuações lamentáveis que tiveram seu ­auge com a


Reforma protes­tante, liderada por Martinho Lutero.

7. MOVIMENTOS DE RENOVAÇÃO ECLESIAL


Os problemas que afetaram a Igreja (crise do papado e luta
com os imperadores, contratestemunho da hierarquia, riquezas e
luxúria eclesiais, investidura leiga, simonia e nicolaísmo) fizeram
com que surgissem movimentos de reforma que conhe­ceremos.
Elencaremos alguns movimentos que surgiram, a partir do
século 11, e que geraram heresias e movimentos unidos à Igreja:
• Os Apocalípticos fundados pelo monge cisterciense Joa-
quim de Fiore (+1202), monge da Calábria, grande refor-
mador da Igreja. Ele escreveu sobre a era espiritual que
deveria ser assumida pela Igreja e se concretizaria naque-
la época; seus escritos tiveram muitos seguidores, inclu-
sive consegui a simpatia do monge e papa Celestino V,
eleito em 1294, com ideal de pobreza e pureza, chamado
de o "papa evangélico", mas que renunciou com menos
de um ano de papado, decepcionado com os rumos da
Igreja e com as pressões dos cardeais.
• As beguinas que surgiram no fim do século 12 nos Países
Baixos e foram fundadas por Santa Bega ou pelo pregador
Laberto, e levavam vida apostólica comum num sistema
rigoroso e sem votos.
• Os Irmãos Pobres da Penitência da Ordem de São Fran­
cisco de Assis ou beguinos, dis­sidentes franciscanos que
pre­ga­vam a renúncia total dos bens ma­teriais; muitos fo-
ram presos e con­denados pela Inquisição; os Fran­ciscanos
Espirituais ou frati­celli, ordem monástica que lutava por
uma­ Igreja pobre e pura.
No contexto da Vida Religiosa Consa­grada, surgiram várias or­
dens que queriam a renovação eclesial: cistercienses de São Roberto

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 243

de Molesme (fundados em 1098, na França e seguidores da regra bene-


ditina e dedicavam bom tempo ao trabalho manual e trouxeram muitas
inovações tecnológicas para a agricultura e um dos grandes represen-
tantes desta ordem foi São Bernardo de Claraval, um dos personagens
mais importantes do Cristianismo do século 13); cartuxos de São Bruno
de Colônia, os premonstratenses de São Norberto de Xantén etc.
Segundo Del Roio, no capítulo em que trata sobre a Deca-
dência da teocracia:
Mesmo em seus piores momentos, governada por homens incapa-
zes, envolvida em guerras e mergulhada na corrupção, a estrutura
da igreja resistiu a todas as tempestades. Em grande parte, esse
desempenho dever ser creditado às ordens religiosas. Diferencia-
das entre sim, elas exerceram uma vasta e multifacetada influência
na sociedade européia, abrangendo, entre outros, os campos mili-
tar, econômico, artístico e universitário. Seu aparecimento deu-se
processualmente, na medida em que novas tarefas e dificuldades
apresentavam-se ao cristianismo romano. Algumas não resistiram
ao tempo, todas conheceram crises e divisões, embora tenham re-
presentado parte importante na história da Igreja (1997, p. 85).

Mas o maior movimento de renovação eclesial foi o dos


mendicantes, no­me dado a várias ordens religiosas que surgiram
nos séculos 12 e 13 e pregavam a pobreza total da Igre­ja, dos mos-
teiros e dos monges (frades-irmãos), que viveriam na pobreza, na
aus­te­ridade e na mendicância.
Del Roio situa o contexto de surgimento dos mendicantes
desta forma:
Se fosse possível a um cristão latino, no início de 1200, proceder
uma análise objetiva da realidade de sua Igreja, motivos não falta-
riam para que ficasse muito preocupado. Os cruzados em retirada,
inexistência quase completa de casos de conversão de islâmicos ao
cristianismo, freqüente conversão de cristãos ao islamismo, expan-
são das heresias, preferência dos hereges à morte mais dolorosa a
ter que abandonar seus próprios princípios, perda da capacidade
de sacrifício entre os cristãos romanos, tudo isso evidenciava a ur-
gência de se encontrarem novas formas de comportamento e de
expressão religiosa na Igreja romana. A chama para essa mudança
surgiria com Giovanni di Pietro de Bernardone, também chamado
de Francisco (1997, p. 89-90).
244 © História da Igreja Antiga e Medieval

Vejamos agora algumas ordens religiosas:


1) Franciscanos: fundados por São Francisco de Assis (1181-
1226), um dos santos mais co­nhe­cidos da Igreja por sua
po­breza e austeridade. Nas­cido no apogeu do Papado, o
pe­ríodo no qual a Igreja esteve mais com­prometida com
os po­deres des­te mundo e com as ri­quezas. A­pro­vados
em 1223, aju­daram na re­for­ma da Igreja, no ser­viço aos
po­bres, nas missões e nas universi­dades cristãs recém-
fun­dadas:
Filho de família rica da cidade de Assis, região umbra da Itália, deci-
diu entregar-se à vida em total pobreza, tal como Valdésio de Lion.
Aos que o chamavam de louco, respondeu: "aquela que era o mais
rico de todos me escolheu, junto com sua beatíssima mãe, viver na
pobreza". Nele se concentravam todas as contradições da cristan-
dade latina. Se os leprosos eram considerados malditos, intocáveis,
viveria junto a eles. Se a natureza era vista como inimiga que assus-
tava o homem medieval, Francisco inverte essa posição a ponto de
tratar o lobo, animal mais temido da época, como irmão. Se a mu-
lher era considerada como inferior e perigosa, ele se apresenta ao
lado de Clara de Assis e a trata como uma igual. Viajará até o Egito,
onde manterá boas relações com o sultão e pronunciará discurso
duro contra os cruzados e seus crimes.
Acompanhado por um grupo de seguidores, visitará Roma em 1210
e obterá de Inocêncio III aprovação oral para a primeira versão das
regras da ordem que pretendia fundar. Exigia daqueles que preten-
diam militar em suas fileiras uma vida em pobreza, simplicidade e
disposição para uma existência peregrina, sem habitação definitiva,
em favor das crianças e dos mais humildes. Pouco antes de mor-
rer, diz a tradição, rebentaram em seus corpos feridas semelhantes
às de Cristo. Com seu desaparecimento, a ordem iria se dividir en-
tre os espirituais, que exigiam coerência como o pensamento e a
ação de Francisco, e os conventualistas, que pediam a atenuação
do rigor das regras, sobretudo no que dizia respeito à opção pela
pobreza, que desejavam fosse substituída pelo direito à posse de
bens em comum. Apesar do papado ter-se decidido a favor destes
últimos, a divisão subsistiria por muito tempo, ao longo do qual se-
tores consistentes dos espirituais se aproximaram do joaquimismo
(DEL ROIO, 1997, p. 91-92).

• A Regra escrita por Francisco em 1221 foi aprova-


da pelo papa Onório III em 1223. Mesmo com as
divisões internas, a Ordem Franciscana teve uma
expansão extraordinária e no fim do século 13 já
Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 245

tinha mais de 1500 conventos, e nesse período se


destacaram Elias de Cortona, sucessor de Francisco
e São Boaventura. Em 1517, após três séculos de
conflitos internos, foi aprovada a divisão da Ordem
em dois ramos: Irmãos Menores e Irmãos Menores
Conventuais.
2) Dominicanos: fundados por São Domingos de Gusmão
(1170­-1221), contemporâneo de São Fran­cisco. Preocu-
pavam-se com a falta de formação do clero e com a ex-
pansão das heresias. Ajudaram na reforma eclesial, na
formação do clero e no combate às heresias:
Domingos, pertencente a uma abastada família de Castela e for-
mado em filosofia, seria enviado juntamente com os legados pa-
pais à zona hegemoneizada pelos cátaros, com a incumbência de
convertê-los. Anos de insucessos o convenceram da necessidade
de fundar uma ordem, dotada de quadros bem preparados e ins-
truídos, com a finalidade de predicar o evangelho e as verdades da
Igreja entre as pessoas. Acompanhado por apenas seis companhei-
ros, obteve do papa Honório III (1216-1227) o reconhecimento de
sua ordem e a autorização para predicar. Era uma grande novidade,
já que apenas aos bispos era concedida tal prerrogativa. Em 1220,
sob a influência de Francisco de Assis, impôs o voto de pobreza a
seus seguidores. Como os franciscanos, criou uma ordem feminina
e outra leiga. Grandes nomes viriam pertencer a essa ordem, como
Alberto Magno, Tomás de Aquino, Catarina de Siena. Infelizmente,
em 1233 o papa Gregório IX iria delegar aos dominicanos a tare-
fa de servirem à inquisição. Embora apenas um pequeno número
dentre eles tenha cumprido essa determinação, comparados com o
conjunto de religiosos que nela se envolveram, esse fato pesa ainda
hoje como mácula indelével (DEL ROIO, 1997, p. 92-93).
3) Carmelitas: nasceram em Je­ru­­sa­lém, possivelmente a
partir do ere­mi­tério fundado, em 1156, pelo cru­­zado
Berto de Calábria e um gru­­po de companheiros. Trans­
fe­riram-se para a Europa e se dedicaram às missões e à
formação do povo.
4) Mercedários: fundados por São Pedro Nolasco e São
Raimundo Peñafort, em 1222.
5) Servitas: fundados por sete piedosos homens de Floren-
ça, Itália, em 1233.
246 © História da Igreja Antiga e Medieval

6) Trinitários: fundados por São João da Mata. Foram


aprova­dos em 1198.
Assim, a Igreja medieval te­ve muitas luzes, mas também
mui­tas sombras. Dessa maneira, ela apren­deu que sua missão não
pode estar vin­cu­lada aos sistemas e às estru­tu­ras des­te mundo, e
buscar sua for­ça e autoridade na obra de Je­sus Cristo, nas verda-
des do Evan­gelho e­­­ no­ exemplo de tantos cristãos que souberam
"amar a Deus sobre todas as coisas".

