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Educação, identidade negra e formação de

professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo

Nilma Lino Gomes


Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

Este artigo discute as particularidades e possíveis relações en-


tre educação, cultura, identidade negra e formação de profes-
sores/as, tendo como enfoques principais a corporeidade e a
estética. Para tal, apresenta a necessidade de articulação entre
os processos educativos escolares e não-escolares e a inserção
de novas temáticas e discussões no campo da formação de
professores/as.
Dando continuidade às reflexões realizadas pela autora
na sua tese de doutorado, discutem-se as representações e as
concepções sobre o corpo negro e o cabelo crespo, construídas
dentro e fora do ambiente escolar, a partir de lembranças e
depoimentos de homens e mulheres negras entrevistados durante
a realização de uma pesquisa etnográfica em salões étnicos de
Belo Horizonte. Para essas pessoas, a experiência com o corpo
negro e o cabelo crespo não se reduz ao espaço da família, das
amizades, da militância ou dos relacionamentos amorosos. A
escola aparece em vários depoimentos como um importante
espaço no qual também se desenvolve o tenso processo de
construção da identidade negra.
Lamentavelmente, nem sempre ela é lembrada como
uma instituição em que o negro e seu padrão estético são vis-
tos de maneira positiva. O entendimento desse contexto revela
que o corpo, como suporte de construção da identidade negra,
ainda não tem sido uma temática privilegiada pelo campo edu-
cacional, principalmente pelos estudos sobre formação de pro-
fessores e diversidade étnico-cultural. E que esse campo, tam-
bém , ao considerar tal diversidade, deverá se abrir para dialo-
gar com outros espaços em que os negros constroem suas iden-
tidades. Muitas vezes, locais considerados pouco convencionais
pelo campo da educação, como por exemplo, os salões étnicos.

Palavras-chave
Correspondência:
Nilma Lino Gomes Cultura – Formação de professores/as – Identidade negra – Estética.
Rua Itaparica, 216 apto. 102 - Serra
30240-130 – Belo Horizonte - MG
E-mail: nilmagomes@uol.com.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun. 2003 167
Education, black identity, and teacher education:
a look upon the black body and hair
Nilma Lino Gomes
Universidade Federal de Minas Gerais

Abstract

This article discusses the specificities and possible relations


between education, culture, black identity, and teacher education,
approaching them from the perspective of corporeity and
aesthetics. For that, the text introduces the need to articulate
education and non-education processes, to insert new themes and
discussions into the field of teacher education.
Following on the considerations made by the author in
her doctoral thesis, the representations and notions about the
black body and hair constructed inside and outside school are
discussed, based on memories and testimonies of black men and
women interviewed during an ethnographic study carried out in
ethnic beauty shops in Belo Horizonte. For those people, the
experience with the black body and hair is not restricted to the
family environment, friendships, militancy or love life. The
school appears in several testimonies as an important space in
which the tense process of construction of the black identity
also takes place.
Sadly, the school is not often remembered as an
institution where black people and their aesthetic standards are
viewed positively. The appreciation of this context reveals that
the body, as a support for the construction of the black
identity, still has to be taken up as a theme of choice by the
educational field, particularly in the studies on teacher
education and ethnic-cultural diversity. It also shows that, when
considering such diversity, this field of study will have to open
itself to the dialogue with other spaces where black people also
construct their identity, spaces such as beauty shops, many
times regarded as unconventional in the field of education.

Contact:
Keywords:
Nilma Lino Gomes
Rua Itaparica, 216 apto. 102 - Serra Culture – Teacher education – Black identity – Aesthetics.
30240-130 – Belo Horizonte - MG
E-mail: nilmagomes@uol.com.br

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A formação de professores/ras tem sido Será que conhecemos os estudos e as
uma preocupação constante do campo da edu- pesquisas realizados pela antropologia, pela so-
cação. O MEC, a universidade, os centros de for- ciologia, pela psicologia social, pela história, pela
mação de professores, as escolas, enfim, todos se comunicação social, entre outros, que têm as
preocupam e concordam que é preciso hoje relações raciais como objeto de investigação? Ao
formá-los mais adequadamente tanto em seu conhecermos tais estudos, refletimos sobre as
percurso inicial quanto em serviço. Mas apenas possíveis relações entres estes e o campo da
investir numa melhor formação não é o suficiente. educação, e vice-versa? A articulação entre a
A formação de professores/ras, sobretudo a que produção teórica educacional sobre o negro e a
visa a diversidade, deveria considerar outras ques- produção que tem sido realizada por diferentes
tões, tais como: como os/as professores/ras se for- áreas do conhecimento sobre a mesma temática
mam no cotidiano escolar? Atualmente, quais são poderá nos ajudar a descobrir novas dimensões
as principais necessidades formadoras dos/das da realidade racial brasileira? O conhecimento
docentes? Que outros espaços formadores inter- dessas dimensões não poderá ser incorporado
ferem na sua competência profissional e pedagó- como mais uma competência dos educadores
gica? Que temas os/as professores/ras gostariam nos seus processos de formação? Sem dúvida, os
de discutir e de debater no seu percurso de for- questionamentos acima nos mostram que essa
mação e no dia-a-dia da sala de aula? E que não é uma tarefa fácil. Para realizá-la será pre-
temáticas sociais e culturais são omitidas, não são ciso entender e considerar a importância da ar-
discutidas ou simplesmente não são consideradas ticulação entre cultura, identidade negra e edu-
importantes para a sua formação profissional e cação. Uma articulação que se dá nos processos
para o processo educacional dos seus alunos? educativos escolares e não-escolares.
Será que a questão racial está incluída nessas
temáticas omitidas ou silenciadas?1 O olhar sobre a identidade
Sabemos que existem vários artigos, negra: uma forma de articular
livros e pesquisas que discutem a relação en- cultura, educação e formação
tre a questão racial e a educação. Porém, seria de professores
interessante pesquisar se a produção teórica
sobre raça e educação, e negro e educação, Um dos primeiros caminhos a serem tri-
tem destacado a articulação entre identidade lhados nessa direção poderá ser o da inserção, nos
negra, cultura negra e formação de professores. cursos de formação de professores e nos proces-
Seria simplificar o problema dizer que sos de formação em serviço, de disciplinas, deba-
tudo o que produzimos sobre a questão racial tes e discussões que privilegiem a relação entre cul-
na educação e em outras áreas do conhecimento tura e educação, numa perspectiva antropológica.
pode ser aproveitado e aplicado na formação de A perspectiva antropológica nos ajuda a
professores. Estamos diante do desafio de ana- compreender que a cultura, seja na educação ou
lisar a produção acadêmica existente sobre rela- nas ciências sociais, é mais do que um conceito
ções raciais no Brasil e discutir quais aspectos acadêmico. De acordo com Denys Cuche (1999),
dessa produção devem fazer parte dos proces- ela diz respeito às vivências concretas dos sujei-
sos de formação dos docentes. Resta ainda ou- tos, à variabilidade de formas de conceber o
tro desafio, o de descobrir como a produção mundo, e às particularidades e semelhanças
sobre o negro e sua cultura, realizada por outras construídas pelos seres humanos ao longo do
áreas do conhecimento, poderá nos ajudar a processo histórico e social.
refletir sobre a temática negro e educação, en-
riquecendo e apontando novos caminhos para o 1. A partir deste momento, o texto abandona a fórmula “o(a)” ou o par
campo da formação de professores. negros e negras, o docente e a docente, adotando o genérico masculino.

