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UMA AUTOBIOGRAFIA
IACOCCA
UMA AUTOBIOGRAFIA
LEE IACOCCA
Tradução
Adail U. Sobral
Maria Stela Gonçalves
Digitalização: Argonauta
À minha querida Mary,
por sua coragem...
e sua devoção
ÍNDICE
Agradecimentos 11
Introdução 13
Prólogo 15
MADE IN AMERICA
I A família 21
II Os tempos de escola 32
A HISTÓRIA DA FORD
A HISTÓRIA DA CHRYSLER
CONVERSA FRANCA
XXV Como salvar vidas na estrada 345
XXVI O alto custo da mão-de-obra 356
XXVII O desafio japonês 368
XXVIII Redescobrindo o sonho americano 379
7
INTRODUÇÃO
8
A verdade é que escrevi este livro para esclarecer as coisas (e
para esclarecer a minha cabeça), para contar a história da minha vi-
da na Ford e na Chrysler da maneira como realmente aconteceu.
Enquanto trabalhava no livro e revivia minha vida, ficava pensando
em todos os jovens que encontro quando falo em universidades e
em escolas de administração. Se este livro puder dar a eles um qua-
dro realista da emoção e do desafio que há no mundo dos grandes
negócios nos Estados Unidos de hoje, e transmitir uma idéia daqui-
lo pelo que vale a pena lutar, então todo este trabalho intenso terá
servido para alguma coisa.
9
PRÓLOGO
13
MADE IN
AMERICA
I
A FAMÍLIA
Em 1971, dois anos antes da morte do meu pai, dei uma festa
enorme para comemorar o 50º aniversário de seu casamento. Eu ti-
nha um primo que trabalhava na U. S. Mint e o encarreguei de es-
culpir uma medalha de ouro, representando meus pais, de um lado,
e a igrejinha italiana onde se casaram, do outro. Na festa, cada con-
vidado recebeu uma cópia da medalha em bronze.
Nesse mesmo ano, minha mulher e eu levamos meus pais à Itá-
lia, para visitarem sua cidade natal e encontrarem os velhos amigos
e a família. Já nessa época, sabíamos que meu pai estava com leu-
cemia. Submetia-se a transfusões de sangue a cada duas semanas e
estava perdendo peso sistematicamente. Certa vez, nós nos perde-
mos dele por algumas horas e ficamos com medo de que tivesse
25
perdido a consciência ou sofrido um colapso. Finalmente, o encon-
tramos numa loja minúscula, em Amalfi; entusiasmado, ele estava
comprando souvenirs de cerâmica para dar a todos os amigos quan-
do voltasse para casa.
Bem perto do final, em 1973, ele ainda tentava aproveitar a vi-
da. Não podia dançar ou comer como antes, mas se mostrava firme
e determinado a viver. De qualquer forma, seus dois últimos anos
de vida foram duros para ele, e para todos nós também. Era difícil
vê-lo tão vulnerável — e mais ainda aceitar isso.
Hoje, quando me lembro de meu pai, vejo apenas um homem
extremamente vigoroso e enérgico. Certa vez, eu estava em Palm
Springs participando de um encontro com revendedores da Ford e
convidei meu pai para tirar umas férias curtas. Quando o encontro
acabou, alguns de nós saímos para jogar golfe. Embora meu pai
nunca tivesse estado num campo de golfe em toda a sua vida, nós o
convidamos para ir conosco.
Assim que bateu na bola, ele saiu correndo atrás dela — setenta
anos, e correndo o tempo todo. Tive que ficar lembrando: "Calma,
papai. O golfe é um jogo para andar\"
Mas meu pai não deu bola. Sempre dizia: "Para que andar se a
gente pode correr?"
26
II
OS TEMPOS DE
ESCOLA
E
U tinha onze anos quando aprendi
que éramos italianos. Até então, sabia que tínhamos vindo de
um país real, mas não sabia como se chamava e onde ficava. Eu me
lembro que cheguei até a procurar, num mapa da Europa, lugares
chamados Dago e Wop.
Naquela época, principalmente quando se morava numa cidade
pequena, o fato de ser italiano era algo que se tentava esconder.
Quase todo mundo em Allentown era holandês da Pennsylvania e,
quando eu era garoto, sofri muitos insultos por ser diferente.
As vezes eu brigava com os meninos que me insultavam. Mas
sempre me lembrava do conselho de meu pai: "Se ele for maior que
você, não brigue. Use a sua cabeça ao invés de usar os punhos".
Infelizmente, o preconceito contra os italianos não se limitava
às pessoas da minha idade. Houve mesmo alguns professores que
me chamavam, cochichando, de "carcamaninho".
Meus problemas étnicos chegaram ao auge no dia 13 de junho
de 1933, quando estava na terceira série. Tenho certeza de que a da-
ta era essa, porque 13 de junho é dia de Santo Antônio, um grande
Termos pejorativos equivalentes a "carcamano", "macarrone", etc. (N. do T.)
27
acontecimento na nossa família. O nome de minha mãe é Antoi-
nette, e Anthony é o meu segundo; então, todos os anos, no dia 13
de junho, dávamos uma festa lá em casa.
Para marcar a ocasião, minha mãe fazia pizza. Ela nasceu em
Nápoles, o berço da pizza. Até hoje, minha mãe faz as melhores
pizzas do país, senão do mundo inteiro.
Naquele ano fizemos uma festa particularmente bonita, com
nossos amigos e parentes. Como sempre, havia um grande barril de
cerveja. Apesar de só ter nove anos, eu tinha permissão para beber
um pouco — desde que estivesse em casa, sob estrita vigilância.
Deve ser por isso que eu nunca tomei um porre no colégio ou na fa-
culdade. Na nossa família, o álcool (particularmente vinho tinto fei-
to em casa) fazia parte da vida — mas sempre com moderação.
Bem, naquela época, praticamente não se conhecia pizza nos
Estados Unidos. Hoje, naturalmente, disputa com o hambúrguer e o
frango frito a preferência dos americanos. Mas naquela época nin-
guém, além dos italianos, tinha ouvido falar em pizza.
Na manhã seguinte à festa, comecei a fazer alarde entre os ou-
tros meninos da escola: "Rapaz, que festa ontem à noite!"
"Ah, é?", alguém perguntou. "Que tipo de festa?"
"Uma"festa de pizza", respondi.
"Uma festa de pizza? Que palavra carcamana estúpida é essa?"
E todos começaram a rir.
"Esperem aí", disse eu. "Vocês todos gostam de torta." Todos
eram bem gordinhos, por isso eu sabia o que estava dizendo. "Bem,
sabem o que é uma pizza? É uma torta de tomates."
Eu devia ter desistido enquanto estava por cima, porque eles fi-
caram histéricos. Não tinham a menor idéia do que eu estava falan-
do. Mas sabiam que, se era italiano, devia ser ruim. A única coisa
boa de todo esse incidente foi que ele aconteceu perto do final do
ano escolar. O episódio da pizza foi esquecido durante o verão.
Mas eu nunca o esqueci. Aqueles garotos eram criados na base
de torta de melado, mas eu nunca ri deles por comerem melado no
café da manhã. Diabo, hoje não se vêem barracas de torta de mela-
do em nenhum lugar dos Estados Unidos. Mas, para um menino de
nove anos, não é nenhum consolo pensar que algum dia vai ser con-
siderado precursor de alguma coisa.
Não fui a única vítima da intolerância na minha classe. Tam-
bém havia duas crianças judias, e eu me dava muito bem com elas.
Dorothy Warsaw sempre foi a primeira da classe e eu, geralmente,
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era o segundo. O outro menino judeu, Benamie Sussman, era filho
de um judeu ortodoxo que usava um chapéu preto e era barbudo.
Em Allentown, os Sussmans eram tratados como párias.
As outras crianças afastavam-se dessas duas como se elas tives-
sem lepra. No começo eu não entendia por quê. Mas, quando estava
na terceira série, comecei a entender o que significava. Como italia-
no, eu era considerado um pouco melhor que as crianças judias. Até
chegar ao colegial, eu nunca tinha visto um negro em Allentown.
Ser exposto à intolerância quando menino deixou marcas em
mim. Eu me lembro nitidamente dessas passagens, e ainda sinto um
gosto amargo na boca.
Infelizmente, testemunhei muitos preconceitos, mesmo depois
de deixar Allentown. Então, o preconceito não vinha de crianças de
escola, mas de homens bem situados, de grande poder e prestígio na
indústria automobilística. Em 1981, quando nomeei Gerald Green-
wald vice-presidente da Chrysler, soube que essa decisão não tinha
precedentes. Até então, nenhum judeu jamais tinha galgado a escala
superior das três grandes montadoras. Acho difícil acreditar que ne-
nhum deles fosse qualificado.
Fazendo um retrospecto, lembro-me de certos episódios da mi-
nha infância que me fizeram descobrir, à força, como funciona o
mundo dos adultos. Quando eu estava na sexta série, houve uma e-
leição para capitão da patrulha de alunos. Todos os patrulheiros u-
savam cinturões brancos com um distintivo de prata, mas o tenente
e o capitão usavam uniformes especiais, com distintivos especiais.
Eu acalentava a idéia de vestir aquele uniforme, e estava determi-
nado a ser o capitão.
Quando a votação acabou, eu tinha perdido para outro garoto,
por uma margem de vinte e dois a vinte. Estava amargamente de-
cepcionado. No dia seguinte, um sábado, fui à matinê do cinema lo-
cal, onde costumávamos ver os filmes de Tom Mix.
Na minha frente sentou-se o maior garoto da nossa classe. Ele
olhou em volta, me viu e disse: "Seu italiano estúpido, você perdeu
a eleição",
"Eu sei", disse eu. "Mas por que você está me chamando de es-
túpido?"
"Ora", ele disse. "Somos trinta e oito garotos na classe. Mas
quarenta e dois votaram. Os carcamanos não sabem nem contar?"
Meu adversário tinha colocado votos falsos na urna. Contei pa-
ra a professora que algumas crianças tinham votado duas vezes.
29
"Deixe isso pra lá", disse-me ela.
Ela não queria escândalos, e escondeu o que tinha acontecido.
Esse incidente teve um profundo efeito em mim. Foi a minha pri-
meira — e dramática — lição de que a vida nem sempre é um mar
de rosas.
30
O ano seguinte foi decisivo. Tive febre reumática. Quase morri
de susto quando senti uma palpitação no coração, pela primeira vez.
Pensei que meu coração fosse sair pela boca. O médico disse: "Não
se preocupe. Ponha uma compressa de gelo sobre ele". Fiquei em
pânico: que diabo estou fazendo com todo esse gelo no peito? Devo
estar morrendo!
Naquela época as pessoas realmente morriam de febre reumáti-
ca. O tratamento era à base de pílulas de casca de bétula para acabar
com a infecção. Eram tão fortes, que a gente tinha que tomar pílulas
antiácidas a cada quinze minutos para evitar vômitos (hoje, natu-
ralmente, usam-se antibióticos).
A febre reumática é sempre um risco para o coração. Mas eu
tive sorte. Embora tenha perdido uns vinte quilos e ficado de cama
durante seis meses, acabei me recuperando totalmente. Mas nunca
me esqueci daquelas talas com chumaços de algodão embebido em
óleo de gaultéria, para diminuir a dor horrorosa nos joelhos, torno-
zelos, cotovelos e pulsos. Realmente aliviavam a dor na parte inter-
na, mas às custas de queimaduras de terceiro grau na parte externa.
Hoje parece um método primitivo — mas ainda não se tinha inven-
tado o Darvon nem o Demerol.
Antes de ficar doente, fui um jogador de beisebol bastante
bom. Eu era um grande fã dos Yankees, e Joe Di Maggio, Tony
Lazzeri e Frankie Crossetti — todos eles italianos — eram meus
verdadeiros heróis. Como muitos meninos, eu sonhava em jogar nas
maiores equipes. Mas minha longa doença mudou tudo isso. Desisti
dos esportes e comecei a jogar xadrez, bridge e especialmente pô-
quer. Ainda adoro jogar pôquer, e geralmente ganho. É um ótimo
jogo para se aprender quando explorar uma vantagem, quando re-
cuar e quando blefar. (Isto foi muito útil anos mais tarde, durante
difíceis negociações com os sindicatos!)
Acima de tudo, enquanto fiquei de cama, voltei-me para os li-
vros. Lia como louco — qualquer coisa que me viesse às mãos.
Gostei especialmente das histórias de John O'Hara. Minha tia me
deu Encontro em Samarra, que era considerado um livro muito sujo
naquela época. Quando o médico viu o livro na minha cama, quase
o jogou fora. Na opinião dele, não era o tipo de leitura ideal para
um adolescente com palpitações no coração.
Anos mais tarde, quando Gail Sheehy veio me entrevistar para
Esquire, mencionei Encontro em Samarra. Ela disse que se tratava
31
de um romance sobre executivos e me perguntou se eu achava que
o livro tinha influenciado minha carreira. Ora, claro que não!
A única coisa de que consegui me lembrar a respeito do livro é
que ele tinha despertado meu interesse por sexo.
Devo ter lido também a minha cota de livros escolares, porque
todo ano, no colégio, eu terminava como um dos primeiros da clas-
se, com conceito A em matemática. Participava do clube de latim e
ganhei um prêmio por ter sido o melhor aluno de latim por três anos
seguidos. Em quarenta anos, nunca precisei usar uma palavra de la-
tim! Mas me ajudou muito no meu vocabulário em inglês, e além
disso eu era um dos poucos garotos que conseguiam acompanhar o
padre na missa dominical. Então, o Papa João mudou o idioma da
missa para o inglês, e acabou-se!
Ser bom aluno era muito importante para mim — mas não era
o suficiente. Eu sempre estava muito envolvido em atividades ex-
tracurriculares. No colégio, participava ativamente do clube de tea-
tro e da equipe de debates. Depois da minha doença, quando já não
podia participar muito de atletismo, tornei-me dirigente da equipe
de natação. Isto quer dizer que eu carregava as toalhas e lavava os
maiôs.
Mais tarde, na sétima série, desenvolvi uma grande paixão por
jazz e swing. Era a época das grandes bandas, e meus amigos e eu
íamos ouvi-las todos os fins de semana.
Geralmente eu só ouvia essas bandas, embora soubesse dançar
bem o shag e o lindy hop. íamos ao Empire Balroom, em Allen-
town, e ao Sunnybrook, em Pottstown, Pennsylvania. Quando podia
me dar ao luxo, eu me metia no Hotel Pennsylvania, em New York,
ou no Meadowbrook de Frank Daley, no Pompton Turnpike. Certa
vez, vi Tommy Dorsey e Glenn Miller numa "Batalha das Orques-
tras" — tudo por oitenta e oito centavos. Naquela época, a música
era minha vida. Assinava o Downbeat e o Metronome e sabia o no-
me de todos os coadjuvantes das principais bandas.
Nessa época, comecei a tocar saxofone-tenor. Cheguei até a ser
convidado para tocar o primeiro trompete na banda da escola. Mas
desisti da música para entrar na política. Quis ser representante de
classe, na sétima e na oitava séries — e fui.
Na nona série candidatei-me a representante da escola toda.
Jimmy Leiby, meu amigo íntimo, era um gênio. Tornou-se o coor-
Passos de dança usuais nos Estados Unidos dos anos 30. (N.do T.)
32
denador da minha campanha e criou uma verdadeira máquina polí-
tica. Venci a eleição por uma maioria esmagadora de votos, e isto
me subiu à cabeça. Como se dizia naquele tempo, eu me achava o
bacana.
Mas, depois de eleito, perdi contato com o meu eleitorado. Eu
me julgava superior aos outros garotos, e comecei a ficar esnobe.
Ainda não tinha aprendido o que sei agora — que a capacidade de
comunicação é tudo.
O resultado foi que perdi a eleição no segundo semestre. Foi
um golpe terrível. Eu tinha desistido da música para entrar no cen-
tro estudantil, e agora minha carreira política se interrompia porque
eu tinha esquecido de apertar as mãos das pessoas e de ser amável.
Foi uma lição importante a respeito de liderança.
Apesar de todas as minhas atividades extracurriculares, ainda
consegui me formar em décimo segundo lugar numa turma com
mais de novecentos alunos. Para se ter uma idéia do tipo de expec-
tativas com que fui educado, a reação do meu pai foi a seguinte:
"Por que você não foi o primeiro?" Se vocês o ouvissem, pensariam
que eu tinha sido reprovado!
Na época de entrar na universidade, eu tinha uma base sólida
em áreas fundamentais: leitura, escrita e oratória. Com bons profes-
sores e capacidade de concentração, dá para chegar longe com essas
habilidades.
Anos depois, quando minhas filhas me perguntavam que cursos
deveriam escolher, eu as aconselhava a ter uma boa formação em
"artes liberais". Embora eu acredite muito na importância de apren-
der História, não me importava muito que elas decorassem todas as
datas e locais da Guerra Civil. O fundamental é ter uma base sólida
em leitura e escrita.
O trocadilho a que o autor se refere é estabelecido pelo uso da palavra nuts em
duas acepções: loucos (uso coloquial) e porcas (uso técnico). (N. do T.)
38
Além dos estudos, eu estava envolvido em muitas atividades
extracurriculares, Sem dúvida, a mais interessante foi no jornal da
escola, The Brown and White. Minha primeira tarefa como repórter
foi entrevistar um professor que tinha inventado um pequeno carro
movido a carvão (isso aconteceu anos antes da crise de energia, é
claro). Devo ter escrito um artigo muito bom, pois foi adquirido pe-
la Associated Press e publicado numa centena de jornais.
