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TESTAMENTO
HUMBERTO MACHARETTI
CADERNOS DE NOVO
TESTAMENTO
Humberto Macharetti
Rio de Janeiro
2020
Unidade I – O Estudo Científico
do Novo Testamento
1
Nesta primeira unidade conhecermos a metodologia de Estudo
das escrituras sagradas como um todo e, em especial do Novo
Testamento.
2
1. A Crítica Bíblica do Novo
Testamento
Propósitos
Entender os ensinos fixados nas páginas do Novo Testamento de
forma que possamos aplicá-los hoje às nossas próprias vidas é o
grande desafio de cada cristão. Voluntariamente ou não estamos
todos envolvidos com a grande tarefa da hermenêutica que nos leva
à reposta para apenas uma pergunta: “O que Deus está falando
comigo agora por meio de suas escrituras?”
Não se trata de uma tarefa menor ou negligenciável. Dela ninguém
pode fugir. Não posso me conformar em não entender o que meu
Deus fala comigo. Seu pré-requisito está definido na exegese que
responde a uma segunda pergunta: “O que Deus falou aos leitores
dos livros sagrados do tempo em que foram escritos? Como eles
entenderam a mensagem?”
A busca das respostas para essas duas questões nos leva a
mergulhar em um mar de águas turvas em decorrência das tremendas
alterações culturais acumuladas durante os milênios: não falamos as
mesmas línguas dos povos antigos, não entendemos o universo da
mesma forma que eles entendiam, temos padrões de relações
humanas diferentes das deles e, sobretudo, vivemos uma era que se
admira e se amedronta frente aos avanços da tecnologia da mesma
forma que os antigos se admiravam e se amedrontavam diante dos
anjos e dos demônios. Não caçamos demônios nem bruxas, caçamos
“Pókemons”. Não somos motivados por boas novas. Somos
motivados por “Fake News”. Essa pesquisa nos leva a uma viagem
para uma terra distante do passado onde muitas coisas nos são
desconhecidas. Necessitamos de um mapa, e talvez de um guia.
3
atingirmos nossos objetivos, precisamos estar aptos a responder às
seguintes perguntas:1. Que entendemos por “Crítica Bíblica do Novo
Testamento”? 2. Quais são as diversas atividades desenvolvidas na
tarefa de “criticar” os livros da Bíblia? 3. Que chamamos de “evidência
eterna” e de “evidência interna” no estudo de um livro da Bíblia? 4.
Por que precisamos identificar o autor de cada escrito, o tempo em
que ele escreveu e quem foram seus leitores? Finalmente: “Que
mensagem ele queria transmitir?”
A abordagem das questões apresentadas exige que o intérprete lance
mão das evidências que lhe estão disponíveis no próprio texto e fora
dele, a fim de que possamos chegar às repostas mais prováveis.
Chamamos de evidências internas aquelas que estão no próprio
texto do livro em estudo. Dessa forma, quando um evangelista declara
que Jesus Cristo, em sua infância, foi levado ao templo de Jerusalém
por seus pais1 temos uma importante evidência interna de que ele
viveu antes do ano 70, quando o templo foi destruído pelos romanos.
A citação, por outro lado, foi escrita muitos anos depois.
Chamamos de evidências externas aquelas provenientes de outros
textos, bíblicos ou não. Nessa categoria está o texto conhecido como
testimonium flavianum, de autoria do autor judeu Flávio Josefo, que
escreveu no final do século I da era cristã e que faz referência a Jesus
Cristo.
Havia neste tempo Jesus, um homem sábio [, se é lícito chamá-lo
de homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um
professor tal que fazia os homens receberem a verdade com
prazer]. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre
os gentios.[Ele era o Cristo.] E quando Pilatos, seguindo a
sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o
amaram no princípio não o esqueceram;[porque ele apareceu a
eles vivo novamente no terceiro dia; como os divinos profetas
tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a
respeito dele]. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa
dele, não está extinta até hoje2
A busca dessas evidências envolve um trabalho meticuloso que inicia
pela crítica textual cujo objetivo é fixar, dentre a multiplicidade das
1 Lc. 2.27
2 Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, Livro 18, parágrafos 63
e 64.
4
variantes do texto bíblico, aquela que mais se aproxima do autógrafo,
isto é, do original produzido pelo autor.
Quem escreveu?
Evidentemente que os mesmos leitores podem receber mensagens
escritas por pessoas diferentes. Cada uma delas pretende comunicar
alguma coisa de seu interesse (seu objetivo teológico) e tem uma
forma peculiar de escrever (seu estilo). Por essa razão é
indispensável identificar quem escreveu e o que pretendia quando
escreveu.
7
2. A crítica textual do Novo
Testamento
Propósitos
Existe hoje uma grande variedade de textos do Novo Testamento que
diferem uns dos outros em várias passagens. Ainda que os
examinemos em sua linguagem original, o grego comum,
encontraremos uma grande multiplicidade de textos apresentando
divergências decorrentes de erros de cópia. Uma vez que pretendo
ter conhecimento da mensagem divina que o texto registra é natural
que deva escolher o texto mais fiel ao original porque, de outra forma,
correrei o risco de crer que erros introduzidos no texto,
intencionalmente ou não, também são verdades reveladas para
minha vida.
Dessa forma, para ter certeza de que estou usando o melhor texto eu
precisarei: 1. Conhecer a metodologia utilizada na cópia e na
preservação dos textos. 2. Conhecer os mecanismos pelos quais os
erros mais frequentes se introduziram nas cópias.3. Conhecer a
metodologia utiliza para localizar e corrigir os erros de cópia. 4.
Identificar as principais adições feitas ao texto do Novo Testamento
durante o processo de transmissão do texto escrito.
A metodologia de trabalho
Para chegar a concluir qual é o texto mais antigo, várias tarefas
necessitam ser desenvolvidas:
Análise do tipo de substrato usado na cópia – Os copistas dos
livros do Novo Testamento usaram o material que, a seu tempo,
estava mais disponível para o trabalho. Nos três primeiros séculos os
cristãos eram uma comunidade pobre e, por isso mesmo, faziam as
cópias dos documentos em papiros, produto mais barato, de origem
vegetal e pouco resistente que se deteriorava com velocidade,
obrigando a refazer todo o trabalho em um período curto. Esse fator
aumentava a probabilidade de ocorrência de erros de cópia. A partir
do quarto século, quando por iniciativa do imperador Constantino, o
cristianismo foi reconhecido como religião lícita e passou a contar com
o apoio imperial, os cristãos puderam usar o pergaminho, material
mais caro de origem animal, como substrato de cópia. Algumas
dessas cópias, denominadas “códices” persistem até hoje.
Análise do tipo de letra usado – o modo de escrever mudou com o
passar do tempo. Como as cópias eram feitas por ditado ocorria
frequentemente erro por parte do leitor que precisava “calcular” onde
terminava uma palavra e começava a outra porque não havia
pontuação nem separação de palavras no texto. Além disso usava-se
abreviaturas para economizar escrita. Por exemplo, θεὸς (Deus) era
abreviado como θC.
Análise dos mecanismos de produção de erros – Cada tipo de erro
que aparece na cópia de textos do Novo Testamento tem mecanismos
de produção conhecidos. Inicialmente precisamos distinguir os erros
intencionais dos erros acidentais. Os erros intencionais eram
introduzidos principalmente com o objetivo de harmonizar um texto
bíblico com outro texto que lhe é paralelo.
Essa situação ocorre, por exemplo na narrativa da conversão do
apóstolo Paulo, registrada em Atos 9.5:
9
“Saulo perguntou: quem és tu, Senhor?” Ele respondeu:” Eu sou
Jesus, a quem você persegue.” (Nova Versão Internacional – NVI,
2000).
Algumas versões mais antigas inseriam após a pergunta, uma
declaração:
“E ele disse:” Quem és tu, Senhor?” Ele disse:” Eu sou Jesus, a
quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra aguilhões”.
(Versão Almeida Revista e Corrigida – ARC – 1959).
Na versão mais antiga foi utilizado um texto no qual o copista
acrescentou a frase marcada em negrito para fazer uma
harmonização com Atos 26.14.
Os erros involuntários de cópia são consequentes à qualificação dos
copistas, ao método de transmissão e às características próprias da
língua grega. Diferentemente do Antigo Testamento que foi copiado
por copistas profissionais, o Novo Testamento foi obra de amadores
de boa vontade que careciam de um preparo adequado. A cópia não
era visual e sim um ditado. Alguém lia o texto em voz alta enquanto
outros copiavam em papiros o que lhes era ditado. Erros podiam
ocorrer quando a pronúncia do leitor não era muito clara ou quando o
ruído ambiental prejudicava a comunicação.
Finalmente, a língua grega apresentava uma série muito grande de
dificuldades aos leitores e aos copistas. Além de, como já
mencionamos, as palavras serem grafadas apenas com maiúsculas
e não serem separadas umas das outras, as frases também não
tinham sinais de pontuação. Para complicar mais não existe
acentuação tônica e sim distinção entre vogais longas e curtas que
nem sempre são fáceis de perceber. Dessa forma os erros podem
ocorres por:
1. Interpretação errada do texto pelo leitor
1. Audição equivocada do copista
2. Confusão provocada na leitura ou na audição por ´palavras
com sons parecidos.
O primeiro tipo de erro ocorre porque, como já foi mencionado, nos
textos gregos antigos as palavras não eram separadas e competia ao
leitor a tarefa de decidir onde uma terminava e a seguinte começava.
Um exemplo clássico de como isso acontece é dado pela análise da
expressão inglesa GODISNOWHERE, que pode ser lida de duas
10
formas diferentes: 1. GOD IS NOW HERE – Deus está aqui agora e
2. GOD IS NOWHERE – Deus não está em nenhum lugar.
O segundo tipo de erro, denominado itacismo, resulta da existência
no texto de palavras com sons e sentidos parecidos tais como
(nós) e (vós) que podem ser facilmente confundidas em
um ditado. Exemplo clássico de itacismo ocorre em Romanos 5.1. No
texto recebido lemos:
“Δικαιωθέντες οὖν ἐκ πίστεως εἰρήνην ἔχωμεν πρὸς τὸν θεὸν διὰ
τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ,” que pode ser traduzido por
“Justificados pois, pela fé, temos paz com Deus por meio do nosso
senhor Jesus Cristo.
No texto crítico, por outro lado, temos:
“Δικαιωθέντες οὖν ἐκ πίστεως εἰρήνην ἔχoμεν πρὸς τὸν θεὸν διὰ
τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ” que pode ser traduzido por
“Justificados pois, pela fé, tenhamos paz com Deus por meio do
nosso senhor Jesus Cristo.
A distinção entre o presente do indicativo e o presente do subjuntivo
é dada apenas pela diferença de sons entre as vogais omicron (curta)
e ômega (longa) em ἔχoμεν/ ἔχωμεν.
O terceiro tipo de erro é chamado ditografia e é produzido pela
repetição não intencional de letras em uma frase produzindo uma
alteração de seu sentido original. Esse mecanismo é observado em
Romanos 7.25:
“
χάρις δὲ τῷ θεῷ διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ τοῦ κυρίου ἡμῶν. ἄρα οὖν
αὐτὸς ἐγὼ τῷ νοῒ δουλεύω νόμῳ θεοῦ, τῇ δὲ σαρκὶ νόμῳ ἁμαρτίας.”
Que pode ser traduzido por: “Graças a Deus, por Jesus Cristo
nosso Senhor! De modo que eu mesmo com o entendimento
sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado.”
Em algumas traduções temos: “
() χάριςτῷ δὲ τῷ θεῷ διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ τοῦ κυρίου ἡμῶν. ἄρα
οὖν αὐτὸς ἐγὼ τῷ νοῒ δουλεύω νόμῳ θεοῦ, τῇ δὲ σαρκὶ νόμῳ
ἁμαρτίας.” Que pode ser traduzido por: “Agradeço a Deus, por
Jesus Cristo nosso Senhor! De modo que eu mesmo com o
entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do
pecado.”
O quarto tipo de erro é denominado haplografia e resulta da
supressão de um grupo de letras ou de palavras em uma frase. Seu
11
mecanismo de ocorrência se chama parablepsis (olhar para o lado)
e ocorre quando duas frases que se seguem têm términos idênticos
ou muito parecidos (homoiteleuton). O olho do leitor pode saltar a
segunda frase fazendo com que ela seja omitida no ditado.
Os resultados do trabalho
Como resultado das pesquisas textuais várias passagens da Bíblia
foram modificadas. Isso explica por que quando comparamos as
versões da Bíblia mais modernas tais como a versão Almeida Revista
e Atualizada (ARA) ou a Nova Versão Internacional (NVI) com as
versões mais antigas como a versão Almeida Revista e Corrigida
(ARC) encontramos algumas diferenças significativas. Veremos, a
seguir, alguns exemplos.
12
O “coma” joanino – I João 5.7-8:
“Porque três são os que testificam no céu: O Pai, a Palavra e o
Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na
terra: O Espírito, a água e o sangue; e estes três concordam num.”
(ARC). Há três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue
e os três são unânimes (NVI).
As versões mais novas suprimem o versículo 7, identificado como
adição recente feita com o objetivo de fortalecer os argumentos a
favor da doutrina trinitária.
13
3. A Crítica Literária do Novo
Testamento
Propósitos
A análise de qualquer texto inicia pela evidenciação de suas partes
(perícopes) e pela determinação da origem de cada uma delas.
Quando versões paralelas de uma mesma perícope estão disponíveis
em dois ou mais escritos precisamos explicar as semelhanças e as
diferenças entre elas. Nesse trabalho utilizamos as metodologias da
crítica literária que incluem a crítica das fontes, a crítica da forma e a
crítica da redação.
14
identificado como Logos (Verbo). Essa identificação não se repete no
restante do livro.
Resultados do trabalho
Essa metodologia foi aplicada com sucesso aos evangelhos sinóticos 3
e permitiu reconstituir a sua árvore genealógica. Hoje se aceita a
hipótese das quatro fontes. Ela estabelece alguns princípios: O
evangelho de Marcos é o mais antigo de todos, tendo sido escrito por
volta de 68 d.C. Além dele os demais autores consultaram uma outra
15
fonte que não foi preservada e que foi identificada como fonte Q.
Mateus e Lucas adicionaram, cada um, material peculiar resultante
de suas próprias pesquisas.
A crítica da forma
Objetivo da crítica da forma
O estudo da crítica da forma, também chamada de história da forma,
foi iniciado no início do século XIX com os trabalhos de M. Dibelius
(Die Formgeshichte des Evangeliums, 1919) e de Rudolf Bultman (Die
Geshichte der Synotischen Tradition, 1921) e seu escopo de trabalho
se localiza no que poderíamos chamar de “a pré-história do texto”.
1. A crítica da forma, também denominada história da forma,
estuda as transformações que as narrativas bíblicas sofreram
na fase de transmissão oral, antes de terem sido fixadas
definitivamente pela escrita. Embora esse objetivo possa
parecer inatingível, um conjunto de postulados válidos torna
a missão exequível. São eles:
1. As histórias e ditos de Jesus, com exceção apenas da
narrativa da paixão, circularam inicialmente em pequenas
unidades independentes que eram transmitidas oralmente.
2. Essas unidades podem ser classificadas de acordo com seus
gêneros literários. Dibelius chamou-as de paradigmas e
Bultmann de apotegmas.
3. A antiguidade de cada unidade e, consequentemente, seu
valor histórico, podem ser avaliados pelo uso de critérios
específicos tais como: A
16
2. Cada perícope pode ser classificada em um gênero literário
particular. Dibelius encontrou oito gêneros: parábolas, logias,
paradigmas, novelas, lendas pessoais e lendas cultuais
(mitos).
3. O valor histórico e a idade relativa de cada unidade podem
ser avaliados pelo uso de critérios específicos tais como:
1. Comprimento – De duas narrativas paralelas, a mais
curta é a mais antiga. Quem reconta uma história sempre
adiciona elementos ilustrativos novos.
2. Adornos – A adição de adornos tais como nomes de
pessoas, números de grande valor e detalhes descritivos,
caracterizam narrativas mais recentes.
3. Semitismos – A presença de palavras, expressões ou
estilos semíticos (provenientes da língua hebraica ou da
aramaica) está presente nas narrativas mais antigas.
4. A aplicação desta metodologia segue passos bem
determinados: Aplica-se a hipótese de trabalho fundamental
da crítica da forma que admite que cada um dos gêneros
literários presentes no texto do Novo Testamento não surgiu
ao acaso, mas resultou da atuação de fatores ambientais que
operavam no tempo em que foram transmitidos oralmente.
Segundo os autores alemães cada gênero literário tem seu
próprio Sitz im Lebem (lugar na vida). Dessa forma, cada
perícope guarda um relacionamento íntimo com as condições
de vida dos grupos que a preservou em cada momento
quando foi narrada. Brown4, em sua obra, “A comunidade do
discípulo amado” estabelece que é possível ler duas histórias
no evangelho de João. A história da atuação de Jesus Cristo
em confronto com os fariseus e a história da comunidade que
registrou o evangelho.
Resultados do trabalho
Essa metodologia permitiu entre outras coisas, evidenciar, que as
diferenças observadas entre narrativas paralelas presentes nos
quatro evangelhos resultaram do fato de elas terem sido veiculadas
simultaneamente em comunidades diferentes que suportavam
diferentes influências, pressões e perseguições. Dessa forma, a
mesma narrativa pode ser apresentada em um formato apropriado
17
para a evangelização (proclamação), para a apologética (defesa de
fé da comunidade) ou para a liturgia (uso no culto).
A crítica da forma não foi aceita imediatamente por toda a comunidade
teológica. Muitas objeções foram colocadas.
A primeira delas é a declaração de que a crítica da forma
impõe ao texto uma excessiva racionalização que leva, por
vezes a negar, ou a colocar em dúvida, a natureza
sobrenatural de seu conteúdo, como ocorre, por exemplo, nas
narrativas de milagres e de exorcismos. Para muitos, esses
conteúdos são mitos adicionados pela comunidade à
narrativa original no processo de comunicação oral.
A segunda é a declaração de que a crítica da forma
desqualifica os autores bíblicos de sua situação como
agentes inspirados e os transforma em meros compiladores
de tradições comunitárias.
Apesar de todas as objeções, essa metodologia produziu resultados
muito importantes. Aos que desejarem uma visão melhor de seu
alcance aconselha-se a leitura da obra “As parábolas de Jesus” de
Jeremias6.
A crítica da redação
Objetivo da crítica da redação
A crítica da redação surgiu como uma reação à crítica da forma com
o objetivo de reabilitar os escritores bíblicos como autores reais e não
apenas como meros compiladores de narrativas populares. Seu
trabalho se baseia nos seguintes postulados:
Os resultados do trabalho
O grande alvo da Crítica da redação é a descoberta do objetivo
teológico do escrito. Com que objetivo o autor escreveu? É possível
que ele quisesse evangelizar, isto é proclamar a mensagem aos que
não a conheciam. Ele poderia também ter um objetivo doutrinário
(ensino) ou apologético (defesa de sua fé). A análise do material
peculiar do livro dá uma excelente indicação do que o autor pretendia.
19
4. O mundo do Novo
Testamento
Propósitos
Para entendermos como vivam e pensavam os autores do Novo
Testamento necessitamos conhecer as principais características dos
tempos em que viveram. Quase todos eles eram judeus, falavam a
língua aramaica e eram súditos do Império Romano que tinha uma
estrutura de dominação muito forte centrada no culto a um imperador
divinizado.
Consideraremos, portanto, algumas questões que precisamos
responder: 1. Quais eram os limites geográficos do que se entende
por Mundo do Novo Testamento. 2. Como era a organização política
e social do Império Romano? 3. Quais foram os imperadores romanos
que interferiram com a história bíblica? 4. Que governantes romanos
e judeus que, direta ou indiretamente, se relacionam com os fatos
descritos nos livros do Novo Testamento e quais foram as principais
características de cada um deles. 5. Qual era a situação política da
Palestina nos tempos do Novo Testamento?
20
O império romano, criado por César Augusto, se constituía numa
espécie de mosaico político e étnico resultante da junção de grande
número de unidades geográficas denominadas províncias. O sistema
político romano foi constituído de maneira a respeitar as
peculiaridades dos povos submetidos, especialmente as suas
religiões. Cada província podia manter a sua própria língua nativa,
adorar os seus próprios deuses desde que concordassem em cultuar
a deusa Roma e o Imperador e, na maioria dos casos, era governada
por líderes nativos que juravam lealdade à Roma e recebiam por
méritos militares (ou compravam por grande soma) o título de cidadão
romano7
Em virtude da Helenização, instituída por Alexandre e por seus
sucessores a língua grega era o idioma comum às províncias da parte
oriental do império enquanto o Latim era falado no lado ocidental. Este
fato (a existência de uma língua comum) associado à implantação de
um eficiente sistema de estradas terrestres e de rotas marítimas e à
segurança decorrente da presença de tropas romanas por toda a
parte, foi de extrema importância para o livre deslocamento de
missionários dentro do império e possibilitou também o surgimento do
Novo Testamento.
7At.22.24-29
8HORSLEY, RICHARD A., Paulo e o Império, religião e
poder na sociedade imperial romana, São Paulo, Paulus, 2004.
Parte II – Introdução: Patronato, sacerdotados e poder.
21
contra a exigência de prestar culto ao imperador. A mensagem deste
livro estimula os cristãos à perseverança e à fidelidade. A sucessão
dos imperadores não era hereditária, mas cada um deles tinha a
prerrogativa de indicar seu próprio sucessor o qual era submetido à
aprovação do senado9.
10 Apocalipse 13.3
11 Lucas 2.1
12 Lucas 3.1,2
13 Atos 18.2
14Caius Cornelius Tacitus (55/56-118 d.C.), senador romano.
Em sua obra Annals (ca. 116-117 d.C.) ele inclui uma biografia
do Imperador Nero (54-69 d.C.) onde comenta o incêndio na
cidade de Roma, cuja responsabilidade é atribuída ao
imperador, com as seguintes palavras: “Nenhum esforço
humano, nem a generosidade do imperador, nem mesmo o mais
apaziguador dos deuses pode terminar com a crença
escandalosa de que o incêndio foi ordenado [por Nero].
Portanto, para extinguir o rumor, Nero escolheu como
substitutos para serem incriminados em seu lugar, punidos de
forma pouco comum e castigados por seus atos vergonhosos
aqueles pertencentes ao grupo chamado Cristãos”. O fundador
que lhes deu esse nome [Cristus em Latim], foi executado no
reino de Tibério Cesar pelo procurador Pôncio Pilatos.
Suprimida por algum tempo, a superstição mortal eclodiu
novamente não apenas na Judeia, a origem desse mal, mas
23
participaram como comandantes na Guerra Judaico Romana (66-70).
Domiciano, também filho de Vespasiano, segundo as hipóteses mais
aceitas, era o imperador na época em que foi concluído o texto do
Apocalipse de João.
25
coisas. É citada no livro de Atos dos Apóstolos no episódio da
conversão do centurião Cornélio e no julgamento de Paulo.
Tiberíades – Edificada por Herodes Antipas, filho de Herodes o
Grande, tetrarca da Galileia e da Pereia, para ser sua capital. Essa
cidade começou a ser construída após o ano 14 d.C., quando César
Augusto morreu e foi sucedido por Tibério, que permaneceu no
comando do império até 37 d.C. A
Cafarnaum – Situada à margem do mar da Galileia, era uma colônia
de pescadores na qual vivia a família de Simão Pedro, Nela se
encontrava uma sinagoga que Jesus frequentou. Nas suas
vizinhanças se deu também o episódio da restauração de Pedro
depois da ressurreição.
26
Ele ordenou a morte de João Batista que o denunciou por causa de
sua união ilegal com Herodíades 17.
Agripa I – Neto de Herodes o Grande e de Mariane, era o governante
citado em Atos dos Apóstolos. Foi nomeado rei pelo imperador
Calígula, foi o responsável pelo martírio de Tiago, entre outros.
Governantes Romanos – Paralelamente ao governo judeu havia
governantes romanos que, na realidade, detinham o poder supremo.
O mais conhecido destes foi Pôncio Pilatos que emitiu a sentença de
condenação de Jesus Cristo à morte na cruz.
17Mt.14.1-12
27
5. Cânon e texto do Novo
Testamento
Propósitos
No estudo deste capítulo pretendemos abordar duas questões
importantes A primeira: por que motivos, dentre os muitos livros que
foram escritos pelos seguidores de Jesus Cristo nos dois primeiros
séculos de nossa história, apenas vinte e sete foram selecionados
para serem usados pelas igrejas como literatura permitida em seus
cultos? A segunda: Como os textos desses livros foram preservados
por cópia, traduzidos e editados até chegar às nossas mãos?
18Jo. 5.39
28
a escritura é inspirada por Deus….” 19 pensando nos escritos dos
profetas hebreus dos velhos tempos. Jamais ele imaginou que seus
escritos seriam igualados, em termos de revelação e autoridade aos
escritos dos antigos que ele mesmo havia aprendido a reverenciar.
Isso, entretanto, aconteceu e de maneira bastante precoce. A
segunda epístola de Pedro declara que “
como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a
sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas
as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm
algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e
instáveis distorcem, como também fazem com as outras escrituras,
para a própria destruição deles.20
19II Tm.3.16
20II Pd.3.15b,16.
21 I Co.11.17-34.
22 Jd.3,4.
29
(presbíteros, bispos) passaram a usar as palavras escritas por esses
líderes como fonte de instrução.
Critérios de canonicidade
Chamamos de cânon ou cânone ao conjunto de livros sancionado
pela igreja para uso na liturgia. Essa palavra, que passou do grego
para nossa língua sem tradução, significava originalmente “cana”,
uma vara que os construtores usavam para medir suas obras e
verificar se elas seguiam corretamente a especificação do arquiteto.
Nem sempre houve um cânone coincidente com o atual. Ele foi
formado por um processo de seleção desenvolvido por líderes das
igrejas nos primeiros séculos que seguiram alguns critérios com muito
rigor. Os principais são:
1. Ortodoxia (consistência doutrinária) - Hoje o texto escrito do
Novo Testamento é usado para a aferição da correção de
uma doutrina ou prática eclesiástica. Nos tempos iniciais
acontecia o oposto. O que era aceito por consenso, a partir
do testemunho dos apóstolos e de outros líderes, servia como
critério para avaliar a fidelidade doutrinária dos escritos. 23
Qualquer escrito que apresentasse alguma divergência do
que foi recebido por tradição era automaticamente rejeitado.
1. Apostolicidade – Aqueles escritos cujas autorias podiam ser
atribuídas a um apóstolo, ou a alguém que os tivesse
composto sob orientação direta de um apóstolo, eram
imediatamente aceitos como verdade revelada. Os apóstolos
haviam aprendido a verdade diretamente do Senhor. 24
Durante sua vida eles foram consultados para esclarecer
dúvidas a respeito de questões doutrinárias nas igrejas. 25
Após suas mortes, as igrejas passaram usar os textos que
eles haviam escrito ou sancionado como referência para o
mesmo objetivo.26 Portanto, o fato de que um escrito era de
autoria de um apóstolo lhe conferia grande autoridade e lhe
abria as portas no processo de canonização. Esse critério
23 I Jo.1.1.
24 I Co.11.23
25 At.15
26 II Pd.3.15,16.
30
conduziu a um erro. A epístola aos hebreus foi canonizada
porque naquela época se acreditava que ela havia sido
escrita pelo apóstolo Paulo. A sabedoria de Deus aproveita
até os erros dos homens para fins preciosos!
2. Suficiência ou antiguidade – quando dois escritos
apresentavam aproximadamente os mesmos conteúdos
apenas o mais antigo era preservado. Não se podia perder
tempo e trabalho guardando repetições. Esse critério também
não foi absoluto. A epístola de Judas é praticamente a
repetição da segunda parte da segunda epístola de Pedro.