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Os homens e as mulheres, por meio da cultura, em sua sociedade. Formas de educa-
cultura, estipulam regras, convencionam valo- ção que produzem e praticam, para que elas
res e significações que possibilitam a comuni- reproduzam, entre todos os que ensinam-e-
cação dos indivíduos e dos grupos. Por meio da aprendem, o saber que atravessa as palavras
cultura eles podem se adaptar ao meio, mas da tribo, os códigos sociais de conduta, as re-
também o adaptam a si mesmos e, mais do que gras do trabalho, os segredos da arte ou da
isso, podem transformá-lo. religião, do artesanato ou da tecnologia que
Laraia (2001, p. 67) nos relata que Ruth qualquer povo precisa para reinventar, todos os
Benedict escreveu, em O crisântemo e a espa- dias, a vida do grupo e a de cada um de seus
da, que a cultura é como uma lente através da sujeitos, através de trocas sem fim com a na-
qual o homem vê o mundo. Sendo assim, ho- tureza e entre os homens, trocas que existem
mens e mulheres de diferentes culturas usam dentro do mundo social onde a própria edu-
lentes diversas e, portanto, não têm a mesma cação habita, e desde onde ajuda a explicar –
visão das coisas. Ainda segundo esse autor: às vezes a ocultar, a necessidade da existência
de sua ordem. (p. 10-11)
o modo de ver o mundo, as apreciações de
ordem moral e valorativa, os diferentes Consideramos, assim, que existem dife-
comportamentos sociais e mesmo as postu- rentes e diversas formas e modelos de educação,
ras corporais são assim produtos de uma e que a escola não é o lugar privilegiado onde
herança cultural, ou seja, o resultado da ela acontece e nem o professor é o único res-
operação de uma determinada cultura. ponsável pela sua prática. Essa reflexão é impor-
(Laraia, 2001, p.68) tante para se pensar os processos edu-cativos,
quer sejam escolares ou não-escolares. Muitas
Entre os processos culturais construídos vezes, as práticas educativas que acontecem
pelos homens e pelas mulheres na sua relação paralelamente à educação escolar, desenvolvidas
com o meio, com os semelhantes e com os di- por grupos culturais, ONG’s, movimentos sociais
ferentes, estão as múltiplas formas por meio das e grupos juvenis precisam ser considerados pe-
quais esses sujeitos se educam e transmitem essa los educadores escolares como legítimas e for-
educação para as futuras gerações. É por meio madoras. Elas também precisam ser estudadas
da educação que a cultura introjeta os sistemas nos processos de formação de professores.
de representações e as lógicas construídas na Apesar de levar em conta essa dimen-
vida cotidiana, acumulados (e também transfor- são mais ampla e mais geral do processo edu-
mados) por gerações e gerações. cativo, neste artigo pretendo privilegiar a edu-
Por isso, ao discutirmos a relação entre cação que acontece no interior da instituição
cultura e educação, é sempre bom lembrar que escolar, tentando, porém, compreendê-la in-
a educação não se reduz à escolarização. Ela é serida no processo cultural e articulada com
um amplo processo, constituinte da nossa outros espaços educativos não-escolares. A
humanização, que se realiza em diversos espa- escola é vista, aqui, como uma instituição em
ços sociais: na família, na comunidade, no tra- que aprendemos e compartilhamos não só con-
balho, nas ações coletivas, nos grupos culturais, teúdos e saberes escolares mas, também, valo-
nos movimentos sociais, na escola, entre outros. res, crenças e hábitos, assim como preconcei-
Como nos diz Carlos Rodrigues Brandão (1981): tos raciais, de gênero, de classe e de idade. É
essa visão do processo educativo escolar e sua
A educação é, como outras, uma fração do relação com a cultura e a educação — vista de
modo de vida dos grupos sociais que a criam uma maneira mais ampla — que nos permite
e recriam, entre tantas outras invenções de sua aproximar e tentar compreender melhor os

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caminhos complexos que envolvem a constru- sociais têm caráter fragmentado, instável, his-
ção da identidade negra e sua articulação com tórico e plural (Louro, 1999).
os processos formativos dos professores e das Assim, como em outros processos iden-
professoras. É também essa visão que nos pos- titários, a identidade negra se constrói gra-
sibilita compreender a presença da dimensão dativamente, num processo que envolve inúme-
educativa em diferentes espaços sociais e não ras variáveis, causas e efeitos, desde as primeiras
somente no interior da escola. relações estabelecidas no grupo social mais ínti-
Mas como a identidade negra se articu- mo, em que os contatos pessoais se estabelecem
la com a cultura e com a educação? Um cami- permeados de sanções e afetividade e no qual se
nho interessante para refletir sobre essa articu- elaboram os primeiros ensaios de uma futura vi-
lação seria não pensar a identidade negra como são de mundo. Geralmente tal processo se inicia
a única possível de ser construída pelos sujei- na família e vai criando ramificações e desdobra-
tos que pertencem a esse grupo étnico/racial. mentos a partir das outras relações que o sujeito
Entre as múltiplas identidades sociais que os estabelece.
negros e as negras constroem, a identidade A identidade negra é entendida, aqui,
negra é uma delas. como uma construção social, histórica, cultu-
A reflexão sobre a construção da iden- ral e plural. Implica a construção do olhar de
tidade negra não pode prescindir da discussão um grupo étnico/racial ou de sujeitos que per-
sobre a identidade como processo mais amplo, tencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre
mais complexo. Esse processo possui dimensões si mesmos, a partir da relação com o outro.
pessoais e sociais que não podem ser separa- Construir uma identidade negra positi-
das, pois estão interligadas e se constroem na va em uma sociedade que, historicamente,
vida social. ensina ao negro, desde muito cedo, que para
Como sujeitos sociais, é no âmbito da ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um
cultura e da história que definimos as identida- desafio enfrentado pelos negros brasileiros. Será
des sociais (todas elas, e não apenas a identi- que, na escola, estamos atentos a essa questão?
dade racial, mas também as identidades de Será que incorporamos essa realidade de manei-
gênero, sexuais, de nacionalidade, de classe, ra séria e responsável quando discutimos, nos
etc.). Essas múltiplas e distintas identidades processos de formação de professores, sobre a
constituem os sujeitos, na medida em que es- importância da diversidade cultural?
tes são interpelados a partir de diferentes situa- Nesse sentido, quando pensamos a arti-
ções, instituições ou agrupamentos sociais. culação entre educação, cultura e identidade
Reconhecer-se numa delas supõe, portanto, negra, falamos de processos densos, movediços
responder afirmativamente a uma interpelação e plurais, construídos pelos sujeitos sociais no
e estabelecer um sentido de pertencimento a decorrer da história, nas relações sociais e cul-
um grupo social de referência. Nesse processo, turais. Processos que estão imersos na articula-
nada é simples ou estável, pois essas múltiplas ção entre o individual e o social, entre o passa-
identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, do e o presente, entre a memória e a história.
lealdades distintas, divergentes, ou até contra- Nessa perspectiva, quando pensamos a
ditórias. Somos, então, sujeitos de muitas iden- escola como um espaço específico de forma-
tidades e essas múltiplas identidades sociais ção, inserida num processo educativo bem mais
podem ser, também, provisoriamente atraentes, amplo, encontramos mais do que currículos,
parecendo-nos, depois, descartáveis; elas po- disciplinas escolares, regimentos, normas, pro-
dem ser, então, rejeitadas e abandonadas. So- jetos, provas, testes e conteúdos. A escola pode
mos, desse modo, sujeitos de identidades tran- ser considerada, então, como um dos espaços
sitórias e contingentes. Por isso as identidades que interferem na construção da identidade