Por causa desse artigo, tornei-me o editor responsável pela dia-
gramação. Logo percebi que ali se localizava o verdadeiro poder da
imprensa. Anos depois, li o livro de Gay Talese sobre o New York
Times, em que um dos editores dizia que o cargo de maior poder em
qualquer jornal não é o do responsável pelos editoriais, mas o dos
editores encarregados das manchetes e da diagramação.
Esta lição eu já tinha aprendido. Como diagramador, logo per-
cebi que a maioria das pessoas não lê as notícias: elas se prendem
às manchetes e aos subtítulos. Isto significa que a pessoa que escre-
ve essas manchetes e esses subtítulos tem uma influência enorme
sobre a maneira como o público recebe as notícias.
Além disso, era eu que determinava a extensão de cada artigo,
com base no espaço disponível. Fiz isso com impunidade, e quase
sempre cortava duas polegadas de um bom artigo porque precisava
daquele espaço para os anúncios. Também aprendi a alterar o que
os repórteres escreviam pelo uso "criterioso" das manchetes e sub-
títulos. Mais tarde, conseguia perceber quando era enganado pelos
diagramadores dos jornais e revistas mais prestigiados do país. É
preciso ser um deles para saber!
Mesmo antes de me formar, queria trabalhar para a Ford. Eu
dirigia um velho Ford 1938 de 60 HP, que despertou meu interesse
pela companhia. Mais de uma vez aconteceu de a engrenagem da
transmissão quebrar quando eu estava subindo um morro. Parecia
que algum executivo incógnito da matriz da Ford, em Dearborn,
Michigan, tinha decidido fazer economia usando apenas 60 HP em
uma máquina V-8. Teria sido uma boa idéia — se tivessem restrin-
gido o carro a lugares planos como Iowa. Lehigh fora construída
em cima de uma montanha.
Eu costumava brincar com os amigos: "Esses caras precisam de
mim. Quem constrói um carro tão ruim precisa de ajuda".
Naquela época, ter um Ford era uma ótima maneira de apren-
der coisas sobre carros. Durante a guerra, todas as fábricas de au-
tomóveis foram utilizadas para produzir armas; não era produzido
39
nenhum carro novo. Mesmo as peças sobressalentes se tornaram ra-
ras. As pessoas costumavam procurar por elas no mercado negro ou
em ferros-velhos. Quem tinha a sorte de ter um carro, aprendia a
cuidar bem dele. A falta de carros no tempo da guerra foi tão gran-
de que, depois de me formar, vendi aquele Ford por 450 dólares.
Levando em conta que meu pai tinha comprado o carro para mim
por apenas 250 dólares, fiz um ótimo negócio.
No meu tempo de universidade, a gasolina custava apenas três
centavos e meio por litro. Mas, por causa da guerra, havia escassez.
Como estudante de engenharia, recebi um cartão C, que significava
que meus estudos eram vitais para a guerra (imagine só!). Não era
tão patriótico como estar no exterior, mas, pelo menos, era um pe-
queno símbolo de honra, que dizia que algum dia eu daria a minha
contribuição ao país. Na primavera do ano em que me formei, havia
muita procura de engenheiros. Fui a cerca de vinte entrevistas e, li-
teralmente, podia escolher onde queria trabalhar.
Mas eram os carros que me interessavam. Já que eu ainda que-
ria trabalhar na Ford, marquei um encontro com o recrutador da
companhia, cujo nome era, inacreditavelmente, Leander Hamilton
McCormick Goodheart. Ele rodou pelo campus num Mark I, um
daqueles Lincoln Continental lindos, que pareciam feitos sob medi-
da. Aquele carro me virou mesmo a cabeça. Bastou olhar para ele e
sentir o cheiro de couro do estofamento para ter vontade de traba-
lhar na Ford pelo resto da vida.
Naquela época, a política de recrutamento da Ford consistia em
visitar cinqüenta universidades e escolher um aluno de cada uma.
Isso sempre me pareceu meio estúpido. Se Isaac Newton e Albert
Einstein fossem colegas da mesma universidade, a Ford só poderia
admitir um deles. McCormick Goodheart entrevistou muitos alunos
de Lehigh, mas fui eu o escolhido pela Ford, e fiquei nas nuvens.
Depois da formatura e antes de iniciar o estágio, passei um pe-
queno período de férias com meus pais, em Shipbottom, New Jer-
sey. Enquanto estávamos lá, recebi uma carta de Bernadine Lenky,
diretora do serviço de empregos, em Lehigh. Ela incluiu na carta
um folheto que oferecia uma bolsa de estudos para pós-graduação
em Princeton; era uma subvenção que cobria anuidades, livros e
mesmo os gastos pessoais.
Bernadine disse-me que só eram concedidas duas dessas bolsas
por ano e sugeriu que eu solicitasse uma delas. "Sei que você não
estava planejando fazer pós-graduação, mas esta promete", disse e-
40
la. Escrevi a Princeton para pedir mais detalhes, e eles solicitaram o
meu histórico escolar. A primeira notícia que recebi depois disso foi
que eu tinha ganho a Wallace Memorial Fellowship.
Foi só dar uma olhada no campus, e eu já queria ir para lá. I-
maginei que, de qualquer maneira, um grau de mestre ao lado do
meu nome não prejudicaria a minha carreira.
De repente, eu tinha duas oportunidades incríveis. Falei com
McCormick Goodheart sobre o meu dilema. "Se eles querem você
em Princeton", disse ele, "vá e faça o seu mestrado. Guardaremos
seu lugar até você terminar." Era justamente o que eu esperava que
ele dissesse, e eu estava no sétimo céu.
42
A HISTÓRIA
DA FORD
III
MÃOS À OBRA
55
IV
OS CONTADORES
DE TOSTÕES
Jogo com. o som das palavras quiz (problema, enigma) e whiz (prodígio, gênio).
(N. do T.)
60
Enquanto a maioria dos executivos da indústria de automóveis
morava nos bairros residenciais de Grosse Pointe e Bloomfield Hil-
ls, McNamara morava com a esposa em Ann Arbor, perto da Uni-
versidade de Michigan. Bob era um intelectual e preferia ter como
amigos os acadêmicos, e não o pessoal do ramo de automóveis.
Também era independente em termos políticos. Num setor que a-
poiava automaticamente os republicanos do mundo dos grandes ne-
gócios, McNamara era um liberal e um democrata.
Foi um dos homens mais perspicazes que conheci; tinha um QI
fenomenal e um raciocínio cortante. Era um gigante mental. Dotado
de uma capacidade admirável de absorver os fatos, conseguia lem-
brar-se de tudo o que aprendia. Mas McNamara conhecia mais do
que os fatos reais — ele conhecia também os hipotéticos. Quando
se falava com ele, podia-se perceber que já tinha organizado na ca-
beça os detalhes relevantes do ponto de vista de todas as opções e
circunstâncias possíveis. Ele me ensinou a nunca tomar uma deci-
são importante sem ter opção pelo menos entre baunilha e chocola-
te. E se houvesse mais de cem milhões de dólares em jogo, era bom
ter morango também.
Quando se tratava de gastar grandes somas, McNamara calcula-
va as conseqüências de todas as decisões possíveis. Ao contrário da
maioria das pessoas que conheci, ele conseguia guardar na cabeça
uma dúzia de planos diferentes e apresentar todos os fatos e núme-
ros relativos a cada um deles sem jamais consultar suas anotações.
No entanto, ele me ensinou a pôr todas as minhas idéias no pa-
pel. "Você é muito eficiente cara a cara", ele costumava me dizer.
"Você conseguiria vender qualquer coisa a qualquer um. Mas esta-
mos para gastar cem milhões de dólares aqui. Vá para casa hoje à
noite e ponha sua grande idéia no papel. Se você não conseguir fa-
zer isso, é porque não trabalhou a idéia direito."
Esta foi uma lição valiosa, e a partir daí passei a seguir sua ori-
entação. Sempre que um dos meus homens tem uma idéia, eu lhe
peço para colocá-la no papel. Não quero que ninguém me venda um
plano por causa do tom da sua voz ou da força de sua personalida-
de. Seria inadmissível.
McNamara e os outros Garotos-Prodígio faziam parte de uma
nova geração de administradores que trouxe à Ford algo de que a
empresa estava precisando urgentemente: o controle das finanças.
Durante muitos anos, esta área tinha sido a mais fraca da Ford des-
61
de os tempos em que o velho Henry Ford geria suas contas rabis-
cando números nas costas de um envelope.
Os Garotos-Prodígio fizeram a Ford Motor Company entrar no
século vinte. Implantaram um sistema de controle que permitiu, pe-
la primeira vez, que cada operação da empresa fosse medida em
termos de lucros e perdas — agora, cada gerente podia ser respon-
sabilizado pelo sucesso ou fracasso financeiro de sua área.
Além dos Garotos-Prodígio, Henry Ford II contratou inúmeros
graduados na Harvard Business School. Para nós que trabalháva-
mos em vendas, planejamento de produtos e marketing, os planeja-
dores financeiros eram os intelectuais — homens com mestrado em
Administração de Empresas, que formavam uma elite dentro da
empresa. Tinham sido trazidos para pôr ordem na casa, e fizeram
seu trabalho com sucesso. Mas quando terminaram, detinham a
maior parcela do poder na Ford.
No mundo dos negócios, os homens de finanças são freqüen-
temente chamados de contadores de tostões. McNamara era o con-
tador de tostões por excelência, a síntese dos pontos fortes e fracos
da raça. Na sua versão mais aprimorada — e Bob era o seu exem-
plar supremo —, os contadores de tostões eram grandes cabeças nas
finanças e tinham uma capacidade analítica impressionante. Na é-
poca em que não havia computadores, esses caras eram os compu-
tadores.
Por sua própria natureza, os analistas financeiros tendem a ser
conservadores e pessimistas, mantendo-se na defensiva. Do outro
lado do muro está o pessoal das vendas e do marketing — agressi-
vos, especuladores, otimistas. Sempre dizem "vamos fazer", ao pas-
so que os contadores de tostões estão sempre tentando nos mostrar
as razões para não fazer. Em qualquer empresa você precisa dos
dois termos da equação, pois a tensão natural entre os dois grupos
cria um sistema próprio de checagem e de equilíbrio.
Quando os contadores de tostões são fracos demais, a empresa
acaba indo à bancarrota. Mas quando são fortes demais, a empresa
não consegue atender ao mercado ou se manter competitiva. Foi o
que aconteceu com a Ford nos anos 70. Os gerentes financeiros
passaram a se julgar as únicas pessoas prudentes da empresa. Sua
atitude era: "Se não segurarmos esses palhaços, eles vão nos fazer
quebrar". Achavam que sua tarefa era salvar a empresa dos selva-
gens sonhadores e radicais que queriam esgotar os recursos da Ford.
Mas esqueceram o quanto as coisas mudam depressa no ramo de
62
automóveis. A Ford estava morrendo para o mercado, e eles não
moviam uma palha até a reunião de discussão do orçamento do ano
seguinte.
Robert McNamara era diferente. Era um bom homem de negó-
cios, mas tinha mentalidade de defensor do consumidor. Acreditava
fervorosamente na idéia de um veículo utilitário, um carro com o
único propósito de atender às necessidades básicas das pessoas.
Achava que a oferta de muitos modelos e de muitas opções luxuo-
sas era uma frivolidade e só a aceitava pela alta margem de lucro
que propiciava. Mas McNamara era um administrador tão hábil e
tão valioso para a empresa que, apesar da sua independência ideo-
lógica, continuou a ascender no sistema.
Embora estivesse de olho na presidência da Ford, ele jamais
esperou alcançá-la. Certa vez me disse: "Não vou chegar lá, porque
Henry e eu não concordamos em nada". Sua afirmação estava certa,
mas a previsão, errada.
Mas não creio que estivesse errado a longo prazo. Bob era um
homem decidido, que lutava com todas as forças em defesa das coi-
sas em que acreditava. Henry Ford, como eu acabaria sabendo por
experiência própria, tinha o péssimo hábito de se livrar dos líderes
fortes. McNamara tornou-se presidente a 10 de novembro de 1960,
e eu fui promovido no mesmo dia ao seu antigo cargo de vice-
presidente e gerente geral da Divisão Ford. Nossa indicação coinci-
diu com a eleição de John F. Kennedy. Dias depois, quando Ken-
nedy estava formando seu gabinete, representantes do presidente e-
leito voaram para Detroit para encontrar Bob. McNamara, que entre
outras realizações havia sido professor na Harvard Business School,
foi convidado para ser o secretário do Tesouro. Ele recusou, mas
Kennedy estava impressionado com ele. Mais tarde, quando Ken-
nedy lhe ofereceu o cargo de secretário da Defesa, ele aceitou.
64
V
A CHAVE DA
ADMINISTRAÇÃO
80
VI
O MUSTANG
Para atrair os clientes jovens, qualquer carro deveria ter três ca-
racterísticas principais: estilo, ótimo desempenho e preço baixo.
Não seria fácil desenvolver um novo modelo com essas característi-
cas. Mas, se pudéssemos fazê-lo, o nosso êxito estaria garantido.
Voltamos à pesquisa e ficamos sabendo um pouco mais sobre a
transformação do mercado de automóveis. Em primeiro lugar, esta-
va aumentando muito o número de famílias com dois carros, e ge-
ralmente o segundo carro era menor e mais esportivo que o primei-
ro. Em segundo lugar, estava crescendo o número de mulheres que
compravam carro, e elas preferiam carros pequenos e fáceis de ma-
nejar. Os solteiros também apareciam em proporção cada vez maior
entre os novos compradores de carros, com preferência por modelos
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menores e mais esportivos. Finalmente, ficava claro que, nos pró-
ximos anos, os americanos teriam mais dinheiro do que nunca para
gastar em transporte e lazer.
Assim que processamos essas informações, começamos a ob-
servar o movimento de vendas do Falcon para ver o que poderíamos
descobrir a respeito dos nossos clientes. Os resultados foram sur-
preendentes. Embora o Falcon estivesse classificado como um carro
econômico e de preço baixo, muito mais clientes do que imaginá-
vamos vinham optando por transmissão automática, pneus faixa-
branca e motores mais potentes. Este foi o meu primeiro vislumbre
de um fato importante com referência a carros pequenos, que, aliás,
permanece ainda tão verdadeiro hoje como há vinte anos: o com-
prador de carros americano é tão obcecado por fazer economia, que
pagará qualquer coisa para obtê-la!
A comissão Fairlane começou a definir mais especificamente o
carro que desejávamos construir. Deveria ser pequeno — mas não
demais. O mercado para os carros de dois lugares podia estar cres-
cendo, mas limitava-se ainda a cerca de cem mil pessoas, ou seja,
um carro de dois lugares não teria apelo para a massa. Nosso carro,
portanto, deveria acomodar quatro passageiros. Em função do de-
sempenho, também teria que ser leve — nosso limite era de cerca
de mil e duzentos quilos. E, finalmente, ele tinha que ser barato.
Nosso objetivo era vendê-lo, no máximo, por dois mil e quinhentos
dólares, com acessórios.
Quanto ao estilo, eu tinha uma idéia do que queria. Em casa,
sempre folheava atentamente as páginas de um livro chamado Auto
Universum, que trazia ilustrações de todos os carros já construídos.
O modelo que sempre me chamou a atenção foi o primeiro Mark
Continental. Era o carro dos sonhos de qualquer um — ou, pelo
menos, foi o carro dos meus sonhos desde que Leander Hamilton
McCormick Goodheart passou com ele por Lehigh, em 1945. O que
distinguia o Mark era o capô longo e a traseira curta. O comprimen-
to do capô dava-lhe um aspecto de energia e de capacidade, e eu me
dei conta de que era isso que as pessoas estavam procurando.
Quanto mais o nosso grupo conversava, mais nossas idéias se
tornavam concretas. Nosso carro devia ser esportivo e ter um estilo
próprio, com um ligeiro toque de nostalgia. Devia ser de fácil iden-
tificação e diferente de tudo o que havia no mercado. Devia ser
simples de manobrar, mas com capacidade para quatro pessoas e
com espaço para um porta-malas de bom tamanho. Devia ser um
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carro esportivo, mas algo mais do que um carro esporte. Queríamos
um carro que servisse para ir ao clube de campo na sexta-feira à
noite, à paquera no sábado e à igreja no domingo.
Em outras palavras, nossa intenção era atingir várias faixas de
mercado ao mesmo tempo. Precisávamos aumentar a nossa base de
clientes potenciais, porque a única forma de produzir esse carro a
um excelente preço era vendê-lo em grande quantidade. Concorda-
mos que, em vez de oferecer várias versões diferentes do mesmo
produto, era mais viável desenvolver um carro básico, com uma
gama variada de opções. Assim, o cliente poderia comprar a eco-
nomia, o luxo ou o desempenho que desejasse — ou que pudesse
pagar.
Mas a questão era se podíamos produzir o carro. Um projeto
totalmente novo, feito a partir do zero, custaria de 300 a 400 mi-
lhões de dólares. A resposta estava em usar peças que já existissem
no sistema. Dessa forma, poderíamos economizar uma fortuna em
custos de produção. Os motores, as transmissões e os eixos das ro-
das utilizados no Falcon já existiam; se pudéssemos adaptá-los, não
precisaríamos começar do nada. Podíamos colocar o novo carro
dentro do Falcon e economizar uma fortuna. No fim, seríamos ca-
pazes de desenvolvê-lo por apenas 75 milhões de dólares.
