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Prédica: João 15.

1-8
Autor: Romeu Ruben Martini
Data Litúrgica: Jubilate
Data da Pregação: 28/04/1985
Proclamar Libertação - Volume: X

I — Comentário inicial

1. A ligação do texto com o domingo indicado

Jubilate é o terceiro domingo após a Páscoa. O próprio nome expressa â alegria


decorrente da ressurreição de Jesus Cristo. Para um cristão descomprometido com a
proposta de vida de Jesus pode parecer contradição, mas, na verdade, Jo 15.5-8 como
texto de pregação no Domingo Jubilate apresenta a dialética típica da palavra: a
ressureição de Jesus só é alegria e esperança na medida em que ela resulta em
comprometimento concreto em favor da vida — esse dá muito fruto, 15.5 — e, vice-versa,
a ligação com Cristo, que se mostra nos frutos sob a cruz (cf. texto), se alimenta da
esperança da ressurreição.

2. O contexto

Jo 15.1-8 está inserido num todo maior: João 13.1-17.26. Este todo maior retrata a última
ceia de Jesus com seus discípulos. Gostaria de incentivar o(a) colega que vai pregar sobre
nossa perícope a, antes de mais nada, simplesmente ler este contexto maior. A leitura
atenta deixa transparecer uma ceia com a participação dos discípulos tensos, aflitos,
duvidosos, céticos, e do Jesus com palavras precisas, definidas, não sem angústia
(13.21a), esclarecendo de maneira bem clara o futuro dos que o seguem e seguirão. E,
dentro da pastoral de atendimento reinante na maioria das paróquias da IECLB, este
contexto, e especialmente a perícope, confrontam-nos com a realidade nua e crua:
discípulo/igreja autêntico(a) só é aquele que está ligado ao Cristo, que produz fruto, e que
de antemão está disposto a correr o indesviável risco de ser perseguido (15.20).

II — Análise do texto

A pura e simples análise e descrição de uma videira já é decisiva na compreensão da


mensagem de Jo 15.1-8: o fruto gostoso, que depende de ramos, que estão ligados ao
tronco. Entre Jesus e os que o seguem esta ligação é indispensável. Sem ligação o fruto
dos aparentes discípulos será o mundo assim como ele está (também o Brasil com sua
sociedade dividida), no máximo, com atitudes que esperam recompensa (politiqueiros), ou
que nada mais são que alívio de consciência (campanhas de entidades como Lions e
Rotary), ou ainda com gestos que querem se livrar do próximo (esmola).

V. 1: Está aí o único tronco que contém a seiva para produzir frutos sadios: Jesus (cf. Jr
2.21; Is 5.1)'. E este tronco não é cultivado por algum agricultor desleixado. O agricultor
cuidadoso, atento, é o Pai.
V. 2: O ramo (discípulo) — quando escrevo discípulo penso em sua definição ampla:
cristão, membro, Igreja - que está ligado a este tronco (Jesus) indispensavelmente produz
fruto. E dentro do contexto maior da perícope fica claro que o fruto se resume na prática do
amor como resumo dos mandamentos. O ramo que produz fruto recebe toda a atenção e
todo o acompanhamento para produzir ainda mais. O ramo improdutivo é cortado.

V. 3: O grupo que está na ceia com Jesus, os discípulos, é definido como ramos limpos,
que é a mesma coisa que podados, conforme 13.10. Os que acompanham a vida de Jesus
e ouvem sua proposta de vida estão aptos a produzir o fruto do amor.

V. 4: Aqui está a condição básica para a produção do fruto: a ligação do discípulo com
Jesus. Esta ligação é tão indispensável e lógica como no caso da videira.

V. 5: Aqui está a sequência lógica: videira = ramos = fruto. Não é o fruto que transforma a
videira; nem o fruto que produz o ramo; nem o ramo que alimenta a videira! Da videira e
somente dela provém a força que, através do ramo, se transforma em fruto.

V. 6: Entendo eu ser este um versículo que, dentro de seu contexto maior, serve muito
bem para questionar os que na IECLB insistem em manter a unidade na pluralidade. A
proposta de Jesus é clara: ou se dá fruto ou não. E este fruto é o amor como resumo dos
mandamentos. Não tem tangente, nem forma alternativa, nem parcialidades (ênfase no
aspecto espiritual, conversão de ricos, todos temos fé e adoramos o mesmo Deus).
Conforme Jesus, o ramo está ou não está ligado. Não há meio termo (cf. Mt 3.10;
13.40.40).

V. 7: Parece-me estar aí mais um aspecto bem lógico na proposta de Jesus: assim como
os frutos esperados de uma videira em solo e clima adequados são sadios, assim o
socorro, a presença, o acompanhamento de Jesus/Deus são consequência lógica.

V. 8: O que é do agrado de Deus? Esta é uma pergunta que aflige os cristãos que se
preocupam com o que dizem ser. Neste v. 8 está a resposta. Do agrado de Deus é
exatamente esta vida em estrita ligação com ele/Jesus, a vida que produz o fruto do amor
como resumo dos mandamentos, e que de antemão está consciente e disposta a sofrer as
consequências da sua atitude, que o mundo não compreende a conseqüentemente não
aceita. O fruto do amor em meio à perseguição é do agrado e serve à honra e glória de
Deus. E é só neste conflito que o discípulo é reconhecido.