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negra. O olhar lançado sobre o negro e sua campo ainda é incipiente e que, apesar do
cultura, na escola, tanto pode valorizar identida- aumento da produção teórica sobre negro e
des e diferenças quanto pode estigmatizá-las, educação, nos últimos anos no Brasil, ainda há
discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. muito trabalho a fazer. Um destes temas pou-
É importante lembrar que a identidade co explorados no âmbito da formação de pro-
construída pelo negro se dá não só por oposição ao fessores evidenciou-se durante a realização de
branco mas, também, pela negociação, pelo conflito uma pesquisa etnográfica em salões étnicos de
e pelo diálogo com este. As diferenças implicam pro- Belo Horizonte, que desenvolvi para a conclu-
cessos de aproximação e distanciamento. Nesse jogo são do doutorado em Antropologia Social na
complexo, vamos aprendendo, aos poucos, que as Universidade de São Paulo: a relação entre
diferenças são imprescindíveis na construção da nos- negro, corpo e estética.
sa identidade. Essa pesquisa teve como enfoque prin-
Sendo entendida como um processo con- cipal a relação entre negro, cultura e estética
tínuo, construído pelos negros nos vários espaços corporal. Durante as entrevistas, vários depoen-
— institucionais ou não — nos quais circulam, po- tes, homens e mulheres, jovens e adultos na
demos concluir que a identidade negra também é faixa de 21 a 60 anos, ao retomarem momen-
construída durante a trajetória escolar desses su- tos significativos da sua história de vida, rela-
jeitos. Nesse percurso, os negros deparam-se, na es- cionados com a dimensão estética, destacaram
cola, com diferentes olhares sobre o seu per- a sua passagem pela escola.
tencimento racial, sobre a sua cultura, sua histó- Assim, embora não tivesse como foco
ria, seu corpo e sua estética. Muitas vezes esses principal a formação de professores, ao refletir-
olhares chocam-se com a sua própria visão e ex- mos sobre as experiências e os depoimentos
periência da negritude. Estamos no complexo cam- das cabeleireiras, dos cabeleireiros e clientes
po das identidades e das alteridades, das semelhan- dos salões étnicos sobre suas vivências escola-
ças e diferenças e, sobretudo, diante das diversas res, no que se refere ao corpo negro e ao ca-
maneiras como estas são tratadas pela sociedade. belo crespo, fatalmente somos questionados
sobre a formação dos docentes. E ao conside-
Representações e impressões rarmos a relação entre as representações sobre
sobre o corpo negro: uma o corpo negro e os processos de formação de
questão colocada para a professores, alguns questionamentos vêm à
formação de professores tona: como os educadores negros e brancos
pensam o próprio corpo? Como pensam e vêem
Ultimamente, alguns pesquisadores que o corpo negro? Durante os processos de for-
trabalham com formação de professores, currí- mação docente, os educadores têm contato
culo e história da educação, (Veiga, 2000; com reflexões que discutem as representações
Canen; Moreira, 2001; Apple, 2001, entre ou- construídas em nossa sociedade sobre o negro,
tros) têm se aproximado mais dos estudos so- sua estética, sua ascendência africana e as for-
bre negro e educação, desenvolvendo pesqui- mas como estas se misturam com situações de
sas que articulam educação dos negros e me- racismo, discriminação e preconceito racial?
mória; currículo e multiculturalismo, formação Como os professores lidam com as diferenças
de professores e diversidade cultural. Tal apro-
ximação faz parte de um movimento interessan-
2. É importante citar o Concurso Negro e Educação, iniciativa promovida
te que vem ocorrendo na produção teórica pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação-
educacional sobre relações raciais no Brasil. 2 ANPEd em parceria com a Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Infor-
mação, com apoio da Fundação Ford. Além das pesquisas, o concurso tem
Aqueles que já estão realizando esse movimen- realizado seminários, debates e publicações sobre a temática. No ano de
to, aos poucos, vão descobrindo como esse 2003 já foi lançado o III Concurso, que está em andamento.