Tudo isso parecia maravilhoso, mas não havia ninguém que
achasse viável. Dick Place, planejador de produto, disse que fazer
um carro esporte a partir do Falcon era como colocar seios postiços
na vovó. Mesmo assim designei Don Frey e Hal Sperlich para pen-
sarem na idéia. Testaram vários modelos diferentes mas, no final,
concluíram que o design e a parte externa do novo carro deviam ser
completamente originais. Podíamos manter o chassi e o motor do
Falcon, mas, como dizemos em Detroit, o carro precisava de pele e
vitrina novas — o pára-brisa, os vidros laterais e traseiros.
No final de 1961, estabelecemos nosso prazo. A inauguração
da Feira Mundial de New York estava marcada para abril de 1964 e
achamos que era a oportunidade ideal para o lançamento do nosso
carro. Embora os novos modelos sejam tradicionalmente lançados
no final do ano, tínhamos em mente um produto tão fantástico e tão
diferente, que nos atreveríamos a lançá-lo no meio da estação. Só a
Feira Mundial tinha a importância e o interesse dignos do carro dos
nossos sonhos.
Mas faltava uma peça fundamental no quebra-cabeça: ainda
não tínhamos o design. Durante os primeiros sete meses de 1962,
87
nossos estilistas produziram nada menos que dezoito protótipos, na
esperança de que um deles pudesse ser o carro que queríamos. Mui-
tos desses modelos eram fantásticos, mas nenhum deles parecia ri-
gorosamente correto.
Eu já estava ficando impaciente. Se o nosso carro tinha que fi-
car pronto em abril de 1964, precisávamos imediatamente de um
projeto. Tínhamos vinte e um meses para aprovar a idéia, chegar a
um modelo final, decidir sobre a fábrica, comprar equipamento, ar-
ranjar fontes de suprimento e combinar com as revendedoras a ven-
da do produto final. Estávamos em pleno verão de 1962; para fazer
o lançamento na Feira Mundial, era preciso estar com o protótipo
aprovado no primeiro dia de setembro, sem falta.
O tempo corria, e então decidi organizar uma competição entre
os nossos designers. No dia 27 de julho, Gene Bordinat, nosso dire-
tor de estilo, chamou três dos seus melhores funcionários. Explicou
que seus estúdios participariam de uma competição aberta, sem
precedentes, projetando pelo menos um modelo do carro esporte
pequeno que pretendíamos construir.
Os designers foram avisados de que os protótipos deveriam es-
tar prontos a 16 de agosto, para serem examinados. Estávamos exi-
gindo muito desses rapazes, pois, em condições normais, não se po-
de projetar um carro tão depressa. Mas, depois de duas semanas de
trabalho contra o relógio, havia sete modelos disponíveis, dentre os
quais a cúpula poderia fazer sua escolha.
O vencedor indiscutível foi projetado por Dave Ash, assistente
de Joe Oros, chefe de estúdio da Ford. Quando quase metade do
protótipo estava pronto, Joe me convidou para dar uma olhada. Lo-
go que o vi, uma coisa me chamou a atenção: embora estivesse no
chão do estúdio, o protótipo parecia estar se movendo.
Como para eles o carro tinha a natureza de um felino, Joe e Dave
começaram a chamá-lo de Cougar. O modelo que prepararam para a
mostra do dia 15 era branco, com rodas vermelhas. O pára-choque
traseiro do Cougar era virado para cima, formando uma pequena
traseira arrebitada. A grade da frente trazia um pequeno puma estili-
zado, dando ao modelo um toque de elegância e, ao mesmo tempo,
de força. Logo depois da apresentação, o Cougar foi levado para os
estúdios da Ford para estudos de viabilidade. Tínhamos finalmente
uma proposta concreta sendo examinada. Mas ainda não tínhamos
um carro. Para isso, precisávamos da aprovação da comissão de es-
tilo — que era composta pelos altos executivos da empresa.
88
Eu sabia que estava diante de uma batalha difícil quando co-
mecei a tentar vender o Cougar. De saída, os executivos veteranos
ainda não estavam convencidos, como nós, de que o mercado jo-
vem era uma realidade. E como a lembrança do Edsel ainda estava
viva em sua memória, mostravam-se cautelosos e reticentes quanto
ao lançamento de mais um modelo novo. Para piorar a coisas, eles
tinham se comprometido com a reorganização da linha regular dos
produtos Ford para 1965, que acarretaria uma despesa enorme. De
fato, era duvidoso que a empresa pudesse construir um outro carro
— mesmo que esse modelo pudesse ser produzido por uma quantia
relativamente pequena.
Arjay Miller, que logo se tornou o novo presidente, mandou fa-
zer um estudo sobre a nossa proposta. Ele estava bastante otimista
com relação às vendas, mas temia o canibalismo, isto é, que o su-
cesso do novo carro pudesse acontecer em detrimento dos outros
produtos da Ford, especialmente o Falcon. O estudo encomendado
por ele estimou as vendas do Cougar em oitenta e seis mil unidades.
Era um número respeitável, mas não suficiente para justificar a
grande despesa envolvida no desenvolvimento de um novo modelo.
Felizmente, Henry Ford estava agora mais receptivo com rela-
ção ao plano. Essa atitude contrastava muito com a reação dele
quando expus a idéia pela primeira vez a uma comissão de executi-
vos de alto nível. No meio do relato, Henry disse, de repente: "Vou
embora", e saiu da sala. Nunca o tinha visto tão indiferente com rela-
ção a uma idéia nova. Em casa, disse para Mary: "Meu projeto favo-
rito levou um chute hoje. Henry saiu enquanto eu estava falando".
Fiquei mesmo arrasado. Mas, já no dia seguinte, soube que a
saída abrupta de Henry nada tinha a ver com a minha exposição.
Ele estava se sentindo mal e por isso foi para casa mais cedo — e
passou as seis semanas seguintes de cama, com mononucleose.
Quando voltou, estava com uma disposição muito melhor com rela-
ção a tudo, inclusive aos planos do nosso novo carro.
Mais tarde, quando estávamos construindo o protótipo industri-
al, Henry certo dia veio dar uma olhada. Entrou no carro e declarou:
"Está um pouco apertado no banco traseiro. Acrescente mais uma
polegada para esticar as pernas".
Infelizmente, acrescentar uma polegada que seja ao interior de
um carro pode tornar-se uma proposta muito onerosa. Uma polega-
da a mais também tem implicações com relação ao estilo, e todos
nós fomos contrários à mudança. Mas também sabíamos que a deci-
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são de Henry não estava em discussão. Como ele gostava de nos
lembrar, aquele edifício tinha o seu nome. Além disso, naquela altu-
ra dos acontecimentos teríamos acrescentado mais dez polegadas, se
isso fosse o fator decisivo entre fazer o carro e perdê-lo.
Henry talvez não soubesse na época — e, de fato, pode ser que
até hoje não saiba —, mas ele também interferiu na escolha do no-
me do novo carro. Antes de decidirmos chamá-lo de Mustang, teve
muitos outros nomes. Nos estágios iniciais de planejamento, nós o
chamamos de Special Falcon. Depois que o modelo Oros-Ash foi
aceito, demos a ele o nome de Cougar. Henry queria chamá-lo de T.
Bird II, mas ninguém, além dele, gostou desse nome.
Numa reunião de estratégia de produto realizada em maio, se-
lecionamos uma lista de quatro opções: Monte Cario, Mônaco, To-
rino e Cougar. Quando soubemos que os dois primeiros nomes já
tinham sido registrados por outras empresas na Automobile Manu-
factures Association, ficamos com Torino e Cougar. Finalmente es-
colhemos Torino, que é o nome de uma cidade industrial da Itália.
Torino também conservava o tempero levemente estrangeiro, que
tanto nos tínhamos empenhado em captar. Como uma espécie de
compromisso, decidimos manter o puma estilizado como emblema
do Torino.
Quando estávamos preparando a campanha promocional para o
Torino, recebi um telefonema do homem principal de relações pú-
blicas, Charlie Moore. "Você tem que arranjar um outro nome para
o seu carro", disse ele. Ele me explicou que Henry estava se divor-
ciando e estava saindo com Cristina Vettore Austin, uma divorciada
italiana do jet-set que ele tinha conhecido numa festa em Paris. Al-
guns assessores de Henry achavam que dar um nome italiano ao
novo carro poderia levar a uma publicidade desfavorável e a mexe-
ricos e que poderia criar embaraços para o chefe.
Tínhamos que achar imediatamente outro nome. É sempre uma
luta dar nome a um carro. É a parte mais difícil de dar certo. É mais
fácil projetar portas e tetos do que acertar um nome, porque a esco-
lha é inevitavelmente subjetiva. Algumas vezes, o processo pode
ser muito emocional.
John Conley, que trabalhou para a J. Walter Thompson, nossa
agência de publicidade, era um especialista em nomes. Antes, já
havia pesquisado nomes de pássaros para o Thunderbird e para o
Falcon. Dessa vez, nós o mandamos à Biblioteca Pública de Detroit
para procurar nomes de animais. John veio com milhares de suges-
90
tões, das quais escolhemos seis: Bronco, Puma, Cheetah, Colt,
Mustang e Cougar.
Mustang era o nome de um dos protótipos do carro. Curiosa-
mente, esse nome não se referia ao cavalo selvagem das pradarias
do Oeste, mas ao legendário avião de combate da Segunda Guerra
Mundial. Não tinha importância. Todos nós gostávamos do nome
Mustang e, como disse a própria agência de publicidade, "é excitan-
te como os espaços abertos e é americano toda vida".
Na biblioteca de minha casa, ainda tenho um molde em metal
do emblema Cougar, que os designers me enviaram numa caixinha
de nogueira, com uma inscrição: "Por favor, não fique indeciso. Dê-
lhe o nome de Cougar". Não pude atender àquele pedido, mas usa-
mos o nome Cougar poucos anos depois para um carro novo muito
bonito, na divisão Lincoln-Mercury.
Logo que o Mustang foi lançado, as pessoas caçoavam, dizen-
do que o emblema do cavalo na frente do carro estava virado para o
lado errado, porque ele aparecia galopando na direção dos ponteiros
do relógio, enquanto que nas pistas de corrida americanas, os cava-
los correm no sentido anti-horário.
Minha resposta a isso sempre foi que o Mustang é um cavalo
selvagem, não um corredor domesticado. E, seja como for, eu tinha
cada vez mais certeza de que ele estava correndo no sentido certo.
Prato típico sueco. (N. do T.)
Dia 17 de abril. (N. do T.)
96
Algumas semanas depois do lançamento do Mustang, estáva-
mos submersos em cartas de clientes satisfeitos. Sempre leio a cor-
respondência dos clientes, por isso sei bem que a maioria das pes-
soas só escreve ao fabricante quando há algum problema. No caso
do Mustang, entretanto, as pessoas escreviam para expressar a sua
gratidão e o seu entusiasmo. A única queixa que recebi referia-se à
falta de Mustangs e à longa lista de espera.
Uma de minhas cartas favoritas veio de um morador do Broo-
klyn e chegou quatro dias depois do lançamento do carro. "Não me
interesso muito por carros", escrevia ele, "e tem sido assim desde
que, em sua maioria, os carros começaram a se tornar luxuosos. A-
lém disso, New York não é lugar para se ter carro. O pessoal deixa
os cachorros urinarem nas rodas. Os moleques roubam as calotas.
Os guardas de trânsito nos multam. Os pombos, na melhor das hi-
póteses, se empoleiram no carro. Sempre há confusão nas ruas. Os
ônibus nos esmagam, os táxis nos abalroam, e o preço dos estacio-
namentos exige uma segunda hipoteca da casa. O combustível custa
trinta por cento mais do que em qualquer outro lugar. O preço do
seguro é altíssimo. O distrito industrial é intransponível, a área de
Wall Street, impenetrável, ir a New Jersey é impossível".
E aqui está como ele termina: "Portanto, logo que eu conseguir
levantar a grana, vou comprar um Mustang".
Examinando os dados dos proprietários de Mustang, verifica-
mos que sua idade média era de trinta e um anos, mas um em cada
seis tinha entre quarenta e cinco e cinqüenta e quatro anos, o que
significava que o carro não se restringia aos jovens. Quase dois ter-
ços dos compradores eram casados e mais da metade havia freqüen-
tado a universidade.
Antes do fim do primeiro ano, existiam centenas de clubes de
Mustang, além de óculos de sol Mustang, chaveiros, chapéus e
Mustangs de brinquedo para crianças. Tive certeza de que tínhamos
vencido quando alguém viu um anúncio na vitrina de uma padaria:
"Nossos pães quentes estão vendendo como Mustangs"
99
VII
BIG BOY!
108
II
A CAMINHO DO
SUCESSO
Grupo de comediantes criado em 1914 por Mack Sennett: eram policiais carica-
tos sempre envolvidos era perseguições fantásticas. (N. do E.)
115
tempo, sentia pena dele. Eu não desejava que o mandato de qual-
quer presidente da empresa terminasse dessa maneira.
Mas Henry Ford nunca conseguiu demitir uma pessoa direta-
mente. Sempre teve um capanga para fazer o trabalho sujo para ele.
A única coisa que eu conseguia era me perguntar: é isso que es-
tá reservado para mim? Passei aquela noite conversando com Mary.
"Por que você não sai de lá?", ela perguntou. Mais uma vez eu fi-
quei tentado. E mais uma vez resolvi ficar.
No dia da demissão de Bunkie houve muita alegria e um gran-
de consumo de champanha. Um funcionário de Relações Públicas
cunhou uma frase que logo ficou famosa na empresa: "Henry Ford
— o primeiro — certa vez disse que a História é uma besteira. Mas
hoje Bunkie pertence à História".
Mesmo com Bunkie demitido, Henry ainda não estava disposto
a me oferecer a presidência. Ao invés disso, desdobrou o cargo em
três. Eu comandava as operações da Ford norte-americana, o que
me tornou o primeiro entre os demais. Robert Stevenson era o chefe
da Ford internacional e Robert Hampson chefiava as operações não-
automotivas.
Felizmente, o triunvirato não teve vida longa. No ano seguinte,
no dia 10 de dezembro de 1970, afinal consegui o que desejava: a
presidência da Ford.
Poucos dias antes do anúncio oficial, Henry entrou em meu es-
critório para me dizer o que tinha em mente. Lembro-me de que
pensei: "Esse é o maior presente de Natal que eu poderia receber!"
Nós nos sentamos por alguns momentos, ele com um cigarro e
eu com um charuto, e jogamos fumaça um no outro.
Assim que Henry saiu pela porta, telefonei para minha esposa.
Depois telefonei para meu pai, em Allentown, para contar a boa no-
va. Durante a sua vida longa e movimentada, meu pai teve muitos
momentos felizes, mas tenho certeza de que o meu telefonema da-
quele dia foi quase o clímax.
121
IX
DISTÚRBIOS
NO PARAÍSO
É por tudo isso que meu sucesso com o Fiesta pode ter sido um
prego no meu caixão. Nos Estados Unidos, minhas realizações não
representavam ameaça. Mas a Europa era o domínio dele. Quando
começaram a me aplaudir nas mansões enormes do Velho Mundo,
ele ficou preocupado. Henry nunca disse isso de modo explícito,
mas certos lugares eram definitivamente reservados só para ele. A
Europa era um desses lugares. Wall Street era outro.
Em 1973 e no início de 1974, começamos a ganhar uma tone-
lada de dinheiro, mesmo depois da crise da OPEP. Nossos princi-
pais administradores foram a New York falar com um grupo de cem
importantes banqueiros e analistas do mercado de ações. Henry
sempre se opunha a esses encontros. Dizia: "Não quero ficar ofere-
cendo ações por aí". Mas toda empresa de capital aberto sempre
"Vivas ao chefe", música com que é saudado o Presidente dos Estados Unidos.
(N. do E.)
128
mantinha encontros com membros da comunidade financeira. Fazia
parte da rotina dos negócios.
Quando Henry se levantou para falar naquele encontro, estava
meio bêbado. Chegou a falar coisas ininteligíveis a respeito de co-
mo a empresa estava se desenvolvendo. Ed Lundy, nosso homem
de finanças, se inclinou para o meu lado e disse: "Bem, Lee, agora é
melhor você consertar as coisas. Tente salvar a nossa situação ou
ficaremos todos parecendo idiotas".
Levantei-me e falei, e esse deve ter sido o começo do meu fim.
Na manhã seguinte, Henry me chamou. "Você está falando
com gente demais aí fora", disse ele. O que ele queria dizer é que
não havia problema se eu falasse com os revendedores ou fornece-
dores, mas eu devia evitar Wall Street. Senão iam pensar que eu es-
tava dirigindo a empresa, o que não era muito bom para ele.
Naquele mesmo dia, encontros semelhantes que tinham sido
marcados para Chicago e San Francisco foram cancelados. "Está
decidido", disse Henry. "Nunca mais vamos fazer isso de novo. Na-
da de sair para contar ao mundo o que estamos pretendendo fazer."
Henry não se importava que eu conseguisse publicidade —
contanto que fosse para os produtos. Quando fui capa do New York
Times Magazine, ele enviou um telegrama de congratulações para o
meu hotel em Roma. Mas quando passei a ser admirado em suas es-
feras de influência, ele não conseguiu agüentar.