8. INQUISIÇÃO
Agora, estudaremos a "inquisição", entidade mais criticada
e mais incompreendida de toda a História do Cristianismo. Ela foi
um tribunal criado pela própria Igreja para combater os hereges
e aqueles que não se adequavam ao sistema da Cristandade me-
dieval. Aprofundando, podemos dizer que ela foi uma instituição,
com aspectos jurídicos precisos, que teve sua atenção voltada para
investigação dos hereges medievais e suas teorias, tendo como ob-
jetivo identificá-los e tomar as medidas para controlá-los e excluí-
los do contexto da Cristandade latina medieval.
O Pe. Giacomo Mar­tina, histo­riador je­suíta, faz um juízo da
Inquisição com es­tas pala­vras, tra­du­zidas do ori­ginal italia­no:
A Inquisição repre­senta um dos pontos nevrálgicos da cristandade me­
dieval, e, em ge­ral, da História da Igreja. É necessário, porém, compre-
ender o espírito que permitiu o seu nasci­mento e desen­volvi­mento: a
intole­rância era comum em toda a Idade Média e a tolerância se afir-
mou fatidica­mente só na idade moderna mais re­cente. A Igreja, pois,
fez uso dos meios que o procedi­mento penal da­quele tempo lhe colo­
cava à dis­posição. Com­pre­­ender isto, porém, não significa justificar ou
absolver. Não temos neces­sidade de justi­ficar a Inquisição medieval e
não o fa­re­mos. A acei­tação de algumas de­­núncias, tam­bém anôni­mas
e a con­servação do segredo acerca de tex­tos pe­sa­dos, a exclusão qua­
se ge­ral de um defensor, a ex­cessiva ex­tensão do con­ceito de here-
sia, a apli­cação da tortura, apesar dos li­mites e cau­telas previs­tos pelo
Di­reito, a pena de morte, são atos tão dis­tantes do ge­nuíno espírito
evangélico: não resta senão re­co­nhecer que, ao me­nos nisto, a ida­de
mo­derna, mesmo com erros e desvios, com­preen­deu melhor as exi­
gências da men­sagem cristã ( 1980, p. 130).

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 247

A Inquisição de­ve ser compre­en­di­da no con­texto his­tórico


no qual ela nas­ceu e se de­sen­volveu. Como sabe­mos, a Inquisição
nasceu e se desenvolveu no contexto do mundo medieval (sécu-
los 12-14), na época em que surgiram muitas heresias contrárias à
Igreja enquanto instituição e na época em que a Cristandade esta-
va no seu apogeu, teve seu período mais forte na Idade Moderna
(séculos 14-17) e foi se enfra­quecendo até desaparecer nos sécu-
los 19 e 20.
Na Idade Antiga, até o início do século 4º, os cristãos resol-
viam internamente os seus problemas, quando surgiam dúvidas
dou­trinais, ou sobre a fé ou proce­dimento mo­ral e comunitário de
um membro da comunidade.
Quando o Cristia­nismo, no Edito de Milão (313), ganhou a
liber­dade de culto e, a partir do Impe­rador Te­o­dósio (392), tor-
nou-se religião oficial do Império Ro­mano, as coi­sas mu­daram.
Os impe­ra­dores e reis acre­ditavam que a u­ni­dade im­pe­rial só se-
ria con­se­gui­da com a unidade reli­gio­sa; por is­so, com­bateram e
perse­guiram todos aque­les que po­diam ferir a união imperial. Nes-
se contexto, mexer ou mudar a or­dem religiosa era o mesmo que
fazê-lo com a or­dem universal que­­­rida e dese­jada por Deus.
Assim, todos os hereges eram con­side­rados co­mo aqueles
que minavam e com­pro­metiam a or­dem religiosa e, conse­quente­
mente, a ordem social; isto fazia com que eles fossem rejei­tados e,
no espírito da intolerância me­dieval, deviam ser banidos do conví-
vio social e religioso, ou seja, condenados e mortos.
Na Idade Antiga, muitos papas, bispos e teólogos cristãos
con­denaram as atitudes violentas do Estado e de setores da Igreja,
que já aceitavam a prática da violência para condenar os hereges.
Na Idade Média, porém, poucos levantaram a voz contra as atitu-
des intolerantes e antievangélicas dos proce­dimentos inquisitórios
ecle­siásticos e reais.
Tentando es­cla­recer mais ain­da essa ques­tão, em que se
funda­mentava essa intolerância me­dieval, o Pe. Gia­como Mar­tina
248 © História da Igreja Antiga e Medieval

(1980, p. 128), na obra anteriormente ci­tada, men­ciona os se­guin­


tes as­pectos:
• Pensava-se que o batizado (no Cristianismo) não pudesse
perder a fé a não ser por própria culpa". En­tão, a here­sia
a­pa­­recia co­mo um er­ro con­tra a ver­dade, mas tam­bém
como um cri­me con­­tra a so­cie­dade, uma ten­tati­va de mu-
dar a or­dem ci­vil, fun­da­da sobre a religião.
• Outra cir­cuns­tância deci­siva foi o renova­do influxo do di­
reito ro­mano que, ao contrário da tradição pa­trís­­tica, se
mostrava muito se­vero com os donatistas e os mani­queus,
comparando a sua culpa a uma alta traição digna de mor-
te. Ino­cên­cio III já se inclina para esta tese, o­bser­vando
que quem re­nega a Cristo co­mete uma cul­pa mais gra­ve
que o delito de lesa-majes­tade, punido com a morte.
• É preciso não esque­cer que dian­te dos casos de lin­cha­
men­to dos he­reges que se veri­fi­ca­vam na Fran­­­ça e na Ale­
manha, era ne­ces­­­sário con­ter e con­­­tro­lar o arbítrio das
massas e regular juridi­camente o proce­dimento contra
os here­ges. Devemos acrescentar que a prática do lincha­
mento arbitrário era muito comum nesse período e que,
num sistema de clas­ses, os menos favorecidos não tinham
direito de apelação e eram facilmente domi­nados pelos
mais fortes.
Além disso, a Inquisição surgiu num período em que a ten-
dência dualista era muito forte. O que é esse dualismo? É a crença
de que existem no mundo duas grandes forças irreconciliáveis, to-
talmente opostas uma à outra. O bem e o mal eram forças expres-
sas com vários antônimos (Deus e diabo, dia e noite, luz e trevas,
espírito e ma­téria, alma e corpo, espiritual e tem­poral, santo e pe­
cador, homem e mulher etc.).
Nesse contexto, o mais importante era salvar a alma para
que ela descan­sasse junto a Deus. Assim, o corpo era considera-
do como uma prisão para a alma, que deveria se libertar de­le e

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 249

das coi­sas do mundo, quan­do estas o afastavam do divino e do


eclesial. Ora, se pa­ra li­bertar a al­ma de um he­rege ou pe­cador era
ne­ces­sário tor­turá-lo ou matá-lo, para o bem dessa mes­ma alma,
is­­so deveria ser feito.
Após es­ses escla­recimentos, vejamos como foram o nasci-
mento e o fortalecimento da Inquisição. Ela surgiu no período em
que estavam aflorando, na Europa, as heresias medievais, tema
visto no número passado. Ini­cialmente, a Igreja quis mantê-la sob
seu controle.
Entretanto, com o passar do tempo, a Inquisição caiu nas
mãos dos reis e imperadores, que a utilizaram para combater seus
inimigos políticos e eliminá-los. Muitas vezes, as lideranças polí-
ticas agiram contra­riamente aos desejos da Igreja, que, cada vez
mais fraca, não podia fazer frente a esses abusos.
Martina (1980. p. 128), na obra Storia della Chiesa, Cen­tro
Ut Unum Sint, Roma, menciona quatro fases na evolução da In-
quisição:
Inquisição episcopal: a repressão da heresia foi confiada aos bis-
pos, que direta ou indireta­mente, inspecionavam periodica­mente
as dioceses. Tal procedi­mento foi esclarecido pelo papa Lúcio III, no
encontro de Verona, com Frederico Barba-­Roxa, no ano de 1184.
Inquisição legatícia: a defesa da fé era confiada aos legados escolhi-
dos pelo Papa. O sistema tornou-se mais freqüente com Inocêncio
III, no início do século 13. O Papa enviou como legados à França,
muitas vezes, os Cister­cienses, mais com o objetivo de pregar e de
converter do que com o de condenar.
Inquisição monástica: Gre­gório IX confiou aos Francisca­nos e
Domini­canos a Inquisição, a partir de 1231.
Inocêncio IV (1243-1254) per­mitiu o uso da tor­­tura, mal­gra­do o pare-
cer con­trário, emitido, quatro séculos antes, pelo papa Nicolau II.

