Você está na página 1de 52

mensagem

© AMORC
Expansão
Consciente
Continuamos com a linguagem simbólica da arte de artigo “Energia Biológica Útil”, dos Fratres James Morgan e
Nicomedez Gomes na capa frontal da revista. Ela nos Onslow Wilson, chamando a atenção para a complexidade
mostra um conhecimento profundo que merece a nossa que forma e sustenta a vida em nosso Planeta.
atenção. As Convenções de Portugal e Itália foram marcadas
O artigo do nosso Imperator, “A Sabedoria”, é uma pela harmonia e pelo excelente nível das palestras, além, é
lição de humildade, porque faz ver o conhecimento numa claro, da criatividade nos momentos artísticos. Parabéns ao
perspectiva mística. Frater Fernando Gabriel – Grande Conselheiro da Região
A reflexão filosófica “Por que Somos Rosacruzes?”, PT1 – e aos seus colaboradores.
do Frater Ralph M. Lewis, justifica o porquê da nossa Registro também a atenção e o carinho da equipe
caminhada na Senda da Rosacruz. organizadora da Convenção Italiana com a Caravana
A vida do Dr H. S. Lewis é, para o estudante rosacruz, brasileira, sob a coordenação geral e liderança do Grande
sempre interessante e exemplar. O texto do Frater Rick Mestre da Jurisdição Italiana, Frater Claudio Mazzuco.
Cobban acrescenta alguns pontos que confirmam a Parabenizamos os nossos fratres e sorores italianos e
genialidade e a iluminação daquele que “encarnou” a alma agradecemos a hospitalidade e o espírito fraternal.
da Rosacruz neste atual ciclo de atividades. A reunião da Suprema Grande Loja ocorreu de 04 a
A Cabala Hebraica ou Kabalah fornece-nos elementos 08 de outubro p.p. e foi uma oportunidade para fortalecer
para vislumbrarmos, ainda que mentalmente, a Criação e a nossa Ordem e confirmar o seu caráter internacional e
seus desdobramentos. É o que aprendemos no trabalho do templário, rumo aos novos tempos que se avizinham.
Frater Nery Fernandes. Peço o apoio na “Campanha Expansão Consciente”
A Universidade Rose-Croix, URCI entrou em em sua segunda fase, que consiste em apresentar a Ordem
uma nova fase. Com o Congresso realizado de 04 a a uma pessoa considerada preparada para o nosso trabalho.
07 de setembro p.p., constatamos que o pioneirismo A Campanha culminará em julho de 2011 na atividade
das pesquisas dos membros acadêmicos confirma a pré-Convenção de inserção dos nomes dos colaboradores na
característica vanguardista de nossa Ordem. Os resultados Esfinge, que será colocada no Bosque Rosacruz. Participe
podem e devem ser utilizados para o bem da humanidade. desta bela missão ajudando a expandir a nossa Ordem!
E falando nisso, a convergência entre Ciência e Quero manifestar a todos meus melhores votos de um
Misticismo é inquestionável. Somente as abordagens são Feliz Natal e um Ano Novo pleno de realizações em todos
diferentes, uma vez que a perspectiva transdisciplinar os planos!
nos remete ao Uno. O artigo “Encontros entre Ciência e
Sincera e Fraternalmente
Misticismo”, dos Fratres Ferrari e Marinho, docentes, dá-
nos uma ideia de um dos temas tratados no Congresso.
O evento foi um sucesso e aproveito para parabenizar os
organizadores.
Com o artigo do Frater Raul Passos ficamos
conhecendo as relações de dois grandes nomes da
música erudita, Debussy e Satie, com a nossa Ordem, e Hélio de Moraes e Marques
compreendemos melhor a sua elevada inspiração. GRANDE MESTRE
Somos também inspirados nesta revista com relação
ao contato que devemos sempre manter com o Deus de
nosso coração, a fagulha divina que arde para sempre
dentro de cada um de nós.
E a energia que mantém a vida dinâmica é o tema do