145
XI
GUERRA DECLARADA
160
XII
O DIA SEGUINTE
166
A HISTÓRIA
DA CHRYSLER
XIII
CORTEJADO
PELA CHRYSLER
180
XIV
CANOA FURADA
187
pedaços. Dizem que num dos seus departamentos as despesas eram
estimadas pelo peso das faturas.
A Ford Motor Company tornou-se um desastre porque o velho
a dirigia de forma totalmente anômala. Não conhecia nada sobre
práticas sistematizadas de administração. Naquela época, era co-
mum as empresas serem dirigidas por empreendedores aventureiros
e não por planejadores e administradores.
Mas a situação da Chrysler era pior. Ela não podia atribuir as
condições em que se encontrava ao seu fundador, que veio de uma
outra época. O fiasco da Chrysler ocorreu trinta anos depois do sur-
gimento da administração do pós-guerra, da administração científi-
ca. É incompreensível que, em 1978, uma empresa daquela enver-
gadura fosse dirigida como uma quitanda.
Os problemas não surgiram da noite para o dia. Nos círculos
automobilísticos de Detroit, a reputação da Chrysler vinha caindo
há alguns anos. A empresa acabou sendo conhecida como o último
refúgio: se alguém não conseguia uma vaguinha em outro lugar,
sempre podia ir para a Chrysler. Os executivos da empresa eram
mais conhecidos pelas suas habilidades no golfe do que pelo seu
conhecimento sobre automóveis.
Não é de admirar que o moral em Highland Park estivesse tão
baixo. E quando o moral está baixo, o lugar se torna uma central de
boatos. Todos os tipos de segredo começam a vazar. Quando o pes-
soal está irritado e preocupado com a falência e com a perda de em-
prego, as chances de as informações vazarem são triplicadas.
A espionagem industrial na indústria automobilística é um as-
sunto que a imprensa adora abordar — e às vezes com um prazer
especial. A espionagem já foi problema na Ford. Certo dia, no iní-
cio dos anos 70, um amigo meu da Chrysler me mostrou um pacote
de documentos confidenciais da Ford que um dos seus empregados
havia comprado de um dos nossos. Mostrei os papéis a Henry, e ele
ficou fora de si. Tentou implantar um sistema para verificar a exten-
são dessa espionagem, para ver se era possível fazer alguma coisa.
Mas é praticamente impossível resolver esse problema. Tenta-
mos instalar trituradores de papel e distribuir cópias numeradas de
alguns relatórios: número 1 era de Henry, número 2 de Iacocca, etc.
Mesmo assim, ocorria vazamento de informação. Você podia até
chamar as doze pessoas que tinham tido acesso ao relatório e dizer:
"Alguém aqui está mentindo". Mas não adiantava nada. Tentei fazer
isso algumas vezes, mas nunca consegui nenhum resultado.
193
Sei de alguns casos de empresas que fizeram tudo para conse-
guir as fotografias iniciais, apesar de muito granuladas, dos futuros
carros de outra empresa. Mas geralmente essas fotografias não são
de muita utilidade para a concorrência. Por exemplo, sempre achei
que a General Motors tinha fotografias do Mustang dois anos antes
de o carro ser posto à venda. O que eles sabiam de fato? Não iriam
querer copiar o modelo antes que ele fosse lançado; e aí eles mes-
mos poderiam ver se ele estava indo bem.
Por outro lado, às vezes há trabalhos de engenharia muito ex-
clusivos em andamento, ou então é descoberta alguma forma de
aumentar a economia de combustível. Antes que você perceba, os
outros já estão com os resultados na mão. Estas coisas realmente
magoam.
Na Chrysler, o moral baixo e a quebra de sigilo se manifesta-
vam nos balanços. E por essas razões a empresa estava indo tão mal
num momento em que a indústria automobilística encerrava o me-
lhor ano da sua história. A GM e a Ford apresentavam registros de
vendas e lucros recordes. Só a GM tinha vendido cerca de 5,5 mi-
lhões de carros, enquanto a Ford vendeu 2,6 milhões. A Chrysler
como sempre estava em terceiro lugar, bem longe das outras. E, o
que é mais importante, nossa fatia no mercado americano tinha caí-
do de 12,2 para 11,1 por cento em um ano — uma redução impres-
sionante. Nossa fatia no mercado de caminhões tinha sofrido uma
queda semelhante — de 12,9 para 11,8 por cento.
O pior é que a Chrysler tinha perdido 7 por cento da lealdade
dos clientes nos últimos dois anos. Quando entrei em cena, nossa
taxa de lealdade dos clientes era de 36 por cento. A Ford tinha 53
por cento, o que significava, para eles, uma grande redução. A GM
continuava firme, em torno dos 70 por cento.
Já vínhamos tendo dificuldade para levar as pessoas a conside-
rarem a possibilidade de comprar nossos produtos. E agora as pes-
quisas nos diziam que quase dois terços das pessoas que atraíamos
até então estavam descontentes e não se dispunham a voltar a com-
prar um produto da Chrysler.
Outro aspecto que me preocupava com relação aos dados de
vendas era o fato de a Chrysler ser conhecida há muito tempo como
um fabricante de carros para pessoas mais velhas. Quando assumi, a
idade média dos compradores do Dodge e do Plymouth era mais al-
ta do que a dos compradores do Buick, do Oldsmobile, do Pontiac e
até do Mercury. Nossas pesquisas ainda indicavam que os proprie-
194
tários de veículos Chrysler em geral eram operários, mais idosos e
menos educados. Havia uma concentração maior nos Estados indus-
triais do Nordeste e Centro-Oeste do país, ao contrário do que ocor-
ria com os compradores de marcas concorrentes.
A análise demográfica tornava claro o que eu já sabia: os pro-
dutos Chrysler eram considerados sóbrios e um pouco sem graça.
Precisávamos de carros inovadores imediatamente. Neste ramo,
quem pára é superado num piscar de olhos.
O grande defensor dos consumidores norte-americanos. (N- do E.)
197
Infelizmente, houve muitos casos de Pintos que se incendiaram
ao sofrerem colisão na traseira. Houve processos contra a empresa
— centenas de processos. Em 1978, um grande julgamento em In-
diana condenou a Ford Motor Company por homicídio, por negli-
gência. A empresa foi absolvida, mas sofreu danos incalculáveis.
O Pinto tinha dois problemas. Primeiro, o tanque ficava atrás
do eixo, e por isso uma colisão mais ou menos forte na traseira po-
dia provocar incêndio. O Pinto não era o único carro com esse pro-
blema. Naquela época, todos os carros pequenos tinham o tanque
atrás do eixo. E muitos deles, ocasionalmente, se envolviam em in-
cêndios.
Mas o Pinto tinha uma mangueira no tanque de gasolina que às
vezes, numa colisão, se arrebentava com o impacto. Quando isso
acontecia, a gasolina espirrava, e freqüentemente o carro se incen-
diava.
Resistimos a fazer modificações, e isso foi muito ruim. Até
John Claybrook, o competente chefe da National Highway Trafic
Safety Administration, protégé de Nader, me disse um dia: "É uma
pena que você não possa fazer nada com relação ao Pinto. Ele real-
mente não é pior que os outros carros. O problema é muito mais de
Relações Públicas do que de engenharia".
De quem era a culpa? Uma resposta óbvia é que a culpa era da
administração da Ford — inclusive minha. Muita gente diria que as
pressões legais e de RP envolvidas numa situação desta natureza
justificam a atitude da administração no sentido de se manter im-
passível, na esperança de que o problema se resolva sozinho. No
entanto, acho razoável exigir da administração um alto padrão e in-
sistir em que se faça o que a obrigação e o bom senso exigem, se-
jam quais forem as pressões.
Mas não há nenhuma verdade na acusação de que tentamos e-
conomizar alguns dólares fazendo um carro perigoso em sã consci-
ência. A indústria automobilística muitas vezes se mostra arrogante,
mas nunca tão insensível. As pessoas que fizeram o Pinto tinham fi-
lhos na universidade que dirigiam o carro. Acreditem, ninguém é
capaz de sentar e dizer: "Vou fazer esse carro sem segurança delibe-
radamente".
Acabamos por aceitar voluntariamente a devolução de um mi-
lhão e meio de Pintos. Isso ocorreu em junho de 1978, um mês an-
tes da minha demissão.
198
Enquanto isso, na Chrysler, minha iniciação incluiu mais um
grande problema. Na primeira semana, fui a uma reunião informal
na qual se decidiu reduzir a previsão de produção em dez mil car-
ros. Na semana seguinte, houve uma reunião mais formal. Dessa
vez, cinqüenta mil carros foram sumariamente cortados da produ-
ção do primeiro trimestre de 1979.
Fiquei perplexo e angustiado. Que tipo de mentalidade de lu-
cros era aquela, que tirava carros da previsão de produção sem dis-
cutir? Fiquei horrorizado ao descobrir que não havíamos recebido
pedidos dos revendedores para construir aqueles carros e que não
havia espaço para colocar mais carros no estoque da empresa, já
abarrotado. O estoque era conhecido como banca de saldos da C-
hrysler, o que não passava de uma desculpa para manter as fábricas
produzindo sem que houvesse pedidos dos revendedores.
A intervalos regulares, a Divisão de Produção informava à Di-
visão de Vendas quantos e quais veículos estava para produzir. En-
tão cabia à Divisão de Vendas tentar vendê-los. Para mim, esse pro-
cedimento era completamente errado. A empresa contratava jovens
brilhantes, que ficavam dias e dias nos quartos de hotel, com os de-
dos colados no telefone, tentando passar os carros da banca de sal-
dos para os revendedores. E o sistema operava há muitos anos.
Muitos dos carros excedentes ficavam nos amplos estaciona-
mentos da área de Detroit. Nunca vou me esquecer da visita que fiz
ao Michigan State Fairgrounds, entupido de Chryslers, Dodges e
Plymouths que não tinham sido vendidos, um indício claro da inefi-
cácia da estrutura da empresa. O volume variava, mas o número de
carros geralmente era grande e sempre maior do que o número que
podíamos ter esperança de vender.
No verão de 1979, quando a Chrysler, pela primeira vez, se a-
proximou do governo para pedir ajuda, na banca de saldos havia oi-
tenta mil veículos. Num certo momento, esse número chegou a cem
mil, o que representava cerca de 600 milhões em estoque de produ-
tos acabados. Num momento em que o nosso capital estava desapa-
recendo e as taxas de juros estavam altas, o custo de manutenção
destes estoques era astronômico. E o pior é que os carros ficavam
ali, ao ar livre, sofrendo uma lenta deterioração.
Fabricar carros tornara-se um imenso jogo de adivinhação. Não
tinha nada a ver com o que os clientes queriam do carro, nem com o
pedido do revendedor, baseado naquilo que provavelmente o cliente
desejaria. Ao invés disso, aparecia alguém no escritório regional di-
199
zendo: "Vou colocar direção hidráulica nesse carro e transmissão
automática naquele. Vou fazer mil carros azuis e mil verdes". Se al-
gum cliente quisesse um vermelho, problema dele!
Era preciso fazer alguma coisa com todos aqueles carros. Por
isso, no final de cada mês, os escritórios da área costumavam "re-
mover o ferro-velho", e faziam uma liquidação. O pessoal de cada
área passava pelo menos uma semana por mês ao telefone, só ten-
tando esvaziar os estoques. E os revendedores acabaram se acostu-
mando com isso. Logo descobriram que se esperassem até a última
semana do mês, alguém do escritório da área ligaria para eles e ten-
taria oferecer um pacote de dez carros por um preço especial. De
uma forma ou de outra, sempre conseguiriam algum desconto no
preço total de venda. Na Ford, tínhamos feito algumas liquidações
quando os estoques estavam grandes demais. Mas, aqui, essa era a
forma normal de operação.
Como os cães de Pavlov, os revendedores se tornaram depen-
dentes dessas vendas especiais. Sabiam que chegaria o dia, e espe-
ravam. Quando ouviam o som da campainha, seu coração começava
a bater mais forte, pois agora poderiam comprar carros por um pre-
ço um pouco menor.
Eu sabia que a Chrysler nunca daria lucro enquanto não aca-
bássemos de uma vez por todas com aquele sistema. Também sabia
que a tarefa não ia ser fácil. Muita gente da empresa se havia acos-
tumado com a banca de saldos. As pessoas contavam com ela. Al-
gumas eram literalmente viciadas. Quando me propus a acabar com
esse sistema, o pessoal pensou que eu estivesse brincando. Na C-
hrysler, a banca de saldos era tão grande e estava tão incorporada à
rotina dos negócios, que era difícil imaginar o que aconteceria se
ela deixasse de existir!
Fui duro com os revendedores. Expliquei-lhes que a banca de
saldos estava afundando a empresa. Disse-lhes que não havia lugar
para uma banca de saldos em nossas operações e que essa expressão
deveria ser suprimida do nosso vocabulário. Disse que, a partir da-
quele momento, quem cuidaria dos estoques seriam eles — e não
nós. Também deixei claro que não fabricaríamos nenhum veículo se
não tivéssemos um pedido específico e que tanto a empresa como
eles lucrariam com a implantação da forma correta de operação.
Mas isso não era suficiente para aperfeiçoar nosso procedimen-
to futuro. Ainda estávamos sufocados por todos aqueles carros na
banca de saldos. Expliquei aos distribuidores: "Não podemos ven-
200
der esses automóveis e caminhões à Sears ou à J. C. Penney. Vocês
é que são nossos clientes, e de alguma forma vão ter que comprar
esses produtos de nós — e isso tem de ser feito agora. Não posso
desmontar os automóveis e devolver as peças. E vocês não podem
me deixar com meio bilhão de dólares empregados em estoque —
não importa como isso aconteceu —, enquanto fazem pedidos espe-
ciais dos carros que acham que gostariam de vender, e o resto que
se dane".
Não aconteceu da noite para o dia, mas os revendedores acaba-
ram aceitando e terminamos por nos livrar da banca de saldos. Foi
incrivelmente difícil fazer isso. Os estoques dos revendedores já es-
tavam cheios e as taxas de juros eram altas. Mas os revendedores
fizeram o que era necessário e, em alguns anos, estávamos produ-
zindo com base nos pedidos reais dos revendedores.
Dentro do novo sistema, o pessoal de vendas senta com cada
um dos nossos revendedores. Juntos, planejam o pedido do próximo
mês, além de estimar as necessidades para os dois meses seguintes.
Os revendedores se comprometem de fato conosco, e isso serve de
base para a nossa escala de produção.
O revendedor tem que fazer a parte dele; nós mantemos nossa
responsabilidade pela parte que nos cabe. Isso significa que aten-
demos direito aos pedidos, mantemos o revendedor informado e en-
tregamos um produto de qualidade no dia combinado.
Hoje o sistema tem integridade. Podemos chegar a um reven-
dedor e dizer que, se ele quiser participar num determinado pro-
grama de descontos, terá que comprar cem unidades. Ele pode pe-
gar ou largar. Mas não terá como mudar esse número, e não há uma
liquidação no. final de cada mês. Então, já não operamos num clima
de pânico diário. Hoje, a não ser que o cliente queira ficar com um
carro do próprio estoque do distribuidor, a compra é feita mediante
um pedido e ele recebe o carro em algumas semanas.
202
XV
COMPONDO A
EQUIPE
Cada milha eqüivale a 1.609 metros. (N. do E.)
213
Ford durante trinta anos como vice-presidente encarregado da área
de compras. É um homem decidido e inovador; sabia que poderia
contar com ele para descobrir uma dúzia de maneiras de fazer coi-
sas que todo mundo achava impossíveis.
"Escute, Bergie", eu lhe disse ao telefone, "estou sozinho aqui."
Tentei explicar que a Chrysler não tinha nenhum dos sistemas e or-
ganizações a que estávamos tão acostumados na Ford. Ele também
concordou em entrar no barco — primeiro como consultor e depois,
por cerca de um ano, como presidente da empresa.
Quando Paul chegou a Highland Park, ficou impressionado
com o que viu. Ele sempre vinha me dizer: "Você sabe, estou fa-
zendo a escavação, mas você não vai acreditar no que está apare-
cendo debaixo das rochas removidas". Às vezes ríamos, de tão ab-
surdo que era tudo aquilo. Depois de um ano na Chrysler, Paul re-
clamou: "Lee, estou com um relatório financeiro terrível, que diz
que perdemos um bilhão de dólares este ano. Mas não tenho ne-
nhuma análise que me explique como tivemos esse prejuízo". A ú-
nica coisa que eu podia dizer era: "Bem-vindo à Chrysler, Paul".
Como todos nós que havíamos trabalhado na Ford, Bergie es-
tava acostumado a um estilo de trabalho bastante sistemático. Na
Chrysler ele não encontrou praticamente nenhum sistema no depar-
tamento de compras, que, mesmo dentro dos critérios elásticos de
avaliação da empresa, era conhecido pela sua ineficácia. E a Chrys-
ler dependia mais de fornecedores externos do que a GM e a Ford,
que produziam boa parte de suas próprias peças.
Pelo fato de ser a menor das Três Grandes, a Chrysler nem
sempre tinha condições de conseguir os melhores preços. Para pio-
rar as coisas, a empresa não sabia tratar bem seus fornecedores, e
eles, ao longo dos anos, retribuíam na mesma moeda. Como resul-
tado, nem sempre podíamos contar com um fluxo regular de peças.