Pierini também trata o tema das distintas "inquisições", afir-


mando que:
A inquisição medieval, em vigor em quase todos os países cristãos
entre o final do século XVI, deve ser distinguida da cruzada contra
os albigenses (1209-1229) e das outras formas de investigação e
250 © História da Igreja Antiga e Medieval

luta contra os hereges, como a inquisição dogal veneziana (1249-


1289), a inquisição régia francesa (1251-1314), a inquisição régia
espanhola (1478-1834), a inquisição romana (instituída pelo papa
Paulo III, em 1542, e que se tornou, depois, um dos organismos
da Cúria romana, até se transformar na atual "Congregação para a
doutrina da Fé") (1998, p. 116).

Qual o modo de proceder da inquisição? Vamos conhecê-la?


• a acusação era feita com o nome do acusado não se fa-
zendo público;
• o interrogatório do acusado era feito em torno de suas
ideias heréticas;
• a tortura era aplicada, quando a culpa era evidente, para
que o réu a confessasse.
A sentença poderia ser de três tipos:
1) se ele se arrependesse, era "absolvido" e recebia uma
"peni­tência eclesiástica";
2) se a conversão não parecesse sincera, era condenado à
"prisão perpétua";
3) condenação.
Desse modo, havia várias penas:
1) cárcere;
2) peregrinação a um lugar santo;
3) construção de uma Igreja;
4) exercício de uma ou várias obras de caridade;
5) obrigação de carregar um sinal discriminatório;
6) pena de morte confiada e aplicada pelo "braço secular",
ou seja, pelo Estado.
A questão da condenação aplicada pelo "braço secular"
sus­­citava questiona­mentos, como a do teólogo católi­co Jean Ma­
thieu-Rosay, ao afirmar que "a hipocrisia da I­gre­ja foi assom­brosa".
Partindo do prin­cípio de que Ec­cle­sia non sitit san­guinem (a Igre­ja
não é se­denta de sangue), não exe­cutava ela mesma as senten­ças
capitais que seus juízes haviam proferido.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 251

Assim, entre­gava os condenados ao braço se­cular, com os


votos piedosos de que este lhes poupasse a vida. "Oração mera-
mente fictícia, pois, ao mesmo tempo, ameaçava suas sentenças
e que, por este motivo, passassem a ser, eles mesmos, heréticos
passíveis de perseguição" ( MATHIEU-ROSAY, 1990, p. 178).
Para Pierini:
A função dos juízes eclesiásticos era apenas verificar se A função dos
juízes eclesiásticos era apenas verificar se havia hereges conscien-
tes e convictos ou recidivos. Os juízes e as autoridades civis, bem
como as instituições leigas, faziam o resto, segundo as leis locais em
vigor. De fato, foram um rei (Pedro II de Aragão) e um imperador
(Frederico II), o primeiro em 1197 e o segundo em 1220, que decre-
taram a pensa de morte na fogueira para os hereges contumazes.
O papa Inocêncio IV foi quem autorizou, em 1252, os inquisidores
eclesiásticos a usarem a tortura, já em vigor nos processos leigos,
contrapondo-se, assim, à condenação desse método bárbaro for-
mulada em 866 pelo seu predecessor, o papa Nicolau I.

No curso da inquisição eclesiástica, porém, as torturas eram muito


raras, infinitamente menos comuns do que nos processos presidi-
dos pelos juízes leigos; e caíram em desuso por volta da metade
do século XVI, enquanto nos tribunais liegos se mantiveram até o
início do século passado, apesar das denúncias de Casar Beccaria,
a partir de 1764. Note-se também, que com freqüência era a in-
quisição eclesiástica (que, sozinha, não podia ordenar a morte de
ninguém) que salvava certas pessoas das garras de alguns sobera-
nos (como o imperador Frederico II ou, mais tarde, o rei da França,
Filipe, o Belo); às vezes tratava-se de bons cristãos, mas que, apesar
disso, eram torturados e levados à morte sob o pretexto de heresia,
quando a motivação de fundo era eminentemente política (1998,
p. 116-117).

A Inquisição expandiu-se por todos os países da Euro­pa com


muita rapidez. Foram julgados por ela não só atos contra a fé cris-
tã, mas também os mais variados delitos:
1) roubo;
2) estelionato;
3) magia;
4) alqui­mia;
5) blasfêmia;
252 © História da Igreja Antiga e Medieval

6) adultério;
7) bigamia;
8) prostituição;
9) ler livros proibidos;
10) infanticídio etc.
Entre os inquisidores mais co­nhecidos, destacam-se:
1) Ber­nardo Gui.
2) Tomás de Torquemada.
3) Con­rado de Marburgo.
4) Pedro de Vero­na.
Calcula-se que, dos processos levados a termo, só foram
conde­nados à pena de morte 5% dos acusados. Tristes foram, tam-
bém, as acusações contra centenas de milhares de mulheres, acu-
sadas inocentemente de bruxaria, em vários países da Europa.
A Inquisição instalou-se tam­bém na Espanha, em 1480, e
em Portugal, em 1540. Calcula-se que nesses dois países houve
mais de 30 mil hereges queimados. Gran­de parte dos persegui-
dos e con­de­nados era de judeus (conhe­cidos como cristãos-no-
vos) e mu­çul­­manos, às vezes convertidos forçadamente ao Cris-
tianismo.
Todavia, segundo os inquisidores, continuavam praticando
suas antigas religiões. A Inquisição foi abolida em Portugal, em
1821, e, na Espanha, em 1834.
Por meio de Portugal, a Inquisição chegou também ao Brasil.
Aqui, "o Santo Ofício nunca instalou um tribunal permanente; mas
sua ação se exerceu através dos visitadores":
• Hei­tor Furta­do de Men­­don­ça, entre 1591 e 1595.
• Mar­cos Tei­xeira, en­tre 1618 e 1619.
Entretanto, eram dele­gados po­deres aos bis­­pos para efe­
tuarem pri­sões, con­fiscar bens e en­viar pa­ra Lis­boa os pri­sio­nei­ros
a se­rem jul­gados.

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© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 253

A Ba­hia foi o palco das inquisi­ções mais inten­sas. De 1591 a


1624, foram pro­ces­sa­dos ali 245 cris­tãos-no­vos acu­sa­dos de judai­
zantes. Em 1646, mais de cem conde­nações foram feitas; no auto-
de-fé [cerimônia na qual se anunciavam as sentenças da Inquisição
às vítimas] de 1711, 52 brasi­lei­ros foram justiçados. O último bra­
si­­leiro condenado à morte pela Inquisição mor­reu em Lis­boa, no
au­to-de-fé de 1748 (SCHLENSIGER, 1995).
A Inquisição foi extinta pela Igreja em 1908, quando passou
a se chamar Con­gre­gação do San­to Ofício. Ho­je, é denominada
Con­gre­gação para a Doutrina da Fé, cujo obje­tivo é zelar pela in-
tegridade da doutrina cristã, sem os apelativos intolerantes da In-
quisição.
Entre as con­­de­nações da Inquisição mais co­nhe­cidas, pode-
mos men­­cio­nar:
1) Joana D’Arc (1412-1431).
2) Nicolau Co­pér­­nico (1473-1543).
3) Giordano Bru­no (1548-1600).
4) Ga­lileu Galilei (1564-1642).
Fruto da es­tru­­tu­­­ra inquisi­torial também foi o Ín­dice dos Li­
vros Proi­­bi­dos, arti­fício uti­­­liza­do pela Igre­­­ja, a partir do século 16,
para con­­de­nar todas as o­bras que não es­ta­vam de a­cor­do com a
dou­trina e práti­ca eclesiais. A primeira edição ocorreu no ano de
1559, após o Concílio de Trento. A Congre­gação do Índice foi criada
por Pio V, em 1571. O último Índice foi editado em 1948 e o Con-
cílio Va­ti­­cano II não o editou mais. Entre os autores conde­nados
pelo Índice, ci­ta­­mos:
1) Francis Ba­con.
2) Victor Hu­go.
3) Emmanuel Kant.
4) Jo­hn Locke.
5) Pas­­cal.
6) Jean Jacques Rous­seau.
7) Vol­taire.
254 © História da Igreja Antiga e Medieval