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étnico-raciais inscritas no seu próprio corpo e lidade africana recriada no Brasil. Lamentavelmen-
no corpo de suas alunas e de seus alunos? te, a escola não aparece entre esses espaços de
Para as pessoas entrevistadas durante a revalorização da estética, do corpo negro e do
realização da pesquisa (Gomes, 2002), a expe- cabelo crespo. Por que será?
riência com o corpo negro e o cabelo crespo Compreender a complexidade na qual a
não se reduz ao espaço da família, das amiza- construção da identidade negra está inserida,
des, da militância ou dos relacionamentos sobretudo quando levamos em consideração a
amorosos. A escola aparece em vários depoi- corporeidade e a estética, é uma das tarefas e
mentos como um importante espaço no qual desafios colocados para os educadores. Deveria,
também se desenvolve o tenso processo de também, ser uma das preocupações dos proces-
construção da identidade negra. Lamentavel- sos de formação de professores quando estes
mente, na maioria das vezes, a instituição es- discutem a diversidade étnico-cultural. Os pro-
colar aparece nas lembranças dos depoentes fessores trabalham cotidianamente com o seu
reforçando estereótipos e representações nega- próprio corpo. O ato de educar envolve uma
tivas sobre o negro e o seu padrão estético. exposição física e mental diária. Porém, ao mes-
A pesquisa revelou que, no processo de mo tempo em que se expõem, os educadores
construção da identidade, o corpo pode ser também lidam com o corpo de seus alunos e de
considerado como um suporte da identidade seus colegas. Esses corpos são tocados, sentidos.
negra e o cabelo crespo como um forte ícone A relação pedagógica não se desenvolve só por
identitário. Será que, ao pensarmos a relação meio da lógica da razão científica mas, também,
entre escola, cultura, relações raciais e de gênero pelo toque, pela visão, pelos odores, pelos sabo-
nos processos de formação de professores, leva- res, pela escuta. Estar dentro de uma sala de
mos em conta a radicalidade dessas questões? aula significa colocar a postos, na interação com
O papel desempenhado pela dupla ca- o outro, todos os nossos sentidos.
belo e cor da pele na construção da identida- Somos sujeitos corpóreos e usamos o
de negra foi o ponto de maior destaque duran- nosso corpo como linguagem, como forma de
te a realização da pesquisa. A importância des- comunicação. O que será que o aluno negro
ses, sobretudo do cabelo, na maneira como o nos comunica por meio de seu corpo? Com a
negro se vê e é visto pelo outro, até mesmo sua postura? Pela maneira como cuida do seu
para aquele que consegue algum tipo de ascen- corpo? Como ele se apresenta esteticamente?
são social, está presente nos diversos espaços Por outro lado, quais são as representações
e relações nos quais os negros se socializam e que nós, docentes, construímos desde a infân-
se educam: a família, as amizades, as relações cia sobre o negro, seu corpo e sua estética?
afetivo-sexuais, o trabalho e a escola. Para esse Será que essas representações, quando nega-
sujeito, o cabelo carrega uma forte marca tivas, tornam-se mais fortes no exercício do
identitária e, em algumas situações, é visto trabalho docente, a ponto de nos tornar cegos
como marca de inferioridade (Gomes, 2002). e surdos para entender o que os nossos alu-
Porém, existem outros espaços em que o nos tentam nos comunicar? Quantas vezes não
cabelo é visto numa perspectiva de revalorização. ouvimos frases como “o negro fede”; “o cabe-
São eles: os contextos familiares em que se pre- lo rastafari é sujo e não se pode lavá-lo”; “o
serva a memória ancestral africana, alguns espa- negro que alisa o cabelo tem desejo de em-
ços da militância política, os salões étnicos, en- branquecer”; “aquele é um negro escova-
tre outros. Essa revalorização extrapola o indiví- dinho”; “por que você não penteia esse cabelo
duo e atinge o grupo étnico/racial a que perten- pixaim”; “esses meninos de hoje usam roupas
ce. Ao atingi-lo, acaba remetendo, às vezes de estranhas, parecem pivetes”? Quantas vezes
forma consciente e outras não, a uma ancestra- essas frases não são repetidas pelos próprios

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docentes, dentro de sala de aula, nas conver- debates e atividades sobre a história e a cultura
sas informais e nos conselhos de classe? Quan- afro-brasileira. Nesse processo, um estudo sobre
tas vezes essas frases não são emitidas nos o negro, o cabelo crespo e as práticas corporais
corredores das faculdades de educação e nas pode ser um bom caminho.
universidades? Destacar a existência de uma positividade
nas práticas do negro diante do cabelo, hoje,
Como a escola lida com o quer seja trançando, implantando ou alisando-
corpo negro e o cabelo o, pode ser um interessante exercício intelec-
crespo? tual que nos afasta das análises que primam pelo
olhar da introjeção do branqueamento. Podere-
O corpo localiza-se em um terreno so- mos resgatar e encontrar muitas semelhanças
cial conflitivo, uma vez que é tocado pela es- entre algumas técnicas de manipulação do cabe-
fera da subjetividade. Ao longo da história, o lo realizadas pelos negros contemporâneos e
corpo se tornou um emblema étnico e sua ma- aquelas que eram desenvolvidas pelos nossos
nipulação tornou-se uma característica cultural ancestrais africanos, a despeito do tempo e das
marcante para diferentes povos. Ele é um sím- mudanças tecnológicas. Esse processo pode ser
bolo explorado nas relações de poder e de do- visto como a presença de aspectos inconscien-
minação para classificar e hierarquizar grupos tes, como formas simbólicas de pensar o corpo
diferentes. O corpo é uma linguagem e a cul- oriundas das diversas etnias africanas das quais
tura escolheu algumas de suas partes como somos herdeiros e que não se perderam total-
principais veículos de comunicação. O cabelo é mente na experiência da diáspora. Em todos
uma delas. esses momentos, a busca da beleza por meio da
O cabelo é um dos elementos mais visí- manipulação do cabelo destaca-se como uma
veis e destacados do corpo. Em todo e qualquer virtualidade histórica e atuante . Esta é uma
grupo étnico ele é tratado e manipulado, todavia questão que merece ser trabalhada nos proces-
a sua simbologia difere de cultura para cultura. sos de formação de professores quando se pre-
Esse caráter universal e particular do cabelo atesta tende estudar a questão racial.
a sua importância como símbolo identitário. Mas como a escola lida com o corpo
O entendimento da simbologia do cor- negro, o cabelo crespo e a cultura negra? Como
po negro e dos sentidos da manipulação de suas as crianças, adolescentes, jovens e adultos ne-
diferentes partes, entre elas, o cabelo, pode ser gros são vistos e se vêem na escola? Para res-
um dos caminhos para a compreensão da iden- pondermos a essas questões teremos que nos
tidade negra em nossa sociedade. Pode ser, tam- aproximar dos homens e mulheres negras que já
bém, um importante aspecto do trabalho com a passaram pela escola e também daqueles que
questão racial na escola que passa despercebi- ainda estão realizando a sua trajetória escolar e
do pelos educadores e educadoras. Em torno da escutar, atentamente, o que eles têm a nos dizer,
manipulação do corpo e do cabelo do negro como a dona de casa M., de 29 anos:
existe uma vasta história. Uma história ancestral
e uma memória. Há, também, significações e M.: Ah! Antigamente tinha muita gozação.
tensões construídas no contexto das relações Às vezes chamavam de cabelo frito... ah...
raciais e do racismo brasileiro. A discussão sobre muita gozação. Cabelinho ruim, muita coisa
a riqueza do trato do corpo negro e sobre os assim, agora não.
processos de opressão que o mesmo tem rece- N.: Você acha que isso mudou?
bido ao longo da história pode vir a ser uma rica M.: Hum... um pouco. Mudou um pouco.
atividade pedagógica a ser desenvolvida com os Hoje em dia, os negros não querem ficar
alunos e as alunas em sala de aula, possibilitando pra trás não.