Bergie tinha um bom trabalho pela frente.
Como já mencionei, Laux, Matthias e Bergmoser interrompe-
ram a aposentadoria para me ajudar. Eu teria ficado perdido sem es-
ses companheiros. Cada um deles tinha muitos anos de experiência
e o desejo de colocar esta experiência em prática.
Por que o fizeram? Terá sido, como muita gente insinuou, por
causa da minha grande habilidade de vendedor? Certamente não.
Eles eram meus amigos. Eu sabia que eles eram do tipo que aceita
desafios, que estariam dispostos a dar uma ajuda. Acharam que po-
214
deria ser divertido. Quando não era, tocavam em frente do mesmo
jeito. Eles tinham uma qualidade essencial — força interior.
Isto se aplica, com certeza, a todos que se juntaram à nossa e-
quipe. Só pessoas com um temperamento especial poderiam agüen-
tar aquilo. Era mais que um desafio — era uma aventura. E nin-
guém fraquejou no meio do caminho. Ninguém duvidou de si mes-
mo. Ninguém caiu em desespero. Ninguém perguntou: "Por que de-
sisti de uma carreira promissora numa boa empresa para assumir is-
to aqui?" Eram homens corajosos, homens de caráter e de valor.
Sou grato a todos e a cada um deles, e jamais os esquecerei.
Tenho ainda um débito especial para com aqueles que inter-
romperam a aposentadoria. Convenhamos que a aposentadoria
compulsória é uma idéia terrível. Sempre achei ridículo alguém ser
mandado embora assim que faz sessenta e cinco anos, sejam quais
forem suas condições. Deveríamos depender dos nossos executivos
mais velhos. Eles têm a experiência. Eles têm a sabedoria.
No Japão, os mais velhos continuam a dirigir as coisas. Em
minha última viagem por lá, o mais novo profissional com quem
conversei tinha setenta e cinco anos. Não creio que esta política te-
nha feito muito mal ao Japão nos últimos anos.
Se você ainda pode trabalhar bem aos sessenta e cinco anos,
por que deveria parar? O executivo aposentado já assistiu a tudo. A-
prendeu muita coisa ao longo dos anos. Qual o problema de ter idade,
se a pessoa está saudável? Muita gente se esquece de que os nossos
padrões de saúde melhoraram de maneira considerável nas últimas
décadas. Se alguém está fisicamente bem e possui disposição para
trabalhar, por que sua capacidade não haveria de ser utilizada?
Já vi muitos executivos anunciar que se aposentarão aos cin-
qüenta e cinco anos. Então, quando fazem cinqüenta e cinco anos
sentem-se compelidos a cumprir a promessa. Falaram nisso tantas
vezes que acabaram-se comprometendo, embora não se entusias-
mem pela idéia. Acho isso trágico.
Muitos desses homens se acabam quando se aposentam. Esta-
vam acostumados à luta, a muita agitação e a correr riscos — gran-
des sucessos e grandes fracassos. E de repente vêem-se jogando
golfe e voltando para casa na hora do almoço. Vi muitos deles mor-
rer apenas alguns meses depois da aposentadoria. É verdade que o
trabalho pode nos matar. Mas não trabalhar pode ter o mesmo efeito.
215
Bem, pode-se dizer que eu estava com a defesa e o meio de
campo organizados. Faltava o ataque: para completar a equipe, eu
tinha que conseguir um bom pessoal na área de marketing. Esta é a
minha especialidade, e não me entusiasmou o nível existente na C-
hrysler. Resolvi o problema de uma forma um pouco incomum. No
dia 1º de março de 1979, convoquei uma entrevista coletiva em
New York para anunciar uma realização muito importante: estáva-
mos substituindo nossas duas agências de publicidade, Young &
Rubican e BBDO, pela Kenyon & Eckhardt (K & E), a agência de
New York que tinha sido tão eficaz no trabalho para a Divisão Lin-
coln-Mercury da Ford.
Mesmo dentro dos padrões da Madison Avenue, retirar as con-
tas de nossas agências era um ato implacável. Também representa-
va a maior mudança de uma única conta na história da publicidade.
Era uma decisão de 150 milhões de dólares, e proclamava ao mun-
do dos negócios que não tínhamos medo de tomar as medidas es-
senciais para manter a empresa de pé.
Naquela época, a K & E ainda tinha a conta de 75 milhões de
dólares da Lincoln-Mercury. Para se juntar a nós, teve que desistir
dela imediatamente. Tenho certeza de que Henry não ficou nada sa-
tisfeito ao saber da notícia, que deve ter sido um choque para ele.
Nossa campanha havia sido planejada cuidadosamente e o pessoal
da Ford só foi avisado algumas horas antes. A segurança em torno
da transação foi impressionante; quase ninguém em Detroit soube
da mudança antes de ela ser anunciada. Depois do abalo, a Young
& Rubican tornou-se a nova agência da Lincoln-Mercury. Alguns
anos depois, quando ficamos grandes demais para uma só agência,
a BBDO retomou a conta do Dodge. Assim, tudo acabou como um
"jogo das cadeiras" disputado com apostas elevadas.
As duas agências que eu substituí eram perfeitamente compe-
tentes. Mas eu tinha tanto a fazer que precisava simplificar as coi-
sas. Eu não dispunha do ano que seria necessário para trabalhar di-
reito com dois grupos totalmente novos para mim. Não tinha tempo
para lhes passar minha filosofia — ou meu jeito de agir. Por isso,
levei profissionais que me eram familiares e que me conheciam tão
bem que quando eu dava meia ordem já sabiam qual seria o resto.
Avenida de New York, onde se concentram as mais importantes agências de pu-
blicidade dos EUA. (N. do E.)
216
Na minha opinião, a K & E é a melhor do ramo. Na Ford eles
tinham criado a frase "Ford tem uma idéia melhor", embora algu-
mas pessoas da Ford não tivessem gostado dela. Achavam que seria
melhor "Ford tem a melhor idéia".
"Ford tem uma idéia melhor" foi criação de John Morrissey,
que até recentemente era presidente do conselho de operações na-
cionais da Kenyon & Eckhardt. John começou na J. Walter Thomp-
son e depois trabalhou para a Ford antes de entrar na K & E. É um
profissional muito criativo e nós estamos juntos há muito tempo.
Foi a K & E que criou o "símbolo do gato", um elemento impor-
tante na recuperação da Divisão Lincoln-Mercury. O recorde da K &
E, em 1970, quando ajudou a dobrar a parcela de mercado na Lin-
coln-Mercury, dispensa qualquer comentário. O trabalho na Lincoln-
Mercury foi duro, e durante aqueles anos aprendi que a Kenyon &
Eckhardt era capaz de operar em ritmo de crise, sob pressão.
Como a K & E tinha estado envolvida com a Ford durante trin-
ta e quatro anos, oferecemos um contrato de cinco anos, que não ti-
nha precedentes no mundo da publicidade. Também oferecemos a
oportunidade de terem um envolvimento muito maior do que qual-
quer outra agência jamais tivera até então.
Conseguir a atenção do público para um carro novo é meio
caminho andado. Quanto mais a agência se envolve, tanto melhor
para ambas as partes. Os homens da K & E foram nossos parceiros
ativos. Tornaram-se membros das nossas comissões empresariais
mais importantes, inclusive de planejamento de produtos e marke-
ting. Tornaram-se parte integrante da empresa — era quase como se
tivéssemos uma agência interna. Na verdade, o pessoal da agência
passou a ser nossa área de marketing e de comunicação.
Uma associação tão estreita entre agência e cliente nunca havia
sido tentada antes no ramo automobilístico. Mas eu sempre achei
que, se você está para gastar 100 milhões de dólares num carro no-
vo, não pode esperar que o pessoal da publicidade se torne criativo
da noite para o dia. Eles têm que se envolver com todo o processo
de desenvolvimento do carro. Têm que participar das reuniões em
que o carro é concebido. Desde o início deverão estar dando seus
pareceres como "Isto não vai vender porque. . ." ou "Não dê esse
nome porque. . .".
Uma grande vantagem desse esquema é a rapidez com que po-
demos operar agora. Uma quinta-feira, às quatro horas, decidimos
oferecer a nossos clientes uma nova taxa de financiamento de 10,9
217
por cento. A K & E começou imediatamente a filmar um comercial.
Às cinco da manhã do dia seguinte, ele estava pronto. Na sexta, es-
tava no ar. Quando algo tem que ser feito, gosto de fazer depressa.
Preciso de uma agência que possa acompanhar meu ritmo.
Uma das primeiras decisões da K & E foi recuperar o símbolo
do carneiro, usado anos antes nos caminhões Dodge e depois aban-
donado. A pesquisa da K & E demonstrou que o que as pessoas es-
peravam de um caminhão é que ele fosse forte, durável, confiável,
um produto sóbrio. E trouxeram de volta o carneiro com o lema:
"Os caminhões Dodge são resistentes como um carneiro", e coloca-
ram o símbolo nos caminhões e nos anúncios. Em pouco tempo,
nossos caminhões eram considerados em pé de igualdade com os da
Chevrolet e da Ford. Logo estávamos chamando a atenção de pes-
soas que nunca tinham pensado num produto Dodge.
Num determinado momento, quando as vendas estavam em
baixa, a agência criou um programa em que dizíamos ao público:
"Queremos que você pense num produto Chrysler. Venha e teste
um de nossos carros. Se você fizer isso e acabar comprando um car-
ro dos nossos concorrentes, nós lhe daremos cinqüenta dólares só
por ter pensado no nosso produto".
Realmente, esta idéia parecia muito ousada. Muitos revendedo-
res se rebelaram. Disseram que isso poderia gerar abusos. Mas es-
tavam errados: levamos muita gente aos showrooms e eles vende-
ram muitos carros.
Mesmo assim, os revendedores achavam aquilo um artifício
bobo, embora a empresa, e não eles, estivesse pagando os cinqüenta
dólares. Depois de alguns meses, desistimos do plano por falta de
apoio dos revendedores. Mas ainda considero aquela idéia um a-
chado.
Outra estratégia de marketing de primeira que lançamos com a
K & E foi a garantia de devolução do dinheiro. "Compre um de
nossos carros", dizíamos. "Leve-o para casa e se em trinta dias —
por qualquer razão — você não gostar dele, traga-o e receba o seu
dinheiro de volta." O único prejuízo era uma taxa de depreciação de
100 dólares, já que não podíamos vender os carros devolvidos como
novos.
Tentamos esse plano em 1981, e todo mundo em Detroit pen-
sou que tínhamos ficado loucos: "E se alguém simplesmente não
gostar do carro? E se mudar de idéia? E se a esposa do comprador
detestar a cor?"
218
Se alguma dessas coisas tivesse acontecido com freqüência, te-
ríamos ficado soterrados pelos clientes, que viriam buscar seu di-
nheiro. Só a papelada já bastaria para nos matar.
Mas, para surpresa dos céticos, o programa funcionou muito
bem. A maioria das pessoas foi razoável; algumas se aproveitaram.
Havíamos estimado que 1 por cento dos clientes devolveria os car-
ros. Surpreendentemente, o número total de devoluções não chegou
a dois décimos dessa previsão.
Também foi uma idéia revolucionária, e fico satisfeito que a
tenhamos tentado. O que importa é lembrar que estávamos fazendo
tudo para mostrar aos nossos compradores potenciais que sustentá-
vamos o que dizíamos.
Com a Kenyon & Eckhardt na nossa equipe, agora estávamos
prontos para jogar. Infelizmente, a temporada já estava na metade e
nós estávamos em último lugar. Mas, mesmo assim, achei que a
nossa volta à disputa pela liderança era questão de tempo. O que eu
não percebi é que, antes de chegar a ser um grande time de beisebol
como os New York Yankees de antigamente, teríamos de passar por
uma longa fase em que seríamos como os velhos Chicago Cubs.
219
XVI
CAI O XA DO IRÃ.
COMEÇA A CRISE.
CARSON:
"Puxa, como ele é maldoso!"
PLATÉIA:
"O que é que ele fez?"
CARSON:
"Olha, ele é tão maldoso que uma manhã dessas ligou para a
Chrysler e perguntou: 'Como vão os negócios?'"
OU:
"Não sei o que está acontecendo na Chrysler, mas esta é a pri-
meira vez que uma conferência de executivos é interrompida para
se telefonar para o 'Dial-A-Prayer'".
"Disque uma prece", orações transmitidas pelo telefone. (N. do E.)
221
Não fazia ainda três meses que eu estava na Chrysler, quando
tudo virou um inferno. No dia 16 de janeiro de 1979, o Xá perdeu o
poder no Irã. Algumas semanas depois, o preço da gasolina dobrou.
A crise de energia atingiu primeiro a Califórnia, e em maio foi ma-
téria de capa do Newsweek. Um mês depois, chegava ao Leste. No
último fim de semana de junho, era preciso ter muita sorte para en-
contrar um posto de gasolina funcionando.
Tudo isso teve um efeito devastador sobre as vendas de nossos
carros maiores, assim como sobre as vendas das peruas. A Chrysler
era líder na fabricação de peruas e furgões residenciais, e aqueles
bebedores de gasolina impressionantes foram as primeiras vítimas
quando o pânico se instalou. Em junho de 1979, os chassis e moto-
res que fornecíamos à indústria de peruas praticamente deixaram de
ser vendidos. E as vendas dos nossos furgões, outra parte conside-
rável da nossa operação, reduziram-se à metade.
Uma das críticas que o público mais faz à indústria automobi-
lística é que deveríamos ter previsto a crise de petróleo pós-Irã. Mas
se o próprio governo não tinha idéia do que estava acontecendo por
lá, como poderíamos saber?
Bem, não estávamos preparados para o Irã. Mas certamente re-
agimos. Em 1979, planejamos nossos modelos de 1983 partindo do
princípio de que, na época de seu lançamento, o galão de gasolina
estaria custando 2 dólares e meio. Então alguém gritou: "Seus bo-
bos! A gasolina está barata outra vez; queremos carros grandes!"
Se alguém tivesse dito que o preço da gasolina dobraria em
1979 mas que quatro anos depois seria o mesmo, apesar da inflação,
eu teria dito que estava maluco. Não havia como prever a crise do
Irã ou o que se seguiu a ela.
Há um mito generalizado de que as empresas americanas só ti-
nham modelos de carros errados, enquanto os fabricantes estrangei-
ros tinham justamente os carros que as pessoas queriam quando a
crise se abateu sobre nós. Mas isso não é verdade. Até a queda do
Xá, havia longas listas de espera de clientes que queriam carros
grandes com grandes motores V-8 — na verdade, não havia bebe-
dores de gasolina suficientes para atender à procura.
Quanto aos japoneses, será que realmente previram a demanda
americana por carros pequenos? Durante trinta anos, não construí-
ram outra coisa. Em qualquer momento que a mudança ocorresse,
estariam preparados.
222
Todos tínhamos carros pequenos, mas em 1978 não podíamos
entregá-los. Em janeiro de 1979, apenas algumas semanas antes da
explosão do Irã, a Datsun estava oferecendo descontos. A Toyota e
a Honda não estavam vendendo nada. Nós mesmos tínhamos milha-
res de Omnis e Horizons encalhados. E nosso pequeno Colt, fabri-
cado pela Mitsubishi, não vendia nem com um desconto de 1.000
dólares.
Tudo isso mudou da noite para o dia. Apenas dois meses antes,
o galão de gasolina estava custando 65 cents. Nossas fábricas de au-
tomóveis grandes trabalhavam dia e noite. Os japoneses tinham sete-
centos mil carros pequenos parados nas docas de San Diego e Bal-
timore. Mas, em abril, aqueles setecentos mil carros pequenos dos
japoneses não estavam mais lá; foram comprados por americanos
que desejavam economia imediata de combustível. E muitos tinham
sido vendidos a preços de mercado negro, 1.000 dólares a mais do
que o preço de tabela. Não é que a Ford, a GM e a Chrysler não pu-
dessem prever a situação do mercado americano. Ninguém podia.
A GM teve sorte. Tinha previsto um pré-lançamento dos novos
carros X para abril. O Chevrolet Citation era baixo, de tração dian-
teira, econômico em termos de combustível. Nos primeiros dias, a
GM vendeu todos os Citation existentes e ainda recebeu pedidos de
mais vinte e duas mil unidades.
A Chrysler foi menos feliz. Depois do recesso da primeira crise
do petróleo em 1974, os americanos voltaram furiosamente aos car-
ros grandes. Como sempre, a Chrysler tinha acompanhado o merca-
do. Assim, não tínhamos modelos próximos dos compactos em nú-
mero suficiente quando o público de repente mudou outra vez de in-
teresse.
Lembro-me bem das imagens que víamos todas as noites nos
noticiários — cenas de filas para comprar gasolina na Califórnia e
em Washington, e de verdadeiros tumultos em alguns postos de ga-
solina em New York. As pessoas ficaram apavoradas. Passaram a
encher o tanque até a boca sempre que podiam. Alguns motoristas
até passaram a transportar um galão extra de cinco litros no porta-
malas ou a armazenar um galão extra de cinqüenta litros na gara-
gem — e que se danasse a segurança.
O Congresso começou a falar em racionamento de gasolina. As
revistas faziam matérias de capa sobre o fato de Detroit ter sido a-
panhada desprevenida. E assim, seja pelo medo da falta de gasolina,
223
seja pelo grande aumento do preço, o mercado de carros familiares,
máquinas V-8, furgões, caminhões e peruas ficou paralisado.