8) Be­ne­dito Spino­za.
9) René Des­car­­tes.
10) Ernest Re­nan etc.
A Inquisição precisa ser entendida a partir do contexto em
que ela surgiu e se expandiu. A Igreja reconheceu os erros e exces-
sos da Inquisição e deseja que não haja mais atentados contra a
vida humana por causa de assuntos religiosos.
O aspecto mais nefasto da prática inquisitorial, justificada no início
pela periculosidade não só religiosa, mas também social de certos
hereges – como os cátaros ou albigenses-, foi o de ter implantado
de maneira cada vez mais decidida e indiscriminada a luta contra a
dissidência, que se tornou perseguição contra qualquer ideologia
diferente e intolerância em relação ao legítimo pluralismo ideológi-
co (PIERINI, 1998, p. 117).

Não po­demos concor­dar com os atos da Inquisição, pois foram um


contra-teste­munho dian­te das verda­des evangélicas. To­da­via, precisa­
mos com­preen­dê-la dentro do seu con­texto. A Igre­ja aprendeu muito,
pois das atitu­des ambíguas e erradas, podemos tirar lições para a vida.

9. TRANSIÇÃO ENTRE IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA

Mundo moderno e o Humanismo


Esta fase foi uma das mais difíceis para a Igreja, pois o mundo
medieval, marcado por uma fé teocêntrica, que criou o chamado
"Sistema de Cristandade", entrou em crise. Foi o início da chamada
Idade Mo­derna ou Nova.
Cronologi­camen­te, esta fase se situa no século 14 (crise da
Igreja e declínio do poder temporal do Papado) e se estende até o
século 18 (Revo­lução Francesa e a crise das monarquias).

O Mundo da Baixa Idade Média (1250-1500 apr.)


O período que vai do fim do século 13 até inícios do século
16 se apresenta com muitas novidades no contexto da sociedade
europeia medieval:
Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 255

É um mundo em crescimento e expansão o que se apresenta na


metade do século XIII, em quase todos os continentes da terra, mas
de modo especial na Europa: crescimento econômico e demográ-
fico; expansão geográfica. A população mundial – que dos cerca
de 190 milhões por volta do ano 500 d.C., havia crescido para 265
milhões no ano 1000, para 320 milhões no ano 1100 e 360 milhões
no ano 1200- consegue manter-se estável por mais de um século,
descendo um pouco (para 350 milhões) em 1400, para voltar a su-
bir em seguida e chegar a 545 milhões em 1500 e a 610 milhões
em 1700. A queda demográfica verificada na metade do século XIV
é particularmente evidente na Europa, após a epidemia da "peste
negra" de 1247-1250: a população européia, que passara dos 36
milhões no ano 1000 para 45 milhões em 1100, para 60 milhões
em 1200, chegando aos 80 milhões em 1300, cai de novo para 60
milhões, para depois voltar aos 80 milhões em 1500, a 100 milhões
em 1600 e a 120 milhões em 1700. Até a duração média da vida
cresceu, na Europa: dos 25 anos, do século IV d.C., passou para os
35 anos entre 1200 e 1300. Embora a "baixa Idade Média" possa
ser considerada uma época de crise, em relação aos dois séculos
anteriores, e, as conjunturas desfavoráveis se renovem com freqü-
ência, por causa das guerras quase contínuas, das epidemias recor-
rentes, da ameaça das carestias, no quadro global da evolução his-
tórica trata-se mais de uma crise de crescimento e de adaptação:
de fato, é nesses séculos que se delineia cada vez mais claramente
a fisionomia do mundo moderno, em razão, sobretudo, do segundo
elemento decisivo, a expansão geográfica.
As grandes descobertas, nesse campo, estimuladas por fatores eco-
nômicos e demográficos, acham-se condicionadas pelas últimas
grandes movimentações de povos da idade medieval: o islamismo,
em retirada da península ibérica, vai, porém, avançando na Ásia
Menor e nos Balcãs, pelo interior da África e da Sibéria e na direção
da Índia e da Indonésia, fechando assim a passagem dos europeus
para o Sul; os mongóis, por outro lado, islamizados ou em via de is-
lamização, fecham a passagem para o Leste. Aos europeus só resta
o caminho a Oeste, chegando aos mercados da Ásia circunavegan-
do a África ou inclusive atravessando todo o Oceano, para lá do
estreito de Gibraltar, a fim de chegar ao Japão e à China.
No que se refere à África, já em 1269 começam as infiltrações por-
tuguesas no Marrocos, que levarão muito mais tarde, em 1415, à
conquista de Ceuta, primeira possessão européia do continente.
Mas em 1291 são dois irmãos genoveses, Hugolino e Vadino Vi-
valdi, que ultrapassam por primeiro o estreito de Gibraltar para
chegar às Índias circunavegando a África; não retornam, porém
[...] em 1497 Bartolomeu Dias alcança a ponta extrema da África,
ou seja, o atual Cabo da Boa Esperança. Vasco da Gama, por sua
vez, supera-o, adentrando-se pelo oceano Índico e, a 18 de maio de
256 © História da Igreja Antiga e Medieval

1498, aporta em Calicut, na Índia. Enquanto isso, entram na disputa


também os espanhóis, promotores da viagem do genovês Cristó-
vão Colombo: tendo partido de Palos no dia 3 de agosto de 1492,
ele chega a o novo mundo, do outro lado do Atlântico, no dia 12 de
outubro. O bloqueio fora rompido, o mundo está aberto (PIERINI,
1998, p. 146-148).

E foi neste contexto de tantas mudanças em todos os seg-


mentos da sociedade ocidental, principalmente, que o Cristianis-
mo viveu um grande processo de mudanças, pois a passagem de
uma sociedade medieval agrária e feudal para uma sociedade mo-
derna urbana não foi tão simples e afetou toda a sociedade. Como
o Cristianismo se solidificou e construiu sua identidade a partir da
Cristandade medieval, é claro que teria muitas dificuldades para
aceitar e assumir o novo modelo de sociedade. As tentativas de
diálogo com este novo modelo foram difíceis e podemos dizer que
continuam ainda hoje, com grande destaque para o processo ini-
ciado com o Concílio Vaticano II, a partir de 1962.

A Igreja no fim da Idade Média


Para enten­­­der o que acon­teceu com a Igreja, na Idade Mo-
derna, é bom recordar al­guns aspectos da vida eclesial, na transi-
ção en­tre o fim da Idade Média e o início da Mo­­derna.
O período do "apogeu do papado" (sécu­los 12-13), marcado
pela hierocracia e pelo teocen­trismo, tão evidentes nas Cruzadas
e na Inquisição, foi de­clinando no fim do século 13.

Hierocracia: o poder eclesial se so­bre­punha ao civil.


Teocen­trismo: Deus era o centro de toda a vida social.

Bonifácio VIII ainda tentou, sem sucesso, reconquistar poder


e influência, cada vez mais amea­çados. Nesse período, destacaram-
se dois as­pec­tos da vida eclesial que me­recem ser considerados,
embora sintetica­mente: a espi­ritualidade e a Ciên­cia Escolás­tica.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 257

