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SAN DO KAI

O CÂNTICO DA IDENTIDADE DA EXISTÊNCIA E DA ESSÊNCIA (Fusão da


Dualidade e da Vacuidade; Identidade do Relativo e do Absoluto)

O San Dō Kai (參同契) é considerado como o terceiro canto sagrado Zen


(séc. VIIIº). Este poema do oitavo Patriarca do Ch’an (Zen) chinês, Shitou
Xiqian (Sekito Kisen, 700-790) é texto fundamental da Escola Soto do
Zen, sendo cantado diariamente em seus templos pelo mundo afora. A
presente tradução, por Manuel-Osório de Lima Viana (Centro Zen-
Budista de Fortaleza: Sei An Ji - Templo da Pura Paz, 2011), fundamenta-
se na versão francesa do Mestre Taïsen Deshimaru (1914-1982), contida
no livro La Pratique du Zen – Textes Sacrés du Zen (Paris: Éditions
Seghers, 1974, 1975, 1977).

石頭希遷
Shih-t'ou Hsi-ch'ien (Wade-Giles)
Shitou Xiqian (Pinyin) Shi4tou5 Xi1qian1
Sekitõ Kisen (Japanese)

Mestre Sekito Kisen

1. O espírito (mente) do Grande Sábio (Buda) da Índia foi transmitido


íntima, direta e secretamente do Oeste (Índia) ao Leste (China).
2. Entre as personalidades humanas, as sensações e as inteligências
diferem, mas no Caminho (Tao) não existem o Sul e o Norte
(diferenças entre as Escolas).
3. A fonte espiritual é pura e brilhante, somente os afluentes
lamacentos (fenômenos) correm na escuridão.
4. Apegar-se demasiadamente aos fenômenos é causa de ilusão.
Seguir, encontrar a essência (a Vacuidade, o Absoluto) não é ainda
a verdadeira iluminação (Satori). (Caminho do Meio: existência e
essência).
5. Regidos pela lei da interdependência, todas as portas (os seis
sentidos) e seus objetos se interpenetram, juntos ou não.
Os dois (o ser humano e o cosmos) podem relacionar-se
harmoniosamente. Se este encontro harmonioso não se realiza (a
forma torna diferentes as aparências), cada um guarda a sua
posição.
6. A essência de todos os objetos visíveis possui, de acordo com cada
um, qualidades e imagens diferentes. A raiz da voz (os sons) muda,
de acordo com a alegria ou o sofrimento. Esta profundeza obscura
é o mundo da combinação dos elementos, em todas as direções,
embaixo, em cima, no meio. Mas, na presença da luz, os objetos
tornam-se claros e, em sua posição existencial, podemos distinguir
o que (as palavras) é puro daquilo que é lamacento.
7. A natureza dos quatro grandes gêneros (elementos) volta
automaticamente a sua fonte (origem) como uma criança retorna
a sua mãe.
8. O fogo é quente, o vento move-se, a água é líquida (úmida), a terra
sólida. Para os olhos existe a cor, os ouvidos percebem os sons, o
nariz sente os odores, a língua pode diferenciar o salgado do doce.
Mas todas as existências, como as folhas da árvore, são
alimentadas pela raiz. A origem (causa) e o fim (efeito) resultam
da mesma fonte: o Vazio. A origem e o fim retornam ao nada
(realidade). O nobre ou o vulgar são usados como se queira
(relativamente; tudo é Vacuidade)!
9. Na escuridão existe a luz; não olhai com uma visão obscura. Na luz
existe a escuridão; não olhai com uma visão luminosa.
10. Luz e escuridão formam uma oposição, mas dependem uma da
outra como o passo da perna direita depende da passada da perna
esquerda.
11. Cada existência (ente) tem seu valor (intrínseco); usai-as qualquer
que seja sua posição. Fenômeno (existência) e Vazio (essência) se
encaixam perfeitamente,
12. A flecha e a lança se tocam (os contrários ajustam-se como uma
caixa e a tampa). Ao ouvir esta linguagem deveis compreender sua
fonte (a Realidade). Não permaneçais nos conceitos (padrões)
egoístas e errôneos.
13. Se não podeis compreender o Caminho, mesmo que trilheis por
ele não podereis alcançá-lo (realizá-lo).
14. Palmilhando com vossos pés aqui e agora, não há nem perto nem
longe. A menor dúvida gera uma distância (do Caminho) tão
grande quanto a que separa a montanha do rio longínquo.
15. A vós que buscais o Caminho (a Iluminação), peço-vos
encarecidamente, não desperdiceis o momento presente.

OBSERVAÇÕES: 1. Entre parênteses, apresentamos alternativas ou


esclarecimentos. 2. Atente para o livro La Pratique du Zen – Textes
Sacrés du Zen quem desejar aprofundar-se, por meio dos comentários
imprescindíveis do Mestre Deshimaru, sobre cada verso. 3. Outra fonte
de comentários é o livro de Shunryu Suzuki, Branching Streams Flow in
the Darkness: Zen Talks on the Sandokai (Berkeley: University of
California Press, 1999). 4. Na vida diária, utilizamos especialmente o
hemisfério esquerdo do cérebro (ênfase na Sensação e Razão); somos
treinados em Lógica e Matemática. Já, de um ponto de vista laico, a
Dhyana/Ch’an/Zen/Meditação é uma técnica de desenvolvimento do
hemisfério direito (ênfase na Emoção e Intuição); adquirimos um “novo
ponto de vista” (D.T. Suzuki), não-dual, sobre nós mesmos, a vida e o
Universo. Por fim, a Mente transpõe a dimensão Espaço-Tempo e
penetra nos umbrais indescritíveis da Eternidade, como o conseguiram
os grandes místicos de todas as tradições. 5. Obviamente, não é trabalho
de leigos transpor, para idiomas do Ocidente moderno, textos chineses
ou japonese antiquíssimos. Assim, face à patente diversidade das
traduções em voga, impomo-nos o encargo de trazer ao vernáculo, em
duplicatas, os quatro clássicos cânticos sagrados do Zen, tendo por
duplo, complementar e sólido alicerce as versões inglesas de Daisetz
Teitaro Suzuki e francesas de Taïsen Deshimaru. Quando não
disponíveis, pesquisamos entre as melhores alternativas. 6. O âmago do
Soto Zen é o zazen (meditar sentado). Daniel Goleman didaticamente
sumariou os tipos de meditação em dois: a Meditação do Um e a
Meditação do Zero. No Budismo, denominam-se respectivamente:
Shamatha (conduz à concentração, tranquilidade) e Vipasyana (conduz
ao além-pensamento, Hishiryo, Satori).

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