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Como ganhamos e perdemos as

virtudes1
Autor: Paul J. Wadell

Tradução: Rafael de Abreu Ferreira – www.psicologiadinamica.com.br

Qualquer um que tenha tentado desenvolver a paciência, praticar o perdão ou ser mais
generoso, sabe que o desenvolvimento de uma virtude necessita de tempo. Um ato não
faz a virtude, nem mesmo dois, três e nem quatro. A repetição dos atos é imprescindível.
Porém é necessária uma grande sequência de ações similares para que a qualidade do ato
virtuoso se converta em uma característica da forma de ser de uma pessoa (I-II, 51, 2).
Em princípio, todos somos torpes e ineptos no nosso empenho de fazer o bem, porque
ainda não estamos suficientemente familiarizados com a virtude como para que está se
vai convertendo em nossa segunda natureza. Isto é o que faz a virtude em nós, nos dotam
de uma «segunda natureza» no sentido de que trabalham e desenvolvem a primeira, isto
é, o temperamento ou a personalidade com que temos nascido. Tomam em si o que temos
herdado e recebido e adicionam sobre ele qualidades virtuosas; amassam nossa
personalidade, adaptando-o e configurando segundo uma bondade determinada. Assim,
como uma obra de arte, necessita-se de tempo para moldar-nos como pessoa de bom
caráter. As virtudes são provas de como é difícil chegar a ser tornar bom, porque não é
um processo instantâneo, mas que se consegue por meio de muita prática, com uma
trabalhosa repetição de atos capazes de realizar a transformação que vai da possibilidade
de ser bom a ser realmente bom. Segundo Santo Tomás, todos temos uma inclinação para
o bem, temos a capacidade inicial para a virtude, a possuímos de forma iniciada, mas
devemos desenvolvê-la até que se faça em nós um hábito. Desenvolver uma virtude supõe
tomar uma inclinação e fortalecê-la até que se converta em hábito. A pessoa virtuosa
desenvolveu seu potencial para o bem, partindo de sua capacidade para o bom
comportamento e reeducando-a até fazer dela uma aptidão estável e previsível. Todos
podemos fazer o bem de vez em quando, mas se o fazemos ocasional ou casualmente e
não de forma habitual, ainda não somos pessoas de virtude. É próprio da pessoa virtuosa
fazer o bem, é o que se espera dela, pois tem praticado por tanto tempo que ela se tornou
semelhante a própria bondade. Portanto, isso não é acidental, mas a marca de quem ele é.
É por isso que Tomás diz que a virtude converte em boa tanto a ação como a pessoa que
executa.

A princípio, ser bom nos é estranho, uma vez que ainda não somos. A princípio apenas
balbuciamos o bem; necessitamos das virtudes para chegar a sermos eloquentes na
bondade, e é imprescindível o tempo. Consideremos o quão difícil é fazer da compaixão

1
Wadell, Paul J. La Primacía del Amor: Uma introducción a la ética de Tomás de Aquino. Ed. Palabra.
Madrid. 2002, p. 200.
nossa segunda natureza. Tornam-se bom é uma questão de praticar o bem durante muito
tempo, ao menos o tempo suficiente para que a qualidade do ato bom já seja a compaixão,
a paciência, a justiça ou o perdão, se transforme em uma qualidade pessoal do nosso ser.
Para que isto ocorra, explica Tomás, «é necessário que o elemento ativo vença totalmente
o elemento passivo» (ST, I-II, 51, 3). O «elemento passivo» representa o potencial; a
capacidade para com a virtude. O «elemento ativo» é a qualidade de uma certa virtude
que deve «atuar em» nós, que deve gravar seu bem específico em nossa pessoa para que,
então, encarnemos a virtude. Quando isto ocorre atuamos com justiça, com temperança
ou com generosidade, porque as qualidades destes atos já são características de nós
mesmos.
Ademais, quando Tomás afirma que não possuímos uma virtude até que a qualidade do
ato virtuoso «nos vença totalmente», nos recorda que uma virtude é algo estável e firme.
Não somos virtuosos se a qualidade do bem é inconstante; somente chegamos a sê-lo
quando nossa bondade é previsível. Um único ato justo inicia a formação da justiça na
pessoa, mas não é suficiente para imbuirmos da qualidade da justiça. Tomás, às vezes,
usa a imagem do gotejamento da água em uma rocha. Assim como a água leva anos para
deixar a sua impressão sobre a pedra, um ato virtuoso pode levar anos para imprimir a
sua própria qualidade em nós. Se adquire uma virtude pouco a pouco, a qualidade do ato
bom se imprime paulatinamente, transformando a pessoa desde suas potências para o bem
até sua identificação com esse mesmo bem. A pessoa virtuosa quando tem o habito de
fazer boas ações, é plenamente virtuosa quando executa atos de justiça, misericórdia,
compaixão ou perdão porque se ajusta ao que ela é e se expressa atuando deste modo;
assim, a pessoa virtuosa não faz o bem por estar constrangida a isto, mas porque disfruta
de ser ela mesmo. Nas palavras do Aquinate, possuímos uma virtude quando tendemos a
sua bondade «de modo natural».

PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:


Wadell, Paul J. “Como ganhamos e perdemos as virtudes”, 2016, trad. br. por Rafael de Abreu
Ferreira, Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, outubro 2016.

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