Espiritualidade
As heresias medievais (cata­rismo, valdenses, fraticelli etc.)
questionaram as estruturas eclesiais e sociais e os sacra­mentos
cristãos. Isso fez com que a Igreja refletisse sobre esse assunto e,
aos poucos, sistematizasse a "teolo­gia dos sacramentos", até defi-
ni-los em sete, no Concílio de Trento, no século 16.
As de­voções for­­tale­ceram-se e se ex­­pan­­diram em tor­no do
"Cristo ho­mem, crucifi­cado e misericor­dioso" e também nas de­vo­­
ções à Virgem Maria e no culto aos san­tos (apesar do comércio de
relíquias e do cres­­ci­men­to das supers­tições). Surgiram iniciativas
de be­neficência e caridade.
Ao mesmo tempo em que se desenvolvia a Ciência Esco-
lástica, foi-se fortalecendo a Mística, a qual tinha por objetivo le-
var o cristão a se aprofundar nas verdades revela­das por meio da
"contem­plação interior". Assim, se a Escolástica estudava a fé por
meio da dialética, a Mística estudava a fé por meio da contempla-
ção. Nos séculos 12-14 surgiram grandes místicos, como:
1) Bernardo de Claraval.
2) Hugo de São Vítor.
3) Mestre Eckart.
4) João Tauler.
5) Henrique Suso.
6) João Ruisbroeck.
7) Santa Hildegarda de Bingen.
8) Santa Catarina de Sena.
9) Santa Gertrudes a Grande.
10) Santa Ângela de Foligno etc.
Ciência Escolástica (séculos 11-14)
Com o surgimento da cultura burguesa, aos poucos foram funda-
das as universi­dades em várias cidades do Ocidente cristão, quase sem-
pre, nas mãos do clero e das ordens religiosas. Nelas, havia um grande
espaço para os estudos teológicos e filosóficos, o que não tinha ocorri-
258 © História da Igreja Antiga e Medieval

do durante a Idade Média. Assim, a partir do século 11, surgiu a "Ciência


Escolástica", grande tendência do pensamento desse período, conside-
rada pelos huma­nistas como ciência das vacuida­des, sofisterias e ques-
tões abstra­tas, mas que permanece viva até hoje, pois criou um sistema
de pensamento não superado. As ca­rac­terísticas principais são:
• relação especial entre a Filosofia e a Teolo­gia;
• dependência da filosofia aris­to­télica e métodos lógico-
dedutivo e dialético.
A Escolástica divide-se em três períodos:
1) Escolástica primitiva:
• Santo Anselmo (creio para entender);
• Pedro Abelardo etc.
2) Apogeu (época das "sumas" ou grandes sínteses):
• Alexandre Hales;
• Alberto Mag­no;
• Boaventura;
• Tomás de Aquino (o príncipe dos escolásticos, com as
Summa Theologica, Summa contra gentiles etc.).
3) Escolástica tardia (declínio):
• Duns Escoto (opôs-se ao tomis­mo e acentuou a ativi-
dade humana ante a graça divina).
• Guilherme de Ockam (separou a fé da razão: pro­vo­
cou a queda da influência da Teologia, foi um dos pre-
cursores da reforma protestante).
Além disso, é preciso consi­derar as mudanças econômicas, po-
líticas, sociais e religiosas que aconteciam diante da crise e de­clínio
do sistema feudal medieval, marcado pelo fechamento e restri­ção
da vida social em torno das es­truturas agrária e rural; o surgi­men­to
da cultura burguesa, centra­da nas cidades que cresciam em torno
de um incipiente pro­ces­so de desenvolvimento das manufaturas e
indústria; e a ascen­são de uma nova classe, a burgue­sia, que já não
aceitava o poder centralizador dos reis e nobres.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 259

Nesse con­texto de supera­ção das estrutu­ras me­dievais, de


crise do feu­da­­lis­mo e surgi­mento da cultu­ra bur­gue­sa e urbana, é
que se iniciou uma no­va fase da his­tória chama­da de Ida­de Moder-
na ou Nova. Nesse pe­ríodo, a vida da Igreja foi marcada por duas
situações distintas e bem definidas:
1) Por um lado, a Igreja hierár­quica (papas, bispos e alto
clero) viveu uma crise sem precedentes, marcada pela
ten­tativa de manu­tenção das estru­turas do poder, con-
seguido na Idade Média, e pela corrupção e imoralida-
des de muitos de seus membros.
2) Por outro, houve vários se­tores da base eclesial que,
diante da decadência e da corrupção, propuseram uma
reno­vação e promoveram várias ten­tativas de reformas
na estrutura da Igreja.
A partir do século 14, com o desenvolvimento do método
em­pírico e racionalista, protagoni­zado pelo Humanismo e pelas
novas tendências modernas, a Ciência Es­colástica não morreu,
mas perma­neceu relegada e circunscrita ao espaço eclesiástico.
Nesse novo "mundo moderno" que se estruturava, as mu-
danças ocor­reram com base no Humanismo, provocando gran­des
transfor­mações sociais, cultu­rais, políticas, econômicas e religiosas.

Movimento humanista
A situação da Igreja na Idade Moderna foi muito difícil, pois
o mundo medieval, marcado por uma fé teocêntrica (Deus e Igreja
no centro de tudo), e que originou o Sistema de Cristandade, en-
trou em crise. A Idade Mo­derna ou Nova, cronologi­camen­te, situa-
se do começo do século 14, e estendeu-se até o fim do século 18
(Revo­lução Francesa e a crise das monarquias).
A Europa está passando por grandes mudanças. Um aspecto
importante a se ressaltar foi a expansão das universidades:
As crises de crescimento típicas do período 1250-1500, embora
agravadas pelos mais diversos fatores (climáticos, higiênicos, re-
ligiosos, ambientais, econômicos, demográficos, sociais, políticos),
260 © História da Igreja Antiga e Medieval

chegam em muitos casos a resultados concretos de grande impor-


tância, com a constituição de organizações nacionais, estatais, que
mais ou menos respondem às exigências regionais. E todo esse
conjunto de fenômenos vai se desenvolvendo às vésperas das gran-
des descobertas geográficas, dos grandes encontros e desencon-
tros intercontinentais, que levarão ao mundo "aldeia global" e aos
seus respectivos problemas. Mas o período histórico de 1250-1500
traz consigo, no campo especificamente cultural, algumas conquis-
tas igualmente decisivas, importantes e significativas: difunde-se a
alfabetização nos continentes que estão na vanguarda, ou seja, na
Europa e na Ásia; o crescimento quantitativo, embora nem sempre
qualitativo, das instituições educacionais superiores (universitá-
rias); o impulso a uma consciência histórica e filosófica, median-
te os movimentos humanista e renascentista, partindo da Itália e
alcançando a Europa e o mundo inteiro; a descoberta e utilização
cada vez mais ampla, a partir da metade do século XV, de um novo
instrumento de comunicação social: a imprensa. São aquisições de
alcance potencialmente universal, às quais seria preciso acrescen-
tar as novas técnicas de navegação e, infelizmente, também as no-
vas técnicas bélicas, como a artilharia e a pólvora de disparo [...].
Enquanto o resto do mundo aponta responde às crises apontando
para a herança antiga "conservada", o mundo europeu reage ape-
lando também para o antigo, mas "revivido", "renovado", com sen-
tido cada vez mais histórico-crítico: um historicismo aplicado aos
textos que se desenvolverá gradualmente junto com o empirismo
aplicado aos fenômenos naturais. Humanismo, naturalismo: são as
duas idéias-guia que mil anos de Idade Média transmitirão às ida-
des moderna e contemporânea (PIERINI, 1998, p. 153-154).

E foi neste contexto que o Humanismo surgiu, questionando


as bases da Idade Média, tentando recuperar as forças dos clássi-
cos anteriores a ela e lançando as bases para o pensamento racio-
nalista moderno, com grandes conflitos com as estruturas eclesi-
ásticas, que não estavam preparadas para as novas propostas que
emergem nesta época.

Informação–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O começo do século 14 é marcado pela crise da Igreja e o declínio do poder
temporal do Papado, com o Exílio de Avinhão.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Desse modo, o Humanismo é definido co­mo:
[...] doutrina ou ati­tu­de que se ori­en­ta expressa­mente por uma
perspectiva antropocêntrica. Afirma ser o homem o criador dos va-

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 261

lores morais, que se definem a partir das exigências concretas da


vida. Designa também o mo­­vi­mento filosófico e artístico originado
na Itália, no século XIV, que constitui o ponto de partida da cultura
moderna. Em ambas as vertentes, reconhece-se o seguinte: a to­ta­
lidade do homem, a sua historicidade, a sua naturalidade e o valor
humano das artes clássicas (SCHLESINGER, H.; PORTO H. Dicionário
enciclopédico das religiões. 1995. v. 1, verbete Humanismo).