Essa ocorrência pode ser explicada pelo fato de alguns livros
terem adquirido grandes prestígios em algumas
comunidades.
3. Aceitação universal (catolicidade) – os escritos que eram
aceitos pela grande maioria dos cristãos (igrejas do oriente e
do ocidente) foram canonizados com maior facilidade do que
aqueles que só foram preservados em nichos pequenos de
cristãos.
Nossas Bíblias
Temos hoje várias versões do Novo Testamento em língua
portuguesa. Nosso estudo nos coloca, inicialmente, diante da
necessidade de escolher uma versão de referência. Isso é
consequência do processo de tradução da Bíblia das línguas originais
para as modernas.
Atualmente distinguimos dois grandes grupos de Bíblias em nossa
língua: as Bíblias católicas e as Bíblias protestantes. Elas podem ser
identificadas pelo conjunto de livros que apresentam. As Bíblias
protestantes contem sessenta e seis livros, sendo trinta e nove no
antigo testamento e vinte e sete no novo. As Bíblias católicas nos
apresentem ainda um conjunto de livros que são chamados de
apócrifos (escondidos) pelos protestantes ou de deuterocanônicos
pelos católicos.
As Bíblias protestantes mais antigas são derivadas da primeira
tradução feita por João Ferreira de Almeida 31 a partir dos textos
hebraico e aramaico para o Antigo Testamento e do texto grego para
o Novo. Derivados de seu trabalho, temos hoje as versões Almeida
32Lisboa, 1932.
33Eusebius Sophronius Hieronimus (347 – 420)
34Tradução latina concluída em 400 DC.
35Sugerimos a leitura de: NORTON, D. A Bíblia King James,
uma breve história de Tyndale até hoje, BVBOOKS, Rio de
Janeiro, 2013.
36Pois, o que diz a escritura? “Abraão exerceu fé em Jeová, e
isso lhe foi contado como justiça”. Rm.4.3 (TNM)
34
Roterdão37 e o Texto Crítico preparado por uma equipe de eruditos
dentre os quais sobressai o nome de Constantino von Tischendorff38.
Erasmo de Roterdão publicou em 1516 a primeira edição do Novo
Testamento grego, feita a partir de manuscritos antigos, com falhas
complementadas por uma retroversão da vulgata latina. Duas novas
edições foram feitas em 1519 e em 1522. A primeira delas apresenta,
pela primeira vez, o título “Novum Testamentum”. A segunda causou
certa celeuma porque Erasmo, de posse de dados mais substanciais,
resolveu excluir do texto a passagem conhecida como “o coma
joanino”.
Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra e o
Espírito; e estes três são um. E três são os que testificam na terra:
O espírito, a água e o sangue, três concordam num. (I Jo.5.7-8).
Ameaçado de excomunhão, sob a acusação de Arianismo, Erasmo
reintroduziu o texto suprimido na versão seguinte, editada em 1514.
Hoje, de posse de manuscritos mais fiéis, os textos modernos
apresentam a forma minimizada que não menciona o testemunho
celeste:
E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade.
Porque três são os que dão testemunho: o Espírito, e a água, e o
sangue; e estes três concordam. (I Jo.5.7-8).
A quinta e última edição da obra de Erasmo foi lançada em 1535 e é
até hoje a base para a tradução do Novo Testamento para línguas
modernas.
O século XIX assistiu ao nascimento do “Texto Crítico”, este baseado
no “Códex Sinaiticus” e no “Códex Ephraemi Syri Rescriptus” que
36
ARA Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo
Jesus.
TR ουδεν αρα νυν κατακριμα τοις εν χριστω ιησου μη κατα σαρκα
περιπατουσιν αλλα κατα πνευμα.
TC Οὐδὲν ἄρα νῦν κατάκριμα τοῖς ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ.
Uma comparação muito fácil de ser vista mostra que as versões mais
modernas, revisadas, segundo os melhores manuscritos gregos e
hebraicos (ARA, NVI) seguem o texto crítico. A versão mais antiga
(ARC) segue o texto recebido. A diferença aí pode ser explicada
porque o texto recebido foi preparado a partir de manuscritos no qual
a segunda parte do versículo foi adicionada (um erro intencional de
cópia). Provavelmente tratava-se de uma anotação feita à margem
por um copista que foi posteriormente incorporada ao texto. As
versões mais modernas (ARA, NVI) seguem o texto do códex sinaítico
que não recebeu essa adição.
37
Unidade II – Livros Históricos
do Novo Testamento
38
Nesta unidade estudaremos os livros que nos fornecem a
linha histórica do Novo Testamento: Os evangelhos
sinóticos e o livro dos Atos dos Apóstolos.
39
1. Os evangelhos sinóticos
Propósitos
No estudo desta primeira unidade de “Livros Históricos do Novo
Testamento” pretendemos abordar algumas questões significativas
para o início de nossos estudos. Existem em nosso Novo Testamento
nada menos de quatro livros denominados “evangelhos”. A final de
contas, que é um evangelho? Por que existem quatro deles e não
apenas um, já que seus conteúdos são muitas vezes repetitivos?
Foram escritos outros livros que também recebem o nome de
evangelhos? Se o foram por que motivos eles não estão em nosso
Novo Testamento? Quando estes livros foram escritos? Quem foram
os seus respectivos autores? O que os motivou a escrever? Quem foi
o seu público original na época em que escreveram? O que é a crítica
bíblica e em que ela nos ajuda a compreender os evangelhos?
Que é um evangelho?
Logo que abrimos o Novo Testamento encontramos um conjunto de
quatro escritos que apresentam em comum o fato de serem
denominados evangelhos. O que significa este nome e por que ele é
utilizado?
A primeira pergunta tem uma resposta simples. A palavra evangelho
é originária da língua grega (εὐαγγελίου) e foi utilizada nas províncias
orientais do Império Romano para denominar as novidades
interessantes que eram divulgadas pelos arautos do imperador.
Literalmente significa boas novas ou boas notícias.
O Cristianismo, nascido dentro do império, reconheceu em Jesus de
Nazaré seu legítimo rei. Assim pareceu bem aos escritores cristãos
dos primeiros séculos usar a palavra evangelho para identificar os
relatos dos atos e ensinos benéficos do rei Jesus a favor daqueles
que o aceitavam como salvador e mestre.
Nos três primeiros séculos do Cristianismo, dezenas de livros
receberam esta denominação. Destes, quatro apenas foram
escolhidos para integrar a literatura litúrgica dos cristãos. São aqueles
que encontramos em nosso Novo Testamento cujas autorias são
atribuídas a Mateus, Marcos, Lucas e João. Dizemos que eles foram
canonizados. Outros evangelhos, como os atribuídos a Tomé, Maria
Magdalena e Valentino foram descartados.
40
O estudo científico da composição destes livros utilizando as mesmas
ferramentas aplicadas na análise de outras literaturas antigas é
denominado “crítica bíblica”. Uma das tarefas da crítica bíblica é
tentar determinar a data de composição dos livros. As evidências
reunidas até hoje permitiram concluir que a mais antiga destas obras
é aquela cuja autoria é atribuída a Marcos. Autores antigos não
colocavam títulos em suas obras nem as assinavam. Em geral se
usava a primeira palavra significativa do texto para identificar a obra.
O livro de Marcos começa com as frases:
Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Como está
escrito nos profetas: Eis que eu envio meu mensageiro diante de
tua face, que preparará teu caminho diante de ti. Voz do que clama
no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas
veredas.39
A palavra evangelho, por ser a primeira significativa do texto, foi
escolhida para designar o livro. As frases seguintes nos dão uma pista
para descobrir o modelo usado pelo autor. Ele faz referência aos livros
dos profetas do Antigo Testamento. Estes livros serviram como
modelo para o relato das obras e ensinos de Jesus. Na língua grega
comum, em que os evangelhos foram escritos, o primeiro deles se
tornou um modelo para a composição dos seguintes. Estava
estabelecido um novo gênero literário de uso exclusivo dos cristãos:
O Evangelho
39Mc.1.1-4
40Cânon ou cânone, palavra da língua grega para a vara que os
construtores usavam para medir as obras. Na crítica bíblica é
utilizada para rotular o conjunto de livros cuja utilização nas
celebrações litúrgicas é autorizada pela igreja.
41
Afinal de contas, que vem a ser um evangelho? A palavra evangelho
não foi inventada pelos cristãos como poderia parecer a quem fizesse
uma primeira leitura despreocupada. Ela já existia no tempo em que
o Cristianismo iniciou suas atividades e era utilizada pelos oráculos
do império para introduzir a leitura dos decretos que o imperador, ou
algum de seus legados, baixava beneficiando o povo. Os escritores
cristãos passaram a utilizar esta palavra para introduzir os relatos dos
benefícios que Deus fazia a favor de seu povo. Alguns dos
evangelhos mais antigos são apenas coleções de ditos de Jesus.
Outros mais elaborados incluem relatos a respeito da vida e da obra
dos Mestre.
No tempo em que os evangelhos foram compostos (do primeiro ao
terceiro século da era cristã) o Cristianismo ainda não tinha um
repertório de doutrinas estabelecido. Esse fato permitia que muitas
variantes doutrinárias convivessem e reivindicassem ser a
interpretação autêntica dos ensinamentos do Mestre. Uma das
vertentes do Cristianismo destes tempos foi o Gnosticismo, uma
interpretação que ensinava que o grande problema do homem não é
o pecado e sim a ignorância. Dessa forma, o que salva o homem não
é perdão concedido pela graça divina e sim o conhecimento
(Gnose41) obtido por meio de uma iluminação especial.
O Evangelho de Tomé42 é a obra mais conhecida da biblioteca que
nos foi legada pelos cristãos gnósticos. Ele foi descoberto em 1945
no Egito, fazendo parte da chamada biblioteca de Nag Hammadi 43.
Conclusão
Temos quatro evangelhos no nosso Novo Testamento. Eles desfrutam
desta posição porque foram canonizados pela igreja cristã que
analisou seus conteúdos atendendo a critérios rigorosos,
especialmente os de ortodoxia e apostolicidade. Outros evangelhos,
escritos na mesma época, foram rejeitados com base nos mesmos
critérios. Os três primeiros são chamados sinóticos porque
apresentam os ensinamentos e ações de Jesus Cristo de um mesmo
ponto de vista. O Livro de Atos dos apóstolos é a segunda parte do
evangelho de Lucas e apresenta a história da igreja cristã no período
dos apóstolos. Não sabemos com segurança o nome de nenhum dos
50Jo.8.3-12.
45
autores destes livros. O que temos são tradições aceitas pelos
cristãos com base nos testemunhos escritos dos pais da igreja, isto
é, dos teólogos e historiadores cristãos que viveram dos séculos II ao
IV.
46
2. O Evangelho segundo Marcos
Propósitos
O evangelho cuja autoria é atribuída a João Marcos pela tradição é o
menor dos quatro fixados no Novo Testamento. Ele omite todos os
fatos referentes à genealogia e à infância de Jesus Cristo. Ele
também não é explícito a respeito do que ocorreu depois do calvário.
Não faz referência a ditos importantes do mestre como é o caso do
sermão do monte. Por outro lado, ele enfatiza os milagres,
especialmente as curas e os exorcismos. Nas páginas seguintes
pretendemos discutir tópicos tais como: Quem foi o autor deste livro?
Onde e quando escreveu? Para quem escreveu? Quais foram as suas
fontes de informação? Qual foi a sua motivação para a escrita? Ou
seja, qual foi o seu objetivo teológico?
Introdução
Acredita-se hoje que esse evangelho é o mais antigo de todos. Sua
datação mais provável é a da época da guerra judaico – romana (64-
68 e.c.) quando Nero era o imperador em Roma. Sendo o primeiro,
ele forneceu um modelo para os demais evangelhos o sucederam. O
autor, que era judeu, viu em Jesus Cristo um profeta e compôs o
evangelho no estilo dos livros proféticos do velho testamento. Em seu
texto encontramos, portanto, oráculos (ditos proféticos),
ensinamentos de Jesus; A eles foram acrescentados relatos de curas,
milagres e exorcismos que comprovam a autenticidade da chamada
divina do profeta e alguns dados de sua vida que permitem localizar,
de maneira ainda que pouco precisa, histórica e geograficamente a
sua atuação.
O problema da autoria
Nenhum dos autores dos evangelhos se identifica no texto que
escreveu. A autoria é presumida com base nos testemunhos dos pais
da igreja e dos dados que são recolhidos no texto. No primeiro caso
temos as evidências externas e no segundo as evidências internas.
Com relação a este evangelho, a autoria de Marcos é atestada por
testemunhos antigos, tais como o de Papias (Bispo de Hierápolis,
ca.140 d.C.) registradas por Eusébio de Cesareia na sua História
Eclesiástica. Além dele, Irineu, bispo de Lyon e Clemente de
Alexandria também declararam a autoria de Marcos.
47
As evidências internas são poucas e fracas. Alguns querem ver no
relato do jovem que acompanhou o cortejo que prendeu Jesus envolto
em um lençol51 uma referência autobiográfica porque dificilmente tal
fato teria algum interesse para outra pessoa que não fosse o próprio
autor. João Marcos, sobrinho (ou talvez primo) de Barnabé, que
acompanhou seu tio e Paulo na primeira viagem missionária descrita
nos Atos dos Apóstolos, era jovem no tempo em que estes fatos
aconteceram. Sua desistência em persistir na empreitada missionária
causou uma dissenção entre os dois apóstolos e determinou sua
separação na segunda viagem52. Mais tarde, Paulo pede que Marcos
lhe seja levado por causa de sua utilidade 53. No encerramento de sua
primeira epístola, Pedro envia saudações da igreja que está em
Babilônia (Roma) e de um Marcos, a quem chama de filho 54 e que,
presumivelmente, é o próprio João Marcos, parente próximo de
Barnabé. Por causa desta referência acredita-se que Marcos
conviveu com Pedro alguns anos em Roma e que, sob a orientação
dele, redigiu o evangelho. Portanto, a fonte dos fatos narrados neste
evangelho teria sido o relato pessoal de Pedro que foi testemunha
ocular deles.
51 Mc.14.51-52
52At.15.36-38: E depois de alguns dias, Paulo disse a Barnabé:
Voltemos a visitar a nossos irmãos em cada cidade onde tenhamos
anunciado a palavra do Senhor, para ver como estão. E Barnabé
aconselhou para que tomassem consigo a João, chamado Marcos.
Mas Paulo achou adequado que não tomassem consigo a aquele
que desde a Panfília tinha se separado deles, e não tinha ido com
eles para aquela obra.
53Somente Lucas está comigo. Toma juntamente a Marcos, e
o traz contigo, porque ele é muito útil para o trabalho deste
serviço. II Tm.4.11.
54Saúda-vos a igreja eleita que está na Babilônia, e também
Marcos, meu filho. I Pd.5.13.
48
da composição deste livro tenha sido no período de 64-68 e que o
local de composição tenha sido a própria cidade de Roma. Este
evangelho foi escrito para um público não judeu. Algumas evidências
internas permitem perceber este fato:
Marcos relata que quando Jesus se encontrava no templo, no recinto
onde os judeus faziam suas ofertas, uma viúva pobre lançou ali tudo
quanto tinha 55. Ele informa que a viúva lançou ali duas pequenas
moedas (lepton, lepta no plural). No texto original do versículo 42 lê-
se: “και ελθουσα μια χηρα πτωχη εβαλεν λεπτα δυο ο εστιν κοδραντης”. Marcos
informa que as duas pequenas moedas (λεπτα δυο) valiam tanto quanto
um quadrante (ο εστιν κοδραντης). Se ele achou necessário informar o
valor das moedas é porque seus leitores não a conheciam e, portanto,
não eram judeus.
Em algumas ocasiões, Marcos se preocupa em esclarecer seus
leitores a respeito de costumes que eram por demais conhecidos dos
judeus. No primeiro capítulo, após descrever a maneira como Jesus
havia curado um leproso, Marcos relata o que a lei exigia que se
fizesse naquela situação: “E disse-lhe: Olha que não digas nada a
ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote, e oferece por tua limpeza
o que Moisés mandou, para que lhes haja testemunho”56.
Acredita-se então que Marcos teria escrito para cristãos não judeus,
isto é, gentios, provavelmente que habitavam na cidade de Roma e
necessitavam de algumas informações adicionais para entenderem
como Jesus Cristo exerceu seu ministério profético na Palestina.
55E vindo uma pobre viúva, lançou dois leptos, que são duas
pequenas moedas. E Jesus, chamando a si seus discípulos, disse-
lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva lançou mais que
todos os que lançaram na arca do tesouro; (Mc.12.42-43).
56 Mc.1.44.
49
argumento poderia ser usado que não o do convencimento de que os
romanos foram os responsáveis pela morte de Jesus Cristo? A análise
do Evangelho de Marcos permite concluir que o autor abraçou a tese
contrária. Os responsáveis pela morte de Jesus na cruz não foram os
romanos e sim os próprios judeus (fariseus e herodianos).
Marcos declara claramente que morte de Jesus Cristo foi premeditada
e resultou de uma conspiração dos fariseus com os herodianos
(judeus)57. Mais tarde; Marcos informa que os fariseus preparavam
armadilhas para Jesus 58 . Informa que os mesmos fariseus
frequentemente questionavam Jesus em assuntos da lei para
apanhá-lo em algum erro e o condenarem 59 . Ao final da narrativa
(capítulo 15), Marcos informa que Pilatos, o representante oficial de
Roma, tentou usar de vários artifícios para livrar Jesus da morte e que
só o entregou porque os judeus exigiram. Desta forma, a
responsabilidade pela morte de Jesus Cristo não cabe aos romanos
e sim aos líderes da comunidade judaica (fariseus e herodianos).
A estrutura do livro
O Evangelho de Marcos é organizado em cinco partes que descrevem
a vida e o ministério de Jesus Cristo.
A primeira parte (1.1-13) começa com uma citação do profeta Isaías,
o e mostra João Batista predizendo a vinda do Messias. Descreve
também o batismo e a tentação de Jesus.
A segunda parte (1.14-9.50) descreve o ministério de Jesus, na
Galileia, para onde foi depois da prisão de João Batista.
Na seção um, chama Simão Pedro e seu irmão André para segui-
lo para o ministério junto com os outros dez discípulos (1:14-20).
Jesus começa a fazer milagres durante esta seção do livro (1.21)
conhecido como o seu Ministério Galileu até o versículo 6:29.
A seção dois da segunda parte descreve a retirada da Galileia por
Jesus e seus discípulos e o milagre de alimentar cinco mil pessoas
com cinco pães e dois peixes (6.37-44). Este capítulo também
51
3. O evangelho segundo Mateus
Propósitos
Da mesma forma que fizemos para o evangelho estudado
anteriormente, pretendemos questionar aqui quem foi seu autor,
quando escreveu, para quem escreveu e quais eram seus objetivos
teológicos. Além disso, pretendemos também entender o tipo de
relação que este livro guarda com o evangelho de Marcos.
Introdução
A leitura do evangelho segundo Mateus impressiona qualquer leitor
pela riqueza de referências ao Antigo Testamento, tanto à lei quanto
aos profetas. Nele, mas que em qualquer outro livro do Novo
Testamento, se percebe a ideia subjacente de que em Jesus Cristo
se deu o pleno cumprimento das promessas messiânicas, feitas aos
antigos. Ele é claramente dirigido a uma comunidade de cristãos de
cultura e raízes judaicas. Salvo apenas pela epístola de Tiago, é o
mais judaico de todos os livros do Novo Testamento.
O problema da autoria
A autoria deste evangelho é tradicionalmente atribuída a Mateus, um
dos doze apóstolos 60 . Uma vez que este evangelho também não
identifica seu autor, ficamos na dependência das citações dos pais da
igreja (evidências externas) e das perícopes sugestivas do próprio
texto (evidências internas) para chegar a alguma conclusão sobre sua
autoria. Papias (138 e.c.) menciona Mateus como autor e informa que
ele teria escrito originalmente em Aramaico. Seu livro teria sido
posteriormente vertido para a língua Grega.
As evidências internas apontam para um autor judeu convertido ao
Cristianismo e que enfrentava dura oposição dos líderes da
comunidade judaica. A referência ao escriba que se converte 61 tem
62Mt.22.1-14
53
Podemos então admitir que o evangelho de Mateus foi, mais
provavelmente, escrito no período entre 70 e 80 da nossa era, cerca
de 50 anos depois da ocorrência dos fatos que narra e que, neste
período, as informações não contidas em Marcos ou em qualquer
outra fonte escrita (Q) foram veiculadas pela tradição oral.
Os leitores originais eram judeus cristãos que estavam enfrentando a
primeira crise de identidade do Cristianismo: como ser cristão sem
deixar de ser judeu? Em outra passagem do livro saem da boca de
Jesus Cristo as seguintes palavras:
“Não se deita vinho novo em odres velhos; do contrário se
rebentam, derrama-se o vinho, e os odres se perdem; mas deita-se
vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam” 63
63Mt.9.17
64Dt.6.4.
54
Uma obra litúrgica, para uso nos cultos – O estudo da estrutura
deste livro permite ver que ele foi organizado na forma de cinco partes
nas quais cada uma delas apresenta um discurso de Jesus precedido
de uma narrativa introdutória. Este formato o torna equivalente aos
cinco livros da lei de Moisés que eram lidos regularmente na
sinagoga. Assim sendo, acredita-se que ele foi feito para ser lido nas
sinagogas dos cristãos, já que Jesus era “O Profeta” semelhante a
Moisés. Em apoio a esta interpretação está o fato de que uma parte
significativa do material peculiar contido neste livro (sermão do monte,
parábola do joio e do trigo, anúncio do nascimento de Jesus a José)
era usado pelos cristãos em sua liturgia.
Uma obra apologética – Cabe a Moule 65 o mérito de haver
enfatizado este aspecto. Dele tomamos emprestadas as seguintes
declarações:
“De modo reiterado, Mateus tem sido definido como o evangelho
para os judeus. Com mais propriedade, todavia, poderia chamar-
se o evangelho contra os judeus, pois grande parte dele se
apresenta como munição para os cristãos quando fossem atacados
por cristãos não judeus que diziam: Vosso mestre não era o
Messias (resposta: sim ele era, por descendência de Davi,
harmonizando-se com o modelo da Profecia; Mt.1.1 e seguintes);
ou: Vosso Mestre não era um verdadeiro rabino pois ele solapou
a Lei: (Resposta: pelo contrário, ele estabeleceu um ideal moral
mais rígido que o dos rabinos: Mt.5.17-20; ou ainda: A pretensão
dos nazarenos de serem o verdadeiro Israel é falsa (resposta: não
porque é sobre a confissão de Jesus Cristo que Israel está
edificado; Mt.10.16 e seguintes.”
A combatividade intrínseca do Evangelho de Mateus é notória. A
expressão “escribas e fariseus hipócritas” aparece inúmeras vezes. 66
A ênfase em afirmar que Jesus Cristo tinha autoridade para reformar
Conteúdo e plano
O evangelho de Mateus está estruturado na forma de cinco discursos
de jesus que são direcionados pelo tema “Reino de Deus” (ou reino
dos céus). O fato de a estrutura do evangelho estar calcada na própria
estrutura da Lei de Moisés reforça a tese de que o autor deste livro
esteja caracterizando Jesus como o “novo Moisés” que foi prometido
no livro do Deuteronômio. 68 Transcrevemos aqui as divisões como
são mencionadas na obra de Hale.69
Introdução: Genealogia e nascimento e preparação para
o ministério de Jesus (1.1 – 4.11)
Primeiro discurso – O reino, sua natureza e
características (4.12 – 7.29)
Narrativa introdutória: (4.12-25)
Discurso: O sermão do monte (5.1 – 7.29)
Segundo discurso – Apresentação e propagação do reino
(8.1 – 11.1)
Narrativa introdutória (81—9.34)
Destaques e peculiaridades
Conforme estava escrito – Como já vimos em estudo anterior,
Marcos inicia seu evangelho citando o profeta Isaías. Isso mostra que
os cristãos interpretaram a vida e a obra de Jesus Cristo como
cumprimento das profecias messiânicas do Antigo Testamento.
Mateus levou este tipo de argumentação ao extremo. Neste
evangelho a palavra “escrito” como referência ao texto do Antigo
Testamento aparece nada menos de 9 vezes: 2.5, 4.4, 4.6, 4.7, 4.10,
11.10, 21.13, 26.24 e 26.31.
57
4.18 Jesus chama dois pescadores no 1.16 ..... .....
mar da Galileia (Simão e André).
4.21 Jesus chama dois outros 1.18 ..... .....
pescadores (Tiago e João)
8.28 Jesus cura dois endemoninhados 5.1 8.26,27 .....
em Gadara.
9.27-31 Jesus cura dois cegos ..... ..... .....
18.19 Quando dois concordam Deus ..... ..... .....
aprova
20.30 Jesus cura dois cegos em Jericó 10.46-52 18.35-43 .....
21.1-2 Jesus manda dois discípulos 11.1-11 19.28-40 12.12-19
buscar dois animais
58
4. A obra lucana, parte I – O
evangelho
Propósitos
Continuando nossos estudos dos evangelhos canônicos encontramos
aquele cuja autoria é atribuída a um homem chamado Lucas, o
companheiro de viagens do apóstolo Paulo. Considerando que a
mesma autoria é atribuída ao livro de Atos dos Apóstolos, as duas
serão estudadas em conjunto. Procuraremos ainda discutir quais
foram as fontes de informação utilizadas pelo autor, quais foi a sua
população alvo em termo de leitores e quais foram os seus objetivos
teológicos.
59
deles é a narrativa da cura da sogra de Pedro por Jesus. Na narrativa
desse episódio (Mt.8.14-15, Mc.1.30-31 e Lc.4.38-39), Marcos e
Mateus se restringem a declarar que a sogra de Pedro estava com
febre. Lucas declara que ela tinha uma febre muito alta o que o
identifica coo alguém que estava acostumado a ver pessoas com
febre e a avaliar sua intensidade, portanto um médico.
Quanto ao fato de Lucas ser estrangeiro é possível encontrar no seu
evangelho, várias imprecisões a respeito da geografia da Palestina
que permitem concluir que o autor nunca esteve naquele local e que
não conhecia satisfatoriamente sua geografia. Na perícope contida
nos versículos 11 a 19 do capítulo 17 encontramos a descrição da
cura de 10 leprosos, efetuada por Jesus. Encontramos no texto as
seguintes declarações:
1. Jesus Cristo ia para Jerusalém. Se ele atravessava a divisa
entre Samaria e Galileia, então ele vinha do Norte para o Sul.
Teria sido mais apropriado mencionar as localidades no
sentido inverso: passava pela divisa entre a Galileia e a
Samaria.
1. A descrição do milagre menciona que Jesus determinou aos
leprosos que cumprissem o mandamento legal de se
mostrarem aos sacerdotes porque só estes poderiam
confirmar sua cura e declará-los legalmente puros. A rapidez
com que um deles voltou mostra que eles não poderiam ter
ido muito longe. É difícil admitir este fato se eles estavam
mesmo em Samaria.
2. O samaritano que voltou é chamado de estrangeiro. Coisa
inadmissível se ele estava em sua terra natal, como o texto
sugere. A única maneira de conciliar esta descrição com a
geografia é admitir que o autor, por não conhecer a Palestina,
imaginava que a Samaria ficava ao norte do país e que Judeia
e Galileia se constituíam em um território contínuo ao sul.
Essa interpretação é coerente com a descrição do movimento
missionário apresentado nos atos dos apóstolos.