III - Meditação

Receio limitar a abrangência teológica de Jo 15.1-8 com o que escreverei abaixo, pois
tentarei relatar a minha situação vivencial na paróquia, nos dias em que me preocupo com
este auxílio homilético. Por outro lado, nada é melhor que a própria vida com suas cruzes
para permitir que a Palavra se torne viva. Por isso, tomo a liberdade de escrever o
concreto que me circunda e aflige na hora em que refuto e estudo a perícope em pauta.

Vivemos numa sociedade insegura (violência, aumentos, assassinatos de sindicalistas


autênticos, baixo nível de empregos), cheia de indefinições (questão da eleição
presidencial no país, solução para problema da seca no Nordeste), dividida (poucos ricos e
exploradores e a maioria faminta, doente, pisoteada), desumana (os que poderiam e
deveriam achar soluções não escutam o clamor da grande massa sofrida). Nossas
comunicações, salvo raríssimas exceções, são um espelho em miniatura da realidade
social vigente no país. Podemos iniciar falando das diretorias constituídas. Seu objetivo
principal são obras meritórias e a forte tendência de conciliar as classes sociais e
diferenças existentes na comunidade. Há a grande preocupação em torno das finanças e
de promoções festivas, e a sempre trágica conclusão de deixar a palavra final com o
pastor, para que toda e qualquer responsabilidade fique com ele ou, no mínimo, com seu
aval.

No entanto, o pastor, como guia espiritual e orientador teológico, age, se orienta, anuncia e
denuncia baseado na Palavra (cf. Jr 1.7 ou mesmo na nossa perícope, a ligação videira =
ramos). E o conteúdo básico do anúncio do pastor é exatamente este chamamento para o
fruto (15.2), para a prática e vivência do amor em todas as suas dimensões reais. E é aqui
que ocorre uma colisão entre a prática da comunidade e a mensagem da Palavra. Jo 15.1-
8 (especialmente com o auxílio de seu contexto maior) deixa patente que fundamental
para o ramo (cristão, discípulo) é sua íntima ligação com a videira (Jesus). Ou seja,
determinante nas atitudes do cristão é que ele siga a proposta de vida do Cristo e não a
tradição, a opinião ou pressão de um grupo, ou até mesmo a ideia do pastor. Nada disso!
Básico e decisivo é a orientação da Palavra do Cristo. O cristão absorve a seiva da videira,
isto é, a proposta de Cristo. E esta proposta não convive com uma sociedade dividida,
muito menos com uma comunidade que não é comum-unidade. A proposta de Jesus, com
sua ênfase no fruto, e o tranco de vida das nossas comunidades são excludentes. Jesus
com sua proposta não é simples tradição (sempre foi assim), nem conciliação (presença
do patrão ladrão e opressor com seu empregado lascado, na Santa Ceia), nem presença
de representante da comunidade em festividades (culto na praça em dias de feriado
nacional, encontro de bancários), nem preocupação pura e simples com as finanças da
comunidade. Na proposta de Jesus, que insiste no fruto, não é o pastor que define os
conteúdos do culto, ou alocuções, nem o comerciante, nem o presidente da paróquia, nem
sei lá quem. É a Palavra do Mestre que traz consigo a chave hermenêutica, e sua
vivacidade, seja ela dura e realista, mais ou menos. João 15.1-8 insiste, repete e sublinha
a ligação videira - ramo, ramo - videira.

Outra questão se refere à abrangência da ação do cristão Iincluo aqui membros, pastor, a
Igreja toda). É a pergunta: até onde a Igreja ''se mete?, Ou aquela pergunta: “ este pastor
vive falando coisas que não lhe competem” (é só ligar o culto ou o encontro com aquilo
que acontece fora das quatro paredes do recinto da reunião). Vimos que o fruto (v. 2) é
amor como resumo dos mandamentos.

Entendo eu que este amor é dinâmico. Este amor extrapola barreiras confessionais (“nós
evangélicos”), étnicas (“nós alemães”), regionalistas (“nós aqui do Sul – em contraposição
aos “vadios” do Norte). Este fruto não se esgota com a inscrição no fichário da
comunidade, com a participação nos cultos e outros programas. Este fruto não é sinônimo
de caridade, esmola, aparências, ritos.
O fruto do ramo ligado à videira é humildade (Ao 13.2-20). O fruto do ramo é angústia. (v.
21) diante da traição (vv. 21-30). O fruto é o amor que de antemão sabe da perseguição
(15;20).

O fruto é a luta pela vida. ''O Evangelho de João, de modo particularmente insistente;
compromete a pregação cristã com a tarefa de articular, ao lado da esperança, á realidade
da nova vida que, com Jesus, despontou em meio a um mundo de trevas e dor.
(Brakemeier, p. 15) Ou ainda: Fé não consiste apenas numa esperança, ela inaugura uma
nova realidade no presente. (Brakemeier, p. 13) Neste sentido, Jo 15.1-8 esclarece está
dialética: o ramo só é quando produz fruto (amor), e o fruto só será sadio quando o ramos
estiver ligado à videira (Jesus/Pai). Amenizações, conciliações nada mais são que
manifestações de um ramo ressequido, morte.