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N.: E isso que você disse: cabelinho frito, prio negro contemporâneo lida com a diferen-
cabelinho ruim. Em que lugares lhe falavam ça racial inscrita no seu corpo e no seu tipo
isso? de cabelo? Ou ainda: será que as manifesta-
M.: Em escolas... escola, danceteria que a ções de preconceito estão diminuindo dentro
gente ia... do atual espaço escolar?
N.: Isso era muito falado? Não podemos deixar de pontuar que a
M.: Tinha, e como tinha! Até os próprios sociedade e a escola brasileira da atualidade
negros falavam. Hoje em dia já é diferente. têm construído representações sociais mais
(...) É que hoje tem muitas opções e anti- positivas sobre o negro e sua estética. É o que
gamente não tinha. Eu e a minha cabelei- nos fala a depoente acima. Essa transformação,
reira mesmo, nós falamos: “Nossa menina! sem dúvida, não se dá por honra e glória da
Na nossa época da escola! A gente ia com educação escolar. Se pesquisarmos mais a fun-
o cabelinho horrível pra escola”. Agora não, do, encontraremos a ação da comunidade ne-
você pode escolher tudo para o cabelo. O gra organizada em movimentos sociais, dos
cabelo (...) você quer azul, do jeito que grupos culturais negros, das comunidades-ter-
você quer, você põe. Agora tem opção, reiro como partes importantes no processo de
agora é diferente. Agora o negro fica do denúncia contra o racismo e de afirmação da
jeito que ele quer. Você vê que tem até ne- identidade negra. Encontraremos também famí-
gro loiro aí, antigamente não tinha. Era só lias negras que, atentas aos dilemas de seus
aquilo e aquilo mesmo. Os negros que an- filhos e filhas, enfatizam de forma positiva e de
davam com cabelo arrumado, eram os que diversas maneiras a herança cultural negra.
tinham dinheiro, porque antigamente era Esses grupos e essas famílias sempre pressiona-
caríssimo ir ao salão. Hoje em dia, não. ram a escola e sempre cobraram desta institui-
ção uma responsabilidade social e pedagógica
É interessante constatar que o depoi- diante da questão racial. Porém, essa pressão
mento expressa uma mudança, nos dias de não se limita à escola. Ela atinge a sociedade
hoje, em relação à representação construída como um todo e, aos poucos, tem tornado
sobre o negro e seu cabelo, às possibilidades possível uma lenta inserção social do negro em
econômicas e ao acesso aos espaços de bele- alguns setores do mercado de trabalho, a sua
za que cuidam do corpo do negro e do cabelo presença (mesmo tímida) nos meios de comuni-
crespo. Essa mudança também possibilita ao cação e nos veículos publicitários e a sua en-
negro apresentar-se esteticamente de uma trada em maior número na educação básica.
maneira considerada mais “aceitável” social- Somando-se aos outros grupos sociais que lu-
mente, o que pode ter contribuído para a di- tam pela democratização da sociedade, a comu-
minuição dos apelidos e tratamentos precon- nidade negra tem conseguido mudar, aos pou-
ceituosos nos espaços públicos, entre eles, a cos, a situação do negro no Brasil. Mas ainda
escola. Será que essa mudança se deve so- há muito que avançar.
mente à invenção das novas técnicas de pen- Nesse processo lento e tenso, alguns
tear e alisar o cabelo apontadas pela depoen- negros, desde muito cedo, aprendem a posi-
te? Ou seja, não mais o “cabelo frito” pelo cionar-se de maneira afirmativa e a reagir à dis-
pente quente, mas o cabelo “relaxado” via criminação racial. Muitas crianças negras per-
produtos químicos de maior qualidade ou cebem, desde muito cedo, que ser chamada de
“alongado” via processos mais variados de im- “negrinha” nem sempre significa um tratamen-
plantes, ou mesmo o “careca” cortado com to carinhoso, pelo contrário, é uma expressão do
máquina um? Ou será que essa mudança im- racismo. Nesse contexto, cada um luta com as
plica alguma alteração na forma como o pró- armas que tem:

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B.: Eu era muito bagunceira na escola, meu cabelo era batidinho e os meninos me
nunca deixei que ninguém me chamasse chamavam de Paulo Isidoro. Ah! Eu odiava!
de negrinha na escola, porque eu batia ne- Ele era um jogador de futebol, nossa, era
les mesmo! Então quando eu chegava em tanta coisa! Tinha uma turminha de rapa-
casa meu pai me batia e, no outro dia, eu zes, então, a gente estava começando a se
batia no menino de novo, e fui fazendo interessar por rapazes. Mas assim, eu ja-
aquela coisa... Na escola os meninos chega- mais ia me interessar por alguém, porque
vam e me respeitavam... eu era a única eu jamais ia imaginar que alguém ia se in-
negrinha da sala, então eles diziam: “Ah, eu teressar por mim. E tinha as meninas da
não vou mexer com ela não, porque ela sala que jogavam piadinhas, entendeu?
bate na gente”. Eu pedia merenda, porque Tanto que eu tive que sair do colégio por-
eu não tinha condições de comprar meren- que meu rendimento era péssimo. Eu não
da e os meninos me davam merenda. Quan- conversava com ninguém... eu odiava res-
do não me davam eu batia neles e eles me ponder presente durante a chamada, ir à
davam a merenda. (B. 38 anos, cabeleireira lousa... nem pensar! Me chamavam de Pau-
étnica) lo Isidoro, que eu era isso, era aquilo, en-
tendeu? As meninas tudo burguesinhas, de
Mas nem todos sabem se defender dos cabelão, a maioria, loira e tal. Eu não tinha
xingamentos preconceituosos. As experiências amiga nenhuma, porque jamais elas chega-
de preconceito racial vividas na escola, que vam perto de mim. Eu tinha uma só, que
envolvem o corpo, o cabelo e a estética, ficam era assim, bem negona, fortona. Ela era a
guardadas na memória do sujeito. Mesmo de- minha colega, eu tinha só ela, porque nós
pois de adultos, quando adquirem maturidade duas ficávamos assim: as excluídas da sala.
e consciência racial que lhes permitem superar (N. cabeleireira étnica, 26 anos)
a introjeção do preconceito, as marcas do ra-
cismo continuam povoando a sua memória. A Mas as experiências negativas vividas
ausência da discussão sobre essas questões, na escola por causa do cabelo crespo, revela-
tanto na formação dos professores quanto nas das pela depoente, não param por aí. Quando
práticas desenvolvidas pelos docentes na escola experimentava diferentes maneiras e técnicas de
básica, continua reforçando esses sentimentos arrumar o cabelo, mesmo que fossem aquelas
e as representações negativas sobre o negro. que se aproximavam do padrão de cabelo liso,
Nem sempre os professores e as professoras a então adolescente negra era vista com estra-
percebem que, por detrás da timidez e da re- nhamento e com hostilidade pelos colegas. Até
cusa de participação de trabalhos em grupos, mesmo hoje, depois de adultas, as mulheres
encontra-se um complexo de inferioridade negras continuam enfrentando um verdadeiro
construído, também, na relação do negro com “patrulhamento ideológico” em relação à sua
a sua estética durante a sua trajetória social e estética. Alguns as desejam com o cabelo “cres-
escolar. po natural”, considerado por um grupo como
autêntica expressão da negritude; outros que-
N.: Teve uma época, isso foi na quarta série, rem-nas de tranças, por julgarem que esse pen-
eu estudei... quando eu fiz 12 anos, eu es- teado aproxima a mulher (e o homem negro) de
tudei no Bernardo Monteiro. Eu era a única suas raízes africanas; outros, com o cabelo ali-
negra lá da sala. No Bernardo Monteiro, na sado, por considerarem que tal penteado apro-
parte da manhã, na época, era classe média xima as mulheres negras do padrão estético
alta. Mas, na realidade, eu não me lembro branco, visto socialmente como o mais belo.
se eu era a única negra da sala, eu sei que Enfim, esse tipo de cerceamento da liberdade