O movimento huma­nista provocou a superação da concep-


ção teocên­trica medieval, a qual tem Deus como o centro do uni-
verso pela concepção an­tropocên­trica que faz do homem o ponto
de convergência.
No entanto, o humanista não é um ateu ou indiferente em
matéria religiosa: "acredita no homem, sem, entretanto, endossar
espiritualmente o paganismo, sem deixar de amar a Deus; procura
tam­­bém amar a vida e a beleza, traços típicos da cultura greco-
latina." (AMARAL, 1990).
O Humanismo nasceu na Itália, com base na obra de Petrar-
ca (1304-1374), e teve grandes representantes em vários países,
além da Itália:
1) Lourenço, o Magnífico, de Florença.
2) Eras­mo de Roterdã, na Holanda.
3) Lefèvre d'Éta­ples, Guil­laume Budé, Ra­bellais e Mon­
taigne, na França.
4) Thomas Morus, na Inglaterra.
5) Luís de Camões, em Portugal.
6) Miguel de Cervantes, na Espanha e muitos outros.
No fim do século 16, o mo­vimento humanista entrou nu­ma
fase de declínio.
A partir do século 18, assumiu uma postura mais científica e
humani­tarista influenciada pelas tendências iluministas, baseadas
no em­pirismo inglês e no racio­nalismo. Posteriormente, provocou
o surgi­men­to da Re­volução Fran­cesa e a consequente separação
entre a Igreja e o Estado. Co­mo resultados do racionalismo empí-
rico, surgiram as tendências filosóficas que, mediante críticas ao
262 © História da Igreja Antiga e Medieval

clero e à Igreja, chegaram a afirmar que Deus não existe, ou seja,


preconizaram a chamada teologia da "morte de Deus".
O movimento huma­nista aos poucos provocou grandes mudan-
ças. Antes de tudo, temos de afirmar que foi fortalecendo a cultura bur­
gue­sa e urbana. Suas tendências democráticas fortaleceram-se com
base no ques­tio­na­men­to das estruturas eclesiais do "Sistema de Cris-
tandade", que foi se declinando.
Esta mudança fez com que as cidades cres­cessem e que seus
habitantes fossem mais politi­zados e passassem a ques­tionar as es-
truturas de poder. Assim, surgiram os primeiros ques­tionamentos
aos imperadores, pois os grandes impérios deviam ceder espaço
aos interesses nacionais e regionais.
O desenvolvimento de novas técnicas abriu espaço para as
navegações. De modo especial, Portugal e Espanha fizeram com
que o orbe terrestre fosse compreendido mediante uma nova vi-
são geográfica.
A "cultura burguesa" foi, paula­tinamente, disso­ciando-se da
Igreja e com isto teve-se o surgimento da "cul­tura laicista", ou seja,
a formação de um novo modo de organizar a vida social que teria
como critério, primeiramente, não mais a religião e a Igreja, mas
sim os interesses do homem, temporais e seculares.
No campo econômico, com as novas técnicas e, posterior-
mente, novas descobertas, houve um grande desenvolvimento
das estruturas comerciais e, aos poucos, uma incipiente descen­
tralização de seu poder.
Podemos afirmar, portanto, que o Humanismo foi um movi-
mento importante para a história da humanidade, pois recuperou
e reforçou o espaço e a importância do "homem" na vida do mun-
do e, ao mesmo tempo, provocou mudanças que influenciaram
muito a vida da Igreja.
Em termos religiosos, inicialmente, este movimento teve
uma visão antieclesial e anticlerical; e posteriormente, no século

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 263

18, assumiu uma postura antirreligiosa, influenciada pelas tendên-


cias racio­nalistas e iluministas.

10. CRISE DA CRISTANDADE E MOVIMENTOS


PRÉ-LUTERANOS

Crises da Igreja e da hierarquia na Idade Moderna


O mundo medieval, marcado pelo teocentrismo e pelo Sis-
tema de Cristandade, entrara em crise, advindo a Idade Moderna
como um dos períodos mais difíceis para a história da Igreja.
Essa época iniciou-se no século 14, com a crise da Igreja e a
diminuição do poder temporal do Papa­do (Exílio de Avi­nhão, Cis-
ma do Ocidente e Papado do Renas­cimento) e estendeu-se até o
término do século 18 com a Revolução Francesa e a crise das mo-
narquias.
O movimento humanista provocou grandes mudanças na so-
ciedade e na Igreja. As culturas burguesa e urbana fortaleceram-se,
com tendências democráticas, mediante grande questionamento
das estruturas eclesiais. O sistema de Cristandade declinou com a
queda das autoridades eclesial e papal.
A crise teve raízes também nas mudanças econômicas, po-
líticas e sociais. O sistema feudal, que mantivera a vida social fe-
chada e restrita à estrutura agrária, esvaziou-se diante da cultura
burguesa, centrada nas cidades. Nestas, a manufatura e a indústria
cresceram, provocando na nova classe um surto de independência
em relação ao poder centralizador dos reis, nobres e papas.

Exílio de Avinhão (1308-1378)


O Papa Bonifácio VIII (1294-1303), numa tentativa de forta-
lecer o poder eclesial, entrou em atrito com o rei francês, Filipe, o
Belo. Na época, a França superara a Alemanha, tornando-se a de-
tentora do poder político europeu. Com a morte de Bonifácio, no
264 © História da Igreja Antiga e Medieval

exílio, seguiu-se uma grande crise eclesial, pois a nobreza romana


queria se ver livre da interferência papal na Itália.
O papa Bento XI (1303-1304) não conseguiu superar essa
crise. Seu sucessor, Clemente V (1305-1314), tinha sido arcebispo
de Bordeaux e estivera ausente do conclave que o elegera, com
medo dos romanos. Por causa disso, fixou residência em Avinhão,
em 1309, onde os papas permaneceram até 1377. Seu pontificado
foi muito submisso ao rei francês Filipe, o Belo, que usou a Igreja
para combater seus inimigos. Assim, difamou a memória do Papa
Bonifácio VIII e, num processo vergonhoso, obrigou-o a suprimir a
Ordem dos Cavaleiros Templários.
Desse modo, as consequências do exílio de Avinhão foram
muito negativas:
1) decadência dentro da Igreja e o afrancesamento da Santa
Sé;
2) enfraquecimento externo dos papas, pois passaram a
ser considerados como chefes políticos da França e não
como pastores da Cristandade;
3) abuso das sanções eclesiásticas que geraram aversão e
medo da Igreja diante dos sistemas de fiscalização da cú-
ria de Avinhão;
4) aumento do nepotismo, ou seja, crescimento da autori-
dade que os parentes do papa exerciam na administra-
ção eclesiástica.
Sobre este tempo do exílio, que ficou também conhecido como o
"cativeiro da Babilônia", Del Roio diz:
Seria injusto concluir que, durante esses anos, os papas se constitu-
íram em simples peças da política francesa, mas é indubitável que
o papado perdeu em prestígio e peso político. Seus anátemas e ex-
comunhões podiam ser fatais para um estudioso ou para um frade
que se entregasse a alguma heresia, mas certamente seriam rece-
bidos com desprezo pelos poderosos. Os alicerces de seu poder, os
senhores feudais e as ordens militares e monásticas debilitavam-se,
ao passo que, por outro lado, eles se recusavam a aceitar os no-
vos movimentos, dos quais poderiam retirar novas energias. Não
se dispunham a transformações tão profundas. E tais movimentos
existiam, concentrados no impulso de esperança despertado entre
o povo pelo joaquimismo, nas novas ordens dedicadas à pobreza,

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© O Auge e a Crise da Cristandade A Inquisição A Transição Entre a Idade Média e a Idade Moderna 265

nos intelectuais saídos das universidades e empenhados na cons-


trução de uma Igreja democratizada e apta para enfrentar os tem-
pos modernos que se anunciavam. A tudo isso os papas fechavam
ouvidos e olhos (1997, p. 103-104).

É importante recordar que neste período do Exílio de Avi-


nhão ocorreu a grande ´peste bubônica´, a qual ficou conhecida
também como a peste negra, que matou milhões de pessoas na
Europa, um terço da população, segundo alguns. Isso levou muitas
pessoas a se penitenciarem e a buscar a reconciliação com Deus
e ocorreu inclusive, um ano jubilar cristão em 1350. Mas os pro-
blemas eclesiais não foram solucionadas; pior ainda, cresceram
muito.

Cisma do Ocidente (1378-1417)


O Cisma do Ocidente foi o período em que, por inúmeros
problemas, a Igreja teve, simultaneamente, dois ou três papas.
Diante dos des­mandos e da indignidade de muitos papas, foi cres-
cendo nos meios eclesiásticos a teoria con­ciliarista. Vale ressaltar
que este Cisma não nasceu de uma heresia ou de algum erro teo-
lógico, mas sim da dúvida que existiu a respeito de quem seria o
verdadeiro papa.

Conciliarismo: doutrina moderna surgida no século 14 que afirma-


va ser o concílio ecumênico superior ao papa, inclusive, com poder
para depor este.