O fato de o autor do livro ter sido companheiro de viagens do apóstolo
Paulo é inferido a parir da narrativa dos atos dos apóstolos. A partir
do versículo 6 do capítulo 16, encontramos seguinte narrativa:
Atravessaram a região frígio gálata, tendo sido impedidos pelo
Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia; e tendo chegado
diante da Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus
60
não lho permitiu. Então, passando pela Mísia, desceram a Trôade.
De noite apareceu a Paulo esta visão: estava ali em pé um homem
da Macedônia, que lhe rogava: Passa à Macedônia e ajuda-nos.
E quando ele teve esta visão, procurávamos logo partir para a
Macedônia, concluindo que Deus nos havia chamado para lhes
anunciarmos o evangelho. Navegando, pois, de Trôade, fomos em
direitura a Samotrácia, e no dia seguinte a Neápolis.
A leitura deste texto permite concluir inicialmente que o autor não foi
testemunha ocular dos fatos narrados e que, portanto, precisou
recuperá-los a partir do testemunho de terceiros tomando,
evidentemente alguns cuidados para obter um resultado satisfatório.
Isto permite identificá-lo como um historiador, no sentido moderno
deste termo. Os cuidados foram os seguintes:
Seleção das testemunhas – O autor declara que só aceitou
informações de testemunhas oculares. Além disso deveriam ser
pessoas que tivessem autoridade reconhecida pelas igrejas para
testemunhar. Deveriam ser “ministros da palavra”, pessoas sobre cuja
veracidade não pairasse qualquer sombra de dúvida. Estes dois
61
cuidados permitiram ao autor minimizar o risco de inserir no seu
relatório de pesquisa relatos de pessoas que, por falta de
conhecimento ou por mal intenção distorcessem a verdade a respeito
dos fados investigados.
Consultas bibliográficas – O autor informa ter conhecimento de que
muitos outros, antes dele já haviam se dedicado ao mesmo tipo de
trabalho. Seguramente ele leu os documentos que chegaram às suas
mãos e selecionou aqueles que lhe pareciam mais fiéis. A crítica
bíblica moderna é unânime em aceitar que Lucas teve acesso ao
manuscrito do evangelho de Marcos e à fonte de ditos chamada Q.
Do primeiro tirou o roteiro para sua obra.
Crítica e ordenação dos dados – O autor declara que não apenas
investigou tudo dede o princípio, mas também que objetivou uma
narração coordenada dos fatos. Estas duas declarações permitem
assumir que ele criticou as informações recebidas e que
provavelmente rejeitou muita coisa que não lhe pareceu coerente.
Permite ainda entender que o autor teve um plano para organizar o
material coletado em uma narrativa organizada. Por comparação se
vê com facilidade que esse plano foi extraído do evangelho de
Marcos.
Um objetivo definido – O autor usou o verbo conhecer ()
para descrever o tipo de resultado que pretendia atingir. Seu objetivo
imediato era instruir o leitor para que ele adquirisse pleno
conhecimento da verdade. Um objetivo coerente com a cultura
helenística do autor.
62
Objetivo e mensagem central
Lucas declara no prólogo de seu evangelho que o seu objetivo é
instruir um homem que chama de Teófilo (amigo de Deus) na
plenitude dos fatos que já eram de seu conhecimento. Esse nome de
origem helênica nos leva a admitir que o destinatário seria um judeu
helenista ou então um gentio convertido ao Cristianismo.
Divisões
Prefácio (1.1-4)
Narrativas do nascimento e da infância de Jesus (1.5 – 2.52)
Os Nascimentos de João e de Jesus (1.5 – 2.20)
Os princípios da infância de Jesus (2.21-52)
Introdução ao ministério de Jesus (3.1-4.13)
O ministério de João (3.1-20)
Preparação para o ministério de Jesus (3.21 – 4.13)
O ministério na Galileia e nas circunvizinhanças (4.14
– 9.50)
Narrativa resumida da obra inicial de Jesus (4.14-15)
Pregação em Nazaré (4.16-30)
Jesus e as Multidões (4.31 – 5.16)
Conflitos com os líderes religiosos (5.17 – 6.11)
Escolha dos doze (6.12-16)
Instruções aos discípulos (6.17-49)
Natureza e missão de Jesus (7.1-50)
Viagem através da Galileia (8.1-56)
Revelações aos doze (9.1-50)
Caminhada para Jerusalém – Parte I (9.51 – 13.30)
Rejeição pelos Samaritanos (9.51-56)
Testes do discipulado (9.57-62)
A missão dos setenta (10.1-24)
Ensinos acerca dos relacionamentos (10.25-42)
Instruções sobre a oração (11.1-13)
Sinais e rejeição (11.14-54)
O discipulado responsável (12.35 – 13.30)
Caminhada para Jerusalém – Parte II (13.31 – 19.27)
Predição da Paixão (13.31-35)
Instruções numa refeição (14.1-24)
Os termos do discipulado (14.25-35)
A alegria de Deus ao receber pecadores (15.1-32)
Ensinamentos adicionais sobre a riqueza (16.1-31)
O caráter do discipulado (17.1-10)
63
Purificação dos dez leprosos (17.11-19)
Ensino acerca do Reino (17.20-37)
Ensino acerca da Oração (18.1-14)
Entrada no Reino (18.15-39)
Aproximando-se de Jerusalém (18.31 – 19.27)
O ministério em Jerusalém (19.28 – 22.53)
Aproximação e entrada do Messias (19.28-48)
Exame da autoridade de Jesus (20.1 – 21.4)
O discurso escatológico (21.5-38)
Resumo dos últimos dias de ministério (21.37-38)
Preparação para a páscoa (22.1-53)
A paixão (22.54 – 25.36)
O julgamento de Jesus (22.54 – 23.25)
A crucificação (23.26-28)
A ressurreição de Jesus (24.1-53)
64
5. A obra lucana, parte II –
Atos dos Apóstolos
Propósitos
Uma vez que a autoria deste livro já foi discutida por ocasião do
estudo do terceiro evangelho, procuraremos agora identificar as
fontes do material usado em sua composição, data e local da escrita,
ambiente histórico e geográfico que lhe serviu de cenário e o objetivo
teológico do autor. O nome mais credenciado pela tradição para a
autoria de ambos é o de Lucas, aquele que o apóstolo Paulo chama
de “o médico amado”.
67
Estudo do conteúdo
Prólogo (1.1-5)
O prólogo faz a ligação deste livro com o primeiro tratado permitindo
identificar o autor dos dois livros como sendo a mesma pessoa.
Permite identificar também sua população alvo e seus objetivos
teológicos.
68
Contrariando a tradição dos judeus, Pedro acompanha os emissários
de Cornélio até sua casa e prega o evangelho. É interrompido pela
manifestação do Espírito Santo que vêm sobre os ouvintes de
maneira semelhante àquela que ocorreu em Jerusalém no dia de
pentecostes.
Início da obra missionária no continente asiático (12.25 – 16.5)
Seguindo o movimento centrífugo, o foco da narrativa se desloca
para o norte. De Jerusalém para Antioquia da Síria. A igreja aqui tem
ministério organizado segundo padrões helenistas: Predicadores
(profetas) e Doutores (mestres filósofos). Neste ambiente o Espírito
Santo se apresenta e convoca dois dos líderes da igreja para a obre
missionária: Paulo e Silas. A primeira comitiva parte para o norte
passando pela Cilícia, Panfília, Psídia e Licaônia. A história termina
com o relato do concílio de Jerusalém que examinou o problema
relativo à circuncisão dos gentios (cap. 15). Neste conflito quebrou-se
a primeira barreira para a expansão do evangelho, a barreira racial,
uma vez que ficou comprovado que o cristão não precisava ser
obrigatoriamente um prosélito do Judaísmo.
69
É então levado para Roma onde fica detido aguardando o julgamento
final.
70
A doutrina de missões – A metodologia do trabalho missionário está
claramente exposta no livro de Atos. A observação de alguns pontos
pode nos ajudar a entender a razão do sucesso dos pregadores
primitivos. 1 – Concentravam sua atuação em grupamentos urbanos
(cidade), 2 – Iniciavam a pregação com pessoas já atingidas pela
cultura bíblica (judeus helenistas da diáspora), 3 – Instalavam-se em
residências de simpatizantes quando as portas lhes eram abertas. A
igreja doméstica foi de grande valor no trabalho dos apóstolos. 4 –
Sempre que possível criavam igrejas urbanas. 5 – Voltavam
posteriormente para confirmar e reforçar os cristãos na fé. Acima de
tudo, seguiam fielmente as orientações do Espírito.
71
Unidade III – Literatura
Paulina
72
1. Paulo e o Cristianismo do
primeiro século
Propósitos
Uma vez que já conhecemos o cenário no qual se formou a literatura
cristã do primeiro século, precisamos agora apresentar os atores, isto
é, seus autores e personagens. O apóstolo Paulo escreveu a maior
parte dos livros do Novo Testamento. A descrição de sua vida ocupa
cerca de dois terços do livro de Atos dos Apóstolos e é citado em livros
de outros autores. Para entender a razão dessa importância
precisamos: 1. Descrever de maneira sumária a formação cultural e
religiosa do apóstolo Paulo. 2. Descrever de maneira sumária os
itinerários das viagens do apóstolo Paulo, narradas no livro de Atos
dos Apóstolos. 3. Delimitar os períodos históricos do primeiro século
e 4. Descrever a estrutura das comunidades cristãs no século I
73 Filipenses 3-5
74 Ibidem
75 Atos 22.3
73
frequentemente em suas obras 76 . Ele possuía uma biblioteca que
carregava consigo em suas viagens missionárias 77.
Paulo tinha conhecimento da língua e da cultura hebraica. Como
qualquer garoto judeu, aprendeu a leitura e a interpretação da Torá
na escola da sinagoga. Seus estudos superiores em doutrinas
judaicas foram feitos em Jerusalém, onde teve por mestre Gamaliel,
neto de Hilel. A escola de Hilel representava o lado menos radical do
Judaísmo. Fez sua iniciação no farisaísmo e se tornou doutor da
Lei78. Provavelmente Paulo era pessoa muito bem relacionada nos
meios políticos e religiosos de Jerusalém. Ele conseguiu uma
autorização assinada pelo sumo sacerdote para perseguir os
cristãos79 e foi testemunhe na execução de Estêvão 80.
Paulo era também um cidadão romano por direito de nascimento 81.
Sua família residiu por muitos anos em Roma. Posteriormente
radicou-se em Tarso, na província da Cilícia. Eram artífices que,
segundo as evidências fazem crer, fabricavam e forneciam tendas
para as legiões romanas.
A carreira política e religiosa de Paulo foi interrompida quando da sua
adesão ao Cristianismo. Ele entendeu que o Senhor a quem ele
perseguia o chamava para uma missão profética de importância
ímpar, a de ser o portador da mensagem do amor de Deus a todos os
povos, especialmente os pagãos 82.
O livro de Atos dos apóstolos nos dá um esboço de suas viagens pelo
Império Romano desenvolvendo o trabalho de proclamação do
75
que perseguiam os cristãos acusando-os de serem politeístas por
confessarem a divindade de Jesus Cristo. A ênfase do período foi a
expansão missionária. Neste período foi composta a maioria das
epístolas e, provavelmente também o evangelho de Marcos.
O período sub–apostólico (pós–apostólico) seguiu-se à morte dos
apóstolos e à destruição do templo de Jerusalém. Este período
assistiu à estruturação das igrejas com seleção e preparação de
lideranças locais. O inimigo deixou de ser o governo judeu e passou
a ser o império romano. O desafio já não era expandir a fé e sim
manter a convicção dos crentes diante das crescentes pressões para
que seguissem heresias diversas (Gnosticismo) ou apostatassem da
fé retornando ao Judaísmo. Algumas epístolas, os evangelhos, o livro
de Atos e o Apocalipse foram compostos nesta época.
As comunidades
Os cristãos do primeiro século estavam organizados em
comunidades. Para entendermos o que designamos por comunidade,
precisamos rever nossa conceituação de Cristianismo Primitivo. A
população cristã do primeiro século nunca foi, como vinha se
acreditando há muito tempo, formada por um grupo unitário de igrejas,
homogêneo em termos de doutrinas e de práticas religiosas. Pelo
contrário, os cristãos do primeiro século formavam um grupo
heterogêneo que estava estruturado em comunidades – grupos de
igrejas – que guardavam em comum, além de sua origem histórica, o
respeito a um mesmo líder e um repertório limitado de doutrinas e de
práticas religiosas. 83 Esse repertório doutrinário de cada uma das
comunidades diferia bastante dos repertórios das outras
comunidades congêneres com as quais ela se identificava apenas
pela aceitação de um núcleo doutrinário comum denominado
kerygma apostólico, uma espécie de profissão de fé primitiva que
80
primeiro dos evangelhos (Marcos) a maioria das epístolas já estava
escrita88.
Por que as epístolas foram aceitas tão precocemente como obras
com autoridade pelas igrejas cristãs? Seguramente isso aconteceu
porque a autoridade das epístolas continua a autoridade apostólica.
A autoridade dos apóstolos foi reconhecida muito precocemente:
quando se instalou a primeira comunidade cristã em Jerusalém e os
problemas começaram a surgir, os apóstolos foram consultados sobre
a maneira de resolvê-los.
Desde então as palavras deles passaram a ter força de sentença
judicial nas questões de doutrina e de prática eclesiástica. Isso
ocorreu, por exemplo, na controvérsia judaizante 89 narrada no
capítulo 15 do livro de Atos dos Apóstolos. Os cristãos judeus
entendiam que os gentios que se convertiam deveriam ser
submetidos ao rito de iniciação da circuncisão tornando-se prosélitos
do Judaísmo. Os cristãos gentios, por outro lado, entendiam que a
circuncisão era um ritual que deveria ser observado exclusivamente
por judeus e que eles, portanto, não precisavam ser circuncidados
para ser cristãos. Os apóstolos, reunidos em Jerusalém, sob a
presidência de Tiago, consideraram a questão e emitiram uma
sentença que passou a ter força de lei para todos os crentes. Essa
sentença gerou uma carta (epístola) circular que foi lida nas igrejas.
Com o passar dos tempos ocorreu a expansão geográfica do
Cristianismo. Algumas igrejas, que se encontravam longe demais
para poder ter a presença do apóstolo ajudando-a a resolver os seus
problemas mandavam emissários com mensagens escritas ou orais 90
para consultar os apóstolos sobre problemas específicos.
Unidade linguística
Como fruto da helenização do oriente, todas as províncias do lado
oriental do Império Romano tinham no Grego a sua língua comum.
Na própria capital do Império, as pessoas cultas conheciam a língua
grega e os códigos de direito eram nela redigidos. O Grego, que
funcionava naquela época como língua internacional, tal como o
Inglês funciona hoje, não era o Grego literário ou Ático, e sim o koine
- (Grego comum) que era usado pelo povo.
Se os escritores do Novo Testamento tinham como objetivo ser
entendidos pela maioria dos seus possíveis leitores eles precisavam
escrever em uma língua que fosse do conhecimento da maioria. A
existência de uma língua de comunicação de domínio público permitia
que habitantes de distantes províncias se comunicassem facilmente
por meio de documentos escritos. A escrita das epístolas
neotestamentárias tirou vantagem desta unidade linguística. Convém,
entretanto, não esquecer de que muito embora a língua usada na
transmissão do pensamento dos autores do Novo Testamento fosse
o Grego, o seu conteúdo era essencialmente oriental, tão oriental
quanto o próprio Cristianismo. Muitos dos escritores do Novo
Testamento pensavam em Aramaico e escreviam em Grego que se
Co.11.
91Cl.4.16
92II Pedro 3.16
82
evidencia pela abundância de aramaísmos no texto do Novo
Testamento.
A Pax Romana
A ascensão de Otaviano (César Augusto) ao governo de Roma teve
como consequência a unificação das províncias em um vasto império
com a cessação temporária das guerras. Neste tempo, segundo
informam os historiadores, o templo de Marte ficou fechado, os
guerreiros guardaram as suas armas e os viajantes gozavam de plena
liberdade para ir e vir por todo o Império. Não é seguro que houvesse
um sistema oficial de correios naquele tempo, mas muitos viajantes
se deslocavam pelas províncias em missões comerciais tanto por
terra quanto por rotas marítimas, tratando dos negócios oficiais do
império e de seus negócios particulares. Estes frequentemente se
tornavam portadores voluntários de correspondência naqueles
tempos93.
O sistema viário
Ao lado da existência de um grande número de viajantes se
encontrava a existência de vias de boa qualidade tanto na terra
quanto no mar. Os romanos foram peritos construtores de estradas 94
e, com a derrota dos cartagineses, garantiram o domínio absoluto no
Mediterrâneo Oriental que eles chamavam de mare nostrum. Seus
navios mercantes e de guerra se deslocavam por ele sem empecilhos
durante toda a parte do ano na qual as condições meteorológicas
eram favoráveis às viagens marítimas. Esses fatores criaram
condições adequadas à existência de uma grande quantidade de
correspondência a qual era transportada sem nenhum problema no
interior do Império.
86
Colossenses, de Judas, a segunda de Pedro e as pastorais fazem
referência a falsos mestres que ensinavam heresias nas igrejas
primitivas.
Esse vasto repertório de problemas resolvidos faz das epístolas do
Novo Testamento uma coleção de escritos extremamente útil para o
pregador moderno que nelas encontra as soluções para problemas
similares que surgem em nossos dias dentro de suas próprias igrejas.
Não devemos esquecer que na nossa época as igrejas eletrônicas
veiculadas pelos meios de comunicação de massa, substituem com
grande eficácia os pregadores itinerantes dos dois primeiros séculos
do Cristianismo.
87
destinos dos que estavam morrendo naqueles dias. As respostas para
estas perguntas são encontradas nas epístolas aos Tessalonicenses
e na primeira aos Coríntios.
As grandes epístolas (principais) tratam de problemas muito
diversificados. As cartas aos crentes de Corinto, além de focalizar o
retardo da parusia e o tema da ressurreição, a ela associado, tratam
de inúmeros problemas éticos e problemas de prática eclesiástica. A
Epístola aos Gálatas, escrita para combater os judaizantes, discorre
sobre a preeminência da graça sobre a lei, além de apresentar uma
defesa do ministério de Paulo, que era alvo do ataque daqueles
hereges. A epístola aos Romanos, motivada pelo desejo que Paulo
tinha de obter o apoio financeiro dos crentes de Roma para uma
viagem missionária à Espanha (15.22-24), é um grande tratado
teológico sobre universalidade do pecado e sobre a graça salvadora
de Deus.
As cartas da prisão foram escritas em Roma 96 , por ocasião da
primeira prisão de Paulo. Escrevendo aos Efésios, Paulo discorre
sobre a vocação dos gentios e sobre a eficácia do evangelho da
graça, em oposição à ineficácia da justificação pelas obras da lei. A
carta aos Filipenses foi escrita para agradecer uma oferta que os
cristãos de Filipos enviaram a Paulo enquanto estava preso e nela o
autor procura confortar os crentes daquela cidade. O tema mais geral
desta epístola é “alegrai-vos”. A carta a Filemon, escrita
simultaneamente com a carta aos Colossenses, devolve ao seu dono
um escravo fugitivo recém – convertido. A carta aos Colossenses,
motivada pelo aparecimento de falsos mestres na Ásia menor,
apresenta uma elaboração teológica muito elevada e trata
especialmente da preeminência de Cristo sobre todos os poderes
cósmicos.
As cartas pastorais foram escritas para orientar jovens pastores,
Timóteo e Tito, na solução de problemas eclesiásticos e no combate
aos líderes hereges. São uma espécie de curso de Eclesiologia e
Apologética por correspondência. Seu tema principal é o preparo das
As epístolas Gerais.
Essas epístolas são chamadas de gerais, ou católicas, por não terem
destinatário específico e poderem, dessa forma, ser aplicadas à vida
de toda a comunidade cristã. Seus autores conhecidos eram pessoas
que desfrutavam da dignidade de apóstolos embora alguns deles não
tivessem participado do grupo que acompanhou Jesus Cristo no seu
ministério terreno: João, a quem são atribuídas três epístolas, foi
possivelmente o discípulo amado, que acompanhou o Mestre em todo
o seu ministério. Tiago e Judas não faziam parte do grupo original dos
doze, foram provavelmente irmãos de Jesus que se converteram
depois de sua morte. Não conhecemos a identidade do autor da
epístola aos Hebreus, mas a qualidade elevada de sua escrita e a
maneira de apresentar a sua argumentação teológica deixam
entrever que ele foi um cristão convertido dentre os judeus
helenísticos da diáspora, possivelmente oriundo da cidade de
Alexandria, no Egito.
Várias motivações levaram à composição destas epístolas. As de
João combatem o Gnosticismo. Tiago faz uma apologia à religião
prática. Pedro e Judas combatem falsos mestres que estão infiltrando
suas ideias na comunidade cristã. Em suma, as epístolas, por serem
escritos mais antigos, visam a resolução de problemas mais restritos
que os evangelhos.
89
Colossenses, II Tessalonicenses, I Timóteo, II Timóteo e Tito. Um total
de sete cartas que teriam sido escritas após o ano setenta e que
refletem as condições de vida das igrejas após a destruição do templo
de Jerusalém.
90
Platão e Paulo
91
3. As primeiras epístolas de
Paulo
Propósitos
As cartas mais antigas de Paulo foram escritas por volta do ano 50 da
era cristã, quando o Império era governado por Cláudio, um imperador
pacífico e equilibrado que não exigiu de seus súditos ser honrado
como se fosse Deus.
Aceita-se hoje que a primeira epístola aos Tessalonicenses foi a mais
antiga de todas e que, possivelmente, a segunda tenha sido escrita
um ano depois da primeira. Outra versão admite que a segunda
epístola teria sido escrita mais tarde por Silvano e Timóteo, após a
morte de Paulo. Para podermos entendê-las necessitamos: 1.
Discorrer sucintamente sobre a cidade de Tessalônica e sobre o início
do trabalho cristão naquele local. 2. Discutir o motivo, tempo e local
de escrita das duas epístolas aos Tessalonicenses. 3. Sumariar o
conteúdo de cada uma das duas epístolas aos Tessalonicenses e
discorrer sobre a motivação de sua composição. 4. Listar e discutir os
temas e as peculiaridades mais marcantes destas epístolas.
92
dos judeus daquela cidade precipitou a saída dos missionários que se
dirigiram para Bereia de onde posteriormente foram para Atenas e
Corinto na província da Acaia (Grécia atual).
A população e a igreja de Tessalônica era constituída principalmente
de gentios. Os judeus daquela cidade rejeitaram totalmente a
mensagem dos missionários. Observa-se nas cartas que, desde a sua
fundação, a igreja foi perturbada por inimigos judaizantes que
questionaram a autenticidade do apostolado paulino.
Tema
As epístolas de Paulo aos Tessalonicenses são epístolas muito
simples que versam sobre temas práticos. Nelas não encontramos as
dissertações teológicas que caracterizam as grandes epístolas. A
atenção do autor se volta principalmente para a necessidade de
manter os crentes reunidos aguardando a parusia e de estimulá-los a
observar um padrão de vida puro e elevado (santificação), baseado
no amor ao próximo.
Primeira epístola—A primeira epístola, escrita depois da chegada de
Silas e Timóteo, é praticamente uma defesa da autenticidade do
Segunda epístola
Introdução
Saudação (1.1-2)
Agradecimento (1.3-10)
Intercessão (1.11-12)
Instruções aos crentes de Tessalônica sobre temas escatológicos
95
A vinda do Senhor não está próxima (2.1-2)
Virá antes o homem do pecado (2.3-10)
Seu caráter (2.3-5)
Suas restrições (2.6-7)
Seu ministério (2.8-10)
O julgamento dos incrédulos (2.11-12)
Ação de graças e oração (2.13-17)
Exortações diversas e saudações (3.1-18)
Chamada à oração (3.1-5)
Disciplina de vida (3.6-15)
Oração final (3.16)
Saudação final (3.17-18)
112 1Ts.2.18
113 Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo,
e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda
a Judeia e Samaria, e até as extremidades da terra. At 1.8
114Diariamente perseverando unânimes no templo, e partindo
pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração,
At.2.46.
115Nesses dias, porém, crescendo o número dos discípulos,
houve uma murmuração dos helenistas contra os hebreus,
porque as viúvas daqueles eram esquecidas na distribuição
diária. At.6.1
100
desconfiança das autoridades que acabaram por lhe mover uma
perseguição que resultou no apedrejamento de um deles.
Os cristãos de Tessalônica se tornaram, em tudo, imitadores dos
cristãos da Judeia e reproduziram o seu sistema de vida 116. Muito
cedo a igreja começou a sofrer por causa desta opção. Problemas
como a ociosidade, a intromissão nos negócios alheios e a
maledicência passaram a ser uma constante na sua vida 117. Paulo
precisou corrigir a igreja levando os irmãos a reconsiderarem esta
situação.
4. A necessidade de santificação
O evangelho chegou ao mundo dos gentios que na sua vida anterior
viviam na idolatria e nas práticas sexuais imorais 118 . Agora, era
necessário estabelecer a comunhão desses gentios convertidos com
os cristãos judeus.
Evidentemente, ninguém, que fosse suficientemente lúcido, pensaria
em rebaixar o padrão de santidade observado pelos cristãos judeus
para que o evangelho se tornasse mais acessível aos gentios. É
possível que nos dias de hoje alguns grupos religiosos pensem desta
forma. A solução evidente e lógica seria então levar os cristãos
gentios a viver no mesmo patamar de santidade dos cristãos judeus.
Impunha-se a santificação da igreja.
O processo de santificação tinha dois objetivos a serem atingidos. O
primeiro era o abandono dos padrões de vida gentios contaminados
pela idolatria e pela prostituição 119 . O segundo era a adoção de
1161Ts.2.14.
1171Ts.4.11,12, 2Ts.3.10.
118Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que
tivemos entre vós, e como vos convertestes dos ídolos a Deus,
para servirdes ao Deus vivo e verdadeiro, 1 Ts 1:9.
119Pois esta é a vontade de Deus, a vossa santificação, que vos
abstenhais da fornicação, que cada um de vós saiba possuir o
seu vaso em santidade e honra não na paixão da
concupiscência, assim como fazem os gentios que não
conhecem a Deus; e que ninguém transgrida e defraude nisto a
seu irmão, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas,
101
padrões de vida mais puros e sadios. A santificação era, para os
nossos primeiros irmãos, um alvo desafiador e continua sendo
desafiador para nós ainda hoje.
103
4. A primeira epístola de Paulo
aos Coríntios
Propósitos
A igreja de Corinto foi fundada pelo apóstolo Paulo no curso de sua
segunda viagem missionária. O Novo Testamento a descreve como
uma igreja grande, boa, porém muito heterogênea e complicada. Os
problemas na igreja de Corinto determinaram que o apóstolo tivesse
de lhe escrever várias vezes. Admite-se que foram até 6 cartas que
posteriormente se consolidaram em duas epístolas.
Para compreendermos as situações que motivaram a escrita
precisamos: 1. Discorrer sucintamente sobre a história e as condições
de vida na cidade de Corinto do tempo do Novo Testamento. 2.
Discutir sucintamente o processo de formação da comunidade cristã
em Corinto. 3. Discutir a autoria, tempo e local de composição desta
epístola. 4. Apresentar os principais temas e divisões do texto desta
epístola.
A cidade de Corinto
A Corinto dos tempos bíblicos era a capital da província da Acaia
(atual Grécia) e ficava situada no istmo que liga o território continental
à península do Peloponeso. Sua posição era estratégica porque
ficava equidistante de dois importantes portos marítimos, um no mar
Jônico (costa ocidental) e outro no Egeu (costa oriental). Dessa forma,
a cidade de Corinto era parada obrigatória para os viajantes que
vinham por mar do ocidente (Roma) para o oriente ou que de lá
retornavam.