176 Nilma Lino GOMES. Educação, identidade negra e formação de...


da expressão estética e corporal do negro, so- É importante destacar no testemunho
bretudo da mulher negra, demonstra que con- acima não somente as relações de ciúmes e
tinuamos mergulhados nas malhas do racismo disputas desenvolvidas dentro dos grupos de
e do preconceito racial. Na realidade, o que adolescentes que competem entre si, no inte-
pode parecer uma simples opinião ou um mero rior da escola, em termos de beleza, esperteza,
julgamento estético, revela a existência de uma “inteligência”, paqueras, mas também uma
tensão racial, fruto do racismo ambíguo e do outra questão igualmente importante: os sen-
ideal do branqueamento desenvolvidos no Bra- timentos que a depoente desenvolvia em rela-
sil. Essas questões deveriam ser consideradas ção à sua própria aparência, dando um desta-
com mais seriedade pelos educadores e pelas que maior ao cabelo e à maneira como ele era
educadoras. Vejamos o que N. nos diz, conti- visto pelo outro, pelos colegas. Somente no dia
nuando seu depoimento: em que ela chegou à escola com o cabelo ali-
sado é que lhe disseram: “Nossa, você está
N.: Quando eu era mais nova eu ia pra es- diferente hoje, arrumou o cabelo!”. É interes-
cola e eu tinha o cabelo de trancinha. Eu sante pensar que somente quando ela se apre-
me lembro de uma vez, estava na quarta sentou com um penteado próximo do padrão
série... Ai, meu Deus, eu não esqueço!...., “branco”, ou seja, do cabelo liso, é que ela
tem coisa que marca, a gente não esquece. pôde receber o reconhecimento dos outros de
Eu estava na aula, então, eu usava tranci- que arrumara e penteara o cabelo. Ora, se a pró-
nha. Um dia minha mãe resolveu tirar mi- pria depoente nos diz que quando ia à escola
nha trancinha e alisar meu cabelo. Eu ali- “eu tinha o cabelo de trancinha (...) Eu estava
sei meu cabelo, eu lembro como se fosse na aula, então, eu usava trancinha (...)”, pode-
hoje. Eu lembro, minha mãe alisou... foi mos concluir que usar o cabelo com trancinha
no salão, alisou, ficou assim, balançando não era considerado pelos colegas como “arru-
ao vento. Ficou lindo meu cabelo, maravi- mado”, ou seja, penteado. No entanto, o uso
lhoso! Só que eu fiquei com vergonha de das tranças pelos negros, além de carregar toda
sair do salão com o cabelo, porque estava uma simbologia originada de uma matriz afri-
bonito, eu fiquei com vergonha, porque cana ressignificada no Brasil, é, também, um
estava bonito e ia chamar a atenção. En- dos primeiros penteados usados pela criança
tão eu fui pra aula. Eu sempre sentei mais negra e privilegiados pela família. Fazer as tran-
perto da primeira carteira, só que eu sen- ças, na infância, constitui um verdadeiro ritual
tava perto da janela. Eu quase entrei den- para essa família. Elaborar tranças variadas no
tro do armário pra ficar escondida, por cabelo das filhas é uma tarefa aprendida e
causa do cabelo. E tinha um menino bran- desenvolvida pelas mulheres negras.
quinho, o Leonardo, lindo, do olho azul, Embora, à primeira vista, os comentá-
branquinho, que sentava na primeira car- rios dos colegas pudessem parecer ingênuos, N.
teira. Eu parti o cabelo de lado, coloquei demonstra que entendeu a mensagem racial
um passadorzinho com umas pedrinhas de contida no seu interior. Compreendeu também
strass . O pessoal olhou, lógico que iam re- o peso negativo que ela carregava e, pelo vis-
parar, eu tinha o cabelo de trancinha e to, durante anos ficou marcada e presa a esse
eles falaram assim: “Nossa, você está dife- lugar que lhe impuseram: o lugar da inferiori-
rente hoje, arrumou o cabelo!”. E um me- dade. Será que tal situação deixou de existir?
nino falou: “Ficou mais feia ainda”. Aquilo Será que comentários como esses não aconte-
foi a morte, depois que ele falou aquilo, cem mais em nossas salas de aula? E como eles
nem pra aula eu queria ir mais. Não queria repercutem nos sujeitos que os enunciam e
ir pra aula. naqueles que os recebem?