Papas simultâneos
O papa Gregório XI foi o último papa de Avinhão e morreu logo
depois de chegar a Roma. Mas a influência dos reis franceses era mui-
to grande em função do grande número de cardeais franceses. Neste
contexto, foi eleito o papa Urbano VI (1378-1389). Sua eleição foi du-
vidosa, segundo alguns, pois houve muita pressão no conclave para
que se elegesse um papa italiano e não um francês. O papa era um
homem piedoso e reformador, mas orgulhoso, áspero e imprudente,
266 © História da Igreja Antiga e Medieval

e ameaçou criar mais cardeais italianos para fazer frente aos france-
ses. Isso tudo fez com que ele se voltasse contra muitos cardeais que
se afastaram dele e elegesse outro papa, mais próximo dos interes-
ses franceses: Clemente VII (1378-1394), que se instalou em Avinhão.
Cada papa teve apoio de várias nações. O Cisma durou 37 anos.
Tentativas de solução
Houve várias tentativas de se solucionar o Cisma, todas
em vão. O Concílio de Pisa, convocado em 1409 para resolver a
questão, não conseguiu depor os dois papas e elegeu um terceiro,
Alexandre V (1409-1410), conciliador que poderia ter resolvido a
questão, mas morreu logo em seguida. Alexandre V foi sucedido
por João XXIII, totalmente indigno e mundano.
Um só papa novamente
Somente no ano de 1414 foi solucionada a questão, no Concílio de
Constança. Com o apoio do rei Sigis­mundo da Alemanha, os três papas
foram depostos e eleito o papa Martinho V (1417-1431), que reconduziu
a Igreja a tão esperada paz e tranquilidade. O Concílio criou vários decre-
tos de reforma e condenou as heresias de João Wiclif e João Huss.

Heresias de João Wiclif e João Huss


As heresias de João Wiclif, sacerdote inglês, e João Huss, sa-
cerdote tcheco, caracterizavam-se pelas tendências antieclesiais e
modernas e estavam imbuídas de uma grande rejeição ao poder
temporal e eclesial dos papas, principalmente por causa de seus
desmandos e escândalos. Além disso, são influenciados pelas ten-
dências nacionalistas que já não aceitavam o poder romano em
vários países da Europa. Ambos tinham as seguintes ideias:
• A Sagrada Escritura como única fonte de Revelação.
• A rejeição da Tradição enquanto fonte de Revelação.
• A não aceitação da hierarquia eclesiástica.
• Oposição manifesta à autoridade papal e exagero do as-
pecto nacionalista da Igreja.
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Essas ideias fundamentaram as teses articuladas por Marti-


nho Lutero, no início do século 16. As consequências destas duas
heresias foram desastrosas, pois foram as bases da grande divisão
da Cristandade com a reforma protestante e, também, ajudaram no
aumento do desprestígio e declínio da autoridade papal e eclesial.
Sintetizando o pensamento de João Huss, Pierini relata:
O pensamento de João Huss é extremamente significativo, como
reflexo das crises do seu tempo: da crise da sua terá, da sua Igreja
da sua vida pessoal. Nele juntam-se, de maneira emblemática para
a baixa Idade Média, três contradições fundamentais: a contradição
entre a identidade nacional boêmia e a alemã; a contradição entre
a igualdade fundamental de todos os crentes e todos os tipos de
desníveis, tanto no campo eclesiástico (anti-hierarquismo) quanto
no civil e no político (antifeudalismo); mas, sobretudo, a contradi-
ção entre a verdade de Deus, que para Huss se manifesta através da
predestinação, e a pseudoverdade humana, que, para ele, se ma-
nifesta nas aparências jurídicas e canônicas. A conseqüência dessa
impostação ideológica é que a autêntica "verdade" (palavra-chave
de todo o pensamento de Huss) existe apenas lá onde a aparência
humana está de acordo com a predestinação divina. Sendo assim,
parece difícil harmonizar certas idéias de Huss com a doutrina ca-
tólica tradicional, que já estava clara em seu tempo, a respeito das
relações entre graça, predestinação, liberdade humana e a teologia
sobre a Igreja. Isso fica evidente nas trinta proposições suas que
mereceram condenação e que Ele próprio pode rever e comentar (
1998, p. 173-174).

Papado do Renascimento (1447-1521)


Após a superação do Cisma do Ocidente, com os papas Mar-
tinho V e Eugênio IV, no início da metade do século 15, a Igreja
viveu um período no qual os Papas conseguiram restabelecer a
unidade eclesial e a influência do poder pontifício junto aos pode-
res ocidentais e junto à nobreza romana.
Com o fortalecimento do poder eclesial, veio o período cha-
mado "Papado do Renascimento", que foi bastante influenciado
pelas tendências humanistas, caracterizado pelo estilo de vida
principesco e mundano das lideranças eclesiais e nobres, pelo for-
talecimento da cultura, da arte, da literatura e pelo ceticismo reli-
268 © História da Igreja Antiga e Medieval

gioso. Os papas, herdeiros da grande crise eclesial anterior, tinham


de resolver muitos problemas, como:
1) reformar a Igreja;
2) eliminar as falsas teorias teológicas e as manifestações
contra a Igreja e seu poder;
3) melhorar a relação com as novas correntes modernas;
4) e tentar eliminar a ameaça dos turcos, adeptos da reli-
gião islâmica.
Além de tudo, o papado nesse período vivia uma profunda
crise causada por:
1) nepotismo;
2) corrup­ção moral;
3) mundanização;
4) influência do pensamento moderno.
Esta foi uma fase lamentável da história da Igreja. Foram
muitos os eventos e as situações que causaram transtornos à paz
e tranquilidade eclesiais.

11. MOVIMENTOS DE REFORMA ECLESIAL SÉCULOS


14–15
Nos séculos 14 e 15 aconte­ce­ram fatos lamentáveis na vida
da Igreja. Porém, contemporaneamente a esses eventos, surgiram
movimentos que visaram pro­­mover a reforma eclesial. Uns perma-
neceram em co­mu­nhão eclesial e outros se separaram dela e, até
mesmo, a combateram.
Falando sobre a crise eclesial e sua busca de renovação, Pie-
rini fala das derrotas cristãs dos últimos tempos (relação decaden-
te com o império, cisma do Oriente e divisão entre Cristianismo
ocidental e oriental e perda das cruzadas):
Três fracassos, três ocasiões perdidas, que foram interpretadas pe-
los contemporâneos como três "julgamentos de Deus". O resultado
foi a crescente perda de interesse pelos grandes ideais do univer-

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salismo cristão e da hegemonia eclesiástica. Amadureceram outros


ideais, como os quais o cristianismo e a Igreja são chamados a con-
frontar-se: o nacionalismo de príncipes e soberanos, que não mais
toleravam o alto controle de imperadores ou papas; os arroubos
do capitalismo incipiente, interessado unicamente em acumular
riquezas, mesmo que às custas de igrejas e mosteiros; o individu-
alismo cultural e religioso, que questiona livremente as fontes da
revelação, as das antigas culturas gregas e romana e as da natureza
(1998, p. 155).

É neste contexto que tivemos o fortalecimento dos vários


movimentos reformísticos que já estavam surgindo há séculos.
Agora, vamos conhecer um pouco mais estes movimentos.

Movimento dos pregadores


Nesse período surgiram muitas pessoas santas, fervorosas,
zelosas e com um poder de comunicação extraordinário, as quais
passavam pelas cidades e vilas combatendo e criticando todos os
males que afligiam a Igreja.
Além disso, havia:
1) incoerências e arbitrariedades da hierarquia eclesial;
2) mundani­zação do clero;
3) simonia;
4) concu­binato eclesial;
5) nepotis­mo;
6) superstição;
7) ignorância religiosa.

Simonia: tráfico e comércio de coisas sagradas e relíquias.

Desse modo, a pregação popular desenvolveu-se muito dian-


te da presença de multidões prontas para vibrar. Destaque para os
franciscanos:
1) Bernar­dino de Sena.
2) João de Capistrano .
270 © História da Igreja Antiga e Medieval

3) Olivier Maillard.
4) O domi­nicano Vicente Ferrer, chamado de "o pregador
do fim do mundo".
Em pleno pontificado de Alexandre VI, da família dos Borja,
um dos papas mais indignos, Jerônimo Savonarola (1498), abalou
a opulenta Florença.
Inicialmente, por meio de sermões à moda da época:
Vede esses prelados dos nossos dias: só pensam na terra e nas coi-
sas terrestres; a preocupação pelas almas não lhes fala mais ao co-
ração. Nos primeiros tempos da Igreja, os cálices eram de madeira
e os prelados de ouro; hoje, a Igreja tem cálices de ouro e prelados
de madeira [...].

Depois, o Savonarola impõs à capital dos Médici uma verda-


deira ditadura com base na austeridade. Ao assumir uma atitude
de rebeldia em relação a Alexandre VI, que lhe pedia contas de
suas pro­fecias acabou sendo excomungado e queimado vivo. Ou-
tros, independentemente de formas e longe das visões apocalípti-
cas, também sonhavam com a reforma.
Antes de mais nada, havia os teólogos, tendo à sua frente os
mestres da Universidade de Paris e o maior de todos, João Gérson
(+1429). Teórico do poder conciliar, Gérson também foi o teórico da
monarquia, desse cul­to ao rei da França que Joana D'Arc, sua con-
temporânea, situava na mesma linha que a devoção ao rei do céu.
Esse teólogo, segundo Pierrard (1982), mais próximo de São
Boa­ventura do que de Santo Tomás, também era um místico ter-
no e sutil, foi ele o verdadeiro criador da devoção a São José, um
pregador de linguagem familiar, um autor de opúsculos piedosos e
populares e também um educador, pois acreditava que a reforma
da Igreja deveria começar pelos jovens.
Surgiram outros grandes pregadores ainda, como:
1) João Geiler (1445-1510): o maior orador sacro alemão.
Combateu ferozmente os vícios do clero e teve seus es-
critos colocados no Índice dos Livros Proibidos.