A antiga Corinto foi destruída por Munius, general romano, no ano 146
a.C. Cerca de um século depois (44 a.C.) Júlio César mandou
reconstruí-la e fez dela a capital da província da Acaia, sob o governo
de um pró-cônsul. Nesse período a cidade cresceu reunindo pessoas
provenientes de todos os recantos do Império, tornou-se importante
centro comercial, industrial e cultural. Esse fato determinou a reunião
em Corinto de pensadores das mais diferentes correntes filosóficas e
também de cristãos de diferentes origens quanto à nacionalidade e
quanto à filiação doutrinária.
A vida na cidade era a mais libertina possível. Chegou-se a criar
naquele tempo o verbo “corintianizar” que pode ser entendido como
104
equivalente do moderno mundanizar. A vida religiosa era muito
variada. O culto ao imperador e à deusa Roma eram as práticas
oficiais. Ao lado delas, muitas outras práticas existiam. Espalhavam-
se pela cidade templos dedicados às mais diversas divindades, tanto
ocidentais quanto orientais. No ponto mais alto da cidade se
encontrava o templo de Afrodite, a deusa do amor, com seus rituais
de fertilidade, dos quais se ocupava uma grande legião de
sacerdotisas prostitutas. Além delas, as mulheres responsáveis da
cidade estavam obrigadas a servir periodicamente como sacerdotisas
no culto de Afrodite, enquanto cumpriam votos feitos à deusa. Durante
este tempo elas deveriam ter suas cabeças raspadas.
Paulo escreveu a epístola aos Romanos da cidade de Corinto.
Quando ele redigiu o capítulo 1 desta epístola descrevendo a
depravação humana, especialmente no campo das perversões
sexuais, possivelmente estava se inspirando no dia a dia da
metrópole que o hospedava.
A epístola
Autoria, data e local de composição.
A autoria paulina destas duas epístolas é aceita sem restrições
maiores em todo o curso da História do Cristianismo. Elas, inclusive,
estavam entre os primeiros livros a serem aceitos no Cânon do Novo
Testamento. O Estudo do Livro de Atos dos Apóstolos nos leva a
concluir que a primeira das duas cartas foi escrita de Éfeso, mais
120At.18.1-18
105
provavelmente na primavera do ano 54 e a segunda da Macedônia,
no outono do ano seguinte.
Conteúdo
Saudações e ações de graça (1.1-9)
Orientações sobre problemas éticos
Divisões e vaidades na igreja (1.10 - 4.21)
Tolerância com a imoralidade (5.1-13)
Litígios entre crentes em tribunais seculares (6.1-11)
Fornicação e prostituição (6.12-20)
Resposta a várias perguntas formuladas pelos
coríntios
Perguntas sobre o casamento (7.1-40)
Os limites da liberdade cristã (8.1 – 11.1)
O manual de Eclesiologia
A atuação da mulher na igreja (11.2-16)
Normas para a celebração da Ceia do Senhor (11.17-
33)
O uso correto dos dons espirituais (12.1 – 14.40)
Escatologia – a ressurreição dos mortos (15.1-58)
Conclusão (16.1-24)
106
Joanina), outros finalmente, são de Cristo (talvez judeus da diáspora
convertidos durante o Pentecostes)121.
Quando esse agregado de grupos, que tinham muito pouco em
comum uns com os outros, se reunia sob um mesmo teto não era fácil
chegar a uma unidade de identidade da fé. Na realidade, tudo podia
acontecer.
Imoralidade X santidade
Ao mesmo tempo em que estes grupos discutiam entre si para saber
quem era mais crente a igreja se apresentava conivente com diversos
tipos de imoralidades assimilados do mundo pagão (glutonaria,
embriagues, prostituição, incesto)122.
121At.2.5.
122I Co.5.1-13, 6.11-20
123I Co.6.1-10
107
2. Preferencialmente, o casamento deve ser feito com pessoa
da mesma fé. O casamento misto deve ser evitado.
3. O casamento tem valor mesmo quando o cônjuge não
professa a mesma fé. O cristão não deve tomar a iniciativa de
romper com o pacto matrimonial.
4. O relacionamento sexual entre cônjuges deve ser regular e
satisfatório para ambos.
5. Em tempos de crise o casal pode, de comum acordo, se privar
temporariamente do relacionamento sexual para se dedicar à
oração e ao jejum.
124I Co.14.34
125I Co.10.25.
108
alimentos impróprios para o consumo por terem sido dedicados aos
ídolos. Tudo pode ser consumido com ação de graças.
126I Co.15.58
110
A caverna de Paulo
111
5. A segunda epístola de Paulo
aos Coríntios
Propósitos
A segunda epístola de Paulo aos coríntios é uma das cartas mais
pessoais do autor. Podemos dizer que, enquanto na primeira carta os
holofotes estão dirigidos para a igreja, na segunda, as luzes da plateia
se apagam e um “spot light” é lançado no palco onde Paulo, num
solilóquio, repassa toda a sua vida. A defesa de seu ministério ocupa
a maior parte de sua argumentação. A seguir, veremos as questões
sobre: 1. Autoria, tempo e local de composição desta epístola e 2.
Principais temas e divisões do texto desta epístola.
Conteúdo da epístola
Saudações e ações de graça (1.1-11)
Paulo defende seu ministério (1.12-6.10)
Demora no cumprimento das promessas (1.12 – 2.13)
Um ministério autenticado por frutos (2.14 – 3.18)
Um ministério cristocêntrico (4.1-15)
Um ministério de sofrimentos (4.16 – 5.10)
Um ministério de reconciliação (5.11 – 21)
Um ministério de abnegação (6.1-10)
Exortação à santidade (6.11 – 7.4)
Retrospectiva dos efeitos da primeira carta (7.5-16)
Coleta para os pobres de Jerusalém (8.1-9.15)
Respostas às acusações sofridas (10.1 – 13.10)
Conclusão (13.1-14)
128II Co 2.4
113
rasga o coração para a igreja. Talvez esse caráter de personalidade
seja superado apenas pela epístola aos filipenses.
118
Quem eram os judaizantes ?
119
6. A epístola de Paulo aos
Gálatas
Propósitos
A epístola de Paulo aos cristãos da Galácia é uma obra
essencialmente apologética. Aqui o autor se empenha na defesa da
fé cristã genuína contra a pregação de dissidentes que pretendiam
difundir o “outro evangelho” 139.
Os judaizantes foram os primeiros hereges que se aventuraram em
uma “blitz” contra a fé cristã. O fato de a ideia judaizante continuar
viva e ativa nos obriga a estudar essa epístola com muita seriedade.
Para tanto pretendemos: Discorrer sucintamente sobre as duas
hipóteses a respeito da Galácia cujos moradores teriam sido os
destinatários desta carta. Discutir sucintamente a heresia judaizante
do período do Novo Testamento. Discutir a autoria, tempo e local de
composição desta epístola. E, apresentar os principais temas e
divisões do texto desta epístola.
139Gl 1.6-9
140At.16.6; 18.23
120
as comunidades da Galácia, formadas por convertidos do
paganismo141, foram agitadas pelos judaizantes.
Estes são judeus – cristãos vindos de fora que combatiam com
virulência o evangelho livre da Lei pregado por Paulo (cf. Atos 15,1-
5). Consideravam a observância da Lei necessária para a salvação
também dos gentios – cristãos, e minavam a autoridade de Paulo
como apóstolo. Informado da grave ameaça para a fé cristã, Paulo
escreve esta carta cheia de ira e paixão, provavelmente de Éfeso,
pelo ano 56/57. No tempo em que foi escrita a epístola aos Gálatas,
Paulo se encontrava provavelmente nesta cidade, onde teve notícias
da chegada dos judaizantes à Galácia.
Esboço da Epístola
Introdução (1.1-5)
A autoridade de Paulo e a autenticidade da sua mensagem
A originalidade de sua mensagem (1.6-24)
A autenticação dada pelos outros apóstolos (2.1-10)
Paulo versus Pedro (3.11-21)
O caminho da salvação
Salvação por fé e não por obras (3.1-14)
Salvação decorrente de promessas e não da lei (3.15-22)
Os que confiam em Cristo são filhos e não escravos (3.23 – 4.11)
Súplica (4.12-20)
Os que confiam na lei são escravos e não filhos (4.21 – 31)
O caminho da liberdade
Análise do conteúdo
Paulo começa a epístola com uma autobiografia singela, capítulos 1
e 2, cujo objetivo é a comprovação histórica da autenticidade de sua
chamada apostólica e a independência de sua doutrina em relação a
doutrina ensinada pelos demais apóstolos. Ele pretende deixar
provado que o evangelho que ele prega, um evangelho totalmente
independente do legalismo judaico, não é uma elaboração
secundária, um evangelho de “segunda mão” e sim uma obra
autêntica. O argumento mais explorado é o autobiográfico. Paulo
pretende deixar demonstrado que não recebeu o evangelho de outros
apóstolos simplesmente porque não teve contato com eles em tempo
suficiente. Como reforço, adiciona uma descrição dos
desentendimentos que ele teve com Pedro porque este havia se
deixado levar pela bajulação dos judaizantes chegados da Palestina
(3.11-21).
Gálatas e Tiago
Talvez a maior contradição que a crítica bíblica encontre no Novo
Testamento seja exatamente aquela existente entre as epístolas de
Paulo aos Gálatas e a epístola de Tiago. No terceiro capítulo de
Gálatas Paulo cita Abrão como exemplo de fé salvadora e mostra que
ele não poderia ter sido salvo pela obediência às obras da Lei porque
estas só vieram 430 anos depois. Dessa forma os que têm fé são os
verdadeiros filhos de Abraão e alcançam a salvação. 145 Tiago, por
outro lado, declara que Abrão, ao ofertar seu único filho no monte
Moriá, foi aceito por Deus porque sua fé produziu uma obra
perceptível 146 . Assim, a fé que não gera obras é morta e, se
queremos provar nossa fé, precisamos demonstrá-la por meio das
obras que praticamos. Na realidade, as duas verdades não são
mutuamente exclusivas. A fé na realidade produz obras na vida de
quem a possui. O importante é lembrar que o agente motivador é a fé
e não a recompensa advinda da prática das obras.
Paulo e a escravidão147
De fato, isto é assim, pelo menos em certa medida, como se pode ver
na forma em que Paulo se dirige aos escravos dentro da comunidade
da multidão,
145Gl 3.7 Sabei, pois, que os que são da fé, esses são filhos de
Abraão.
146Tg 2,21-24
147Segundo, J. L, A chave antropológica da Cristologia de
Paulo, Ciberteologia – Revista de Teologia & Cultura – Ano II,
n. 7, pag. 52
124
cristã. Já que o escravo é um homem, a revolução humanitária e
humanizante proposta pela cristologia paulina lhe é accessível. A
maturidade, a liberdade (antropológica, à qual Paulo se refere), os
dons do Espírito que transformam o homem em um ser novo, tudo
isto está tanto ao alcance do escravo como do “homem livre” da
sociedade greco-romana. O significado de Jesus Cristo suprimiu pela
raiz o muro que segregava os homens de acordo com sua posição
social básica escravo/livre.
Deve ter-se em conta, além disso, que aquele “em Cristo não há
escravo nem livre” não era só, de maneira imediata, um consolo para
o que não se podia mudar, e sim de modo mais imediato, a longo
prazo, o estabelecimento de um ideal que iria até as próprias
estruturas da sociedade e as tomaria de acordo com o princípio
praticado dentro da comunidade cristã.
125
7. A epístola de Paulo aos
Romanos
Propósitos
Chegamos à obra prima do autor. Assim como a “nona sinfonia”
coroou o gênio produtivo de Beethoven, a epístola aos cristãos da
capital do império é a coroa da obra escrita de Paulo. Não se trata
apenas de uma carta, mas de um tratado teológico no qual a salvação
pela graça é o motivo condutor de toda a obra.
Sua motivação é essencialmente missionária. A evangelização dos
gentios é o seu maior objetivo. A necessidade da colaboração dos
cristãos de Roma nessa tarefa é o seu tema. Para entendê-la melhor
vamos abordar as seguintes tarefas: Historiar sucintamente a
formação da comunidade cristã de Roma, discutir sucintamente a
autoria paulina, o tempo e local de escrita desta epístola, discutir o
propósito desta epístola e, apresentar os principais temas e divisões
do texto desta epístola.
A Cidade de Roma
Roma, a capital do Império, fica situada na parte central da península
Itálica, junto ao rio Tibre e próxima da costa do mar Tirreno. Perde-se
no passado a história das origens da igreja cristã naquela cidade. A
interpretação mais correta para a origem do trabalho cristão na capital
do império parece ser aquela dada por Ambrosiaster 148 que nega a
participação de qualquer apóstolo na evangelização inicial daquela
metrópole. Possivelmente alguns judeus daquela cidade estivessem
em Jerusalém por ocasião da festa de pentecostes e, uma vez
convertidos, teriam levado o evangelho até sua cidade natal.
Ao tempo em que os livros do Novo Testamento foram escritos, Roma
era a capital de um grande império que se estendia desde a Armênia
(costa ocidental do mar Cáspio), ao oriente até a Lusitânia (Portugal),
Hispânia (Espanha), Gália (França) e Britânia (Inglaterra) no ocidente.
Ao Sul, se limitava com o deserto de Saara, englobando toda a costa
norte da África com o Egito, Líbia e Cirenaica (Tunísia). Ao Norte era
Propósito da Epístola
Esta é a única carta que Paulo escreveu a uma igreja que não nasceu
em consequência de seu trabalho missionário. O objetivo especial de
sua escrita pode ser encontrado na análise de algumas passagens,
como segue:
Romanos 1.8-15 – Paulo comunica aos cristãos de Roma sua
intenção de visitá-los para poder conhecê-los mais de perto e
contar com a colaboração deles na promoção de uma
campanha de evangelização e fortalecimento espiritual na
capital do império.
Romanos 15.22-24 – Paulo mostra seu desejo de que sua
estada em Roma se continue com uma campanha
missionária até o extremo ocidente do império, até a
Espanha. Para promover esta campanha ele precisava contar
com a colaboração financeira dos cristãos de Roma uma vez
que os do oriente estariam muito distantes para poder auxiliá-
lo.
Fica evidente do estudo comparativo destes dois textos que Paulo
estava tentando convencer os crentes de Roma a patrocinarem sua
viagem missionária. Em consequência ele apresenta a Teologia da
universalidade do pecado e da graça. Além disso, Paulo, por não ter
nenhuma ascendência sobre a comunidade de Roma, precisava
prepará-la para atender seu apelo, apresentando as credenciais de
seu apostolado uma vez que, naquele tempo, os judaizantes se
deslocavam rapidamente por todo o império (2.17-19).
Tema
O tema de Paulo é perfeitamente coerente com o seu objetivo. Aos
crentes de Roma ele ensina a universalidade do pecado e da graça
bem como a necessidade que todos os homens, inclusive os gentios,
têm de conhecer a salvação dada por Deus, por meio da fé. Alguns
128
versículos chaves permitem acompanhar o raciocínio de Paulo, o que
não é tarefa muito fácil.
3.23 – Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de
Deus – O pecado é uma realidade universal. Começando em
Adão, ele passou, por hereditariedade, a todos os seres
humanos. O pecado atinge tanto a judeus quanto a romanos.
Diante dele somos todos iguais.
5.12 – Portanto, assim como por um só homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte. Assim também a
morte passou a todos os homens porque todos pecaram. A
consequência do pecado do primeiro homem foi a sua morte.
Assim também cada homem que peca morre. A
universalidade da morte é a consequência inevitável da
universalidade do pecado.
5.21 – Para que assim como o pecado veio a reinar na morte,
assim também viesse a reinar a graça pela justiça para a vida
eterna em Cristo Jesus nosso Senhor. A contrapartida natural
do domínio da morte introduzido pelo pecado é o domínio
universal da vida eterna introduzido pela graça de Deus.
6.23 – Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom
gratuito de Deus é a vida eterna por Cristo Jesus nosso
Senhor. Temos aqui uma maravilhosa síntese de toda a
doutrina exposta anteriormente.
Divisões
Introdução e tema
– Saudação (1.1-7)
– Ação de Graças (1.8-15)
Tema da epístola (1.16-17) A necessidade do evangelho
A condenação dos gentios (1.18-32)
A condenação dos judeus (2.1 – 3.8)
A condenação universal (3.9-20)
O plano de salvação
A justificação pela fé (3.21-31)
O exemplo de Abraão (4.1-25)
129
Paz com Deus, o resultado da justificação (5.1-11)
A nova humanidade em Cristo (5.12-21)
Réplicas às objeções quanto à salvação pela graça
Objeção: Ela incentiva o pecado
Ela produz santificação (6.1-23)
A Lei e a Graça (7.1-25)
A certeza de salvação (8.1-39)
Objeção: Ela anula as promessas de Deus
A soberana escolha de Deus (9.1-33)
A necessidade de comunicar as boas novas (10.1-21)
O futuro de Israel (11.1-36)
Exortações práticas
O serviço na igreja e outros deveres (12.1-21)
A responsabilidade pessoal (13.1-14)
Como tratar os enfraquecidos na fé (14.1-23)
Ambições missionárias de Paulo (15.1-33)
131
vista confessional, a harmonização entre a sabedoria judaica e a
filosofia grega.
A formação de Paulo no Judaísmo se deu em uma escola liberal. Seu
mestre, Gamaliel, era neto do grande mestre Hilel, famoso no tempo
de Jesus Cristo por sua interpretação liberal da Lei, ao passo que
Shamai, líder da escola oponente, era muito mais radical 151. Conta-
se, a título de anedota, que certa vez um homem muito rico se
aproximou de Shamai e prometeu-lhe dar uma grande fortuna se ele
fosse capaz de lhe ensinar toda a Lei enquanto permanecesse de pé
sobre um de seus pés. Tendo sido escorraçado, nosso desafiante fez
a mesma proposta a Hilel que, sem perda de tempo, colocou-se sobre
um pé e recitou: "- Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração,
de toda a tua força e de todo o teu entendimento e ao teu próximo
como a ti mesmo. Aí está toda a Lei e os Profetas".
A formação secular de Paulo se deu em Tarso onde estudou Filosofia
sendo fortemente influenciado pelo estoicismo que, segundo Josefo,
tinha muito em comum com a doutrina dos fariseus. A maneira de
escrever de Paulo mostra a influência da filosofia helenística quando
ele se utiliza da diatribe (discussão com um dialogante imaginário)
para colocar os seus conceitos. Sua ética é predominantemente
estoica à medida que ensina a libertação dos desejos da carne para
maior dedicação aos assuntos espirituais.
133
esta seria a Carta aos laodicenses, mencionada na epístola aos
colossenses152.
Outra corrente crítica advoga que esta epístola seria uma carta
circular sem igreja destinatária definida (uma encíclica). A favor desta
segunda hipótese está a exiguidade de saudações personalizadas,
as quais são muito frequentes em toda a correspondência paulina.
Uma terceira corrente advoga que esta seria uma das epístolas
dêutero paulinas. Aceita-se sem discussão apenas o fato de que os
leitores eram cristãos gentios.
Além disso, a autoria paulina tem sido colocada em dúvida porque:
1. A carta não apresenta referências concretas a fatos da vida
do apóstolo Paulo.
2. Observa-se completa ausência de saudações pessoais, o
que só tem paralelo em Gálatas.
3. A linguagem e o estilo de composição não conferem com o
que se tem nas demais epístolas paulinas. Isto, se não é um
argumento definitivo para afastar a hipótese de autoria
paulina, pelo menos conduz à hipótese de que o texto atual
poderia ter sido editado por um escritor diferente.
A teologia apresentada nesta epístola não combina com o que se
conhece de teologia paulina porque:
1. Esta carta não faz nenhuma referência à volta de Cristo, o
que poderia nos levar a datá-la de época posterior ao primeiro
século.
2. A visão do casamento como figura da união entre Cristo e
Igreja, paralela à figura veterotestamentária da união entre
Deus e seu povo, não combina com a interpretação do
casamento encontrada em I Coríntios 7.
3. A atribuição a Paulo de um ministério de unificação entre
judeus e gentios não combina com o seu conhecido
posicionamento com apóstolo dos gentios.
152Lida que for esta carta entre vós, fazei-a ler também na
igreja dos laodicenses, e a dos de Laodiceia, lede-a vós
também. Cl. 4.16.
134
Tempo, local e objetivo teológico.
A análise destes dados tem levado à admissão da hipótese de que
esta carta teria sido escrita mais tardiamente por um discípulo de
Paulo que teria usado o nome de seu mestre como pseudônimo. O
fato de sua linguagem apresentar estilo semita permite concluir que o
autor desta epístola era um judeu palestino convertido ao
Cristianismo. Dentro dessa concepção uma data alternativa de
composição tem sido marcada entre os anos 80 e 100 da era cristã e
o local aceito como mais provável é a província da Ásia (Éfeso?). Se,
por outro lado, a carta é realmente autêntica, sua composição deve
ser marcada para o ano 62 ou 63 e o local mais provável para Roma.
Nesta carta o autor trabalha especificamente o tema “vocação dos
gentios” que ele chama de o grande mistério de Deus que
permaneceu oculto aos antigos e que, por intermédio de Jesus Cristo,
foi revelado aos seus apóstolos e profetas e a necessidade de
santificação. Dessa forma, os judeus não são os únicos agraciados
por Deus com um lugar especial na História da Salvação. Todo o
mundo está incluído.
Divisões
Saudação (1.1,2)
Ação de graças pelo plano de salvação
O propósito de Deus para igreja (1.3-6)
A redenção de Cristo traz união (1.7-12)
O selo do Espírito (1.13,14)
Oração (1.15-23)
A unidade de todos os crentes em Cristo
Unidade com Cristo e livramento do pecado e da morte (2.1-10)
Gentios e judeus unidos pela cruz de Cristo (2.11-22)
A vocação dos gentios (3.1-13)
Oração e doxologia (3.14-21)
Exortações ao comportamento cristão
Para andar na unidade do Espírito (4.1-16)
Para andar em novidade de vida (4.17-32)
135
Para andar em amor (5.1-21)
Cuidados com os deveres domésticos (5.22 – 6.9)
Exortação ao fortalecimento espiritual (6.10-17) - a armadura de Deus
Exortação à oração (6.18-24).
157Mc. 7.9
158I Co.10.25,26
138
9. A epístola de Paulo aos
Filipenses
Propósitos
Paulo estava preso quando escreveu essa carta. A hipótese mais
provável é de que já se encontrava em Roma. A igreja de Filipos
enviou-lhe um emissário que portava uma oferta para ajudá-lo no
atendimento de suas necessidades. Com a oferta chegam notícias de
que alguns dos crentes ficaram abalados e desanimavam de
testemunhar por causa da prisão do apóstolo.
Paulo escreve insistindo na sugestão: “regozijai-vos”. Seu objetivo é
mostrar à igreja que as adversidades da vida não devem motivar
desânimo ou desistência. Devem, ao contrário, estimular-nos a
prosseguir para o alvo. Para compreender melhor esse escrito vamos:
1. Discorrer sucintamente sobre a cidade de Filipos e sobre o início
do trabalho cristão nesta localidade. 2.Discutir a autoria, tempo e local
de composição desta epístola. 3. Discutir o objetivo teológico para a
composição desta epístola. 4.Apresentar a cristologia encontrada na
epístola aos Filipenses.
159At.16.7-13
139
que exercia a função de carcereiro 160 . A saudação presente na
epístola permite concluir que na época em que ela foi escrita a igreja
de Filipos já estava plenamente estruturada com um ministério
organizado segundo o princípio da divisão do trabalho 161.
160At.16.14, 25-31.
161Fp.1.1,2.
162Fp.1.13
163Fp.4.22
164Fp.1.19
165Fp.1.26
140
causa do desânimo que estava tomando conta deles como
consequência da sua prisão e agradecer o envio de uma
oferta deles.
Tema
O tema principal desta epístola pode ser resumido em um imperativo
verbal: Regozijai-vos166. Com esta epístola Paulo pretende levar a
igreja a recuperar o entusiasmo perdido por causa da sua prisão.
Divisões
Saudação (1.1,2)
Ação de graças e oração (1.3-11)
Como devem viver os cristãos
Levando e evangelho (1.12,13)
Refletindo Cristo em suas vidas (1.14-18)
Entre esta vida e a futura (1.19-26)
O sentido real da vida (1.27 – 2.30)
O valor do conhecimento de Cristo (3.1-16)
Contraste entre amigos e inimigos da cruz (3.17-4.1)
Exortações finais (4.2-23).
A Cristologia de Filipenses
A epístola aos Filipenses apresenta um modelo de cristologia que
ficou conhecida como a cristologia cenótica, ou cristologia do
esvaziamento. No capítulo 2, a partir do versículo 5, encontramos as
linhas essenciais desta cristologia:
Jesus Cristo é Deus – 2.10,11 – O convite para que ao nome de Jesus
se dobre todo o joelho (sinal de adoração) dos que estão nos céus
(anjos e demônios), na terra (homens vivos) e em baixo da terra
(mortos), mostra que ele é Deus porque um judeu jamais admitiria
adorar alguém que não fosse Deus. Confira Rm.1.
Jesus é o mesmo Deus do Velho Testamento – 2.11 – A palavra
Senhor () usada por Paulo para denominar Jesus Cristo é a
169Cl.2.1
170Cl.1.7
171Fp.2.25
143
ficava na casa de Filemon172. A população da cidade era constituída
quase exclusivamente de gentios.
172Fm.1,2
173Co.2.4
174Co.2.1, 17.
175Co.2.18
176Co.2.19,20
177Co.2.21,22
178Co.2.23
144
Tema
O tema em destaque é a atuação do Cristo Cósmico na realização do
plano de salvação. Será útil fazer um estudo comparativo deste texto
com o prólogo do quarto evangelho para perceber os pontos de
contato entre a heresia colossense e o Gnosticismo. As divisões mais
aceitas para a epístola são as seguintes:
Divisões
Saudação (1.1,2)
Ação de Graças (1.3-8)
Oração (1.9-12)
A obra de Deus em Jesus Cristo
Redenção (1.13,14)
A excelência de Cristo (1.15-19)
A reconciliação (1.20-23)
O ministério de Paulo (1.24-2.3)
Denúncia do ensino falso (2.4-23)
Regras para vida cristã (3.1 – 4.6)
Conclusão (4.7-18)
A cristologia cósmica179
Em Colossenses encontramos a fundamentação do que se
convencionou chamar de cristologia cósmica, que se apresenta como
uma alternativa para a interpretação da pessoa e da obra de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Ela apresenta o Filho como
1. Imagem do Deus invisível,
1. Primogênito da Criação,
2. Meio pelo qual todas as demais coisas foram criadas e
3. Mantenedor perpétuo da obra criada.
Essa cristologia que apresenta pontos de contato com a cristologia
joanina e diverge bastante da cristologia cenótica, encontrada na
epístola aos Filipenses, permitiu que se levantassem dúvidas a
179CI.1.14-23
145
respeito da autenticidade da autoria paulina de Colossenses. Alguns
autores chegaram a datá-la do século II da era cristã.
A epístola a Filemon
Filemon era um crente de posses que morava na cidade de Colossos.
Onésimo, escravo de sua propriedade, fugiu de sua casa e foi ter com
Paulo, em Roma. No contato com o apóstolo, Onésimo se converteu
ao Cristianismo e foi encaminhado de volta a Filemon com uma carta
escrita por Paulo. Esta carta, a mais curta de todas as epístolas
paulinas, é um testemunho da transformação que o Evangelho produz
na vida de um homem.