Confesso que com esta conclusão, que me trouxe novamente n luz o conflito da vida
cristã, encontrei novo ânimo, alegria, esperança, forças para enfrentar este mundo que vos
odeia (15.19), mas que ao mesmo tempo carece de paz, justiça, pão, trabalho, salário
justo, respeito, saúde, carinho —amor.

IV — A prédica

O esquema de prédica abaixo sugerido quer ser uma sugestão que sem dúvida vem
carregada de um profundo sentimento bem pessoal. O momento não me permite fazê-lo
diferente.

1. Breve descrição do contexto maior da perícope, seguida da leitura do texto, anexando-


se uma explicação minuciosa da ligação videira — ramo — fruto, apoiada no
conhecimento do ouvinte em relação à parreira assim como ela se apresenta na natureza.

2. Descrição nua e crua da realidade comunitária fictícia que em geral existe nas nossas
comunidades, destacando-se que nada mais ó que uma réplica em miniatura da sociedade
como um todo. Existe aí a possibilidade de o pregador inserir os problemas concretos da
situação do seu local/área de trabalho.

3. O pregador deveria possibilitar que a Palavra do texto desmascarasse a neutralidade, a


tentativa de querer conciliar antagonismos, a colocação de invólucros bonitos em fruto
podre, a permanência na dureza de coração diante da proposta clara da Palavra.

4. Ligado ao Domingo Jubilate, poder-se-ia clarear que nisto reside a verdadeira alegria
cristã, a saber, em que o ramo verdadeiro produz um fruto que é vida; este fruto traz
conflito, que nada mais é do que a confirmação de que o fruto é sadio. Evidentemente, em
tudo isso deve-se ter o cuidado de não permitir que o fruto dê motivo para vanglória, pois
somos um pobre saco de vermes (conforme Lutero, não?).

V - Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Deus, nosso Pai! Confessamos-te que nós não somos teus
filhos fiéis. Confessamos-te que não levamos a sério a proposta de vida que Jesus trouxe,
muito menos a praticamos. Sabemos que Cristo insistiu na prática do amor, mas só
insistimos em ficar na indiferença, no julgamento, em sulinos amigos também dos teus
inimigos. Confessamos-te que gostamos de viver numa comunidade onde os
ensinamentos do teu Filho não são praticados. Confessamos-te que concordamos em
viver num mundo e num país onde o amor foi substituído pela fome, miséria, desemprego,
perseguição, violência, doença. Perdoa-nos, Senhor, estes pecados, a fim de que
possamos fazer um novo início. Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Vem a nós. Senhor, através do teu Espírito Santo, a fim de que
possamos reunir nossos pensamentos em torno da Palavra que agora vamos ouvir. Que
esta Palavra possa quebrar nossa resistência diante do desafio que teu Filho nos deixou.
Que, motivados pela Palavra, possamos sair de nós mesmos para praticar o amor. Que
esta Palavra nos dê as forças necessárias para suportarmos o desprezo e a perseguição
daqueles que são contra ti e a tua proposta de vida. Amém.

3. Assuntos para a oração final: agradecimentos — pela clareza com que a Palavra
transmite a tarefa que nos cabe como discípulos (ramos); pela ressurreição de Cristo, pois
ela selou a veracidade e seriedade daquilo que Jesus praticou e falou; por todos os que
colocaram sinais concretos da proposta de vida de Cristo (menciona-se exemplos reais
que a comunidade conhece); intercessões — por todos os presentes ao culto, para que o
ar fresco não leve o desafio proposto pela Palavra; pela comunidade, para que seus
membros realmente refutam se assim como está ela serve à honra e glória de Deus; pelos
que prejudicam, diminuem e dificultam a vida (mencionar exemplos concretos do contexto,
seja salário injusto, não pagamento de horas extras, má assistência médica, acúmulo de
terras, ou mesmo fofocas, brigas desnecessárias), para que parem, refutam e estejam
dispostos a ouvir e seguir a proposta da Palavra; pelos dirigentes da IECLB, para que
ouçam os clamores e as dificuldades das bases (conforme situação específica),
proponham uma caminhada clara e definida, para que a Igreja ande como povo de Deus;
por todos os representantes de órgãos de classes, para que auxiliem o povo em sua
organização, visando a libertação para a vida.

VI — Bibliografia

- BOISMARD, M. E. Introdução ao Evangelho e às epístolas de São João. ln: A Bíblia de


Jerusalém. São Paulo, 1981, pp. 1379-1382.
- BRAKEMEIER, G. Observações introdutórias referentes ao Evangelho de João. In:
Proclamar Libertação. V. VIII. São Leopoldo, 1982, pp.7-15.
- KIRST, N. Prédica sobre João 15.1-8. In: - Vai e fala! São Leopoldo, 1978, pp. 243-248.

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