Num período de cinco meses, em 1979, a parcela do mercado
de carros pequenos aumentou de 43 para cerca de 58 por cento —
um acréscimo de 15 por cento. Nesse ramo, um aumento de 2 por
cento em um ano representa uma mudança enorme. Um aumento de
15 por cento é catastrófico. Num único mês — maio de 1979 — as
vendas de furgões caíram em 42 por cento. Em toda a história da
indústria automobilística, ainda não tinha ocorrido uma mudança
tão violenta como a daquela primavera.
Por pior que fosse aquela revolução, nós da Chrysler sabíamos
que podíamos nos adaptar à nova realidade. Também sabíamos que
podíamos chegar na frente de todos os de Detroit. Não era necessá-
rio fazer muita coisa. Bastava dobrar nossos investimentos em no-
vas fábricas e novos produtos nos cinco anos seguintes e rezar para
que sobrevivêssemos!
Mas assim que começamos a dar esses primeiros passos tão ca-
ros, o país mergulhou numa recessão. Ainda estávamos recuperan-
do as forças após o primeiro golpe. Quando o segundo veio, quase
nos nocauteou. A taxa anual de vendas de automóveis no país caiu
praticamente para a metade. Nenhuma indústria pode sobreviver
numa economia que exige o dobro dos investimentos com apenas a
metade da receita. Para nós, todas as bruxas estavam soltas. Não
havia regras, pois estávamos numa situação sem precedentes. Eram
mares nunca dantes navegados.
230
XVII
MEDIDAS DRÁSTICAS:
RECORRENDO AO
GOVERNO.
241
XVIII
A CHRYSLER DEVE
SER SALVA?
Jogo de palavras com fattest (os mais gordos) efittest (os mais capazes). (N. do T.)
248
sassem de trabalhadores para enchê-las. Se a Chrysler tivesse afun-
dado, quase todos os nossos empregados teriam ficado na rua.
Só as importações poderiam ter atendido à demanda repentina
e insaciável por carros pequenos nos Estados Unidos. Assim, se a
Chrysler afundasse, o país não só teria que importar mais carros pe-
quenos, como estaria exportando empregos.
Nós nos perguntávamos: "Será que seria melhor para o país se
a Chrysler tivesse afundado e o índice de desemprego tivesse subi-
do mais meio por cento da noite para o dia? Será que a livre inicia-
tiva se fortaleceria se a Chrysler fracassasse e dezenas de milhares
de empregos americanos fossem perdidos para os japoneses? Será
que o nosso sistema de livre mercado se tornaria mais competitivo
se deixasse de contar com mais de 1 milhão de automóveis e cami-
nhões que a Chrysler fabrica e vende por ano?"
Fomos ao governo e dissemos: "Se tem sentido tomar medidas
para dar segurança aos indivíduos, então tem sentido tomar medidas
para dar segurança às empresas. O trabalho, afinal, é o que mantém
os indivíduos vivos".
E então discutimos sobre competição e sobre empregos. Mas
nossos argumentos mais importantes foram de ordem econômica.
Nós os levamos a entregar os pontos de modo muito simples. O
Departamento do Tesouro estimava que o fechamento da Chrysler
custaria ao país, só no primeiro ano, 2,7 bilhões de dólares em segu-
ro-desemprego e pagamentos previdenciários decorrentes de todas
as demissões.
Eu disse ao Congresso: "Vocês podem escolher. Querem pagar
2,7 bilhões de dólares agora ou preferem garantir empréstimos num
valor correspondente à metade desta quantia, com uma grande
chance de recebê-los de volta integralmente? Vocês podem escolher
entre pagar agora ou mais tarde".
Esse tipo de argumento nos leva a parar para pensar. E traz
uma lição importante aos jovens que estão lendo este livro — sem-
pre pense a partir dos interesses dos outros. Acho que foi isso que
aprendi com o curso de Dale Carnegie — e foi muito útil para mim.
Nesse caso, eu tinha que pensar em termos do parlamentar no
Congresso. Do ponto de vista ideológico, ele deveria ser contra a
idéia de nos dar ajuda. Mas, com certeza, mudou de opinião rapi-
damente quando nos fundamentamos e fornecemos um levantamen-
to, distrito por distrito, de todos os empregos e negócios que tinham
relação com a Chrysler em seu Estado. Ao perceber quantas pessoas
249
de sua base eleitoral dependiam da Chrysler para viver, a maioria
dos congressistas disse adeus à ideologia.
Enquanto a batalha, era travada dentro e fora do Congresso,
eu me ocupava fazendo tudo que podia para levantar capital, inclu-
sive vendendo debêntures a outras empresas. Sentia-me como um
mercador de tapetes que tivesse que levantar algum dinheiro às
pressas. E meu moral estava baixo porque, onde eu chegava, não
havia ninguém que dissesse: "Vá em frente, você vai conseguir".
Durante o debate, a "solução" da falência para a Chrysler era
muito popular. Segundo o Capítulo 11 do Federal Bankruptcy Act,
estaríamos protegidos dos nossos credores até colocarmos a casa
em ordem. Alguns anos depois, deveríamos emergir como uma em-
presa menor, porém mais saudável.
Mas quando consultamos todos os tipos de especialistas, eles
nos disseram, como já sabíamos, que no nosso caso a falência seria
catastrófica. Nossa situação era específica. Não era igual à da Penn
Central, nem à da Lockheed. Não se tratava de discutir com o go-
verno contratos relativos à proteção que ele já havia concedido. Não
era uma situação igual à do ramo de cereais. Se a Kellogg's estives-
se para sair do mercado, ninguém diria.- "Meu Deus, vou devolver
a caixa de corn flakes que peguei de manhã no supermercado e re-
ceber meu dinheiro de volta". A pessoa continuaria a consumir seu
corn flakes preferido, enquanto o encontrasse à venda.
Mas com automóveis é diferente. O simples boato de uma fa-
lência é capaz de interromper a entrada de capital na empresa. O-
corre um efeito-dominó. Os clientes começam a cancelar pedidos.
Ficam preocupados com a cobertura da garantia e com a disponibi-
lidade de peças e de serviços — para não mencionar o valor de re-
venda do automóvel.
Podemos citar um precedente esclarecedor. Quando a White
Truck Company pediu falência, a empresa achou que poderia pro-
teger-se dos credores apoiando-se nas regras do Capítulo 11. Tecni-
camente teria funcionado. Só que havia um problema. Todos os cli-
entes pensaram: "Se eles foram à falência, acho melhor comprar
caminhões de outra empresa".
Alguns bancos queriam que seguíssemos esse caminho. "Para
que vocês estão procurando o governo? Declarem falência e dirijam
Legislação do governo federal sobre as falências. (N. do T.)
250
a empresa para sair desse estado." Eles nos davam exemplos de em-
presas que tinham feito isso. Mas nós continuamos a dizer: "Somos
uma importante empresa consumidora numa indústria de consumo.
Não sobreviveríamos duas semanas se tentássemos fazer isso".
Numa situação de falência, nossos distribuidores perderiam a
possibilidade de financiar compras feitas na fábrica. Praticamente
todo o movimento de financiamento de veículos seria suspenso pe-
los bancos e financeiras, em um ou dois dias.
Estimávamos que quase a metade dos nossos distribuidores tam-
bém iria à falência. Muitos outros seriam recrutados pela GM e pela
Ford, deixando-nos sem canais de venda em mercados importantes.
Os fornecedores passariam a pedir pagamento adiantado — ou
no momento da entrega da mercadoria. A maioria dos nossos forne-
cedores são pequenas empresas, com menos de quinhentos empre-
gados. O choque da falência da Chrysler seria insuportável para mi-
lhares de pequenas empresas que dependiam de nós para existir.
Muitas delas também seriam forçadas a pedir falência, o que, por
sua vez, nos privaria de peças essenciais.
Esqueçamos a Chrysler. O que a maior falência da história dos
Estados Unidos teria causado à nação? Um estudo da Data Resour-
ces estimou que a liquidação da Chrysler teria custado aos contribu-
intes, no final das contas, 16 bilhões de dólares em gastos com o
desemprego, Previdência Social e outras despesas.
Essas seriam as implicações da opção pela falência.
Enquanto se desenrolava o debate nacional a respeito do futuro
da Chrysler, todos estavam com as armas apontadas para nós. No
The New York Times, o articulista Tom Wicker disse que a Chrysler
deveria empregar suas energias em produzir transporte de massa, ao
invés de produzir automóveis. Para os cartunistas, a história da C-
hrysler pedir ajuda ao governo era um prato cheio.
Mas o The Wall Street Journal foi particularmente implacável.
Suas objeções à ajuda governamental para a Chrysler foram muito
além das páginas dos editoriais. Não conseguiam nos deixar em
paz. Faziam um relato sombrio das más notícias, mas não se davam
ao trabalho de mencionar qualquer sinal de esperança. Mesmo de-
pois de recebermos as garantias de empréstimo, eles disseram que,
embora tivéssemos bastante dinheiro e a empresa estivesse reestru-
turada, embora tivéssemos uma nova administração, o produto certo
e boa qualidade, poderíamos ser atingidos por um raio. A economia
251
poderia piorar. A venda de veículos poderia tornar-se ainda mais
difícil.
Parecia que quase todo dia o Journal publicava um artigo pes-
simista sobre a situação da Chrysler. E, sempre que isso acontecia,
tínhamos que gastar um pouco mais de nossas escassas energias pa-
ra tentar controlar os efeitos prejudiciais sobre a opinião pública.
No primeiro trimestre de 1981, por exemplo, a Ford perdeu 439
milhões de dólares. A Chrysler estava melhorando, mas ainda per-
demos 300 milhões de dólares. Qual foi a manchete do Journal?
"Os prejuízos da Ford são menores do que o previsto, e os prejuízos
da Chrysler ultrapassam o valor orçado." Era a única maneira pos-
sível de escrever uma manchete que nos fizesse parecer piores do
que a Ford. Os números não confirmavam essa afirmação.
Alguns meses depois, nossas vendas mensais representavam
um ganho de 51 por cento superior ao do ano anterior. Mas o Jour-
nal sentiu-se obrigado a dizer que "no entanto, a comparação é dis-
torcida, pois as vendas da Chrysler no ano passado quase chegaram
a zero". Muito bem. Mas vocês pensam que no ano anterior o Jour-
nal justificou nosso baixo nível de vendas pelo fato de os negócios
terem sido mais bem-sucedidos no ano anterior?
Isso me faz lembrar uma velha piada judia. Goldberg recebe
um telefonema do banco, avisando que sua conta está com um saldo
negativo de 400 dólares.
"Veja o extrato do mês passado", diz ele.
"O senhor tinha um saldo de 900 dólares", diz o funcionário do
banco.
"E um mês antes?", pergunta Goldberg.
"Mil e duzentos dólares."
"E um mês antes ainda?"
"Mil e quinhentos."
"Diga-me", diz Goldberg, "em todos esses outros meses, quando
eu tinha bastante dinheiro em minha conta, eu liguei para vocês?"
Na faculdade, como editor do jornal, eu tive experiência direta
do poder que o redator de manchetes tem. Já que a maioria das pes-
soas nunca lê a história inteira, a não ser quando tem um interesse
especial, para a maioria a manchete é a história.
No meio da crise da garantia de empréstimo, depois de termos
obtido um empréstimo que cobria apenas uma parte do que a lei nos
assegurava, o Journal fez um editorial sugerindo que a Chrysler
fosse "abandonada à própria sorte". Foi o famoso editorial "Deixe-
252
os morrer com dignidade", que deve entrar para a história como um
clássico — pelo menos como exemplo do quanto a liberdade de im-
prensa pode tornar-se abusiva neste país. Está bem, eu sei, a Primei-
ra Emenda lhes garante esse direito.
Fiquei furioso. Mandei uma carta ao editor, dizendo: "Com e-
feito, você diz que, como o paciente ainda não recuperou totalmente
a saúde depois de ingerir metade do remédio prescrito, ele deveria
ser abandonado até morrer. Fico feliz por você não ser o médico da
minha família".
Acho que o The Wall Street Journal está vivendo no século
passado. Infelizmente, ele é a única opção na cidade. O Journal é
um monopólio, e se tornou arrogante, como a General Motors.
Aliás, os ataques do Journal não pararam quando a Chrysler se
recuperou. No dia 13 de julho de 1983, anunciei no National Press
Club que até o final do ano pagaríamos todos os empréstimos garan-
tidos pelo governo. Dois dias depois, o The New York Times, que se
opusera às garantias de empréstimo, apresentou uma matéria intitu-
lada "A grande recuperação da Chrysler". O artigo dizia: "É difícil
superestimar a magnitude da recuperação... Como foi possível reer-
guer tão depressa uma empresa tão desesperadamente doente?"
No mesmo dia, o The Wall Street Journal também trouxe uma
extensa matéria sobre a Chrysler. A manchete? "A Chrysler, tendo
perdido músculos e gordura, continua fraca." Resta alguma dúvida
de que o Journal tinha uma predisposição contra nós? Eles têm todo
o direito de dar opiniões, mas as opiniões devem estar na página de
editoriais. Poderiam pelo menos ter dito algo como: "É muito ruim
eles terem feito as coisas dessa maneira, mas que grande trabalho a
Chrysler fez!"
Com esse tipo de cobertura da imprensa especializada do país,
não surpreende que tantos setores do público tenham tido dificulda-
des para entender o que realmente estava acontecendo.
Grande parte do problema estava na linguagem usada para
descrever nossa situação. "Fiança" é uma metáfora eloqüente. Evo-
ca a imagem de um barco furado enfrentando mares bravios. Impli-
ca que a tripulação não é competente. "Fiança", pelo menos, é
uma expressão melhor do que "esmola", que também estava sendo
sussurrada.
Uma opinião muito difundida era a de que, por sermos uma
empresa grande e monolítica, não merecíamos ajuda. Para desfazer
esse mito, explicamos que, na verdade, somos um composto de pe-
253
quenos empresários. Somos uma empresa de associados. Temos
onze mil fornecedores e quatro mil revendedores. Quase todos são
pequenos empresários, e não malandros aproveitadores. Precisáva-
mos de uma mãozinha e não de esmola.
Muitas pessoas nem sabiam disso. Pensavam que estávamos
pedindo uma doação. Parece que achavam que Jimmy Carter me
havia mandado uma pasta recheada com um bilhão em notas novi-
nhas de dez e de vinte dólares. Muitos americanos bem-
intencionados aparentemente estavam achando que a Chrysler tinha
recebido um bilhão de dólares em dinheiro, numa pasta marrom, e
que nunca teríamos que devolver nada.
Quem dera fosse verdade!
254
XIX
A CHRYSLER VAI
AO CONGRESSO
270
Tivemos sorte, na hora de pedir ajuda, em contar com uma ad-
ministração democrata, que dava mais importância às pessoas do
que à ideologia. Os democratas geralmente agem assim. Lidam com
trabalhadores, lidam com pessoas, lidam com empregos. Os repu-
blicanos lidam com teorias ortodoxas de investimento.
Sei que estou generalizando. Sou o primeiro a admitir que,
quando as coisas vão bem, quando ganho muito dinheiro, sempre
apoio os republicanos. Mas desde que fui para a Chrysler, passei
para o lado dos democratas. Em geral, sou a favor do partido do
bom senso, e, quando as coisas vão mal, esse partido é, geralmente,
o Partido Democrático.
Não tenho nenhuma dúvida de que, se a administração de 1979
fosse republicana, a Chrysler não estaria de pé. Os republicanos
nem mesmo diriam "alô" para nós.
A Chrysler teria ido à falência e hoje os republicanos estariam
escrevendo livros para descrever como salvaram a livre iniciativa.
Não é apenas Reagan; a maioria dos republicanos teria dito: "Em-
préstimos garantidos pelo governo federal? Você deve estar louco".
Os republicanos simplesmente não conseguem pensar de outra ma-
neira.
Se a nossa crise tivesse estourado três anos depois, quando a
Ford e a GM também estavam com problemas e a International
Harvester estava quebrando, nem mesmo os democratas teriam a-
tendido ao nosso apelo. Haveria uma fila de mais de cinqüenta atrás
de nós, e não poderiam atender a todos.
Assim, talvez até tenha sido bom a Chrysler ter ficado em apu-
ros um pouco antes do que ficaria se tivesse tido uma administração
mais enérgica, Se a nossa crise tivesse coincidido com a da Braniff
e a da Pan Am, Washington poderia ter dito: "Lamento, rapazes. A
fila já está grande demais".
Tenho certeza de que essas empresas pensaram em pedir ajuda
ao governo. Afinal, seu pessoal não é louco. Mas elas logo entende-
ram a mensagem. O que aconteceria se tivessem solicitado uma
concessão como a da Chrysler?
Resposta: "Esqueça".
272
XX
IGUALDADE DE
SACRIFÍCIOS
283
XXI
A PROVA DE FOGO:
OS BANCOS.
297
XXII
O CARRO K
Para ser justo, nem tudo o que a comissão nos pediu para fazer
foi bobagem ou intromissão indevida. Entre as suas exigências mais
razoáveis estava a de procurarmos um parceiro para uma fusão.
Quando cheguei à Chrysler com a idéia da Global Motors na cabe-
305
ça, eu achava que qualquer fusão concebível envolveria uma em-
presa estrangeira como a Mitsubishi ou a Volkswagen. Mas, depois
de verificar o nosso balanço, ninguém se interessaria nem mesmo
em me ouvir.