146
11. As epístolas pastorais
Propósitos
As cartas dirigidas a Timóteo (I e II) e a Tito são denominadas
pastorais. A maior preocupação do autor é a preparação de lideranças
que permitissem as igrejas sobreviver à morte do apóstolo. O grande
assunto aqui é a organização eclesiástica com a qualificação de
bispos e diáconos. Iremos, a seguir: 1. Conceituar epístola pastoral e
listar as epístolas classificadas sob este nome. 2.Sumariar os
conteúdos destas epístolas. 3.Discutir a autoria, tempo e local de
composição destas epístolas. 4.Discutir o objetivo teológico para a
composição destas epístolas. 5. Identificar os falsos doutores que são
citados nestas epístolas.
180At.16.1,2.
147
combate a hereges que estavam se infiltrando em suas respectivas
comunidades.
A autoria paulina
Estas cartas, bem como a epístola aos Efésios, têm tido sua autoria
paulina mito contestada. Eis alguns argumentos que têm sido citados
contra a autenticidade da autoria. A evidência externa: As epístolas
pastorais não são citadas nos documentos mais antigos tais como o
cânon de Marcion e o papiro p46.
A análise estatística do vocabulário usado nestas epístolas mostra
diferenças marcantes da frequência de uso de palavras quando as
comparamos com as demais epístolas paulinas. O estilo de
composição também é diferente.
O problema teológico – As doutrinas ensinadas pelos falsos doutores
(ver a seguir) não combina com os desvios doutrinários já conhecidos
na época em que o apóstolo Paulo viveu.
Embora as epístolas pastorais não difiram radicalmente das demais
epístolas paulinas no seu conteúdo teológico, elas diferem
significativamente na terminologia usada para descrever este
conteúdo.
Os falsos doutores
O reconhecimento da heresia combatida nas cartas pastorais exige
que se faça uma identificação dos falsos doutores nelas
mencionados. Essa identificação, se feita com exatidão, vai nos
permitir tirar conclusão sobre a data provável de sua escrita. O estudo
da Epístola aos Colossenses nos permitiu identificar uma heresia que
grassava na Ásia Menor e que apresentava características
intermediárias entre a dos judaizantes (predominante no Século I) e a
dos Gnósticos (predominante no Século II). Vamos tentar agora
caracterizar o tipo de doutrina que esses falsos doutores estavam
ensinando:
148
Colocavam ênfase no legalismo181.
Prezavam as genealogias182
Ensinavam o celibato e proibiam o uso de alguns alimentos. 183
Ensinava uma escatologia realizada (a ressurreição já passou). 184
Da mesma forma que na epístola aos Colossenses, podemos ver aqui
uma forma de pré – Gnosticismo na qual os elementos tipicamente
judaizantes (legalismo, genealogias) se fundem com as influências
helenísticas tais como a negação da ressurreição.
II Timóteo
1.Introdução (1.1-5)
2. A primeira orientação (1.6-18)
3. A segunda orientação (2.1-3)
Tito
Saudação (1.1-4)
Instruções gerais para a reforma religiosa (1.5-16)
Instruções específicas para a pregação (2.1-15)
Instruções finais para os crentes no mundo (3.1-15)
Destaque – A formação de lideranças
A preocupação que sobressai nas epístolas pastorais se refere à
necessidade de dotar a igreja cristã de uma liderança capaz de
assegurar sua sobrevivência até a volta do Senhor. Os cristãos de
primeira geração, os apóstolos que haviam convivido com o Senhor
por quarenta dias após a ressurreição e ouvido seus ensinamentos,
estavam chegando ao final de suas vidas.
Naquele tempo ainda não havia uma coleção de escritos suficientes
para orientar a igreja. O cânon do Novo Testamento só foi fechado ao
final do século IV da Era Cristã. Era essencial que as igrejas fossem
lideradas por pessoas competentes, cujas palavras fossem confiáveis
e que lhes transmitissem os ensinamentos recebidos desde o
princípio185. Principalmente porque heresias começavam a se infiltrar
nas igrejas.
Um dos cuidados do apóstolo Paulo foi o de deixar instruções muito
precisas para a escolha e preparação dos oficiais da igreja,
principalmente bispos e diáconos. Dentro de muito pouco tempo eles
assumiriam os lugares vacantes pelas mortes dos apóstolos e
precisavam, portanto, estar preparados para essa grande tarefa.
185I Jo.1.1
150
Unidade IV – A literatura Joanina
151
1. A comunidade joanina e sua
literatura
Propósitos
Existem, no Novo Testamento, quatro livros cujas autorias têm sido
historicamente atribuídas a João, o apóstolo do amor: o quarto
evangelho e as três epístolas joaninas. Para conhecermos o tipo de
relacionamento que existe entre eles pretendemos: 1. Conceituar
Literatura Joanina. 2. Conceituar comunidade e escola como
unidades estruturais básicas no Cristianismo primitivo. 3. Expor
resumidamente a história da formação da comunidade joanina.
4.Explicar o que se entende por baixa cristologia e alta cristologia. 5.
Identificar a origem da alta cristologia joanina e caracterizar o tipo de
conflito que ela originou no relacionamento dos crentes joaninos com
os judeus.
159
A época em que foram escritas as epístolas
O período em que foram escritas as epístolas joaninas está marcado
pelo surgimento de uma dissidência muito grave dentro da própria
comunidade. Surgiram homens que abraçando uma teologia
gnóstica, ensinavam que Jesus Cristo não tinha experimentado uma
vida real na carne, que sua vida carnal foi apenas uma aparência. É
o que conhecemos pelo nome de docetismo. Além disso, os
dissidentes ensinavam a doutrina da impecabilidade do crente e
levavam os crentes ao desespero ensinando uma escatologia
plenamente realizada que não lhes deixava nada a esperar. Essa
dissidência levou à dissolução da comunidade. Os inimigos de dentro
são mais perigosos que os de fora.
160
O verbo
O problema da autoria
O Corpus Joanino
Assim como não estudamos a autoria de cada uma das epístolas
paulinas independentemente das demais, estudamos a autoria do
conjunto ou corpus, também não estudamos a autoria dos escritos
joaninos independentemente uns dos outros, fazemos o estudo do
conjunto. Tradicionalmente a autoria das três epístolas e do quarto
evangelho tem sido atribuída ao apóstolo João com base em
semelhanças de textos, especialmente quando comparamos o
prólogo do quarto evangelho com o da primeira epístola. Hoje, à luz
do conhecimento do mecanismo de transmissão de tradição oral via
comunidades primitivas, esse conceito vem sendo atualizado.
Evidências internas
O quarto evangelho, da mesma forma que os três primeiros, não
identifica de maneira explícita quem foi o seu autor. Existe, entretanto,
uma referência a ele no epílogo:
E Pedro, virando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus
amava, o mesmo que na ceia se recostara sobre o peito de Jesus...
Evidências externas
A tradição mais antiga atribui a João, filho de Zebedeu, irmão de
Tiago, e participante do círculo mais íntimo dos apóstolos a autoria do
quarto evangelho. Assim é que Irineu da Gália (Século II) declara que
João, filho de Zebedeu, escreveu o evangelho na cidade de Éfeso
quando já estava muito velho. Este testemunho tem sido aceito como
verdadeiro porque Irineu foi discípulo de Policarpo de Esmirna o qual,
por sua vez foi discípulo do próprio João. Talvez por causa desta
palavra de Irineu a autoria das três epístolas tenha sido atribuída
também ao mesmo João uma vez que o adjetivo presbítero, que
aparece na saudação da segunda e terceira epístolas, pode ser
traduzido como velho.
Hoje, à luz do estudo da transmissão de conhecimentos via
comunidades e escolas, admite-se que dois homens trabalharam na
composição do evangelho. O primeiro, conhecido com o discípulo
amado, era um judeu palestino, amigo íntimo de Jesus, mas não
obrigatoriamente do grupo dos doze. O segundo, que podemos
chamar de o evangelista, ou o ancião, foi o que deu a redação
195João 21.20-25
163
definitiva ao evangelho, introduzindo nele as referências à pessoa do
discípulo amado e outros comentários.
Outros nomes
Também foram apontados como possíveis autores do evangelho
Lázaro de Betânia (por ser muito amigo de Jesus) e João Marcos.
Contra este segundo pesa a alegação de que não haveria razão
plausível para ele escrever dois evangelhos e os dois apresentarem
estilos tão diferentes.
196Jo. 20.30,31.
164
um objetivo evangelístico. Ele pretende que os seus leitores
conheçam a verdade, creiam nela e tenham vida.
A verdade mais importante que podemos aprender no quarto
evangelho é que Jesus Cristo é, em todos os tempos e lugares, o
único capaz de atender a todas as expectativas e de satisfazer a
todas as necessidades de qualquer ser humano independentemente
de raça, língua, nacionalidade, nível cultural ou de qualquer outra
característica distintiva que possamos encontrar. Judeus criam nele
pelos sinais que fazia e gregos pelo conhecimento que demostrava
ter. Pobres o seguiam pelo alimento que proporcionava e ricos pela
paz interior que a riqueza não podia conferir. Judeus palestinos
encontravam nele o Filho de Davi, samaritanos encontravam nele o
profeta celestial preexistente, essênios nele achavam o messias
davídico e judeus da diáspora nele encontravam o messias de uma
ordem sacerdotal muito superior à de Levi.
197Jo.2.1-11
165
mostra alguns dos critérios usados na escolha de todos eles. Em
primeiro lugar ele foi feito em público – uma festa de casamento –
diante dos olhos de muitas testemunhas. Adicionalmente, ele foi
objeto do exame de um especialista no assunto: O Mestre-sala,
provavelmente o único, além de Jesus Cristo, que não estava bêbado
durante o casamento, examinou o vinho recentemente chegado e
atestou sua qualidade superior. Esse sinal nos remete à crença
helênica de que Dionisos (Baco), o deus da vegetação e, portanto,
também do vinho, era capaz de transformar água em vinho
justamente porque era deus. Jesus, transformando água em vinho,
comprovava sua natureza divina e, fazendo o melhor vinho, mostrava
sua superioridade aos deuses greco-romanos.
Segundo sinal: Uma cura à distância198 - Nesta ocasião Jesus se
encontrava em Caná, a mesma cidade onde havia transformado a
água em vinho. Foi procurado por um homem cujo filho estava doente,
à beira da morte, na cidade de Cafarnaum, há quilômetros de
distância. Este lhe pede que restaurasse a saúde do filho. Jesus
prometeu àquele homem que seu filho não morreria e o despediu.
Chegando em casa aquele homem encontrou o filho curado e,
perguntando a que horas a melhora havia acontecido, recebeu a
informação de que foi exatamente na hora em que Jesus lhe disse
que seu filho não morreria. Esse milagre parece apontar para a
onipresença (virtude divina) de Jesus, que podia operar em dois
lugares diferentes ao mesmo tempo.
Terceiro sinal: Cura de um paralítico no sábado 199 - A cura do
paralítico no alpendre do tanque de Bethesda coloca em evidência a
onipotência de Jesus Cristo quando mostra que para ele o impossível
não existe. A crença popular dizia que periodicamente um anjo descia
naquele local e que o vento provocado pelo movimento de suas asas
agitava as águas. O primeiro que tocava as águas nesse momento
seria curado. A cura do paralítico era impossível porque ele não tinha
nenhuma chance de ser o primeiro a tocar as águas agitadas. Jesus
o curou sem necessitar das águas. Outro aspecto importante é que o
ex-paralítico saiu correndo e pulando imediatamente depois da cura
mesmo carregando o peso de uma paralisia de 38 anos de duração.
A experiência de qualquer pessoa que tenha sido submetida a uma
imobilização temporária depois de uma cirurgia ortopédica mostra
198Jo,4.43-54
199Jo.5.1-16
166
que é necessário um longo tempo de fisioterapia para a remoção dos
bloqueios articulares e para a recuperação da musculatura atrofiada.
Aquele homem imediatamente se levantou e saiu andando. Só Jesus,
por ser Deus, pode fazer semelhante coisa!
Quarto sinal – A multiplicação dos pães200 - Neste episódio Jesus,
dispondo apenas de cinco pães e dois peixes, alimenta uma multidão
de milhares de pessoas. Esse sinal aponta para a onipotência do
Mestre que não era limitado por falta de poder. Alguns críticos querem
ver aqui uma interpretação alternativa segundo a qual o milagre
consistiria apenas em estimular a solidariedade do povo e levar cada
um a expor o alimento que trazia escondido. Ainda que assim fosse
seria um milagre, mas, não parece que essa interpretação esteja
coerente com objetivo teológico do autor do evangelho.
Quinto sinal – Jesus caminha sobre as águas 201 –- Mais uma vez,
a mitologia helênica nos ajuda a entender o significado de uma
perícope bíblica. Os gregos acreditavam que Poseidon (Netuno para
os romanos) podia caminhar sobre as águas porque era deus dos
mares. Mostrando que Jesus era capaz de caminhar sobre as águas,
o autor, mais uma vez coloca um argumento a favor da divindade de
Cristo. A referência ao vento impetuoso lembra a figura de outro deus
da mitologia grega: Éolo que controlava a fúria dos ventos.
Sexto sinal – Jesus cura um cego de nascença 202 – A narrativa
deste sinal está muito bem documentada, inclusive com a referência
a um processo instaurado pelos fariseus no qual o cego e os pais dele
foram ouvidos. O peculiar deste sinal, que aponta mais uma vez para
a superioridade de Jesus, é colocado pelo próprio autor no texto:
“Nunca se ouviu dizer que alguém houvesse aberto os olhos a um
cego de nascença”. Para os judeus a cura de um cego de nascença
era um dos três milagres de competência exclusiva do Messias.
Dessa forma foi feito imediatamente um inquérito para comprovar sua
veracidade. O fato de o cego ter sido curado é um argumento
fortíssimo a favor da messianidade de Jesus Cristo e esta é a razão
por que esse sinal foi incluído na coleção de relatos.
200Jo.6.1-15
201Jo.6.16-24
202Jo.9. 1-41
167
Sétimo sinal – A ressurreição de Lázaro de Betânia 203 -
Ressurreição era uma doutrina judaica. Os gregos, alternativamente
acreditavam na imortalidade da alma e na possibilidade de um retorno
à vida em outro corpo de carne (reencarnação). Esse sinal, portanto,
é colocado visando abalar as concepções judaicas. O diferente neste
sinal é que os judeus, bem como outros povos da antiguidade,
admitiam que a ressurreição só era possível enquanto se preservava
a integridade do corpo do defunto, o que, em países frios. tem um
limite aproximado de três dias. Jesus, ressuscitando um homem,
morto por um tempo superior a este não estava apenas devolvendo a
vida, estava também devolvendo a integridade a um corpo em
princípio de degradação. Ele estava criando matéria nova, coisa que
nenhum homem, apenas Deus, podia fazer.
203Jo.11.1-44
204Jo 3.1,2.
168
existia”.205 Ao proclamar a preexistência de Jesus, João proclamava
também sua divindade. João era reconhecido por todos como profeta
e, portanto, sua palavra não podia ser posta em dúvida.
Um grupo de samaritanos que ouviram a palavra da mulher e foram
por ela levados a Jesus declararam: “e diziam à mulher: Já não é pela
tua palavra que nós cremos; pois agora nós mesmos temos ouvido e
sabemos que este é verdadeiramente o salvador do mundo”. 206
Esboço do livro
PRÓLOGO (1-1.18)
O LIVRO DOS SINAIS (1.9-11.54)
205Jo 1.15
206 Jo.4.42
207Champlin, R. N., O Novo Testamento Comentado Versículo
por Versículo, São Paulo, Milenium, 4a impressão, 1983. Vol.
2, p. 395 ss.
169
Primeiro sinal – a água transformada em vinho em Caná.
Segundo sinal – uma cura à distância
Terceiro sinal – cura de um paralítico no sábado
Quarto sinal – multiplicação dos pães
Quinto sinal – caminhando sobre as águas
Sexto sinal – cura de um cego de nascença
Sétimo sinal – ressurreição de Lázaro
O LIVRO DA PAIXÃO (11.55 – 20.31) incluindo o testamento de Jesus
(13-17), a hora da glorificação na cruz (18-19) e o Dia do Senhor (20).
EPÍLOGO (21.1-25) incluindo a pesca milagrosa.
170
Uma cristologia
O que é Gnosticismo?
O nome Gnosticismo deriva da palavra grega “gnosis” que significa
conhecimento revelado de caráter esotérico, em contraste com o
conhecimento empírico e experimental (episteme) 208 . Podemos
conceituar o Gnosticismo como um sistema filosófico e religioso no
qual a salvação é alcançada pelo conhecimento de nomes e fórmulas
mágicas que o adepto usará após a morte, na viagem de retorno para
Depois ela traz uma visão do Salvador que ela tinha tido e relata a
sua conversa com Ele, o que mostra influências Gnósticas. A visão
dela não encontra aprovação universal:
“Mas André respondeu e disse aos irmãos, ' Digam o que vocês
pensam com respeito ao que ela disse. Pois eu não acredito que o
Salvador tenha dito isso. Pois certamente tais ensinamentos são
de outras ideias'.”. "Pedro também se opôs a ela com relação a
esses assuntos e perguntou-lhes sobre o Salvador. 'Teria ele, então,
falado secretamente a uma mulher de preferência a nós e não
abertamente? Devemos nós voltar e escutá-la? Terá Ele a
preferido a nós?'
221Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Evangelho_de_Maria
177
segundo lugar do segundo mistério, que está antes de todos os
mistérios.
Cosmogonia e antropologia
Escatologia e soteriologia
Após a morte, a parte divina de cada ser humano deve empreender a
viagem de retorno à sua origem (o pleroma) para atingir a salvação.
Esse conceito de salvação é desvinculado da maneira como o homem
vive e, portanto, não envolve nenhuma formulação de caráter ético ou
sacramental. Se o que produz a perdição do homem não é seu
pecado e sim a sua ignorância, em contrapartida, o que produz a sua
salvação não é o arrependimento que possibilita o perdão e sim o
conhecimento que bane as trevas da ignorância.
Cristologia – o docetismo
A cristologia predominante no Gnosticismo nos tempos bíblicos foi o
docetismo, palavra que significa aparência. Os gnósticos
identificavam o Cristo da Bíblia com o “Redentor que veio do céu” de
natureza essencialmente divina. Em decorrência dessa natureza
divina, diziam eles, o Cristo jamais poderia ter sido envolvido em um
corpo de matéria porque a matéria é essencialmente má e corrupta.
Ensinavam eles que o corpo de Cristo era imaterial, razão pela qual
gozava de propriedades muito particulares tais como atravessar
paredes para penetrar em recintos fechados, caminhar sobre as
águas do mar, andar sem deixar pegadas e se apresentar com
aspectos diferentes para duas ou mais pessoas ao mesmo tempo.
Enquanto um discípulo via Cristo com a aparência de um menino, o
outro, ao mesmo tempo, o via com a aparência de um velho. O corpo
de Jesus Cristo era, para eles, algo semelhante a um holograma. Esta
cristologia é inaceitável para cristãos autênticos porque se
acreditamos que Jesus Cristo não viveu em um corpo
verdadeiramente de carne teremos que aceitar que sua morte
também foi apenas de aparência.
181
O quarto evangelho coloca a tese contrária. No prólogo lê-se “o verbo
(Jesus) se fez carne”230e o testemunho de Tomé, reconhecendo a
divindade do Cristo foi dado depois de tocar o seu corpo, ver e sentir
as marcas dos ferimentos deixados pela execução na cruz. Também
a primeira epístola de João começa declarando a realidade da
humanidade de Jesus Cristo e conclui declarando e que qualquer
pessoa que negue esta realidade não senão o próprio anticristo.
230Jo.1.14.
231A Igreja Gnóstica não aceita pecados; mas, sim, erros;
porque parece um absurdo fazer acreditar que os pecados serão
perdoados, quando ninguém pode se arrogar esse poder, nem
prestar a menor ajuda nestes problemas, em que só é
responsável a personalidade de cada um. Krum-Heller, A., A
Igreja Gnóstica, tradição Huiracocha, São Paulo, Madras, 2007.
Pág. 108.
182
forma, o mundo não pode produzir nada de bom porque sua natureza
é corrompida por origem e o homem, parte dele, não pode ser
responsabilizado por nada de mau que faz. O pecado simplesmente
não existe.
Os gnósticos da escola antinomiana se recusavam a obedecer aos
preceitos da lei e a observar os mais elementares princípios da ética.
Para eles, lei e ética eram coisas de um deus menor, o deus dos
judeus. Dessa forma, nada do que o homem fizesse nesta vida, de
bom nem de ruim, teria influência na viagem de retorno ao pleroma
após a morte.
Um dos maiores problemas enfrentados pelo autor da primeira
epístola joanina foi enfatizar a existência do pecado como resultado
de uma escolha livre e consciente de cada ser humano e a
consequente responsabilidade de cada um pelo bem e pelo mal que
comete. Chamou também a atenção de seus leitores para a
necessidade de obter perdão pelos pecados cometidos. Esse perdão
teria que vir obrigatoriamente de Deus.
183
seitas gnósticas possuíam esse rito, de alguma forma; no Mandeísmo
o batismo diário era uma das grandes práticas do sistema. As
fórmulas utilizadas pelos cristãos gnósticos parecem ter variado
amplamente. Os Marcosianos diziam: " Em nome do Pai
desconhecido de todos, da Verdade, a Mãe de todos, do Cristo, que
desceu sobre Jesus ". Em Irineu de
Lyon (I, xxi, 3), encontramos a fórmula: " Em nome de que foi
escondida de cada divindade e senhorio e verdade, o que [nome]
Jesus de Nazaré foi colocada em nas regiões de luz" e outras diversas
fórmulas, que eram, por vezes pronunciadas em hebraico ou
aramaico.
Confirmação – A unção dos candidatos com óleo ou pomada
odorífera é um rito gnóstico que ofusca a importância do batismo.
Simboliza a recepção do Espírito. Alguns estudiosos sustentam que
tenha substituído completamente batismo e se tornado o único
sacramento de iniciação. Isto, no entanto, ainda não está
comprovado.
Eucaristia – A Eucaristia gnóstica era celebrada com a partilha do
pão. O uso de sal, neste rito, parece ter sido importante. Ao que se
sabe não faziam uso do vinho e sim de água.
O “nymphon”, também chamado “hyeros gamos” (câmara nupcial) é
um resquício das cerimônias de adoração aos deuses da fertilidade
das religiões primitivas. Hieros gamos (ιερός γάμος ou ιερογαμία, o "
casamento sagrado "), é a copula (às vezes casamento), de uma
divindade e um homem ou uma mulher, muitas vezes com um
significado simbólico e geralmente realizadas na primavera (mais ou
menos por volta do equinócio, meados de março). O Hieros gamos
surgiu na Suméria há 5.500 anos atrás. Mais tarde se espalhou pela
Europa e se tornou culto oficial de várias religiões pagãs ao longo da
história. É comum ainda o surgimento do Hieros gamos ser datado de
apenas 2.000 anos atrás.
Neste ritual, a alta sacerdotisa assumia o papel do avatar da grande
deusa Inanna e fazia sexo com o rei ou imperador, que assumia o
papel do deus Dumuzi, para mostrar sua aceitação pela deusa como
governante justo daquela região, ou simplesmente para comemorar o
poder reprodutor feminino. Isto era feito diante da corte, pois naquele
tempo não havia tabus para se praticar sexo em público se fosse em
uma cerimônia religiosa. Os homens da corte usavam longas túnicas
pretas e as mulheres, vestidos de gaze branca, sendo que ambos
usavam máscaras andróginas (brancas e pretas). Eles se
184
posicionavam ao redor de uma circunferência imaginária, deixando o
espaço de um círculo entre si. O círculo era o ambiente no qual a alta
sacerdotisa e o rei ou imperador realizariam o ato sexual. A corte
então se balançava para frente e para trás e entoava cânticos por ora
fortes por ora quase inaudíveis.232
Os gnósticos interpretam a passagem que relata a unção de Jesus
por Maria Magdalena uma semana antes de sua morte na cruz (João
12.3) como uma referência ao casamento sagrado 233 . Maria teria
assumido o papel da divindade feminina e Jesus o da divindade
masculina. Dizem que após o jantar os dois teriam subido ao terraço
da propriedade e ali teriam completado a união conjugal. Em
consequência, Maria tria engravidado e, mais tarde, dado à luz uma
filha chamada Tamar.
As vogais mágicas – o gnosticismo é uma crença essencialmente
mágica. Os gnósticos acreditavam que as sete vogais do alfabeto
grego tinham poderes mágicos uma vez que representavam o
universo numinoso, único existente antes da criação da matéria a
qual, por sua vez, era representada pelas consoantes. Algumas
escolas gnósticas cantavam mantras que eram exclusivamente
vocálicas. A expressão alfa e ômega que aprece no livro do
Apocalipse de João é, provavelmente de inspiração gnóstica 234. Ela
faz referência ao primeiro elemento e ao último de um grupo de sete,
o número que representa a totalidade ou o pleroma.
Os pais anti–gnósticos
O presbítero – Pouco conhecemos deste personagem. Ele se
identifica por este título na segunda e terceira epístolas que são
232Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Hieros_gamos
233NAHAMAD, CLAIRE & BAILEY, MARGARET,
Ensinamentos ocultos de Maria Madalena, Rio de Janeiro,
Nova Era, 2007. Trad. Rodrigo Alva. Cap. 3 – O Hieros Gamos
(casamento sagrado), pp. 32- 41.
234Eu sou o Alfa e o Omega, diz o Senhor Deus, aquele que é,
que era e que há de vir, o Todo-poderoso. Ap. 1.8.
185
atribuídas a João. Provavelmente escreveu também a primeira
epístola e algumas partes do quarto evangelho, especialmente o
prólogo e o epílogo.
Justino, o mártir – Viveu no século II da era cristã. Nasceu em Flávia
Neápolis. Sua educação inicial incluiu retórica, poesia e história. Mais
tarde mostrou interesse por filosofia. Estudou retórica, poesia e
história. Mais tarde mostrou interesse por filosofia. Estudou o
estoicismo e platonismo. Justino foi introduzido na fé diretamente por
um velho homem que o envolveu numa discussão sobre problemas
filosóficos e então lhe falou sobre Jesus. Ele falou a Justino sobre os
profetas que vieram antes dos filósofos, ele disse, e que falou " como
confiável testemunha da verdade". Eles profetizaram a vinda de Cristo
e suas profecias se cumpriram em Jesus. Justino disse depois que "
meu espírito foi imediatamente posto no fogo e uma afeição pelos
profetas e para aqueles que são amigos de Cristo, tomaram conta de
mim; enquanto ponderava nestas palavras, descobri que a sua era a
única filosofia segura e útil". Justino " se consagrou totalmente a
expansão e defesa da religião cristã". Justino continuou usando a
capa que o identificava como filósofo e ensinou estudantes em Éfeso
e depois em Roma. Os trabalhos que escreveu incluem: Duas
apologias em defesa dos cristãos e sua terceira obra foi Diálogo com
Trifão. A convicção de Justino da verdade do Cristo era tão completa
que ele teve morte de mártir sendo decapitado no ano 165 d.C. 235
Irineu da Gália – Também conhecido como Irineu de Lião, há escassa
informação sobre sua vida e muitas coisas são pouco exatas. Teria
nascido na Ásia proconsular, pelo menos em alguma província em
seu limite, na primeira metade do século II. Não se sabe a data certa
de seu nascimento. Está entre os anos 115 e 125, ou entre 130 e 142
segundo outros autores. Informa ter sido discípulo de Policarpo de
Esmirna, o que também é contestado. Policarpo, por sua vez, foi
discípulo do Apóstolo João. Veio a ser mais tarde Bispo da igreja de
Lião na Gália. Sua obra literária (onde sobressai o Adversus
Haereses) foi de caráter apologético, motivada pela necessidade de
combater os hereges, especialmente os gnósticos236.