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Ressignificação da identidade bre a população, etc. Ela falou que a gente
negra por meio do corpo e do podia escolher a área, só que tinha que ser
cabelo sobre os norte-americanos (...) Eu falei:
“Então tá, eu vou fazer sobre o cabelo!”. E
Mas, como já foi dito anteriormente, o ela: “Ah, só podia ser sobre o cabelo!”. Eu
processo de construção da identidade negra é fiz, ela adorou o trabalho, vou te mostrar,
muito mais complexo, instável e plural. Apesar eu acho que está aqui. Ela adorou o traba-
das marcas negativas deixadas pelas experiências lho, queria ficar com o trabalho pra ela e
de discriminação, o negro se reconstrói positiva- eu falei: “Não, vou tirar um xerox colorido
mente. É claro que esse processo não se dá no e vou te passar...”. Então fiz assim: sobre o
isolamento e varia de pessoa para pessoa. Exis- cabelo étnico, entendeu? Desde quando
tem diferentes espaços e agentes que interferem começou até hoje, lá, nos Estados Unidos.
no processo de rejeição/aceitação/ressignificação E ela achou superlegal! (...) Eu entrei esse
do ser negro. Pode ser a família, a participação ano novamente no colégio (...). O pessoal
em espaços políticos, a atuação de um profes- sabe que eu tenho salão e então me per-
sor ou professora, a construção de uma amiza- guntam tudo sobre o cabelo... Às vezes
de ou de um relacionamento amoroso ou, no está passando uma matéria e eles falam:
caso da depoente anteriormente citada, o en- “N. o meu cabelo...”; e a outra: “N., o meu
volvimento com a questão racial via estética: cabelo...”. Sabe? Tudo é sobre o cabelo! O
profissionalizando-se como cabeleireira étnica. pessoal de outra sala, no recreio, me cha-
Esse lugar construído positivamente, a ma: “N., eu queria um banho de creme no
partir da sua própria diferença, garantiu à cabe- meu cabelo...”. Porque lá, nesse colégio,
leireira étnica entrevistada legitimidade diante da são pessoas assim, a maioria é da área da
professora e dos colegas da escola. A constru- Ventosa, Morro das Pedras, então o pessoal
ção desse lugar, sem o esquecimento das expe- não tem condições, acha caríssimo! O pes-
riências difíceis vividas na infância e narradas soal ganha de um salário mínimo pra baixo!
anteriormente, possibilitou a sua formação como Teve uma menina da minha sala que falou:
mãe e mulher negra atenta e sensível para com “Eu queria tanto ir no seu salão mas pelas
a construção da identidade racial de outros suas fotos eu acho que eu não vou ter con-
negros e negras. dições de pagar...”. Olha só! Só pelas fotos
No depoimento abaixo, vemos como a do salão que eu mostrei na sala. E eu falei
postura de uma professora mais atenta ao lugar para ela: “Não, não tem nada disso, engano
ocupado pela aluna negra no interior da sala, seu. Quanto você paga para fazer escova?”.
somada a uma desenvoltura maior de N. em “Doze reais”, ela disse. Eu falei: “Pois é, no
relação à questão racial e sua identidade negra, meu salão você só pagaria oito”. “Ah, é mes-
abriram caminho para que a aluna viesse a falar mo?” Eu falei: “É!”. Ela ficou toda satisfeita,
sobre “cabelo” em um dos trabalhos solicitados. foi ao salão e fez a escova. (N. 26 anos, ca-
A menina negra, que antes tinha medo de se beleireira étnica)
posicionar diante do outro e até mesmo de res-
ponder à chamada, torna-se, agora, o centro das Certamente, se essa professora fosse
atenções ao falar sobre a questão racial de for- adepta de uma prática pedagógica conserva-
ma positiva, a partir do próprio ofício: dora ou “neutra” diante da questão racial,
esse espaço não teria sido criado e o grupo
N.: Foi a professora de inglês, sim. O traba- de alunos negros e brancos daquela sala de
lho era sobre... sobre o tema: poderíamos aula não teria vivido uma experiência escolar
falar sobre o clima dos Estados Unidos, so- tão interessante.

178 Nilma Lino GOMES. Educação, identidade negra e formação de...


Atentos à importância do trabalho com Por isso, engana-se quem pensar que
a questão racial e com a responsabilidade so- os jovens e adolescentes negros encontram-se
cial da escola na desconstrução de estereótipos sozinhos nesse denso e tenso processo de
raciais, alguns estabelecimentos de ensino, ressignificação da identidade negra, por meio
sobretudo do setor público, já desenvolvem do corpo e do cabelo, quando a escola não se
trabalhos e projetos voltados para a valorização abre para esse trabalho. Os espaços educativos
da cultura negra. As escolas que percebem a não-escolares desempenham um papel impor-
importância de um trabalho coordenado com a tante nesse processo. Muitas vezes, esses locais
comunidade, os movimentos sociais e profis- não são percebidos como afirmativos e signifi-
sionais negros que lidam no seu cotidiano com cativos por aqueles que a eles não têm acesso.
a questão racial, abrem as suas portas para um No caso da pesquisa aqui relatada, os salões de
trabalho conjunto. É nesse momento que a beleza étnicos apresentam-se como alguns
articulação entre os espaços escolares e não- desses espaços educativos não-escolares.
escolares pode acontecer. No caso da pesqui- Os salões étnicos apresentam, no seu
sa em questão, é também nesse momento que interior e na sua constituição, todas as tensões
os salões de beleza étnicos e a escola desen- e ambigüidades que envolvem a construção da
volveram, juntos, um trabalho positivo em re- identidade negra no Brasil. Porém, não é só
lação à identidade negra. Certamente, esses isso. Eles se destacam como espaços de resis-
projetos e iniciativas influenciam positivamen- tência. Revelam-se como algo muito além de
te a construção da auto-estima e da identida- microempresas ou lugares de “embranquecimento”,
de negra de crianças, adolescentes, jovens e como julgam algumas pessoas. Eles são espa-
também dos professores. É o que nos conta ços da comunidade negra. As pessoas que por
outra entrevistada: ali circulam e as que ali trabalham enfrentam,
cotidianamente, o desafio de “lidar” com as
D.: Então eu vou nas escolas, em várias es- questões concernentes à construção da identi-
colas, fazendo trabalhos, penteando o cabe- dade negra. Nesses espaços, a identidade negra,
lo dos garotos e faço desfiles. Às vezes, na enquanto processo, é problematizada, discuti-
escola, essas meninas que participam, que a da, afirmada, negada, encoberta, rejeitada, acei-
gente produz dentro da escola, nós traze- ta, ressignificada e recriada. Tudo isso aconte-
mos algumas para participar com a gente, ce ao mesmo tempo e, nesse sentido, os salões
em alguns desfiles que promovemos como, étnicos nos colocam no cerne das tensões e
por exemplo, a Feira Mineira da Beleza. Teve também das possibilidades de recriação vividas
a Primeira Feira Étnica de Belo Horizonte e por homens, mulheres, crianças, adolescentes,
eu trouxe meninas que participaram com a jovens e adultos negros.
gente nesses desfiles nas escolas. Também
teve aqui a Feira da Lagoinha e a gente E.: E isso foi passado, assim, não só na fa-
trouxe as garotas e os garotos para partici- mília mas também na escola, com os ami-
parem também. E as meninas ficam muito gos. Às vezes eu pensava: “Aquela ali tem o
contentes, muito felizes. Porque são meni- cabelo assim e tal! Então eu não vou ficar
nas, assim, às vezes meninas carentes que com ela porque o meu filho vai sair de ca-
nunca participaram de um desfile e a gente belo duro...”. E às vezes casais negros di-
faz um trabalho com elas, aqui, no salão. A zem: “Vou optar por não ter filho, porque
gente passa pra elas o que a gente pode eu não quero que os meus filhos sofram o
passar... dentro do que a gente pode passar mesmo preconceito que eu já senti”. Então
pra elas e elas vão pra passarela. (D. 46 anos, essa maturidade de que eu falo, eu venho
cabeleireira étnica) adquirindo com o passar do tempo. Vendo,