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2) Geraldo, o grande (1340-1384): holandês, místico, fun-


dou os "Irmãos de Vida comum" e atacou os abusos do
clero, sendo, por isso, proibido de pregar.
3) Alano Rupe (1428-1475): domi­nicano francês e pro­
pagador do rosário.
4) Bernardino de Sena (1380-1444): dina­mizador da Obser-
vância franciscana, considerado o maior pregador italia-
no da primeira metade do século 15.
5) João Capistrano (1386-1456): franciscano que trabalhou
em íntima comunhão com os papas desse período.

Reforma das congregações de observância


Nesse período, apesar da crise eclesial e de muitas Ordens
e Congregações tradicionais, surgiu um intenso movimento de re-
forma no seio destas mesmas famílias religiosas. Seus membros
foram objetos de burla e críticas por parte dos humanistas.
Assim, dos beneditinos, do­mi­ni­canos, car­melitas, eremitas de San-
to Agos­tinho e francis­canos não só saíram pregadores pró-reforma ecle­
sial, mas que a preconizaram de fato dentro das próprias congregações
com forte acento no retorno à pobreza, à estabilidade e à vida comum.
Além de todo esse movimento interno de renovação, surgi-
ram também novas congregações, marcadas pela tendência místi-
ca, pela pregação e pela caridade aos carentes e mais pobres:
1) os Irmãos e Irmãs de Vida Comum, de Geraldo o Grande,
fundados em 1379;
2) os Olivetanos, fundados por São Bernardo Tolomei, em
1313;
3) os Jesuatos, fundados pelo beato João Colombini, em
1360;
4) os Mínimos, por São Francisco de Paulo, em 1452;
5) os Jerônimos, unificados sob a regra de Santo Agostinho,
pelo Papa Bento XIII, em 1414;
6) a Ordem do Santíssimo Salvador de Santa Brígida e San-
ta Cata­rina da Suécia;
7) a Ordem da Anunciata de Santa Joana de Valois.
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Oratórios do divino amor


No final do século 15, surgiram na Itália associações que se
propunham a atender as obras de assistência caritativa e recomen-
davam a reforma da Igreja. Eram compostas de leigos e sacerdotes
e se baseavam na Regra Terceira da Ordem Franciscana.
Assim, os Oratórios ajudaram muito na elevação da morali-
dade do clero e de muitos leigos nas principais cidades italianas.
Destacaram-se o Oratório de São Jerônimo de Vicenza e o Orató-
rio do Divino Amor de Gênova, fundado em 1513 com o apoio do
Papa Leão X, por Hector Vernazza que fundou, também, Oratórios
em Roma e Nápoles.
Desses Ora­tórios nasceram, inclusive, congregações religio-
sas (somas­cos, barnabitas, teati­nos) e deles saíram grandes refor­
madores, como Caraffa, futuro Papa Paulo V, São Cae­tano de Thie-
ne e outros.

Evangelismo
Foi um movimento cristão que surgiu dos Círculos Huma­nis­
tas Cristãos. Esse Humanismo cristão estava:
[...] mar­­­­cado pelo culto da exegese bíblica, caracterizado por uma
concepção otimista do homem, por interpretações amplas dos
dogmas, pelo apego mais às experiências místicas do que às disser-
tações teológicas, pelo anseio de uma Igreja evangélica e tolerante,
mas também pela fidelidade ao corpo da Igreja romana (PIER­RARD,
1982, p. 162).

Fundamentalmente, podemos afirmar que os humanistas


cristãos pregavam a reforma da Igreja por meio da purificação dos
compromissos temporais e da volta às origens dos tempos evangé-
licos. Entre os seus representantes, destacaram-se:
1) Eras­mo de Roterdã.
2) Lefévre d'Étaples.
3) Nicolau de Cusa.
4) Marsílio Ficino.

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5) Pico della Mirandola.


6) João Reu­chlin.
7) João Colet.

Reforma da Igreja espanhola


Na Espanha, a reforma da Igreja foi promovida pelos reis cató-
licos, Fernando e Isabel, no fim do século 15 e início do século 16.
Com a ajuda eficaz do D. Her­nando de Talave­ra e do Carde-
al Ji­me­nez de Cisne­ros, todas as dioce­ses, mosteiros e conventos
foram reformados (espiritualmente) e ser­viram de modelo para a
mudança que a Igreja articularia após o Concílio de Trento, na me-
tade do século 16.

Devoção moderna
Do século 14 ao 16, nasceu e se desenvolveu na Igreja um
movimento espiritual que, ligado às tendências modernas, pro­pu­
nha uma "nova o­ri­entação da vida espiritual", caracterizada pela
perda de prestígio das teorias sábias e por um método de oração
simples, razoável, acessível a todos, visando à perfeição cristã e à
união com Deus em um abandono que, aliás, não é quietismo, mas
ascese.
As causas deste novo movimento foram o culto individualista
medieval, as crises eclesiais deste período e as falhas da vida cristã
(excomu­nhões aleatórias, interditos, tráfico de relíquias, práticas
supersticiosas, grande parte do clero mal preparado e inefi­ciente).
As principais características deste movimento foram:
1) cristocentrismo prático que reforça a humanidade do
Redentor e não discute os te­mas teológicos, pois o fiel
deve imitar os exemplos de Cristo;
2) oração metódica, inflamada e simples;
3) tendência moralista e antiespecula­tiva;
4) afeto expresso no fervor e desejo de Deus;
5) biblismo, ou seja, apego à Bíblia como base da Revelação;
274 © História da Igreja Antiga e Medieval

6) interioridade e silêncio;
7) ascetismo e esforço da vontade: fala-se mais do exercí-
cio das virtudes e da vitória contra os vícios do que da
fidelidade às aspirações do Espírito Santo.
Os principais representantes des­ta corrente espiritual foram:
1) Geraldo, o Grande (1340-1381).
2) Fio­renzo Rade­wijnis (+1400).
3) Teodo­rico de Herxen.
4) Henri­que Mande.
5) João Busch.
Um dos maiores representantes foi Tomás Kempis (1380-
1471), autor da Imitação de Cristo, que propõe a conformidade e a
configuração com Cristo.
Infelizmente, esses movimentos de reforma não conseguiram
o apoio esperado junto às altas esferas da hierarquia eclesiástica e
não puderam evitar o advento da Reforma Protestante, iniciada com
Martinho Lutero, a partir do ano de 1517. Mesmo assim, esses mo-
vimentos foram importantes para a Igreja porque serviram de base
para reforma eclesial articulada após o Concílio de Trento.

12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Como você descreve a transição entre Idade Média e Idade Moderna?

2) Quais as principais características da ciência escolástica e da mística medieval?

3) Quais as causas da crise da Cristandade medieval e do surgimento dos mo-


vimentos pré-luteranos?

4) Quais foram os aspectos marcantes das heresias medievais (cátaros, valden-


ses, apocalípticos)?

5) Identificar os movimentos de renovação eclesial na época dos mendicantes


e, também, no período pré-luterano.

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6) Analise e avalie a Inquisição.

7) Qual a importância deste estudo medieval para minha vida acadêmica e


profissional?

13. CONSIDERAÇÕES
Esta unidade abordou, também, conceitos relacionados à
transição entre Idade Média e Idade Moderna, destacando a ci-
ência escolástica, a mística medieval, a crise da Cristandade e os
movimentos pré-luteranos.
Chegamos ao final da disciplina: História da Igreja Antiga e
Medieval. É oportuno observar que o presente trabalho não teve a
pretensão de esgotar o assunto, pois nosso objetivo era o de traçar
os principais pontos que o envolvem a fim de despertar o interesse
pela pesquisa nessa área.
Continue pesquisando e discuta com seus colegas diferentes
respostas para os antigos problemas. Afinal, o caminho é construí-
do a cada passo! Esperamos que, nessa caminhada rumo ao saber,
nos encontremos novamente para outras buscas.
Resta, por fim, desejar a todos sucesso nos estudos e que os
ensinamentos adquiridos na presente disciplina sejam o primeiro
passo de uma caminhada de reflexão profunda sobre os funda-
mentos teológicos dos cristãos.
Foi um prazer conhecê-lo, ensinar e aprender com você!

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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