Tertuliano de Cartago, o mais importante e original dos escritores
latinos, tirando Agostinho de Hipona, nasceu por volta de 155, em
Cartago, filho de pagãos. Formou-se como jurista e exerceu
235Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Justino
236Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Ireneu_de_Lyon
186
advocacia em Roma. Converteu-se ao Cristianismo por 193, e
estabeleceu-se em Cartago, pondo a sua erudição ao serviço da fé.
A partir de 207 passou ao montanismo, e permaneceu separado da
Igreja até a morte, ocorrida por volta de 222. Obras principais: Escritos
apologéticos (de defesa da fé contra os opositores): aos pagãos,
Apologeticum (a sua obra mais conhecida), O testemunho da alma,
contra Escápula, contra os judeus. Escritos polêmicos: A prescrição
dos hereges, contra Marcião, contra Hermógenes, contra os
valentinianos, O batismo, Scorpiace, A carne de Cristo, A ressurreição
da carne, Contra Práxeas, A alma. Escritos disciplinares, morais e
ascéticos: Aos mártires, Os espetáculos, O vestido das mulheres, A
oração, A paciência, A penitência, A esposa, A exortação da castidade,
A monogamia, O véu das virgens, A coroa, A fuga na perseguição, A
idolatria, O jejum, A pudicícia, O manto237.
Conclusão
O estudo do Gnosticismo tem duplo interesse para o estudante de
teologia. Em primeiro lugar é interessante porque o Gnosticismo
clássico interagiu ricamente com o Cristianismo em sua fase de
formação inicial (sobretudo nos séculos II a IV da era cristã)
contribuindo com elementos que ajudaram os cristãos a definir suas
doutrinas. O dualismo presente, sobretudo na literatura joanina, (luz
contra trevas, mundo de cima contra mundo de baixo etc.) tem
inspiração gnóstica. A apresentação de Jesus Cristo como o salvador
do mundo que desceu dos céus e para lá retornou, após sua morte e
ressurreição, também apresenta inspiração desta fonte. Do ponto de
vista negativo, o Gnosticismo deu um forte estímulo aos apologetas
que refutaram suas teses, especialmente na formulação da cristologia
e na definição da doutrina do pecado e do perdão.
Em segundo lugar, o Gnosticismo apresenta interesse por ser uma
“religião” viva com igreja e clero organizados e atuantes em nossos
dias. Hoje, um dos mais renomados dentre os líderes gnósticos é
Victor Manuel Gómez Rodríguez (Girardot, Cundinamarca, 6 de
março de 1917 — Cidade do México, 24 de dezembro de 1977) que
ficou conhecido pelo pseudônimo de Samael Aun Veor. Foi um
escritor, doutrinador e professor de ocultismo, além de fundador do
Gnosticismo “samaelino”. Foi o reformulador dos conhecimentos
apresentados pela Gnose escrevendo um novo tratado de ocultismo
no qual cita ensinamentos contidos no budismo, hinduísmo,
237Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Tertuliano
187
Rosicrucianismo e Teosofia, constituindo a base do Gnosticismo
samaelino contemporâneo. Também fundou o Instituto Gnóstico de
Antropologia e escreveu mais de setenta livros.
O Gnosticismo moderno pode ser classificado como uma religião
esotérica que apresenta afinidades com a Ordem Rosacruz, com a
Teosofia e com a Maçonaria. A Igreja Gnóstica no Brasil foi fundada
em 2 de novembro de 1936 por Arnold Krum-Heller (Mestre
Huiracocha) sob os auspícios da Fraternitas Rosicruciana Antiqua.
Sua confissão de fé gnóstica tem as seguintes declarações:
Creio na Unidade de Deus. Creio no Pai, como entidade
impessoal, inefável, não revelada, que ninguém viu, mas cuja
Força, Potência Criadora, foi e é plasmada no ritmo perene
do Céu e da Terra. Creio no Filho, como Tesouro de Luz,
Chrestos manifestado em Jesus Creio na transmutação do
pão material em substância espiritual. Conheço e reconheço
a Essencialidade Cristônica da Vida, concebida como um
todo, sem fim cronológico, que abarca uma órbita fora do
tempo e do espaço.238
O Problema Joanino
Em estudo anterior tivemos a oportunidade de abordar o chamado
problema sinóptico que trata das relações de dependência existentes
entre os três primeiros evangelhos. Quando fazemos uma leitura em
conjunto do quarto evangelho e das três epístolas joaninas
transparece imediatamente a dependência literária desses escritos. A
explicação dessa dependência em termos de precedência e de
compartilhamento de material é o que chamamos de problema
joanino.
Esta ligação é tão forte que tradicionalmente os críticos vem
aceitando uma autoria comum para os quatro livros. O apóstolo João,
filho de Zebedeu, teria sido o seu autor. Essa conclusão parte
inicialmente da comparação do prólogo da primeira epístola com o do
evangelho. A identidade de autoria da primeira epístola com as outras
duas é inferida com base em comparações de vocabulário, estilo e
conteúdo de seus textos.
A busca atual da solução para este problema nos leva a percorrer os
já conhecidos caminhos da crítica bíblica, muito especialmente os da
crítica da forma que nos introduz no estudo da participação das
comunidades primitivas na preservação de material constante dos
livros bíblicos por meio de tradição oral. O pressuposto básico para
este trabalho está em que cada perícope presente no quarto
evangelho e, possivelmente também nas epístolas joaninas,
preexistiu na forma de tradição oral que foi transmitida pelos membros
mais antigos da comunidade aos mais novos e que assumiu a forma
mais adequada ao seu uso em cada ocasião específica.
189
Quando cada um dos livros foi escrito, o autor selecionou o material
– recebido por tradição oral – que era mais útil à discussão do
problema teológico que a sua comunidade estava vivendo naquele
momento. Dessa forma, o objetivo teológico de cada um dos escritos
reflete uma crise particular da comunidade no seu processo de
evolução.
Hoje dois princípios são amplamente aceitos no encaminhamento
para a solução do problema joanino:
A precedência do evangelho sobre as epístolas – O quarto evangelho
foi composto antes das três epístolas e a sua existência foi o motivo
para a composição delas. Na pior das hipóteses, foi o motivo para a
composição da primeira que é apenas um comentário apologético do
evangelho.
O problema gerador das epístolas – As três epístolas foram escritas
pelo mesmo autor com o objetivo de combater uma heresia de caráter
gnostizante que líderes dissidentes estavam disseminando na
comunidade (I João 2.26). Esse problema foi gerado por uma
interpretação errônea do quarto evangelho. Observa-se na leitura da
segunda e da terceira carta que algumas das igrejas da comunidade
estavam negando sua hospitalidade aos enviados do líder.
O problema da autoria
O autor da primeira epístola não se identifica. O autor da segunda e
da terceira se identifica como sendo o presbítero. Da interpretação
que dermos a esta palavra vai sair nossa conclusão sobre a autoria
das epístolas. Três são as interpretações mais aceitas.
João, o filho de Zebedeu – Há evidências históricas de que o apóstolo
João morou durante muitos anos na cidade de Éfeso e de que,
portanto, teve tempo suficiente para escrever as três epístolas.
Aqueles que advogam a autoria do apóstolo João tomam o termo
presbítero no seu sentido literal, isto é, velho. Dizem que o apóstolo
se identificou desta forma por já estar muito idoso no tempo em que
foram escritas as duas últimas epístolas.
Um líder da comunidade – Outra maneira de interpretar o termo
presbítero é como sendo um líder da comunidade o qual,
possivelmente teria sido um discípulo e sucessor do apóstolo João.
Naquele tempo a palavra presbítero era usada para identificar os que
presidiam sobre uma comunidade cristã, de forma idêntica ao que
acontecia nas sinagogas dos judeus. Assim sendo, o autor das
190
epístolas teria sido o bispo da igreja de Éfeso que sucedeu a João, o
segundo elo da escola joanina.
Uma testemunha – Brown239 nos apresenta mais uma hipótese para
a interpretação de presbítero. Este termo teria sido usado no primeiro
século para indicar uma linha contínua de testemunho que nascia da
própria revelação: O Verbo recebeu seu conhecimento do Pai. O
apóstolo aprendeu com o Verbo e o presbítero aprendeu com o
apóstolo. Interpretado desta forma, o termo presbítero teria sido
usado para indicar alguém que, mesmo não sendo um líder, recebeu
uma informação em primeira mão de um apóstolo. Aceite-se esta
interpretação ou a anterior, fica bem estabelecido que o autor das
epístolas teria sido o mesmo que escreveu o epílogo do evangelho
testemunhando da veracidade do discípulo amado.
239Referência 2
191
Ensinavam que, uma vez convertido, todo o crente passa a desfrutar
da autoridade que lhe dá a presença do Espírito Santo em sua vida.
Tudo quanto o crente fala resulta da atuação do Espírito. Dessa
forma, todos os crentes têm igual autoridade para serem intérpretes
da Palavra de Deus porque o mesmo Espírito fala por todas as bocas.
Esse ensino encerra uma contestação da autoridade que sempre foi
conferida aos apóstolos e líderes eclesiásticos como intérpretes da
Palavra.
Ensinavam a impecabilidade do crente – O crente, por ter o Espírito
Santo atuando em sua vida, não comete pecado. Nada do que ele
faça ou deixe de fazer afeta o seu espírito porque ele está acima de
todas essas coisas.
Escatologia plenamente realizada – Os dissidentes ensinavam
também que todas as promessas de Deus ao homem já se haviam
cumprido e que nada mais restava a esperar.
192
humanidade. Quem quer que fosse que negasse essa verdade
deveria ser rejeitado pela igreja.
Convivendo com os hereges à distância (II João 7-10) - Os que
ensinavam falsas doutrinas eram anticristos e deveriam ser
anatematizados. Não deveriam ser recebidos em casa nem saudados
nas ruas. O autor recomenda uma rejeição radical.
Acreditando no poder que opera em nós (I João 4.4-6) - Não
precisamos ficar correndo de um lado para outro em busca de
novidades. Se estamos realmente no Espírito, o poder que opera em
nós é maior que aquele que opera nos falsos profetas. Um crente não
necessita deixar a sua igreja para procurar a atuação do espírito em
outras denominações. Precisa apenas reconhecer o poder de Deus
que opera nele mesmo.
193
sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é
verdadeira, e não é mentira, como vos ensinou ela, assim
nele permanecei” 2.27
195
Unidade VI – Literatura
Apocalíptica
196
1. Literatura apocalíptica do
Novo Testamento
Propósitos
A literatura apocalíptica é um gênero literário que se tornou muito
popular entre os judeus a partir do século II antes de Cristo. Ela é
essencialmente marcada por determinismo e fatalismo. Os autores
apocalípticos creem que Deus já determinou o curso da história e que
nada que o homem faça ou deixe de fazer pode demovê-lo de seus
propósitos.
Diferentemente da atitude profética, na qual sempre havia
oportunidade para arrependimento restauração, a apocalíptica nos
mostra um “fim de linha” sem alternativas. Para entendê-la melhor,
vamos nos dar às seguintes tarefas: 1. Definir literatura apocalíptica.
2. Discutir as relações da literatura apocalíptica com a literatura
profética e a literatura sapiencial do Velho Testamento. 3. Identificar a
literatura apocalíptica do Novo Testamento e 4. Discutir os princípios
de interpretação da literatura apocalíptica.
199
O pequeno apocalipse dos evangelhos sinóticos
O sermão de Jesus Cristo relatado nos capítulos 24 e 25 do
Evangelho de Mateus e nas passagens paralelas de Marcos e de
Lucas ficou conhecido como o “Pequeno apocalipse dos Evangelhos
Sinópticos”. Nele, Jesus Cristo discorre sobre as coisas que
aconteceriam no final dos tempos. A análise da passagem mostra que
ela trata de dois eventos diferentes: O primeiro foi a destruição de
Jerusalém que se deu no ano 70 da era cristã e o segundo se refere
ao final dos tempos243.
Este texto, motivado pela visão dos edifícios do templo, parece conter
uma síntese de duas palavras emitidas em ocasiões diferentes. A
primeira delas aponta para fatos que se realizaram quando da invasão
de Jerusalém pelos romanos no ano 70. A própria introdução do
Senhor Jesus nos indica isto quando ele declara: “Em verdade vos
digo que não se deixará aqui pedra sobre pedra que não seja
derribada.”(v.2). Dessa forma, sua inclusão no texto dos sinópticos
parece ter um sentido retrospectivo para testemunhar que tudo
quanto o Senhor profetizou se cumpriu de fato. Outros dados que
apontam para essa ocasião são as recomendações para orar pedindo
que a fuga não se desse no sábado nem no inverno. Se o Senhor
apontasse para o cataclismo universal simplesmente não haveria
para onde fugir.
Outra parte parece apontar para o final da época (éon) corrente
refletindo uma expectativa da comunidade de cristãos hebraístas da
Judeia relacionada com a instalação do reino messiânico. Nessa
segunda linha de pensamento se anotam as advertências quanto a
vinda de falsos profetas que se apresentarão como sendo o Cristo
(24.5), guerras, perseguições, torturas, fomes e terremotos. O estudo
do texto exige a análise das duas situações.
201
maioria dos cristãos do final do primeiro século, cria viver o período
da grande tribulação. Ele podia identificar a presença de muitos
anticristos circulando pelo mundo com falsas doutrinas a respeito do
salvador, o esfriamento do amor fraternal que levava igrejas a negar
a hospitalidade a seus enviados e uma longa série de desmandos
típicos da apostasia daqueles tempos.
Apocalipse de João
A mais conhecida das obras deste gênero e único livro do Novo
Testamento integralmente apocalíptico, o Apocalipse de João pode
ser dividido em duas partes. A primeira delas, composta em estilo
epistolar como era comum nos tempos em que foram escritos os livros
do Novo Testamento, contém 7 mensagens dirigidas, cada uma delas
a uma das sete igrejas da província da Ásia. A segunda parte,
apocalíptica por excelência, trata das coisas que acontecerão no fim
dos tempos: O grande sofrimento, a chegada do Anticristo, a luta entre
os exércitos do mal e do bem com a vitória deste, o juízo final, o novo
céu e a nova terra. Aceita-se hoje que este livro tenha sido composto
no tempo em que o imperador Domiciano perseguia e martirizava os
Cristãos. Este livro será estudado a seguir com maiores detalhes.
202
2. O Apocalipse de João
Propósitos
O apocalipse de João é uma obra cuja importância extrapola a da
própria Bíblia. Suas narrativas inspiraram romances, filmes e novelas.
Seus personagens são divulgados em obras de grande circulação na
“media” falada, escrita e televisada. Ele é frequentemente associado
ao terror.
O apocalipse de João é, entretanto, uma obra de consolação que
anuncia a vitória final dos crentes fiéis ao final dos sofrimentos aos
quais estavam sendo submetidos. Para entendermos como ele pode
ser usado hoje em consonância com os objetivos de seu autor,
pretendemos: 1. Discutir sucintamente as hipóteses sobre a autoria
do Apocalipse. 2. Discutir sucintamente as hipóteses sobre data e
local da composição deste livro. 3. Identificar seus destinatários. 4.
Identificar o seu objetivo teológico. 5. Sumariar o seu conteúdo. 6.
Listar os textos bíblicos externos ao Apocalipse que fornecem dados
para a identificação dos símbolos usados em sua composição.
Autoria
A autoria joanina do Apocalipse tem sido amplamente aceita em
decorrência tanto de evidências internas quanto de evidências
externas. Vejamos as principais:
Evidências externas
A tradição mais antiga vem atribuindo a João, filho de Zebedeu, a
autoria deste livro. Muito valiosos a este respeito são os testemunhos
de Justino, o Mártir (ca. 166) e de Irineu (ca.190) que afirmam a
autoria joanina deste livro. Destes dois, o testemunho de Irineu tem
valor especial porque ele foi discípulo de Policarpo de Esmirna o qual,
por sua vez, foi discípulo do apóstolo João.
Evidências internas
O autor do livro se identifica pelo nome de João em quatro passagens
(1.1, 1.4, 1.9 e 22.8). Duas hipóteses podem ser admitidas: 1a – Ele
se chamava mesmo João. 2a – Ele tinha outro nome e usou o nome
de João como pseudônimo, o que era muito frequente nas obras
203
compostas no início do Cristianismo, especialmente para a literatura
apocalíptica. Se o autor se chamava mesmo João restará a tarefa de
identificar quem foi este João.
A discussão da hipótese de pseudonímia deve começar pela
avaliação da frequência com que o nome do autor é citado nesta obra.
Nas obras reconhecidamente pseudônimas a repetição do nome do
autor costuma ser muito frequente para enfatizar a autoridade do
escrito. No livro de Daniel, por exemplo, o nome Daniel é citado 73
vezes em 357 versículos o que nos dá uma frequência aproximada
de uma citação em cada 5 versículos. No livro de João, por outro lado,
o nome João é mencionado apenas 4 vezes em 407 versículos o que
fornece uma frequência aproximada de uma citação em cada cem
versículos. Esse dado nos fala contra a hipótese de pseudonímia e
nos leva a ficar com a escolha de que o autor do livro se chamava
mesmo João.
Um segundo dado, nas obras pseudônimas o nome citado como autor
é sempre acompanhado de uma grande quantidade de predicados o
que se entende com facilidade porque a menção do seu nome é, de
certa forma, uma homenagem que lhe é feita. No livro de João o nome
do autor, provavelmente uma autorreferência, é feito sem nenhum
predicado com manda a boa regra da modéstia.
Essas evidências, embora negativas, são muito fortes e não podem
ser esquecidas. Elas apoiam a hipótese de que o autor deste livro foi
mesmo alguém chamado João. Mas, quem foi este João? A tradição
identifica este autor com o apóstolo João que fazia parte do círculo
mais íntimo de Jesus o qual seria ainda a mesma pessoa que o quarto
evangelho chama de o discípulo que Jesus amava. A confirmação, ou
a rejeição, desta hipótese tem de ser feita com base em estudos
comparativos de vocabulário, frequência do uso das palavras,
gramática e estilo deste livro com o quarto evangelho e com as
epístolas joaninas. Estes estudos são áridos demais para serem
discutidos aqui. Os interessados devem se direcionar para os
comentários específicos. Além disto os resultados obtidos com estes
estudos devem ser tomados com certa reserva porque, como já
tivemos oportunidade de ver anteriormente, não podemos atribuir
com segurança a autoria do quarto evangelho, e muito menos das
epístolas joaninas, ao filho de Zebedeu.
204
Summers244 alinha algumas das características principais deste João
que escreveu o Apocalipse. Isto é o que temos de melhor para afirmar
sobre ele:
1. Era um Judeu Cristão que, com muita probabilidade, viveu a
maior parte da sua vida na Galileia.
2. Usava a sintaxe grega de forma extremamente livre.
3. Seu estilo não permite identificá-lo com nenhum outro autor
do Novo Testamento, nem mesmo com o autor do quarto
evangelho ou das epístolas Joaninas.
4. Gozava de indiscutível autoridade entre as igrejas da
província da Ásia.
5. Era homem de profunda visão espiritual e se posicionava
como profeta, denunciando contundentemente o pecado. 245
Tempo de composição
O Apocalipse foi composto em um tempo quando os cristãos estavam
sendo duramente perseguidos e martirizados. As três hipóteses mais
aceitas apontam para 1 – A época de Nero (54-68), 2 – A época de
Vespasiano (69-79) e 3 – A época de Domiciano (81-96). Três
questões dificultam a determinação segura desta época:
1a – O mito do Nero redivivo – Acreditava-se no primeiro
século, após a morte de Nero, que ele ressuscitaria para
voltar ao comando do Império. Dessa forma, o autor poderia
ter feito uma interpretação livre do mito e identificado
Destinatários
Os destinatários declarados são os crentes da província da Ásia
(comunidade joanina?) Devemos, entretanto, levar em consideração
outra hipótese. Na dedicatória do Apocalipse são referidos os nomes
de 7 igrejas. Como o número 7 simboliza a totalidade é possível que
o autor, ao mencionar sete igrejas, estivesse se dirigindo à totalidade
da comunidade cristã da época. A análise geográfica favorece a
hipótese de destinatários mais restritos uma vez que uma estrada
ligava as sete cidades mencionadas permitindo que um mensageiro
fosse a cada uma das sete igrejas com facilidade.
Objetivo Teológico
Este apocalipse, como os demais, é uma obra de consolação escrita
para estimular cristãos perseguidos a perseverar firmes na fé. O
estímulo vem da contemplação do cordeiro que foi morto, mas venceu
206
e da Jerusalém Celestial prometida como prêmio aos que se
mantiverem fiéis.
Estrutura do Livro
O livro está estruturado em duas partes. A primeira, escrita no gênero
epistolar, inclui as sete cartas para as igrejas da Ásia. A segunda,
composta no gênero apocalíptico, descreve visões de coisas que vão
acontecer no futuro consolidando a vitória de Deus contra seus
adversários.
208
As sete cartas colocam em destaque sete modelos de igrejas. A Igreja
de Éfeso é a igreja grande, situada na capital da província, que a
custa de uma institucionalização conseguiu se harmonizar com os
objetivos das autoridades provinciais e acomodar-se. O preço pago
foi a perda da essência do evangelho.
A igreja de Esmirna é o modelo de igreja perseguida que sobrevive
como “igreja subterrânea”. Seus membros são aprisionados pelo
opressor governamental e martirizados. A igreja de Pérgamo é o
modelo de igreja que permanece fiel, mas que abriu sua guarda e
permite que nela se abriguem pregadores de heresias que deveriam
ser extirpadas. A igreja de Tiatira é a igreja mundanizada cujos
membros se comprometem com imoralidade e prostituição. A igreja
de Sardes é aquela que conserva o nome de cristã, mas se desviou
totalmente dos princípios do cristianismo. Está totalmente à deriva e
sem rumo. A igreja de Filadélfia é a igreja fraca, porém fiel que sabe
identificar e rejeitar os pregadores de doutrinas espúrias. A igreja de
Laodiceia pode ser identificada como aquela que se coloca “em cima
do muro”, vive na duplicidade de conceitos. É cristã na hora dos
cultos, mas terminados os mesmos, sobrevive como se o cristianismo
não existisse.
210
A narrativa apocalíptica só pode ser bem entendida por aqueles que
estão sendo oprimidos por causa do evangelho e julgam que Deus
não se importa com o que lhes acontece. A Bíblia nos ensina que o
Senhor nunca se esquece dos que lhe são fiéis e que, no tempo
apropriado, lhes providencia o socorro necessário.
As trombetas
A abertura do sétimo selo introduz uma série de sete pragas que são
anunciadas pelo som das sete trombetas tocadas pelos anjos. Os
toques das trombetas anunciam as intervenções divinas que
preparam o inimigo para a derrocada final. Elas anunciam a ação
salvadora de Deus a favor de seu povo oprimido. Existe ainda aqui
uma analogia com as pragas derramadas sobre o império do Egito,
que enfraqueceram o poder do Faraó, facilitando a saída dos Judeus.
Nosso objetivo é apreciar a correspondência entre os fatos ocorridos
no Egito e as providências divinas anunciadas pelas trombetas no
Apocalipse de João, para que possamos entender que o nosso Deus
não muda. O que Ele fez por Israel no passado continua fazendo por
sua igreja em nossos dias. A narrativa das trombetas, de certa forma,
reproduz o que já se havia visto com os selos. A ordem aqui, porém,
está invertida; primeiramente, são recrutadas as forças da natureza
para enfraquecer o inimigo. Os efeitos das pragas são parciais,
atingem apenas a menor parte (um terço) de cada um dos locais
mencionados. Finalmente os guerreiros do oriente são liberados para
o ataque fulminante.
A primeira trombeta anuncia a praga da saraiva (chuva de pedras)
acompanhada de fogo que atinge a terra firme destruindo uma
pequena parte (um terço) de toda a sua vegetação (cf. Êxodo 9.18-
19). A segunda trombeta anuncia a praga lançada contra o mar (águas
salgadas), atingindo um terço de sua vida. A terceira trombeta anuncia
o cataclismo que atinge as águas doces (fontes e rios), que se tornam
amargas e não podem ser bebidas pelos homens (cf. Êxodo 7.19). A
quarta trombeta anuncia a praga dirigida contra os céus (atmosfera),
que escurece durante uma parte do dia levando os homens a andar
em trevas (cf. Êxodo 10.21,22). Os quatro elementos da natureza
(terra seca, águas salgadas, águas doces e ar) são atingidos
preparando a derrocada dos inimigos do Senhor.
211
A segunda série começa com a quinta trombeta que introduz a praga
dos gafanhotos (cf. Êxodo 10.12). Neste contexto, eles são muito
mais malignos e poderosos. São dotados de poder para atormentar
os homens causando-lhes grandes sofrimentos. O toque da sexta
trombeta anuncia, por fim, a invasão inimiga. Eles são anunciados
como os quatro anjos da morte que vêm do lado oriental do Eufrates.
Seus cavalos e cavaleiros trazem mais três pragas mortais: fogo,
fumaça e enxofre.
A sétima trombeta anuncia o fim com a vitória do Senhor: A ira das
nações se derrama sobre o opressor, Deus reina e o Seu santuário,
que estivera oculto aos homens, pode enfim ser visto novamente em
toda a sua glória.
A sequência de eventos introduzidos pelo toque das trombetas dos
arcanjos concorda com o que já havia sido anunciado na abertura dos
selos. Aqui, entretanto a intensidade e a dramaticidade estão
aumentadas. Como aconteceu no Egito, os rebeldes opressores são
os alvos exclusivos de todas as pragas. Os justos e obedientes são
poupados e não sofrem nenhum mal. Deus vela e zela por aqueles
que lhe são fiéis e não permite que nada de mal lhes aconteça.
212
O dragão derrotado desce à terra e, não podendo mais agir de
maneira autônoma, transfere seu poder para a besta que veio do mar,
o Império Romano. Este livro foi escrito para os cristãos da província
da Ásia. Os habitantes desta província conheciam que os romanos
tinham chegado do ocidente, navegando pelo mar Mediterrâneo que
eles chamavam de “Mare Nostrum” (o nosso mar).
Em seguida, a besta entrega parte de sua autoridade ao falso profeta
(a besta que veio da terra) que representa o governo provincial da
Ásia. Este, para agradar seu patrono, constrange os moradores da
terra a prestar culto ao imperador (a primeira besta) e a levar sobre si
o seu número (666). Os que não concordam são presos, torturados e
mortos.
As pragas
Mais uma vez a linha de raciocínio do autor é apresentada com
clareza absoluta. Deus não muda e continua agindo exatamente da
mesma forma. Ele fere os homens direta e indiretamente por meio
dos elementos da natureza. Aqui, mais uma vez, o modelo seguido é
o das pragas do Êxodo. Elas são recontadas com uma linguagem
apocalítica, rica de novas imagens e de novos significados. Os
homens atingidos pelas pragas, rebelam-se e se reúnem para
guerrear contra Deus. Mera inutilidade. Neste estudo poderemos
perceber, mais uma vez, que os desígnios estabelecidos por Deus
não podem ser mudados por nenhum tipo de reação humana.
Aqui a história se repete: A ordem é dada para a liberação de sete
anjos. Eles não trazem trombetas e sim taças. Cada uma das taças
contém pragas que visam um objetivo específico. A soma de seus
efeitos é o enfraquecimento do opressor para que ele possa ser
derrotado com maior facilidade.
A primeira praga se dirige contra os adoradores marcados com o sinal
da besta que são feridos com úlceras (Êxodo 9.8-12). Logo a seguir,
uma maldição é lançada sobre o mar. A terceira praga atinge todos os
rios e fontes de água doce (Êxodo 7.14-25). A quarta praga se lança
contra o sol e a quinta traz trevas sobre o trono da besta (Êxodo
10.21-26). A sexta praga faz com que sequem as águas do rio
Eufrates (Êxodo 14.21-27). A diferença aqui está em que o
afastamento das águas beneficia os invasores que lutarão contra a
besta.