Em 1981, quando o terreno não parava de ceder, parecia que a
fusão era a única saída. Dizem que a necessidade é a mãe da inven-
ção. Bem, quando ficamos de novo com a corda no pescoço, nós
nos tornamos inventivos ao extremo. Concebemos um plano como
último recurso, uma idéia que aparentemente era maluca, mas que
na verdade fazia sentido. Como tínhamos o carro K e a Ford não ti-
nha nenhum equivalente a ele, propusemos uma fusão entre a C-
hrysler e a Ford. Havia milhares de obstáculos a esse plano, mas a
primeira coisa que surgiu na cabeça de todos foram as razões de or-
dem pessoal. "Digamos que isso funcione", disseram os nossos
banqueiros. "Mas Henry ainda está lá, e você aqui — como vocês
poderiam fazer um negócio desse tipo?"
"Escutem", respondi, "vejam o que vou fazer. Henry já anun-
ciou que vai deixar a empresa. Estou disposto a fazer o mesmo.
Gostaria de ficar por mais doze meses para ajudar a realizar esse
negócio. Depois que tudo estiver pronto, vou embora. É evidente
que tudo isso é muito maior do que nós dois."
O outro grande problema é que uma fusão desse tipo seria,
normalmente, uma violação às leis antitruste. Assim, consultei Pete
Rondino, que atuou no caso Watergate, e outras pessoas da Comissão
de Justiça. Todos acharam que, como estávamos à beira da ruína, as
restrições poderiam ser suspensas. Também consultei Bob Strauss,
um grande advogado e personalidade importante do Partido Demo-
crático. Ele também achou que poderíamos levar a idéia adiante.
Uma vez que o problema das leis antitruste estava resolvido —
pelo menos teoricamente —, podíamos considerar o aspecto positi-
vo. O ano anterior, 1980, havia sido um desastre para nós: tínhamos
terminado com um prejuízo de 1,7 bilhão de dólares. Mas 1980
também não havia sido nenhuma festa para a Ford. Seus prejuízos
foram quase tão grandes quanto os nossos — mais de 1,5 bilhão de
dólares. E, o que é mais importante, o mercado da Ford estava em
franca decadência. Em 1978, tinha alcançado a alta porcentagem de
28 por cento. Três anos depois, estava muito baixo: 15 por cento.
Pedi a Tom Denomme, do nosso gabinete, que elaborasse alguns
planos. Em algumas semanas, Tom elaborou uma proposta bastante
razoável.
306
Nos termos dessa proposta, a Ford assumiria fisicamente a C-
hrysler. Como a Ford era muito maior e mais saudável, devia ser a
empresa sobrevivente. A Chrysler e a Dodge continuariam a operar,
mas como a terceira e a quarta divisões da Ford, ao lado das divi-
sões Ford e Lincoln-Mercury.
Tom e eu achávamos que uma fusão traria grandes benefícios
para ambas as empresas. Nos aspectos em que eles eram fortes, nós
éramos fracos, e vice-versa. Nós dois tínhamos passado muitos anos
na Ford antes de virmos para a Chrysler e por isso entendíamos os
problemas e necessidades de ambos os lados.
Se a fusão se concretizasse, os benefícios para a Chrysler seriam
óbvios — tão óbvios, na verdade, que poderiam ser resumidos numa
única palavra: sobrevivência. Mas, o que a fusão significava para a
Ford? Um grande negócio. Naquela época, a Ford era muito forte na
Europa, onde estava gastando uma quantia desproporcional. Mas, nos
Estados Unidos, a Ford estava morrendo para o mercado. Depois da
segunda crise do petróleo, estava sendo duramente atingida pelas im-
portações de automóveis. Além do subcompacto Escort/Lynx — o
"carro mundial" da Ford e o equivalente ao nosso Omni/Horizon —
não tinham nenhum outro carro pequeno de tração dianteira.
Além disso, a Ford estava em vias de fazer um grande investi-
mento, de bilhões de dólares, para produzir o Tempo e o Topaz —
só para fazer uma cópia do carro espaçoso, de tração dianteira, que
já existia na Chrysler, na forma do carro K. Se fizéssemos a fusão,
poderíamos começar a vender uma versão do Escort para substituir
o nosso Omni/Horizon e eles poderiam começar a vender uma ver-
são dos nossos Aries e Reliant. Segundo o nosso plano, a Ford fa-
bricaria um novo carro grande, de tração dianteira, originalmente
proposto para 1987, e a maioria dos modelos grandes e dos cami-
nhões. Nós forneceríamos o minifurgão 1984.
Para a Ford, uma fusão com a Chrysler representava a maneira
mais rápida e fácil de voltar à posição original no mercado: um signi-
ficativo segundo lugar. Com um pequeno impulso, a Ford suplantaria
a GM na venda de caminhões e ainda seria a primeira nos mercados
canadense e mexicano. Internamente, uma fusão representaria um
aumento de fatia de mercado da Ford de 17 para 27 por cento.
Se ocorresse uma fusão com a Chrysler, a Fcrd estaria com 75
por cento da força da GM nas vendas de carros nos EUA. E aí assis-
tiríamos a uma verdadeira competição. Alfred Sloane se reviraria
no túmulo, pois a nova empresa teria quatro divisões contra as cin-
307
co divisões da GM. Teria sido fantástico ver essas duas grandes
empresas disputando o terreno palmo a palmo. Teria sido grandioso
para os Estados Unidos. E os banqueiros e advogados adorariam a
fusão, pois seria o maior negócio da história da indústria norte-
americana.
Por outro lado, se a Chrysler simplesmente acabasse, nossa
pesquisa mostrava que a parcela da Ford aumentaria muito pouco.
A maior parte da nossa fatia ficaria com os carros importados e com
a GM.
Mostramos o plano a alguns dos principais banqueiros de New
York e eles exultaram. "Isso caiu do céu", disseram. "Os produtos
são compatíveis. A estrutura de revendas é compatível. Tudo se en-
caixa perfeitamente."
Tínhamos feito projeções de balanços hipotéticos e tudo pare-
cia mesmo excelente. Tínhamos um plano operacional. Com a fusão
tínhamos condições de aumentar os lucros em 1 bilhão de dólares.
Havia muita força naqueles números.
Salomon Brothers, nossos banqueiros de investimento, acharam
o plano ótimo. Jim Wolfensohn, que cuidava das contas da Chrysler,
concordou em contactar Goldman Sachs, que representava a Ford.
Usando os dados financeiros da Chrysler e mais todos os dados da
Ford que pôde conseguir, Salomon Brothers deram forma à idéia e
fizeram um relatório detalhado a respeito das vantagens da fusão para
ambas as partes e do modo como poderia ser realizada com sucesso.
Goldman Sachs mostrou algum interesse pela proposta e pas-
sou tudo para os principais dirigentes da Ford. Até então, o plano
era absolutamente secreto. Como se tratava de uma oportunidade
excepcional, fui procurar Bill Ford e lhe falei a respeito. Mas, exce-
to por esse encontro, tomamos todo o cuidado para ninguém saber
de nada. Tudo foi feito nos bastidores, por baixo do pano, sem que
nada vazasse para a imprensa.
Mas de repente tudo veio abaixo. Philip Caldwell, presidente
do conselho da Ford, abriu o bico. Esvaziou toda a discussão ao fa-
zer uma declaração à imprensa. O que ele disse, na verdade, foi que
a Chrysler lhes tinha proposto uma fusão, mas que eles nunca seri-
am burros de aceitar.
A Ford fez essa declaração para nos expor ao ridículo. Mas
nunca fez uma análise cuidadosa da proposta. Caldwell limitou-se a
anunciar que o conselho tinha votado unanimemente contra a aber-
tura de negociações com a Chrysler. Mais tarde, um dos membros
308
do conselho nos disse que eles só tinham dado uma olhada rápida
no plano. Tiveram que responder em vinte e quatro horas, quando
teriam sido necessários vinte e quatro dias para um estudo adequa-
do da proposta. Num único dia, o máximo que poderiam fazer era
dizer que o plano era ruim e seguir a orientação da administração.
Em minha opinião, os dirigentes da Ford se opuseram ao plano
porque sabiam que já havíamos levado a maioria dos seus bons fun-
cionários e achavam que, se o negócio se realizasse, poderiam ser
deixados de lado. Imagino que Henry, que teoricamente estava apo-
sentado, também tenha sido contra a idéia. Assim, só pensaram na
pior das hipóteses. Acho que perderam uma grande oportunidade.
Respondi com uma declaração afirmando que a fusão proposta
teria sido muito boa para o país e que os Estados Unidos precisa-
vam de um concorrente de verdade para a GM. Foi uma pena, pois
eu já havia falado com as pessoas certas em Washington, que teri-
am tornado o plano possível. Disseram que se a Ford fosse levada a
concordar, fariam todo o possível para que tudo se realizasse. Mas o
plano foi jogado no lixo pela Ford, sem ter tido a chance de ser tes-
tado.
Se tivéssemos, de alguma forma, realizado o negócio, os únicos
que ficariam loucos para fazer as coisas não irem para a frente seri-
am os responsáveis pela General Motors. Sua atitude teria sido: "Já
fizemos isso nos anos 20. Não devemos permitir que ninguém mais
o faça. Um cartel Ford-Chrysler? De forma nenhuma! As coisas fi-
cariam bem difíceis para nós".
Se a fusão tivesse sido realizada, a indústria automobilística
americana sofreria uma mudança permanente. Na manhã seguinte,
não haveria mais cópias entre a Chrysler e a Ford. Estaríamos eco-
nomizando três ou quatro bilhões em investimentos. As compras se-
riam mais fáceis para uma empresa maior. E os custos fixos seriam
drasticamente diminuídos, já que, como a GM, teríamos muitas pe-
ças intercambiáveis.
Era o momento certo. Talvez ainda seja. Mas não creio que o
Departamento de Justiça permitisse a fusão agora. Protestariam e
negariam a aprovação, porque isso seria uma perfeita integração ho-
rizontal de dois gigantes num oligopólio que só tem três adversá-
rios. O plano seria derrotado no Departamento de Justiça com base
em razões ligadas às leis antitruste. Mas, com o negócio entre a GM
e a Toyota e com a nova filosofia de Washington com relação às fu-
sões, quem sabe?
309
Uma fusão ainda faria sentido, mesmo a Chrysler tendo voltado
a se fortalecer. A GM tem cinco divisões, mas a Ford e a Chrysler
só têm duas cada uma. Esta é a receita certa para ter prejuízo devido
aos custos fixos.
Do jeito como vão as coisas, no ano 2000 só teremos dois ad-
versários: a GM e a Japan, Inc. Uma fusão entre a Ford e a Chrysler
talvez seja a única providência mais drástica a ser tomada para que a
indústria automobilística americana se imponha diante da japonesa.
É verdade que tudo depende da perspectiva que se adote. Na
Ford, o pessoal ainda acredita que a indústria possa voltar aos bons
tempos e que a empresa recupere sua antiga força. Mas vão ficar
sempre no meio, com os japoneses ganhando no preço dos carros
mais baratos e com a GM de posse dos carros mais luxuosos e de
preço mais alto. A Ford é a salsicha do cachorro-quente, que vai
sendo consumida pouco a pouco.
311
Primavera de 1983
XXIII
HOMEM PÚBLICO,
FUNÇÃO PÚBLICA.
•
terem achado que eu pudesse ser esse líder. Só isso já me dá toda a
satisfação de que eu possa vir a necessitar.
328
XXIV
UMA VITÓRIA
AMARGA
Expressão iídiche, de gíria, que significa afronta total. (N. do T)
335
Finalmente, no dia 13 de julho, no mesmo dia em que pagamos
os empréstimos, oferecemos 250 milhões de dólares pelos títulos.
"Nada disso", respondeu a comissão. "Vamos vendê-los a
quem fizer a melhor oferta."
E assim fizeram. Don Regan, um ex-corretor de ações, encarre-
gou-se do caso. Insistiu em que se fizesse um leilão — o que gerou
bons honorários para o pessoal de Wall Street. Mas já era de se es-
perar. Desde o início ele fora contra as garantias de empréstimo por
motivos ideológicos. Em três longos anos, nunca foi a uma reunião
da Comissão de Empréstimos e nunca fez nada para nos ajudar.
O pessoal do Reagan, liderado por Don Regan, ficava dizendo
sempre: "Vocês só vão ter o que a administração Carter prometeu.
Não vamos mover uma palha para mudar nada. Se isso prejudica ou
ajuda vocês, não nos interessa".
Quando começamos a nos recuperar, eu disse: "Confiem em
mim. Dêem algum crédito ao nosso sucesso. Pelo menos porque se-
ria uma boa política". Mas Donald Regan e a maioria da adminis-
tração disseram: "Fomos ideologicamente contra a operação, e ain-
da somos. Não acreditamos em resultados". Até o triste final, man-
tiveram a opinião de que os empréstimos governamentais para a
Chrysler haviam criado um mau precedente.
A coisa esquentou tanto que fui duas vezes conversar com o
presidente Reagan. Ele reconheceu que, em termos de eqüidade,
minhas alegações eram fortes. Numa viagem que fizemos no Força
Aérea Um a St. Louis, ele pediu a Jim Baker para cuidar do assunto.
Baker de fato cuidou, mas não muito. Limitou-se a devolver o
caso a Don Regan, que fez de mim o que quis. Não sei o que acon-
teceu na Casa Branca, mas Regan acabou vencendo.
Até agora não consigo acreditar. No lugar de onde vim, se eu,
como chefe, digo a alguém para fazer alguma coisa e nunca recebo
resposta, eu demito essa pessoa. É incrível que o Regan não preste
contas ao Reagan.
Afinal, fomos forçados a fazer contra-ofertas à nossa própria
oferta de 250 milhões e terminamos comprando os títulos por mais
de 311 milhões de dólares. Na época, fiquei furioso. Na verdade,
ainda estou furioso. Por que deveria o governo ficar brincando no
mercado de ações com nossos títulos? Eu havia oferecido 250 mi-
lhões de dólares, que era um preço generoso. Mas não era o sufici-
ente. Sua atitude era: "A Chrysler que se dane. Vamos aproveitar ao
máximo".
336
Um deputado disse: "Que oportunidade! Vamos usar esses 311
milhões de dólares no treinamento de trabalhadores desempregados
da indústria de automóveis. O dinheiro veio da Chrysler; por isso,
vamos colocá-lo de novo na indústria de automóveis. Vamos ajudar
o pessoal que perdeu o emprego quando a Chrysler teve que fazer
cortes". Mas o governo não estava interessado.
Propus outro plano: "Já que vocês não esperavam esta bolada,
multipliquem esse dinheiro por 10 e usem os três bilhões para aju-
dar nossa indústria a competir com o Japão".
Mas o governo decidiu devolver o dinheiro ao fundo geral.
Temo que os nossos 311 milhões de dólares não tenham feito gran-
de coisa pelo déficit federal. Mas cada pouquinho já é uma ajuda!
341
CONVERSA
FRANCA
XXV
COMO SALVAR VIDAS
NA ESTRADA
355
XXVI
O ALTO CUSTO
DA MÃO-DE-OBRA
Iniciais de "cost-of-living allowance" (ajuda de custo de vida). (N. do T.)
358
Mas, nos últimos anos, tem ocorrido o oposto: a inflação subiu,
enquanto a produtividade baixou. Se não conseguirmos inverter es-
sa tendência, a COLA se tornará um problema ainda maior do que já é.
A adoção da COLA foi, originalmente, um grande benefício
contratual. Mas, ao longo dos anos, ela transformou-se num ritual.
Em compensação, os aumentos de produtividade antes eram um ri-
tual. Agora, pertencem à história. É de admirar, então, que os custos
da mão-de-obra estejam fora de controle?
Hoje a COLA é adotada na Previdência Social, no Medicare,
nas Forças Armadas e nos planos para funcionários públicos. Ensi-
namos a eles os maus hábitos. Os problemas que esses grupos enfren-
tam hoje são conseqüência dos custos descontrolados da COLA.
Ao contrário da COLA, a aposentadoria por tempo de serviço
foi idéia do sindicato — e também foi uma idéia ruim. Walter Reu-
ther, fundador do UAW, fez dela o principal item de negociação
com a GM, pouco antes de morrer, em 1970. Ao lado da exigência
da COLA, essa questão foi a base da grande greve na GM, no outo-
no daquele ano.
A aposentadoria por tempo de serviço determina que, após ter
trabalhado durante trinta anos, o trabalhador tem direito a aposen-
tar-se, qualquer que seja a sua idade, e receber uma pensão integral
— de 60 por cento do salário —, como se já estivesse com sessenta
e cinco anos.
A aposentadoria por tempo de serviço parece, à primeira vista,
uma coisa ótima. Foi concebida com o objetivo de criar empregos
para os novos contingentes que entram no mercado, mas é um pro-
grama que torna os Estados Unidos cada vez menos competitivos.
Por quê? Pegamos um sujeito bom, trabalhador, aos dezoito anos;
durante anos nós o treinamos, e aos quarenta e oito ele volta para
casa. Não só perdemos um trabalhador especializado, como ainda
temos que pagar a ele uma pensão pelo resto da vida — o que, nor-
malmente, significa mais uns trinta anos!
