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- Limites da linguagem
[...] não há autêntica transmissão sem transcendência. Não há energia sem desnivelamento.
[...] A imagem, assim como a palavra, servem de agentes de ligação porque existe a montante
do grupo uma ausência primordial a ser reparada. O suporte, porém, não cria o efeito de
ausência que se chama sentido; ele o pressupõe. É a razão pela qual não é possível se
interessar pelos fatos de transmissão sem se interessar pelo fato religioso. (61)
O símbolo é um objeto convencional que tem como razão de ser o acordo dos espíritos e a
reunião dos sujeitos. Mais do que uma coisa é uma operação e uma cerimônia: não a do
adeus, mas sim do reencontro (entre velhos amigos que se perderam de vista). Simbólico e
fraterno são sinônimos: não se fraterniza sem alguma coisa para partilhar, não se simboliza
sem unir o que era estranho. Em grego, o antônimo exato de símbolo é o diabo: aquele que
separa. Dia-bólico é tudo o que divide, sim-bólico, tudo o que aproxima. (61)
Deus não tem o monopólio do outro. (livre interpretação, assim cada homem é livre para criar
deus e decidir as formas que com ele se relaciona)
É com a ideia contrária e sacrílega de que pode haver mais na cópia do que no original que a
arte se torna possível. Ponto de inversão dos valores existentes a montante e a jusante que
torna concebível a estética por desgrudamento com relação à teologia. Antes desse ponto, há
artesãos. Depois, artistas. A ideia da criação artística construiu-se contra a de criação
ontológica, embora modelando-se formalmente sobre ela. A arte é uma ontologia invertida
por primazia da representação sobre a presença [...] Ou do humano sobre o divino. Caso
contrário, a mão humana apenas é boa para imitar a ideia divina. (179)
- Antinatureza
A aventura das palavras indica bem o fato, e a ordem em que vai acontecendo. A reprodução
precedeu o original, o in visu fez o in situ. Os pintores suscitaram os espaços, e as paisagens de
nossos campos surgiram dos quadros com o mesmo nome. O olhar sobre a natureza é um fato
de cultura, cultura que foi visual antes de ser literária [escrita] [...] os historiadores das
mentalidades ensinaram-nos que a Montanha e o Mar são instituições culturais. O midiólogo
toma nota de que “natureza” e “arte” são categorias abstratas que, na realidade, não existem
independentemente uma da outra. Uma certa arte engendrou nossa natureza. E uma certa
natureza engendrou nossa arte. (190)
Cotidiano:
Falando da paisagem:
Ver o aqui-embaixo, à sua volta, acomodar-se ao que está bem próximo, privilégio, milagre,
loucura, não é um reflexo, mas uma conquista. Do concreto sobre o abstrato, ou antes da
particularidade sobre a generalidade. Com efeito, o sabido encobriu, durante muito tempo, o
visto. O ver-bem foi um arrancamento a esses diz-que-diz-que, a esse condensado e falso
saber da memória coletiva, esse loess de lendas, contos e provérbios, o imemorial rumor que,
durante milênios, fez falar o visível de algo diferente dele mesmo. (idealismo) [...] Retirar as
montanhas bem próximas do “assustador” caos em que tinham sido mergulhadas, desde a
noite dos tempos, pela maldição divina, para desvendar, nesse espetáculo “abominável”,
“grandeza e majestade”. Esse dinheiro miúdo do humanismo não é menos grandioso do que
os sonhos do Eldorado, e menos sanguinário. (Nietzsche)(195)
Há um momento na história em que o olhar sente a maior satisfação: é quando o homem,
criado à imagem de Deus, acaba recriando a natureza à imagem do homem. É, então, que
cristaliza essa mistura de racionalismo com voluntarismo que secularizou o olhar ocidental
mais do que qualquer outro. Com efeito, não se gosta do que se vê, olha-se para aquilo de que
se gosta. E quando uma sociedade passa a gostar um pouco menos de Deus, ela passa a olhar
um pouco mais para as coisas e pessoas. Distanciando-se do primeiro, aproxima-se das
segundas. (há busca por deus através das coisas e pessoas) (197)
TV:
Aqui, a imagem tem sua luz incorporada. Revela-se a si mesma. Sendo sua própria fonte, ei-la,
a nossos olhos, “causa de si”. Definição espinosista de Deus ou da substância. (274)
[...] como ver bem à sua volta sem admitir, ao lado, por baixo ou por cima, “coisas invisíveis”?
não obrigatoriamente anjos nem corpos astrais. Realidades ideais, mitos ou conceitos,
generalidades ou universais, imaterialidades ou símbolos que jamais terão traduções visuais
possíveis, nem que fossem virtuais, em um cyberspace. Como pode haver um aqui sem
alhures, um agora sem um ontem e um amanhã, um sempre sem um jamais...? (363)