213
Os homens reagem para lutar contra Deus, reunidos no Armagedom.
Enquanto esperam o fim se precipita sobre eles. A sétima praga é
derramada e acontece a queda da Grande Cidade (Babilônia). Tudo
chegou ao fim determinado.
Provavelmente o autor se inspirou nos fatos ocorridos durante a
erupção do vulcão Vesúvio no ano 79 (o ano em que morreu o
imperador Vespasiano), que destruiu as cidades de Pompeia e
Herculano. Quando ele escreveu os fatos estavam recentes na
memória de todos.
No tempo próprio, Deus socorre seu povo e o liberta da opressão.
Não podemos prever quando a queda do opressor acontecerá, mas
podemos ter certeza de que, mais cedo ou mais tarde, ela virá. Conta-
se que na primeira, e também última viagem do Titanic, o
comandante, muito seguro da tecnologia empregada na construção
de sua embarcação, teria declarado: “Nem Deus pode afundar este
navio!”. O Titanic afundou. Deus não precisou fazer nada, bastou um
“iceberg”.
Muitos governantes se sentem absolutamente seguros em seus
poderosos castelos e desprezam os clamores de seus governados.
Eles se esquecem de quantos impérios poderosos, e considerados
invencíveis, chegaram ao fim.
A queda da Babilônia
Deus anuncia por meio de seus mensageiros (anjos) que a cidade
ímpia (Babilônia = Roma) não ficaria de pé. Seria destruída sem
nenhuma chance para os que com ela se associavam. Não é possível
construir um império alicerçado sobre o mal e ser bem-sucedido para
sempre. Mais cedo ou mais tarde o edifício vai ruir.
A cidade de Roma é aqui chamada de Babilônia. Para os judeus este
nome era sinônimo de terra do desterro e da opressão.
Historicamente, a Babilônia (atual Iraque) foi a terra para onde os
nativos de Judá foram deportados após a invasão de Nabucodonosor.
Lá ficaram por um período de cerca de setenta anos, privados da
possibilidade de subir a Jerusalém para prestar culto no templo.
Compare os salmos 122 e 137.
Roma, capital do Império Romano é a nova Babilônia. Suas tropas
invadiram Jerusalém no ano 70 d.C., destruíram o templo e puseram
214
fim ao culto. Os judeus dispersos já não tinham onde cantar nem
oferecer seus sacrifícios. Os cristãos não podiam adorar seu Senhor,
eram constrangidos à adoração de César.
Ela se tronou a terra do suplício para os mártires. A arena do “circus
maximus” ficava embebida no sangue de cristãos despedaçados
pelas feras. Uma boa imagem era a prostituta embriagada com o
sangue dos mártires.
Todos os que tinham seus negócios na capital imperial se lamentaram
quando a sua ruína se precipitou. Negociantes de todas as
nacionalidades e de todas as especialidades perderam em um
momento seu mercado mais próspero. Anuncia-se aqui a queda do
Império Romano e sua cabeça, Roma, a grande babilônia rolará.
Conclusão
Satanás está derrotado, mas ainda não está aniquilado. Mesmo tendo
seus poderes restritos ele continua oferecendo combate aos
escolhidos do Senhor. Em momentos históricos importantes ele se
associa aos governantes sedentos de poder que desprezam o
respeito aos direitos fundamentais do ser humano e passa a oprimi-
los.
Ainda hoje esta história está acontecendo com irmãos nossos que
vivem em países onde os governantes são totalitários e adotam
religiões de caráter fundamentalista. Nossos missionários em países
árabes, especialmente nos governados por xiitas, e em outras terras
dominadas por religiões animistas e fetichistas, vêm sofrendo
perseguições
215
O clímax do Apocalipse é a habitação de Deus no meio de Seu povo.
Como Ele não pode ter nenhum contato com o que é contaminado e
comprometido pelo pecado, a chegada do Senhor deve ser precedida
pelo afastamento de todos que se contaminaram com os poderes
malignos e pela restauração da própria natureza (Romanos 8.18-23).
O projeto original do Senhor chegará ao seu objetivo final.
216
3. Desenvolvimento histórico da
escatologia cristã
Propósitos
Escatologia é o estudo do futuro. De um futuro que, obviamente, ainda
não existe. Por essa razão é um assunto difícil, cheio de hipóteses,
incertezas e de discussões sem conclusões. Os cristãos, no curso
destes vinte séculos de história, nunca chegaram a um acordo.
Para tentar compreender a situação atual vamos fazer uma
recapitulação do desenvolvimento histórico do assunto conforme os
tópicos seguintes: 1. Sumariar a escatologia do período apostólico. 2.
Sumariar a escatologia do período pós-apostólico. 3. Sumariar a
escatologia agostiniana. 4. Sumariar a escatologia da Reforma
Protestante. 5. Listar e descrever sucintamente os principais
postulados das escolas modernas de interpretação do Apocalipse:
Preterismo, Futurismo, Amilenismo, Pré-milenismo, Pos-milenismo,
Dispensacionalismo. 6. Mencionar e justificar a posição oficial dos
Batistas Brasileiros quanto a interpretação do Apocalipse.
Introdução
A compreensão das posições assumidas em nossos dias por
diferentes grupos de cristãos com respeito à interpretação do
Apocalipse exige que façamos a reconstituição da história das
interpretações desde o período em que foi escrito o Novo Testamento
até os nossos dias. Fala-se muito hoje em pré-milenismo, amilenismo,
dispensacionalismo. É importante que o estudante conheça essas
interpretações e é importante também que ele conheça a
interpretação oficial da Convenção Batista Brasileira, firmada na sua
declaração doutrinaria.
A escatologia agostiniana
Findo o século primeiro da Era Cristã, o ardor escatológico da igreja
esfriou pela frustração decorrente do não cumprimento da promessa
da parusia. A igreja se institucionalizou e se hierarquizou. - Pode-se
dizer que o Cristianismo experimentou uma situação semelhante
àquela que tinha sido vivenciada pelos judeus dissidentes de Quaram
– Só mais tarde, com Agostinho (século IV), os cristãos começaram a
revisar a sua escatologia. Esta é a escatologia aceita ainda hoje pela
igreja católica. Seus pontos fundamentais são os seguintes:
1. Haverá um só juízo final.
2. A primeira ressurreição descrita no Apocalipse é a conversão.
3. O diabo foi amarrado por mil anos quando da primeira vinda
de Cristo.
4. O reinado dos santos por mil anos é diferente do reino eterno.
5. Os mortos que não ressuscitaram são os espiritualmente
mortos.
Essa interpretação motivou sérias expectativas de fim de mundo no
ano 1000 da era cristã, expectativas que, evidentemente, não se
cumpriram. As principais características da escatologia agostiniana
são as seguintes:
1. Preterista – declara que todas as profecias dos apocalipses
de Daniel e de João se cumpriram no passado.
2. Amilenista – não admite o reino milenar de Cristo.
3. Simbolista – não admite a interpretação literal do Apocalipse.
Deficiências:
1. O Apocalipse, interpretado dessa forma, não teria nenhum
valor para os seus primitivos leitores.
2. Ela é incompatível com a declaração do autor de que os
eventos narrados nos livros se cumpririam brevemente (1.1).
3. Essa interpretação despreza inteiramente o simbolismo do
Apocalipse.
4. Ela se associa a uma Filosofia Materialista do Reino de Deus.
224
4. Um ensaio de interpretação
do apocalipse
Os números inteiros
O princípio fundamental para a interpretação dos números que
aparecem no Apocalipse de João é que eles devem ser tomados pelo
seu valor simbólico e não pelo seu valor aritmético. Os judeus
cristãos, para quem a mensagem do Apocalipse de João foi enviada,
não pensavam em números da mesma forma que nós. Para eles os
números, assim como as cores, suscitavam ideias precisas. Tanto os
números inteiros quantos os fracionários eram usados correntemente
para passar ideias. Isso não se constitui em peculiaridade deles.
Nossa cultura também tem resquícios desse simbolismo. Dizemos
por vezes que “sociedade de três não dá certo” ou que “sete é conta
de mentiroso”. Vejamos o que os inteiros significam na Bíblia:
229
Ap.4.6 também havia diante do trono como que um mar de vidro,
semelhante ao cristal; e ao redor do trono, um ao meio de cada lado,
quatro seres viventes cheios de olhos por diante e por detrás; 7e o
primeiro ser era semelhante a um leão; o segundo ser, semelhante a
um touro; tinha o terceiro ser o rosto como de homem; e o quarto ser
era semelhante a uma águia voando. 8 os quatro seres viventes
tinham, cada um, seis asas, e ao redor e por dentro estavam cheios
de olhos; e não têm descanso nem de noite, dizendo: Santo, Santo,
Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, e que é, e
que há de vir.
O leão é o mais importante dos animais selvagens, o touro é o mais
importante dos animais domésticos, o homem é o mais importante ser
de toda a criação e a águia a mais importante das aves. Em conjunto,
representam toda a criação rendendo glórias ao Criador.
230
dois elementos extremos do conjunto envolve a citação do conjunto
inteiro que tem sete elementos.
Dez, o número do homem
Ap.2.10 Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo
lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis
uma tribulação de dez dias. Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da
vida.
Ap.12.3 E viu-se outro sinal no céu, e eis que era um grande dragão
vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças,
sete diademas.
Ap.13.1 E eu pus-me sobre a areia do mar e vi subir do mar uma besta
que tinha sete cabeças e dez chifres, e, sobre os chifres, dez
diademas, e, sobre as cabeças, um nome de blasfêmia.
Ap.17.3 E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher
assentada sobre uma besta de cor escarlate, que estava cheia de
nomes de blasfêmia e tinha sete cabeças e dez chifres.
Ap.17.7 E o anjo me disse: Por que te admiras? Eu te direi o mistério
da mulher e da besta que a traz, a qual tem sete cabeças e dez
chifres.
Ap.17.12 E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não
receberam o reino, mas receberão o poder como reis por uma hora,
juntamente com a besta.
Apocalipse 17:16 E os dez chifres que viste na besta são os que
aborrecerão a prostituta, e a porão desolada e nua, e comerão a sua
carne, e a queimarão no fogo.
231
o poder de nos atacar. Se retiramos os chifres (seres humanos
devotados) do dragão ele também não poderá fazer nada contra nós.
232
Duas linhas de interpretação têm orientado a análise deste número. A
primeira delas consiste em obter a soma dos valores numéricos das
letras que compõem um determinado nome. Por este método somos
levados a concluir que o número 666 no livro de Apocalipse identifica
o imperador Nero uma vez que a soma dos valores das letras do seu
nome transliterado para o Hebraico, Foi pela aplicação deste método
que os cristãos reformados identificaram a besta com o papado: a
soma dos valores romanos das letras componentes do título usado
pelo papa (Vicarivs filii dei) também dá 666.
A segunda linha de interpretação depende da consideração das
características do pensamento hebreu. 1 – O número seis (sete
menos um) representa a falha em atingir a plenitude. Lembremos que
palavra hebraica para pecado significa “ficar aquém do alvo”. 2 – A
tríplice repetição é usada na língua hebraica para indicar o modo
superlativo. Isaías, em sua visão de chamada, contemplou serafins
que declaravam três vezes a santidade de Deus:
Is.6.3 E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo
é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória.
No Apocalipse de João, esta visão é repetida:
Ap,4.8 E os quatro animais tinham, cada um, respectivamente, seis
asas e, ao redor e por dentro estavam cheios de olhos; e não
descansam nem de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é
o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de vir
O que os animais diziam, tanto na visão de Isaías quanto na de João,
é que Deus é o mais santo de todos os santos. A tríplice repetição do
número 6 indica, de maneira enfática, a declaração da falha em atingir
a plenitude absoluta. Outra argumentação a favor desta linha de
interpretação é que o numeral seis em língua hebraica (shishi) tem
uma pronúncia que lembra o chiado da serpente, que no mesmo livro
do Apocalipse simboliza o inimigo maior (12.9. 20.2)
Os números fracionários
Um quarto, o número da menor parte
Ap.6:8. E olhei, e eis um cavalo amarelo; e o que estava assentado
sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes
dado poder para matar a quarta parte da terra com espada, e com
fome, e com peste, e com as feras da terra.
Sendo quatro o número característico do mundo completo na cultura
helenística, o seu recíproco ¼ (quarta parte) representa uma fração
do mesmo mundo. A menção de quarta parte no texto acima indica
que a mortandade atingiria apenas a minoria da humanidade.
235
neles; e puseram-se sobre os pés, e caiu grande temor sobre os que
os viram.
c) Quarenta e dois meses – são três anos e meio o que significa um
período curto ao passo que sete anos significariam um período
ilimitado (pleno)
Ap.11.2 E deixa o átrio que está fora do templo e não o meças;
porque foi dado às nações, e pisarão a Cidade Santa por quarenta
e dois meses. Ap.13:5. E foi-lhe dada uma boca para proferir
grandes coisas e blasfêmias; e deu-se lhe poder para continuar
por quarenta e dois meses.
c) Mil duzentos e sessenta dias – O ano do calendário hebreu era
lunar e se compunha de 360 dias. Para sincronizar o seu calendário
como calendário solar os hebreus observavam, a cada quatro anos
um ano de 13 meses o que corresponde ao dia extra do nosso ano
bissexto. 1260 dias é o número de dias de três anos e meio e tem
exatamente o mesmo significado das duas expressões anteriores.
Ap.11.3 E darei poder às minhas duas testemunhas, e profetizarão
por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco.
Apocalipse 12:6 E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha
lugar preparado por Deus para que ali fosse alimentada durante
mil duzentos e sessenta dias.
O primeiro versículo (11.3) nos informa que o luto das testemunhas
(pano de saco) teria duração limitada e o segundo que a vida da igreja
em esconderijos para não sucumbir à perseguição também seria
limitada. Nenhum desses males duraria tanto que não pudesse ser
suportado.
As cidades
Babilônia, o lugar do cativeiro
Na história do povo de Israel a Babilônia representa o local do
desterro, para onde o povo foi levado como castigo por sua
infidelidade à aliança celebrada com o Senhor. Desde então o nome
Babilônia passou a significar domínio estrangeiro, cativeiro, privação
de atividades de cunho espiritual, tais como o acesso ao templo, aos
sacrifícios diários e à comunhão com os escolhidos.
Ao mesmo tempo que se desenvolvia a rejeição à Babilônia,
desenvolvia-se também um grande desejo de retornar à Jerusalém.
236
Nesse período nasceu o sionismo. Essa situação é bem descrita no
salmo 137.
238
Unidade VI – Epístolas Gerais
239
1. Epístola aos Hebreus
Propósitos
A Epístola aos Hebreus é a primeira das chamadas Epístolas Gerais
ou Epístolas Católicas. As epístolas deste grupo, em contraste com
as paulinas, não são dirigidas a uma igreja ou a uma pessoa, em
particular. Elas têm como destinatários toda uma comunidade de
salvos. É uma espécie de encíclica, um tipo de literatura que teve seu
início no período neotestamentário e que se tornou muito popular no
patrístico. Esta epístola é um livro peculiar do Novo Testamento uma
vez que foge aos padrões que já conhecemos para a literatura
epistolar. Ela não identifica seu autor e também não identifica seus
destinatários. Quando a lemos temos a impressão de ter em mãos um
livro cuja primeira página foi arrancada. Sua composição apresenta o
estilo de um tratado teológico e não de uma carta.
No estudo desta epístola enfrentaremos as seguintes tarefas: 1.
Discutir sumariamente os argumentos favoráveis e contrários à
autoria paulina da epístola aos Hebreus. 2. Discutir sucintamente as
outras hipóteses de autoria: Lucas, Clemente de Roma, Barnabé,
Silvano, Apolo. 3.Discutir a identificação dos possíveis destinatários
desta epístola. 4.Discutir as hipóteses sobre a data mais provável
para a composição do livro. 5.Discutir o propósito teológico do autor
Autoria
Por muito tempo a autoria desta epístola foi atribuída ao apóstolo
Paulo e a aceitação da autoria paulina foi o argumento decisivo para
a canonização deste livro. Em algumas edições antigas da Bíblia em
língua portuguesa ele ainda aparecia com o título Epístola de Paulo
aos Hebreus. Dessa forma, os elementos derivados da tradição
recomendam que comecemos o exame da questão autoria pela
hipótese de autoria paulina.
Evidências externas
Desde o tempo de formação do cânon, estabeleceu-se uma nítida
diferença de posicionamento entre a igreja ocidental, de língua latina,
e a oriental, de língua grega, com respeito à canonização deste livro.
A primeira só veio a admitir a autoria paulina desta carta e, junto com
240
ela, a canonicidade, a partir do século IV. O cânon de Marcion e o
cânon Muratoriano (ambos de Roma) não incluem esta epístola.
Outros autores romanos tais como Clemente e Hermas também não
fazem alusão ao nome do autor desta epístola. Os autores orientais,
embora tenham aceito a canonicidade desta epístola mais
precocemente, também não reconheceram a autoria paulina.
Evidências internas
Muitas evidências obtidas a partir do texto desta epístola nos falam
contra a autoria paulina:
Falta de identificação – Paulo se identifica claramente em quase todas
as epístolas que escreveu. O autor desta epístola, por outro lado, não
nos dá nenhuma identificação. Não teríamos como explicar a falta de
identificação nesta epístola se é que ela foi escrita por Paulo.
Língua e estilo – O Grego da Epístola aos Hebreus é de qualidade
muito melhor que o Grego das epístolas paulinas 249. Não há como
justificar o uso de um Grego de qualidade inferior por um autor que
podia escrever melhor. Também o estilo é diferente; as epístolas
paulinas são ricas em digressões e em declarações parentéticas.
Moody chega a declarar que para entender Paulo temos que imaginá-
lo dialogando com um personagem que recebe uma saraivada de
argumentos aos quais só tem oportunidade de responder com
grunhidos. A Epístola aos Hebreus, por outro lado, apresenta uma
linha de raciocínio impecável, com todas as proposições e exemplos
comprobatórios perfeitamente posicionados.
Uso do Velho Testamento – O uso do Velho Testamento pelo autor
desta epístola vem sendo alistado com argumento contrário à autoria
paulina. Hale alega que enquanto Paulo cita o Velho Testamento pelo
texto massorético o autor desta epístola o cita pelo da Septuaginta e
vai mais além; o autor desta epístola usa para o Velho Testamento
uma interpretação alegórica, exatamente do tipo que se usava em
Alexandria, diferentemente de Paulo que faz uso de tipologias: No
sacerdócio de Melquisedeque encontramos uma alegoria do
Destinatários
Este é outro problema ainda não resolvido. A epístola não identifica
os seus destinatários. Seu tipo de argumentação, rico em referências
ao Antigo Testamento, sugere que os leitores primitivos eram judeus
helenistas convertidos ao Cristianismo. Percebe-se também que, de
alguma forma, eles se ligavam à comunidade cristã de Roma e
estavam sendo perseguidos por causa da sua fé.
Data
Esta epístola não pode ter sido escrita depois de 95 d.C. uma vez que
nesta data ela foi usada por Clemente de Alexandria. Se admitirmos
a autoria paulina teremos que fazer a sua data de composição
retroagir até 68 d.C., ano em que Paulo morreu. A palavra do autor
declarando aos leitores que, na sua luta contra o pecado eles ainda
não haviam resistido até o sangue, sugere que eles eram cristãos que
estavam sendo perseguidos, mas ainda não martirizados. Se esses
leitores pertenciam mesmo à comunidade de Roma, podemos fazer
uso deste argumento para declarar que a epístola foi composta antes
de 64 (data do incêndio de Roma) que marcou o início do martírio de
cristãos. O tipo de heresia que ela combate sugere a atuação dos
judaizantes o que favorece sua datação para o primeiro século. Todos
estes dados concordam em que a epístola aos Hebreus tenha sido
escrita antes do ano 64. Esta conclusão é favorecida ainda pelo fato
242
de o autor fazer referência aos sacrifícios do templo que pareciam
estar ainda em execução.
244
palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, abandonaram e fé
e de novo crucificaram o Senhor Jesus.
Entretanto o autor não faz referência à salvação nesse texto. Ele
apenas aplica a seus leitores cristãos que estavam apostatando da fé
e retornando ao judaísmo os rigores da própria lei judaica:
“.... Será que, quando se fizer alguma coisa sem querer, e isso for
encoberto aos olhos da congregação, toda a congregação
oferecerá um novilho para holocausto em cheiro suave ao Senhor,
com a oferta de cereais do mesmo e a sua oferta de libação,
segundo a ordenança, e um bode como sacrifício pelo pecado. E o
sacerdote fará expiação por toda a congregação dos filhos de
Israel, e eles serão perdoados; porquanto foi erro, e trouxeram a
sua oferta, oferta queimada ao Senhor, e o seu sacrifício pelo
pecado perante o Senhor, por causa do seu erro. Será, pois,
perdoada toda a congregação dos filhos de Israel, bem como o
estrangeiro que peregrinar entre eles; porquanto sem querer errou
o povo todo. E, se uma só pessoa pecar sem querer, oferecerá uma
cabra de um ano como sacrifício pelo pecado. E o sacerdote fará
perante o Senhor expiação pela alma que peca, quando pecar sem
querer; e, feita a expiação por ela, será perdoada. Haverá uma
mesma lei para aquele que pecar sem querer, tanto para o natural
entre os filhos de Israel, como para o estrangeiro que peregrinar
entre eles. Mas, a pessoa que fizer alguma coisa temerariamente,
quer seja natural, quer estrangeira, blasfema ao Senhor; tal
pessoa será extirpada do meio do seu povo, por haver desprezado
a palavra do Senhor, e quebrado o seu mandamento; essa alma
certamente será extirpada, e sobre ela recairá a sua iniquidade.
250
Ele preconiza para os apóstatas uma pena de excomunhão sem
qualquer chance de retorno posterior à comunidade dos crentes. O
que está em discussão é o juízo humano e não o juízo divino. Ele
coloca que crentes imaturos (Hebreus 5.11-14) correm o risco de
apostatar quando pressionados pelas perseguições e que a
comunidade dos crentes (igreja) deve agir muito severamente com
eles excluindo-os definitivamente de comunhão.
250Números 15.24-31
245
2. Epístola de Tiago
Propósitos
A epístola cuja autoria vem sendo historicamente atribuída a Tiago,
aquele que Paulo chama de “o irmão do Senhor”, é um dos livros do
Novo Testamento mais impregnados da cultura hebraica. Nele
encontramos passagens no estilo de literatura sapiencial e outras no
estilo profético. Sua canonização foi trabalhosa e, na época da
Reforma Protestante, Marinho Lutero quis revertê-la sob a
argumentação de esta seria uma “epístola de palha” por causa de sua
ênfase nas obras como elementos comprobatórios da fé.
Para entendê-la melhor pretendemos: 1. Discutir sucintamente as
hipóteses sobre a autoria desta epístola. 2. Discutir a identidade de
seus destinatários. 3.Discutir as hipóteses sobre data e local mais
prováveis de sua composição. 4.Caracterizar o estilo literário desta
epístola.
Autoria
O autor se identifica como Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus
Cristo. Esta identificação lacônica tem levado os críticos a aceitar que
este Tiago era pessoa suficientemente conhecida da igreja primitiva
para dispensar maiores apresentações. O fato de Tiago ser a forma
helenizada de Jacó levou alguns críticos a formularem a hipótese de
pseudonímia para este livro. Para eles o autor seria um judeu
convertido ao Cristianismo que escreveu aos seus irmãos de raça
usando o nome do patriarca da nação como pseudônimo. Essa
hipótese, embora apoiada pela boa qualidade literária do Grego em
que esta epístola foi redigida, não vingou porque a pseudonímia não
é de ocorrência frequente em literatura epistolar. Assim sendo,
podemos admitir que o autor deste livro se chamava mesmo Tiago e
era pessoa de conhecimento público. Mas, quem seria esse Tiago?
A admissão do nome Tiago como sendo do verdadeiro autor da
epístola restringe o estudo da autoria a quatro pessoas que são assim
denominadas no Novo Testamento: 1 – Tiago apóstolo, filho de
Zebedeu, 2 – Tiago apóstolo, filho de Alfeu, 3 – Tiago apóstolo, o bispo
de Jerusalém que Paulo chama de irmão do Senhor e 4 – Tiago, pai
de Judas, o apóstolo.
246
O primeiro Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, foi martirizado
muito cedo na história do Cristianismo (ca. 44 d.C.) e provavelmente
não chegou a ter tempo suficiente para escrever este livro. Outros
dois (O pai de Judas e o filho de Alfeu) não recebem crédito de
nenhuma evidência externa. Resta-nos, dessa forma, como hipótese
mais provável, a autoria do Tiago, bispo de Jerusalém, a quem Paulo
chama de irmão do Senhor (provavelmente por ser parente próximo
de Jesus Cristo).
Pouco ou quase nada se conhece da vida deste homem durante o
ministério terreno de Jesus Cristo. Parece que ele e outros parentes
próximos do Mestre só aceitaram o Cristianismo depois da
ressurreição de Cristo. Tiago, particularmente, veio a adquirir grande
prestígio entre os primitivos cristãos da comunidade palestina a ponto
de se tornar o mais preeminente nome na igreja de Jerusalém – o
primeiro bispo – como atestam as narrativas contidas nos Atos dos
Apóstolos. Observe-se que na controvérsia sobre a circuncisão dos
gentios, Tiago funcionou como juiz desempatador e a sua palavra foi
aceita por todos sem discussão (At.15). Nesse episódio, ele aparece
citando ditos extraídos das sentenças do rei Salomão, o que prova
sua grande cultura e o habilita para ser o autor desta epístola.
Destinatários
Tiago designa seus leitores com as doze tribos que se encontram na
dispersão (1.1) e a reunião destes mesmos leitores pelo nome de
sinagoga (2.2). Estas designações levaram alguns críticos a
postularem que este livro teria sido uma antiga obra sapiencial
hebraica que foi oportunamente vertida para o Grego e adaptada ao
uso dos cristãos. Isso explicaria o fato de a pessoa de Jesus Cristo
ser citada apenas duas vezes em todo o livro.
Entretanto não parece que Tiago tivesse escrito a judeus não
convertidos uma vez que ele cita o nome de Jesus Cristo
explicitamente precedido de Senhor, adjetivo que um judeu não
convertido jamais usaria neste contexto. Para o judeu só Deus
poderia ser chamado de Senhor (kyrios). Isso nos leva a admitir que
ele estava interessado nos cristãos previamente residentes em
Jerusalém (os cristãos se consideravam o único e verdadeiro Israel
de Deus) e que foram dispersos em decorrência da perseguição
surgida depois da morte de Estêvão (v. At. 8.1).
247
Hoje, o estudo da organização das igrejas cristãs em comunidades
que mantinham fidelidade a um apóstolo, reforça a hipótese de que
existia uma Comunidade de Tiago, que praticava uma forma de
Cristianismo judaico – hebraísta e que seria a destinatária natural
desta epístola (Gl. 2.12).
248
Lutero, altamente comprometido com sua proposição sola gratia,
chegou a denominá-la " epístola de palha" por causa de sua
referência ao valor das obras contestando, desta forma, a sua
canonicidade.