Segundo as normas, esse sujeito "aposentado" não pode traba-
lhar mais. Se trabalhar, perde a pensão. Mas se ele tiver quarenta e
oito anos, não vai ficar em casa por muito tempo. Geralmente ele se
torna motorista de táxi ou biscateiro. Certa vez, um alto funcionário
do sindicato admitiu: "Eles não param de trabalhar. Só mudam de
emprego. Segundo as normas, o sujeito não pode trabalhar, mas
quem vai checar isso?"
359
Assim, alguns dos melhores eletricistas que já trabalharam para
mim na Ford e na Chrysler agora são motoristas de táxi. Mas a iro-
nia disso tudo é que, se eu quiser contratar gente nova para a função
de eletricista, vou ter que treinar um monte de motoristas de táxi
que não sabem nada sobre o ramo de automóveis. É uma coisa de
louco! O país virou de cabeça para baixo e caminha a passos largos
para a mediocridade.
A aposentadoria por tempo de serviço me deixa furioso. É um
crime aposentar um sujeito só porque ele trabalhou trinta anos. Aos
cinqüenta, ele está em plena forma. Tem uma rica experiência e i-
númeras qualificações. Ao invés de usá-las, fica dirigindo táxi ou
falando com os botões, em casa.
Não sou contra a idéia de uma boa pensão. Mas não temos
condições de continuar a dar pensões para indivíduos de cinqüenta
ou cinqüenta e cinco anos. Gostaria que o regulamento fosse modi-
ficado, no sentido de que a pessoa pudesse se aposentar com pensão
integral após trinta anos de trabalho — desde que tivesse, pelo me-
nos, sessenta anos.
Por outro lado, estamos pagando oitocentos dólares por mês a
pessoas que nos poderiam ajudar a vencer os japoneses — para elas
não virem trabalhar. Isso tem algum sentido?
367
XXVII
O DESAFIO JAPONÊS
Comércio leal. (N. do E.)
374
Pergunta: Que nome você dá a um país que exporta matérias-
primas e importa produtos manufaturados?
Resposta: Uma colônia.
Ora, é esse o tipo de relação que queremos manter com o Ja-
pão? Já estivemos antes numa situação semelhante e,acabamos jo-
gando um monte de chá nas águas do porto de Boston.
Mas, desta vez, estamos sentados vendo os japoneses fazer
pontaria em uma indústria atrás da outra.
Já tomaram a indústria eletrônica. Já tomaram os artigos de es-
porte. Já tomaram as impressoras. Já tomaram as máquinas fotográ-
ficas. Já tomaram um quarto da indústria automobilística.
Nesse processo, tomaram também um quarto da indústria do
aço. Os japoneses têm um modo inteligente de introduzir clandesti-
namente o seu aço nos Estados Unidos. Eles o pintam e o colocam
em cima de quatro rodas — e lhe dão o nome de automóvel.
Quando os japoneses nos enviam Toyotas, estão, na verdade,
exportando algo mais importante do que carros. Estão nos enviando
desemprego. Os seus subsídios visam a manter o pleno emprego no
Japão, e esta política está funcionando. Sua taxa de desemprego é
de 2,7 por cento. A nossa é três ou quatro vezes maior.
Qual é o próximo passo? Não é segredo, pois eles já tiveram a
gentileza de nos dizer: aviões e computadores.
Bem, não quero dar uma impressão errada da minha atitude
com relação aos japoneses. É claro que não gosto da desigualdade
que tem marcado a nossa competição com eles. E também fico furi-
oso por ficarmos sentados, passivamente, enquanto tudo isso está
acontecendo. Mas, na verdade, o Japão não está fazendo nada de er-
rado. Como disse Kubo, eles estão apenas agindo de acordo com os
seus próprios interesses. Cabe a nós começar a agir de acordo com
os nossos.
Como eu falo sobre essas injustiças, enquanto muitos dos meus
colegas da indústria automobilística se mantêm calados, as pessoas
têm a impressão de que sou contra os japoneses. Há até uma piada
que corre o país, sobre uma aula de História da terceira série em
que o professor faz uma pergunta:
"Bem, meus alunos, de quem é a frase 'só lamento ter apenas
uma vida para doar ao meu país'?"
Uma menininha japonesa da primeira fila levanta-se e respon-
de: "Nathan Hale, em 1776".
375
"Excelente", diz o professor. "Agora, quem disse 'dêem-me a
liberdade ou a morte'?"
A menininha japonesa levanta-se novamente: "Patrick Henry,
em 1775".
"Muito bem", diz o professor. "Pessoal, é ótimo que Kiko saiba
as respostas. Mas vocês deviam ter vergonha. Lembrem-se, vocês
são americanos e ela é japonesa!"
Então, um menino no fundo da sala resmunga: "Ah, os japone-
ses que se danem!"
"Ora", esbraveja o professor. "Quem disse isso?"
Uma voz responde: "Lee Iacocca, em 1982!"
378
XXVIII
REDESCOBRINDO
O SONHO
AMERICANO
Área onde se concentram, nos Estados Unidos, as fábricas de equipamentos de
informática. (N. do E.)
384
Pittsburg ou Newark, e esperar que ele programe computadores no
Vale do Silício.
A solução, portanto, não está em promover a alta tecnologia em
detrimento das nossas indústrias de base. A solução é promover as
duas conjuntamente. Existe espaço para todos nós na riqueza, mas
precisamos de um esforço nacional coordenado para que isso acon-
teça.
Em outras palavras, o nosso país precisa de uma política indus-
trial racional.
O autor faz um jogo entre "heartland" — região central, coração — e "wasteland"
— ermo, deserto. (N. do T.)
391
Não se pode ter uma economia estável e saudável com altas ta-
xas de juros — ou com taxas de juros que flutuam a cada dez minu-
tos. As altas taxas de juros são desastres provocados pela mão do
homem. E o que o homem faz, o homem pode desfazer. Considero
o dia 6 de outubro de 1979 como um dia de infâmia para o nosso
país. Foi nesse dia que Paul Volcker e o FED permitiram que a pri-
me rate flutuasse. Foi então que os monetaristas disseram: "A única
forma de conter a inflação é controlar a circulação do capital — e as
taxas de juros que se danem".
Como todos nós sentimos na própria carne, esta decisão deu o-
rigem a uma grande onda de destruição econômica. Com certeza há
uma forma melhor de controlar a inflação do que jogá-la nas costas
dos trabalhadores da indústria automobilística e da construção civil.
Quando os futuros historiadores estudarem a nossa forma de curar a
inflação e todo o sofrimento causado pelo tratamento, certamente
irão fazer comparações com a sangria da Idade Média!
Detroit foi atingida primeiro. Sofremos a mais longa depressão
das vendas de automóveis dos últimos cinqüenta anos. A constru-
ção civil foi a segunda vítima. Depois disso, quase todos neste país
foram atingidos.
Antes de a prime rate se descontrolar, a única vez na nossa his-
tória em que as taxas de juros chegaram a 12 por cento foi durante a
guerra civil. Mas agora os juros não só chegaram a 12 por cento,
como continuaram a subir. Num certo momento, chegaram a 22 por
cento. Esta é uma forma de usura legalizada. Alguns Estados têm
leis que estabelecem 25 por cento de juros como indício de intenção
criminosa. A Máfia acha isso excesso de rigor.
Mas por mais duro que seja 20 por cento de juros, pior ainda é
o efeito "ioiô". De 6 de outubro de 1979 a outubro de 1982, as taxas
subiram (e desceram) oitenta e seis vezes, o que significa uma alte-
ração a cada 13,8 dias. Como se pode planejar qualquer coisa quan-
do se está exposto a isso?
Quando as taxas de juros estão altas, os consumidores aplicam
muito dinheiro a curto prazo. Mas ganhar dinheiro com dinheiro
não é produtivo. Não cria empregos. E aqueles que de fato criam
empregos investem na produtividade, querem expandir seus negó-
cios e se dispõem a pagar um valor razoável em impostos, acabam
sendo levados pela corrente, esperando receber algumas migalhas
de créditos para continuar atuando de forma a dar trabalho para
mais algumas pessoas.
392
As altas taxas de juros encorajam os ricos a fazer o seu novo
joguinho: ganhar dinheiro com dinheiro. Quando o dinheiro é caro,
os investimentos era pesquisa e desenvolvimento são arriscados.
Quando as taxas são altas, é mais barato comprar do que construir
uma empresa.
De cada dez grandes fusões de empresas da história dos Esta-
dos Unidos, nove ocorreram durante a administração Reagan. Uma
das maiores envolveu a U. S. Steel. Protegida por sobretaxas (o que
nos custa 100 dólares a mais por carro para comprar aço america-
no), a U. S. Steel pagou 4,3 bilhões de dólares para comprar a Ma-
rathon Oil. A maior parte desse dinheiro foi obtida em emprésti-
mos. Esse dinheiro poderia ter sido usado para construir modernas
fornalhas de oxigênio e máquinas de fundição contínua que nos te-
riam permitido competir com os japoneses.
Quando os metalúrgicos viram o que estava acontecendo, fica-
ram tão furiosos que exigiram que todas as concessões salariais que
eles fizessem fossem reaplicadas na indústria do aço. É quase ina-
creditável que os administradores americanos precisem receber au-
las dos trabalhadores sobre o funcionamento do nosso sistema.
E o que dizer da Du Pont ter comprado a Conoco por 7,5 bi-
lhões e, no processo, ter aumentado seu débito para 4 bilhões? Essa
operação custou à Du Pont 600 milhões de juros por ano só para a-
tender ao serviço da dívida. Não teria sido melhor se a Du Pont ti-
vesse usado esse dinheiro para desenvolver o tipo de produtos no-
vos e criativos que a tornaram mundialmente famosa?
E a Bendix, a United Technologies e a Martin Marietta, que
tomaram empréstimos de 5,6 bilhões para sustentar seu canibalismo
empresarial — sem terem criado um único emprego em todo o pro-
cesso? Esse círculo vicioso só terminou com a entrada da Allied.
Pensem no seguinte: na década de 1972-1982, o número total
de empregados das quinhentas maiores indústrias americanas sofreu
um decréscimo real. Todos os novos empregos — mais de dez mi-
lhões — foram gerados por outras fontes. Uma dessas fontes foi a
pequena empresa. A outra, lamento informar, foi o governo — tal-
vez tenha sido o único crescimento real que a indústria produziu.
Por que não aprovamos uma lei estabelecendo que, quando se toma
dinheiro emprestado para comprar outra empresa e canibalizá-la, os
pagamentos de juros referentes a esses empréstimos não são dedutí-
veis? Isso acabaria rapidamente com os excessos do sistema.
393
Atualmente, se você quiser comprar uma empresa concorrente
em princípio não lhe será permitido. Isso viola as leis antitruste.
Mas se você quiser comprar uma empresa que faça uma coisa com-
pletamente diferente, não há nada que o impeça.
Qual o sentido disso? Por que alguém que atua no negócio de
aço se tornaria, de uma hora para outra, um homem do petróleo? É
um universo completamente diferente. O entrosamento levaria vá-
rios anos. E, o que é mais importante, isso não é produtivo.
Se reduzíssemos as taxas de juros e parássemos com a loucura
das fusões, poderíamos expulsar os mercadores de dinheiro do tem-
plo da economia nacional. Poderíamos voltar a fazer negócios ao
modo americano, através do investimento produtivo e da competi-
ção e não da compra irracional dos negócios dos outros; através da
criação de mais empregos, de modo que mais pessoas pudessem
participar do crescimento econômico. Os custos previdenciários, a
nível municipal, estadual e federal, poderiam diminuir. O capital
começaria a se acumular e as fábricas, a se expandir.
Como todos sabem, para reduzir as taxas de juros é preciso fa-
zer grandes cortes no déficit federal. Está na hora de alguém tomar
o cartão de crédito das mãos do governo. Hoje Washington usa
mais da metade do crédito disponível (para ser exato, 54 por cento)
para financiar a dívida pública.
Apesar de todas as promessas de campanha do presidente Rea-
gan, a dívida pública está fora de controle. Por volta de 1835, o dé-
bito federal era de apenas 38000 dólares. Em 1981, passou da mar-
ca dos 100 milhões, pela primeira vez na história. Hoje, ele está por
volta de 200 bilhões. Nos próximos cinco anos, deverá chegar perto
de 1,5 trilhão!
Só uma vez já tivemos um déficit tão alto — durante o período
entre 1776 a 1981. Imaginem só: foram necessários 206 anos, oito
guerras, duas grandes depressões, cerca de uma dezena de reces-
sões, dois programas espaciais, a abertura do Oeste e o mandato de
trinta e nove presidentes para chegar a isso. Agora vamos duplicar
este recorde em apenas cinco anos, num período de paz — e duran-
te um período de chamada recuperação econômica.
Em outras palavras, existem sessenta e um milhões de famílias
neste país e vamos pendurá-las em 3000 dólares anuais, sem sua
autorização. É como se Tio Sam estivesse usando nosso cartão de
crédito sem nos pedir licença. Como resultado, estamos hipotecan-
do o futuro dos nossos filhos e netos. Como a maioria deles obvia-
394
mente ainda não pode votar, deram-nos uma procuração. E nós não
a estamos usando corretamente. Se dependesse de mim, todo o pes-
soal de Washington tiraria zero em orçamento.
Temos que atacar o problema orçamentário e nossos demais
problemas econômicos antes que eles nos dominem completamente.
Com efeito, para resolver nossos imensos problemas é preciso ha-
ver disposição para tomar medidas impopulares. Como criança da
Grande Depressão, sempre fui grande fã de Roosevelt. Ele fez muito
por este país, embora os ideólogos o tenham combatido a cada passo
que ele dava. Ele virou a mesa. Incluiu os excluídos. Teve a audácia
de pôr para trabalhar as pessoas que vendiam maçãs nas esquinas.
Acima de tudo, ele era pragmático. Quando estava diante de
grandes problemas, fazia alguma coisa — e isso é sempre mais co-
rajoso do que não fazer nada. Roosevelt não atacou os problemas da
Depressão com gráficos e quadros, com curvas de Laffer ou com
teorias da Harvard Business School. Tomou medidas concretas.
Sempre se mostrava disposto a tentar coisas novas e, se as tentati-
vas não dessem resultados satisfatórios, tentava outra coisa.
Precisamos, hoje, ter um pouco mais desse espírito em Wa-
shington. Nossos problemas são grandes e complicados. Mas exis-
tem soluções para eles. Nem sempre essas soluções são fáceis e
nem sempre são agradáveis. Mas existem.
Os grandes temas que nos desafiam atualmente não são temas
republicanos ou democratas. Os partidos políticos podem discutir
sobre os meios, mas ambos devem abraçar o objetivo final,, que é
devolver a grandeza aos Estados Unidos.
Será que conseguiremos sucesso nesse empreendimento? Al-
guém disse que, nos grandes projetos, sempre há glória, mesmo no
fracasso. Por isso, devemos tentar e, se o fizermos, estou certo de
que seremos bem-sucedidos.
Afinal, somos um povo de recursos numa nação que foi premi-
ada com a abundância. Com direção, liderança e o apoio do povo
americano, não poderemos perder. Tenho certeza de que este país
voltará a ser aquele símbolo claro e brilhante de poder e de liberda-
de — que não é desafiado por ninguém e que é invejado por todos.
395
EPÍLOGO
A GRANDE DAMA
Palavra derivada da palavra iídiche "beygel", espécie de bolo de farinha cozido,
preparado de uma forma especial. (N. do T.)
Do alemão "knackwurst", salsicha. (N. do T.)
398
cinqüenta anos nos ensinaram foi a diferença entre o certo e o erra-
do, foi que apenas o trabalho duro dá resultados, que ninguém come
de graça, que é preciso ser produtivo. São esses valores que torna-
ram grande este país.
E são esses valores que a Estátua da Liberdade representa. A
Estátua da Liberdade é justamente isso — um belo símbolo do que
significa ser livre. A realidade é a Ilha Ellis. A liberdade é apenas o
passaporte, mas, se você quiser sobreviver e prosperar, é preciso
pagar o preço.
Tive uma carreira magnífica, e foi este país que me deu a chan-
ce de fazer essa carreira. Aproveitei a oportunidade, mas não fiquei
de braços cruzados. Foram necessários quase quarenta anos de tra-
balho duro.
As pessoas me dizem: "Você é um grande sucesso. Como você
conseguiu?" E eu me volto para aquilo que meus pais me ensina-
ram. Seja esforçado. Obtenha toda a instrução possível, mas, de-
pois, pelo amor de Deus, faça alguma coisa! Não fique parado, faça
alguma coisa acontecer. Não é fácil, mas se você se mantiver num
caminho determinado e trabalhar para chegar ao seu final, é impres-
sionante como, numa sociedade livre, você pode se tornar tão gran-
de quanto desejar. E, é preciso não esquecer, seja sempre grato por
todas as bênçãos que Deus lhe der".
Como a maior parte da minha vida foi dedicada a vendas —
produtos, idéias ou valores — creio que não teria cabimento encer-
rar este livro sem tentar vender alguma coisa. E aqui vai:
Por favor, ajudem-me na restauração da Ilha Ellis e da Estátua
da Liberdade. Enviem a sua contribuição dedutível do Imposto de
Renda para:
Statue of Liberty-Ellis Island Foundation, Box 1986, New
York, NY 10018. Não deixem a chama da Estátua se apagar!
Lembrem-se de que, pelo menos, Cristóvão Colombo, meu pai
e eu seremos eternamente gratos.
***
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