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun. 2003 179
estudando, vendo que não é por aí, que eu vem esses processos dentro e fora da escola?
tenho a minha identidade e eu, sabendo Como tais representações se manifestam no
trabalhar, ela é uma coisa muito forte e currículo? Muitas vezes, esses processos delica-
marcante! Por isso que eu disse: hoje eu dos e tensos passam despercebidos pela esco-
sei o meu espaço dentro da sociedade. E la, pelos profissionais da educação, e não cons-
aprendi isso dentro do salão D. Cabeleirei- tituem motivo de debates e estudos nos nossos
ros, isso me ajudou muito também, porque cursos de formação de professores.
eu vou lá não é só para cortar o cabelo. Não O estudo sobre o corpo e o cabelo
é só pra mudar o estilo! Mas para gente ter como ícones da identidade negra presentes nos
um bate-papo também falando a esse res- processos educativos escolares e não-escolares
peito, falando a respeito do negro, porque poderá nos apontar outros caminhos além da
sempre que a gente chega lá ela tem um denúncia da reprodução de preconceitos e
assunto diferente pra tratar, uma curiosida- estereótipos. Ver a manipulação do cabelo do
de... E dentro disso tudo eu passei a pes- negro e da negra como continuidade de ele-
quisar a cultura africana, também, porque eu mentos culturais africanos ressignificados no
faço um trabalho de contador de histórias... Brasil poderá nos pôr em contato com a histó-
(E. 30 anos, relações-públicas) ria, memória e herança cultural africana presen-
te na formação cultural afro-brasileira.
Como já foi salientado anteriormente, Penso que tais estudos poderão e de-
esse papel de problematização, reconstrução e verão fazer parte dos processos de formação de
discussão sobre a identidade negra também professores. A sua incorporação nos currículos
deveria ser feito pela escola. Porém, muitas e nos processos pedagógicos de formação
vezes, enquanto uma instituição formadora, docente faz parte de lutas e reivindicações
contraditoriamente, a escola apresenta-se me- históricas do movimento negro brasileiro que há
nos eficaz e menos sensível diante desse pro- anos tem demandado o ensino da história da
cesso. África e da cultura afro-brasileira nos currícu-
los escolares.
Conclusão Atualmente, essa demanda já foi trans-
formada em lei, a Lei 10.639, de 09 de janeiro
O estudo sobre as representações do de 2003, que altera a Lei 9394/96 (Lei de Di-
corpo negro no cotidiano escolar poderá ser retrizes e Bases da Educação Nacional). Essa
uma contribuição não só para o desvelamento nova lei inclui no currículo oficial dos estabe-
do preconceito e da discriminação racial na lecimentos de ensino fundamental e médio,
escola como, também, poderá nos ajudar a públicos e particulares, a obrigatoriedade do
construir estratégias pedagógicas alternativas ensino da “história e cultura afro-brasileira”.
que nos possibilitem compreender a importân- O primeiro parágrafo do artigo 26 da
cia do corpo na construção da identidade ét- nova lei explicita que o conteúdo programático
nico-racial de alunos, professores negros, mes- a ser desenvolvido pelas escolas no cumpri-
tiços e brancos e como esses fatores interferem mento da mesma deverá incluir o estudo da
nas relações estabelecidas entre esses diferen- história da África e dos africanos, a luta dos
tes sujeitos no ambiente escolar. Na escola, não negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
só aprendemos, mas também reproduzimos negro na formação nacional, resgatando sua
representações sobre o cabelo crespo e o cor- contribuição nas áreas social, econômica e
po negro. Quais serão essas representações? política pertinentes à história do Brasil.
Em que momentos aparecem e como elas apa- Esse é mais um desafio proposto não só
recem? Como os sujeitos negros e brancos vi- para os professores, mas também para os centros

180 Nilma Lino GOMES. Educação, identidade negra e formação de...


de formação de professores. O que sabemos so- políticos. Será preciso também ouvir e aprender
bre história e cultura afro-brasileira? O que sabe- as estratégias, práticas e acúmulos construídos
mos sobre história da África? Como não reproduzir pelo movimento negro e pelos movimentos
leituras e discussões estereotipadas sobre o negro culturais negros. O campo da formação de pro-
e sua cultura? Que temas deveremos privilegiar fessores deverá se abrir para dialogar com ou-
dentro do vasto campo de estudo sobre a cultu- tros espaços em que negros constroem suas
ra afro-brasileira? São questionamentos novos que identidades. Muitas vezes, serão espaços con-
os docentes e os cursos de formação de profes- siderados pouco convencionais pelo campo da
sores começarão a fazer. educação, como por exemplo, os salões étnicos.
Entender a importância da simbologia O atual contexto de implementação da
do corpo negro, a manipulação do cabelo e Lei 10.639 é um momento propício para a in-
dos penteados usados pelos negros de hoje trodução no campo da formação de professo-
como formas de recriação e ressignificação res, quer seja inicial ou em serviço, de estudos
cultural daquelas construídas pelos negros da e leituras sobre a relação corpo, cultura e iden-
diáspora poderá ser um bom tema de estudo tidade negra. O desafio está colocado. Resta
e debate dentro da discussão sobre história e agora entendermos que mais do que um de-
cultura afro-brasileira. Mas, para isso, será pre- safio, a discussão sobre raça negra e educação,
ciso que os educadores alterem suas lógicas nos seus múltiplos desdobramentos, é um de-
escolares e conteudistas, dialoguem com ou- ver dos educadores e educadoras e também
tras áreas, valorizem a produção cultural ne- daqueles responsáveis pela condução dos pro-
gra constituída em outros espaços sociais e cessos de formação docente.

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Recebido em 14.03.03
Aprovado em 13.05.03

Nilma Lino Gomes é doutora em Antropologia Social pela USP e professora-adjunta do Departamento de Administração
Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

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