Esboço
O propósito de Deus na religião pura (1.1-27)
A tentação que edifica (1.1-12)
A tentação que destrói (1.13-26)
Deus, o principal bem do crente (1.17-18)
Exortação à santidade pessoal (1.19-27)
Os testes da religião pura (2.1 – 5.20)
A parcialidade egoísta (2.1-13)
A fé operante pelo amor (2.14-26)
Os perigos da língua (3.1-18)
O eu carnal e o eu espiritual (4.1-12)
A verdadeira confiança (4.13-17)
O teste das riquezas (5.1-6)
Paciência na opressão (5.7-11)
Restrição nos compromissos (5.12)
A oração que prevalece (5.13-20)
249
3. Primeira epístola de Pedro
Propósitos
Essa epístola foi direcionada a cristãos de etnias judaica e helênica
que habitavam na província da Ásia. Seu objetivo foi fortalecê-los no
momento em que eles enfrentavam perseguição por parte das
autoridades romanas. O autor procura enfatizar a necessidade de
resistir fielmente mesmo diante do grande sofrimento.
É discutida sua autoria e muitas outras questões são colocadas. Para
termos uma abordagem organizada se seu estudo pretendemos: 1.
Discutir as evidências internas e externas favoráveis à autoria petrina
desta epístola. 2. Discutir as objeções que têm sido levantadas contra
a autoria petrina deste livro. 3. Discutir a identificação dos possíveis
destinatários desta epístola. 4. Discutir as hipóteses sobre as datas e
locais mais prováveis de composição deste livro. 5. Discutir o
propósito teológico do autor.
Autoria
Autoria Petrina
O autor desta epístola se identifica como sendo Pedro, apóstolo de
Jesus Cristo, e, por esse motivo, a autoria petrina tem sido aceita sem
muitas contestações desde a mais remota antiguidade. Como prova
desta aceitação temos o fato de que a primeira epístola de Pedro
entrou no cânon do Novo Testamento sem sofrer nenhuma restrição.
Algumas evidências internas e externas vêm em apoio a esta hipótese
de autoria. No primeiro grupo podemos listar: 1 – O próprio
testemunho do autor quando se identifica como Pedro e quando
declara haver sido uma testemunha dos sofrimentos de Jesus Cristo.
2 – As concordâncias de estilo e vocabulário entre esta epístola e os
textos dos sermões que são atribuídos a Pedro no livro de Atos dos
Apóstolos. Dentre as evidências externas temos o testemunho de
Irineu (ca.180) que citou o texto deste livro identificando Pedro como
seu autor.
Vem surgindo, entretanto, algumas objeções contra a autoria petrina
desta carta. As principais são as seguintes:
250
A relativa pobreza da epístola em referências ao ministério e aos
ensinos de Jesus Cristo.
As qualidades da linguagem e do estilo que seriam incompatíveis com
a cultura de um pescador galileu.
A referência a uma perseguição que dificilmente se localizaria nos
dias de Pedro (I Pd.4.12-16).
O Paulinismo, isto é, os pontos de contato entre as doutrinas expostas
nesta epístola e as ensinadas por Paulo (compare I Pd.1.18 com I
Co.6.20 e I Pd.1.9 com Rm.3.25).
Com respeito ao primeiro argumento – a pobreza em referências aos
atos e ensinamentos de Jesus – podemos alegar que essas
referências não eram necessárias ao objetivo do autor que pretendia
consolar crentes que estavam sofrendo perseguições. Bastava-lhe
mostrar a morte e a vitória de Jesus na ressurreição.
Quanto à incompatibilidade da qualidade do texto desta epístola com
a cultura de um pescador do mar da Galileia, podemos argumentar
inicialmente que seria preconceito admitir que um pescador galileu
não poderia ser culto e conhecer bem a língua grega que era muito
difundida naquele tampo. Em segundo lugar, o autor declara ter sido
auxiliado por Silvano e este poderia ter se encarregado da forma final
do texto, o que era muito comum naqueles dias.
Quanto à perseguição podemos admitir que o autor faz referência ao
tempo de Nero (64-68) quando os Cristãos foram perseguidos logo
depois do incêndio de Roma.
Finalmente, no que diz respeito ao Paulinismo desta epístola, não
temos nenhuma razão para acreditar que muito embora Pedro e
Paulo fossem representantes típicos de diferentes comunidades,
Pedro da comunidade cristã judaico – palestina e Paulo da
comunidade cristã helenística, houvesse alguma incompatibilidade
entre os dois a ponto de torná-los adversários irreconciliáveis. O
simples fato de os dois serem apóstolos, e haverem negociado
pacificamente seus respectivos campos de atividades, prova que eles
tinham muita coisa em comum. Por outro lado, o fato de Silvano ser
citado como auxiliar de Pedro prova que houve um intercâmbio de
informação entre os dois obreiros.
251
Pseudonímia
Uma segunda hipótese a ser considerada é a de que esta carta teria
sido escrita por um discípulo de Pedro que usou o nome do mestre
para conseguir maior autoridade. Os argumentos contrários à autoria
petrina favorecem a pseudonímia.
Destinatários
Pedro identifica seus destinatários como sendo forasteiros da
dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, eleitos
segundo a presciência de Deus Pai (1.1,2). Aceita-se, com base neste
dado, que ele se dirigiu a crentes da comunidade palestina que, após
a perseguição em Jerusalém, se dispersaram pela Ásia menor.
Objetivo teológico
Pedro escreveu a cristãos da Ásia que estavam sendo perseguidos e
declara o que seu objetivo era fortalecer a esperança deles na graça
de Deus (I Pd.5.12). Estes cristãos eram provavelmente gentios que,
pelo evangelho foram feitos “povo de Deus”. 251 Este é, portanto, um
livro de consolação para crentes perseguidos.
Dependência Literária
Desde há muito tempo vem sendo reconhecida a dependência
literária entre estes dois livros. Indubitavelmente o compartilhamento
de material entre eles não pode ser ignorado mesmo em um exame
muito superficial. Nesta situação é inevitável levantar o problema da
precedência: Qual dos dois livros foi escrito primeiro? Os críticos
discordam na resposta a esta questão. Hale por exemplo admite a
precedência de II Pedro enquanto Carson e Kümmel advogam de
maneira enfática a precedência de Judas.
Esses autores também divergem no que respeita a autoria destes
livros. Hale aceita as evidências internas e aponta para Judas, irmão
de Jesus Cristo, e para Simão Pedro como os mais prováveis autores.
Kümmel prefere, por outro lado, aceita a hipótese de pseudonímia
para ambos os livros. Em suma, a dependência literária entre estes
dois livros pode ser sintetizada da seguinte forma:
O “retrato falado” dos falsos líderes que se apresenta nas duas
epístolas é praticamente idêntico.
As ilustrações retiradas do Antigo Testamento e de fatos da natureza
também são coincidentes.
254
Ocorre concordância de vocabulário e de sequências de palavras.
Ocorre concordância nas citações de apócrifos.
É muito provável que não cheguemos a uma conclusão no final desse
estudo, mas, de qualquer forma, o estudo precisa ser feito.
Autoria
O autor da Epístola de Judas se identifica como sendo Judas, irmão
de Tiago. Isto nos leva a presumir que este Judas e este Tiago eram
pessoas bem conhecidas dos leitores. Embora tanto Judas quanto
Tiago fossem dois nomes muito comuns entre judeus nos dois
primeiros séculos do Cristianismo por serem nomes de dois heróis
nacionais (Judas " O Macabeu " e Tiago, forma helenizada de Jacó)
a citação da relação familiar restringe bastante o nosso campo de
pesquisa e parece apontar para aquele Judas que é citado como
irmão de Jesus, com José, Simeão e Tiago (Mt.13.55).
Aceitando esta hipótese como verdadeira poderemos admitir que
Judas se converteu após a ressurreição de Jesus Cristo e que se
tornou, da mesma forma que Tiago, um líder da comunidade cristã da
Palestina. Se a rejeitamos, podemos ficar com Kümmel aderindo à
hipótese de pseudonímia uma vez que a tradição não nos aponta
nenhum outro Judas com suficiente gabarito para assumir a autoria.
Na segunda epístola de Pedro o autor se identifica como Simão
Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo. Se aceitamos essa
declaração como verdadeira atribuímos a autoria dessa carta ao
mesmo autor de I Pedro. Essa hipótese é reforçada pelo fato de que
nesta epístola o autor faz referências a episódios do ministério terreno
de Jesus Cristo (transfiguração) mas é enfraquecida pelas
divergências de redação entre os dois livros. Caso contrário, seremos
forçados a optar pela hipótese de pseudonímia.
Objetivo teológico
O tipo de problemática encontrado nesses dois livros é semelhante
ao que já estudamos na epístola aos colossenses e nas joaninas. São
livros escritos para combater o trabalho de falsos profetas que
estavam difundindo heresias no seio das comunidades primitivas. É
fato que os conteúdos das diversas pregações hereges não
255
coincidiam, mas o problema é essencialmente o mesmo. Esse dado
fortalece a posição de Kümmel que data esses livros do século II.
O problema teológico abordado pelos dois livros é o mesmo: o retardo
na parusia com consequente proliferação de explicações alternativas.
Esse tipo de problemática favorece a datação desses livros para o
segundo século e, portanto, favorece também a hipótese de
pseudonímia. Em concordância com essa posição está a referência
da segunda epístola de Pedro (II Pd.3.16) na qual as epístolas de
Paulo são mencionadas com autoridade idêntica à do Antigo
Testamento, o que nos leva a admitir que na época em que esses
livros foram escritos já havia se iniciado o processo de canonização
do corpus paulino o que não podia ter ocorrido no Século I.
As declarações que são atribuídas a estes mestres nestas duas
epístolas permitem classificá-los como gnósticos, os quais só se
tornaram importantes no final do primeiro século. A grande prova da
falsidade de seus propósitos está na sua forma de vida. Eles mesmos
não seguiam as coisas que ensinavam, gostavam de honras, de
festas, de bebedices e de glutonarias.
Canonização
Essas epístolas não são citadas nos cânones de Marcion e de
Muratori que são os mais antigos conhecidos. O fato de os dois livros
fazerem citações literais de obras não canônicas (Enoque Etíope e
Ascensão de Moisés) foi o determinante do retardo para a sua
canonização, especialmente porque a referência a Enoque classifica
essa obra como uma profecia, isto é um livro cuja inspiração era
reconhecida naquele tempo
256
Bibliografia Recomendada
1. ALAND, K. & ALAND, B. O texto do Novo Testamento,
Tradução de Vilson Scholz, Barueri, SP, Sociedade Bíblica do
Brasil, SP, 2013.
1. BITTENCOURT, B. P. O Novo Testamento: metodologia da
pesquisa textual. 3ª ed. RJ: JUERP, 1993.
2. BOCK, D. L. Os Evangelhos Perdidos: A verdade por trás
dos textos que não entraram na Bíblia, Trad. Emirson
Justino, Rio de Janeiro, 2007. 275 p.
3. BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São
Paulo, Paulinas, 2004. 1135 p.
4. BROWN, R. E. As igrejas dos apóstolos, São Paulo,
Paulinas, 1986.
5. BROWN, R. E. A comunidade do discípulo amado, São
Paulo, Paulinas, 1983, 209 pp.
6. BRUCE, F. F. Merece confiança o Novo Testamento? 2ª ed.
SP: Vida Nova, 1990.
7. BRUCE, F. F. Paulo, o apóstolo da graça – sua vida, cartas
e teologia, São Paulo, Shedd, 2003.
8. CARREZ, M., DORNIER, P., DUMAIS, M & TRIMAILLE, M.
As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas, São Paulo,
Paulinas, 1987.
9. CARSON, D.A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao
Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1992.
10. CROSSANT, J. D. & REED, J. L., Em busca de Jesus.
Debaixo das pedras, atrás dos textos. São Paulo,
Paulinas, 2007.
11. CROSSANT, J. D. & REED, J. L., Em busca de Paulo.
Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao
Império Romano. São Paulo, Paulinas, 2007.
12. DANA, H. O mundo do Novo Testamento, Rio de Janeiro,
a
JUERP, 2 edição, 1977.
13. DODD, C. H. A interpretação do quarto evangelho, São
Paulo, Paulinas, 1977. 628 pp.
14. GUNDRY, Robert. H. Panorama do Novo Testamento.
Tradução de João Marques Bentes. 4ª ed. SP: Vida Nova,
1991.
15. HALE, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento.
3ª ed. RJ: JUERP, 1989.
16. HEYER, C.J. DEN, Paulo, um homem de dois mundos,
trad. Luiz Andrade Solano Rossi, São Paulo, Paulus, 2009.
17. HORSLEY, R. A, Paulo e o Império, religião e poder na
sociedade imperial romana, São Paulo, Paulus, 2004.
18. JEREMIAS. J. Jerusalém no Tempo de Jesus—
pesquisas de história econômico - social no período
neotestamentário. São Paulo, Paulinas, 1983.
19. KUMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982
20. KRUM-HELLER, A., A Igreja Gnóstica – Tradição
Huiracocha, Tradução de Ziéde C. Moura, São Paulo,
Madras, 2007. 158 p.
21. KÄSEMAN, E., Perspectivas Paulinas, São Paulo,
Teológica - Paulus, 2ª edição, 2003.
22. LADD, G. E. Commentary on the Revelation of John,
Grand Rapids, Eerdmans, 1a ed.1972. 308 pp.
23. LELOUP, JEAN-YVES, O Evangelho de Tomé, Petrópolis,
Vozes, 1997.
24. Mc DOWELL, E. A. A soberania de Deus na história—A
mensagem e o significado do Apocalipse, Rio de Janeiro,
JUERP, 1a ed., 1976. 178 pp.
25. MOULE, C. F. D. As origens do Novo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1979.
26. NAHMAD, C. & BAILEY, M., Ensinamentos ocultos de
Maria Madalena, Rio de Janeiro, Nova Era, 2007.
27. PACKER, J. I.; TENNEY, M.C. & WHITE Jr., W. O mundo
do Novo Testamento, São Paulo, Vida, 1981.
28. PAGELS, E. Os Evangelhos Gnósticos, Tradução de
Marisa Marta, Rio de Janeiro, objetiva, 2006. 246 p.
29. PAROSCHI, W. Origem e transmissão do texto do Novo
Testamento, Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.
30. PATTE, DANIEL, Paulo, sua fé e a força do evangelho,
São Paulo, Paulinas, 1987.
31. PLATÃO, A República, Tradução Enrico Corvisieri, São
Paulo, Best Seller, 2002.
32. REICKE, B. I., História do Tempo do Novo Testamento,
São Paulo, Paulinas, 1996.
33. ROWLEY, H. H. A importância da literatura apocalíptica,
São Paulo, Paulinas, 1980. 216 pp.
34. SALDARINI, A. J. A comunidade judaico-cristã de
Mateus, São Paulo, Paulinas, 2000. 360 p.
35. TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento: sua origem e
análise. 2ª ed. SP: Vida Nova, 1989.
36. SAÔUT, Y. Atos dos Apóstolos—ação libertadora, São
Paulo, Paulinas, 1991.
37. SANDERS, E. P., Paulo, a Lei e o Povo Judeu, São Paulo,
Paulinas, 1990.
38. SCHREINER, J. & DAUTZENBERG, G. Formas e
estruturas do Novo Testamento, São Paulo, Paulinas,
1977.
39. SCHWEITZER, A. O misticismo de Paulo, o apóstolo,
São Paulo, Fonte, 2006.
40. SHEDD, R. P. A Escatologia do Novo Testamento, São
Paulo, Nova Vida, 1991.
41. SUMMERS, R. A mensagem do Apocalipse—Digno é o
Cordeiro, Rio de Janeiro, JUERP, 2a ed., 1972. 199 pp.
42. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e
a
análise, São Paulo, Vida Nova, 2 edição, 1989.
43. VÁRIOS. Uma leitura do Apocalipse, São Paulo, Paulinas,
1983
SUMARIO
................................................................................................... 2
1. A Crítica Bíblica do Novo Testamento.................................. 3
Propósitos .............................................................................. 3
Uma introdução ao Novo Testamento ................................... 3
Quem escreveu? .................................................................... 5
Crítica Bíblica, nossa caixa de ferramentas .......................... 5
2. A crítica textual do Novo Testamento ................................. 8
Propósitos .............................................................................. 8
O objetivo e a necessidade do trabalho ................................. 8
A metodologia de trabalho .................................................... 9
Os resultados do trabalho .................................................... 12
3. A Crítica Literária do Novo Testamento ............................. 14
Propósitos ............................................................................ 14
A crítica das fontes .............................................................. 14
A crítica da forma ................................................................ 16
A crítica da redação ............................................................. 18
4. O mundo do Novo Testamento ........................................... 20
Propósitos ............................................................................ 20
Geografia Política do Império Romano .............................. 20
Panorama histórico do Império ........................................... 21
Classes sociais e distribuição de riquezas ........................... 24
A Palestina sob o Governo Romano ................................... 24
Principais cidades da Palestina. .......................................... 25
Principais governantes da Palestina .................................... 26
5. Cânon e texto do Novo Testamento .................................... 28
Propósitos ............................................................................ 28
Por que surgiu o Novo Testamento? ................................... 28
Critérios de canonicidade .................................................... 30
Pequena história do cânon................................................... 31
Nossas Bíblias ..................................................................... 33
Pequena história do texto .................................................... 34
Divergências entre textos .................................................... 36
Unidade II – Livros Históricos do Novo Testamento ............. 38
1. Os evangelhos sinóticos ...................................................... 40
Propósitos ............................................................................ 40
Que é um evangelho? .......................................................... 40
Quantos evangelhos foram escritos? ................................... 41
Por que quatro evangelhos no Novo Testamento? .............. 44
A árvore genealógica dos evangelhos ................................. 45
Conclusão ............................................................................ 45
2. O Evangelho segundo Marcos ............................................ 47
Propósitos ............................................................................ 47
Introdução ........................................................................... 47
O problema da autoria ......................................................... 47
Data, local de composição e primeiros leitores................... 48
Objetivo e mensagem central .............................................. 49
A estrutura do livro ............................................................. 50
Aspecto em destaque – O término longo do evangelho ...... 51
3. O evangelho segundo Mateus ............................................. 52
Propósitos ............................................................................ 52
Introdução ........................................................................... 52
O problema da autoria ......................................................... 52
Data, local de escrita e primeiros leitores. .......................... 53
Objetivo e mensagem central .............................................. 54
Conteúdo e plano ................................................................ 56
Destaques e peculiaridades ................................................. 57
4. A obra lucana, parte I – O evangelho .................................. 59
Propósitos ............................................................................ 59
Autoria – evidências externas ............................................. 59
Autoria – evidências internas .............................................. 59
Fontes e metodologia de trabalho do autor ......................... 61
Data e local de composição e primeiros leitores ................. 62
Objetivo e mensagem central .............................................. 63
Divisões ............................................................................... 63
5. A obra lucana, parte II – Atos dos Apóstolos ...................... 65
Propósitos ............................................................................ 65
Fontes e metodologia de trabalho do autor ......................... 65
Data e local de composição ................................................. 66
Propósito do autor e plano da obra...................................... 66
Estudo do conteúdo ............................................................. 68
Grandes temas do livro de Atos dos apóstolos .................... 70
Unidade III – Literatura Paulina ............................................. 72
1. Paulo e o Cristianismo do primeiro século ......................... 73
Propósitos ............................................................................ 73
Paulo, o cidadão romano. .................................................... 73
O Cristianismo do primeiro século ..................................... 75
As comunidades .................................................................. 76
2. O início de um Novo Testamento........................................ 80
Propósitos ............................................................................ 80
As motivações para a escrita das epístolas.......................... 80
As condições para o surgimento das epístolas .................... 82
A estrutura das epístolas ...................................................... 84
Que problemas as epístolas procuravam resolver? ............. 84
As epístolas de Paulo (O corpus paulino). .......................... 87
As epístolas Gerais. ............................................................. 89
A visão da Crítica Bíblica Moderna .................................... 89
3. As primeiras epístolas de Paulo .......................................... 92
Propósitos ............................................................................ 92
A cidade de Tessalônica e sua comunidade cristã. .............. 92
Onde, quando e por que foram escritas estas epístolas. ...... 93
Tema .................................................................................... 93
Conteúdo das epístolas ........................................................ 95
Os grandes temas das primeiras epístolas ........................... 96
............................................................................................... 103
4. A primeira epístola de Paulo aos Coríntios ....................... 104
Propósitos .......................................................................... 104
A cidade de Corinto........................................................... 104
A comunidade cristã de Corinto ........................................ 105
A epístola........................................................................... 105
Os grandes temas da epístola ............................................ 106
................................................................................................111
5. A segunda epístola de Paulo aos Coríntios........................ 112
Propósitos .......................................................................... 112
Autoria, integridade, data e local de composição. ............ 112
Conteúdo da epístola ......................................................... 113
Os grandes temas da epístola ............................................ 113
Quem eram os inimigos de Paulo? .................................... 114
A defesa final de Paulo, seu “curriculum vitae” ............... 117
A oferta para os pobres da Judeia (II Co.9.1-5). ............... 117
............................................................................................... 119
6. A epístola de Paulo aos Gálatas......................................... 120
Propósitos .......................................................................... 120
A região chamada Galácia................................................. 120
Motivação – resposta aos judaizantes ............................... 121
Autoria, tempo e local de composição .............................. 122
Esboço da Epístola ............................................................ 122
Análise do conteúdo .......................................................... 123
A fonte do conhecimento de Paulo ................................... 123
Gálatas e Tiago .................................................................. 124
Liberdade e vida no Espírito ............................................. 124
Paulo e a escravidão .......................................................... 124
7. A epístola de Paulo aos Romanos ..................................... 126
Propósitos .......................................................................... 126
A Cidade de Roma ............................................................ 126
A comunidade cristã de Roma .......................................... 127
Autoria, tempo e local de composição .............................. 127
Propósito da Epístola ........................................................ 128
Tema .................................................................................. 128
Divisões ............................................................................. 129
Destaque – a cultura secular de Paulo ............................... 131
8. A epístola de Paulo aos Efésios ......................................... 133
Propósitos .......................................................................... 133
A autenticidade da autoria desta epístola .......................... 133
Tempo, local e objetivo teológico. .................................... 135
Divisões ............................................................................. 135
Os grandes temas de Efésios ............................................. 136
9. A epístola de Paulo aos Filipenses .................................... 139
Propósitos .......................................................................... 139
A cidade de Filipos e sua comunidade cristã .................... 139
Tempo, e local de composição e objetivo teológico ......... 140
Tema .................................................................................. 141
Divisões ............................................................................. 141
A Cristologia de Filipenses ............................................... 141
O cuidado contra a falsa circuncisão................................. 142
10. Epístolas aos Colossenses e a Filemon ........................... 143
Propósitos .......................................................................... 143
A cidade de Colossos e os destinatários desta epístola. .... 143
Objetivo teológico – a heresia colossense......................... 144
Tema .................................................................................. 145
Divisões ............................................................................. 145
A cristologia cósmica ........................................................ 145
A epístola a Filemon ......................................................... 146
11. As epístolas pastorais ...................................................... 147
Propósitos .......................................................................... 147
Que são as epístolas pastorais? ......................................... 147
Tempo e local de Composição .......................................... 148
A autoria paulina ............................................................... 148
Os falsos doutores ............................................................. 148
Conteúdo das epístolas ...................................................... 149
1. A comunidade joanina e sua literatura .............................. 152
Propósitos .......................................................................... 152
Que é uma comunidade? ................................................... 152
História da comunidade joanina ........................................ 156
2. O quarto evangelho ........................................................... 162
Propósitos .......................................................................... 162
O problema da autoria ....................................................... 162
Data e local de composição ............................................... 164
Objetivo teológico e mensagem central ............................ 164
Parte 1: O livro dos sinais – O testemunho de Deus ......... 165
Os testemunhos dos homens ............................................. 168
Parte 2: O livro da Paixão ................................................. 169
Texto em discussão: O livramento da mulher pecadora (João
7.53 – 8.11) ....................................................................... 169
Esboço do livro ................................................................. 169
3. Gnosticismo ...................................................................... 172
Propósitos .......................................................................... 172
O que é Gnosticismo? ....................................................... 172
Quando o Gnosticismo foi importante? ............................ 174
Quais foram as principais escolas gnósticas? ................... 174
Quais foram as principais obras do Gnosticismo? ............ 175
Quais foram as suas principais doutrinas? ........................ 178
Teologia ............................................................................. 178
Cosmogonia e antropologia .............................................. 178
Escatologia e soteriologia ................................................. 180
Cristologia – o docetismo ................................................. 181
Hamartologia – a origem do mal, o pecado e o perdão..... 182
Ressurreição – negavam a ressurreição. ........................... 183
Paracletologia – o espírito democratizado ........................ 183
Ritos e práticas gnósticas .................................................. 183
Os pais anti–gnósticos....................................................... 185
Conclusão .......................................................................... 187
4. As epístolas joaninas ......................................................... 189
Propósitos .......................................................................... 189
O Problema Joanino .......................................................... 189
O problema da autoria ....................................................... 190
A dissidência joanina e sua heresia ................................... 191
A resposta do autor das epístolas ...................................... 192
A refutação dos ensinos gnósticos .................................... 193
A escatologia das epístolas ................................................ 194
Texto em discussão – o Coma Joanino ............................. 194
Unidade VI – Literatura Apocalíptica ................................... 196
1. Literatura apocalíptica do Novo Testamento .................... 197
Propósitos .......................................................................... 197
Apocalíptica, uma revisão ................................................. 197
A literatura apocalíptica do Novo Testamento .................. 199
2. O Apocalipse de João ........................................................ 203
Propósitos .......................................................................... 203
Autoria .............................................................................. 203
Tempo de composição ....................................................... 205
Destinatários...................................................................... 206
Objetivo Teológico ............................................................ 206
Estrutura do Livro ............................................................. 207
Parte epistolar profética (capítulos 1-3) ............................ 207
Parte apocalíptica (capítulos 4 – 21) ................................. 209
Primeira narrativa (capítulos 4-11) ................................... 210
Segunda narrativa (capítulos 12-22) ................................. 212
Conclusão .......................................................................... 215
3. Desenvolvimento histórico da escatologia cristã .............. 217
Propósitos .......................................................................... 217
Introdução ......................................................................... 217
As escatologias do período apostólico .............................. 217
A escatologia do período pós-apostólico .......................... 218
A escatologia agostiniana .................................................. 220
A escatologia da Reforma Protestante .............................. 220
A escatologia futurista ou pré-milenista............................ 221
O método da formação histórica ....................................... 222
A escatologia pós – milenista ............................................ 223
Posição dos batistas brasileiros ......................................... 223
4. Um ensaio de interpretação do apocalipse ........................ 225
Os números inteiros .......................................................... 225
Os números fracionários ................................................... 234
As cidades ......................................................................... 236
Animais terríveis, símbolos de poder ................................ 237
Unidade VI – Epístolas Gerais .............................................. 239
1. Epístola aos Hebreus ......................................................... 240
Propósitos .......................................................................... 240
Autoria .............................................................................. 240
Destinatários...................................................................... 242
Data ................................................................................... 242
Propósito – uma advertência contra a apostasia................ 243
Esboço (segundo a Bíblia vida nova) ................................ 243
Destaque – a questão sobre a perda da salvação ............... 244
2. Epístola de Tiago ............................................................... 246
Propósitos .......................................................................... 246
Autoria .............................................................................. 246
Destinatários...................................................................... 247
Tempo e local de composição ........................................... 248
Estilo literário e propósito teológico ................................. 248
Esboço ............................................................................... 249
3. Primeira epístola de Pedro ................................................ 250
Propósitos .......................................................................... 250
Autoria .............................................................................. 250
Destinatários...................................................................... 252
Data e local de composição ............................................... 252
Objetivo teológico ............................................................. 252
Esboço ............................................................................... 253
4. Epístola de Judas e segunda epístola de Pedro ................. 254
Propósitos .......................................................................... 254
Dependência Literária ....................................................... 254
Autoria .............................................................................. 255
Objetivo teológico ............................................................. 255
Canonização ...................................................................... 256