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 1


O Rosacruz é uma publicação
trimestral da Jurisdição de Língua Propósito
Portuguesa da Antiga e Mística
Ordem Rosae Crucis. As demais da Ordem
jurisdições da Ordem Rosacruz
editam uma revista do mesmo
gênero: El Rosacruz, em espanhol;
Rosacruz
A Ordem Rosacruz, AMORC
Rosicrucian Digest e Rosicrucian é uma organização internacional
Beacon, em inglês; Rose+Croix, em de caráter templário, místico,
francês; Crux Rosae, em alemão; De cultural e fraternal, de homens e
Rooz, em holandês; Ricerca Rosacroce, mulheres dedicados ao estudo e
em italiano; Barajuji, em japonês e aplicação prática das leis naturais
Rosenkorset, em línguas nórdicas. que regem o universo e a vida.
Seus textos não representam a palavra oficial da AMORC, salvo
Seu objetivo é promover a
quando indicado neste sentido.
evolução da humanidade
O conteúdo dos artigos representa a palavra e o pensamento dos através do desenvolvimento
próprios autores e são de sua inteira responsabilidade os aspectos legais das potencialidades de
e jurídicos que possam estar interrelacionados com sua publicação. cada indivíduo e propiciar
Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa ao seu estudante uma vida
na Ordem Rosacruz, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de harmoniosa que lhe permita
Língua Portuguesa. alcançar saúde, felicidade e paz.
Todos os direitos de publicação e reprodução reservados à Antiga Neste mister, a Ordem
e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Rosacruz oferece um sistema
Jurisdição de Língua Portuguesa. Proibida a reprodução parcial ou eficaz e comprovado de
total por qualquer meio. instrução e orientação para um
profundo autoconhecimento
V Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC e compreensão dos processos
V Editor: Mercedes Palma Parucker, SRC – MTb-580 que conduzem à Iluminação.
V Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC
Essa antiga e especial sabedoria
foi cuidadosamente preservada
V Assinaturas: Ligue para (0xx41) 3351-3060
desde o seu desenvolvimento
1 ano: R$ 40,00 – 2 anos: R$ 70,00 pelas Escolas de Mistérios
Esotéricos e possui, além do

como colaborar
aspecto filosófico e metafísico,
um caráter prático.
A aplicação destes ensinamentos
V Todas as colaborações devem estar acompanhadas pela declaração está ao alcance de toda pessoa
do autor cedendo os direitos ou autorizando a publicação. sincera, disposta a aprender,
V A GLP se reserva ao direito de não publicar artigos que não se de mente aberta e motivação
encaixem nas normas estabelecidas ou que não estiverem em positiva e construtiva.
concordância com a pauta da revista.
V Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Origi-
nais não serão devolvidos.
V No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá
providenciar a autorização necessária para publicação perante as
autoridades pertinentes ou autores respectivos. Grande Loja da Jurisdição
V Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e de Língua Portuguesa
práticas rosacruzes, misticismo, arte, ciências e cultura geral. Rua Nicarágua, 2620
Bacacheri – 82515-260
Curitiba – PR

nossa capa www.amorc.org.br


Caixa Postal 4450 – 82501-970
Fone: (0xx41) 3351-3000
“Luz” por Nicomedes Gómez – vide página 43. Fax: 3351-3065 e 3351-3020

2 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


sumário
08 nesta
edição
A Sabedoria 04
por CHRISTIAN BERNARD, FRC

18 Na mão de Deus 07
por ANTERO DE QUENTAL

Por que somos Rosacruzes? 08


por RALPH M. LEWIS, FRC

AMORC no Mundo 13

A Criatividade do Dr. Harvey Spencer Lewis 14


por RICK COBBAN, FRC

26 A Criação e os níveis da Torá 18


por NERY FERNANDES, FRC

I Congresso da URCI 26
por BEATRIZ M. PHILIPPI, SRC

Claude Debussy e Erik Satie: 34


compositores rosacruzes
por RAUL PASSOS, FRC

44 Encontros entre ciência e misticismo 40


por CARLOS A. FERRARI, FRC e RUBENS DE MELO MARINHO JR., FRC

O Deus do nosso coração 44


AUTOR DESCONHECIDO

Energia biológica útil 46


por JAMES R. MORGAN, FRC e ONSLOW H. WILSON, FRC

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 3


vida prática

A Sabedoria
V por CHRISTIAN BERNARD, FRC

4 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


T
al como um archote, a sabedoria cavaleiros. É grande a tentação que ele tem
arde em nós e deveria iluminar de se acreditar sábio sob o pretexto de que
cada um de nossos pensamentos, traz consigo essa espada. Lembre-se de
de nossas palavras e de nossas como “Excalibur”, a espada do poder, par-
ações. Já me referi à sabedoria em um texto tiu-se quando o Rei Arthur, por ignorância
intitulado: “A peregrinação interior”. Este e por orgulho, invocou seu poder mágico
texto figura em meu livro “Assim Seja!”, para matar o Cavaleiro Lancelot, símbolo
editado em 1994. Permita-me retomar um de nobreza e idealismo. Foi só por causa
excerto dele, já que, em minha opinião, de seu profundo arrependimento e de sua
ilustra bem minha percepção da sabedoria. imediata e definitiva tomada de consci-
Devo precisar que este excerto se endereça ência que a Dama do Lago lhe restituiu a
mais particularmente aos rosacruzes. espada da Realeza. O mesmo se aplica à
“Ser sábio é conhecer com perfeição espada da sabedoria. Se a utilizarmos im-
todos os aspectos da dualidade humana e punemente para satisfazer os desejos ile-
aplicar esse domínio a gítimos de nosso ego,
todas as relações que faremos dela um ins-
estabelecemos com os
outros. Portanto, é sá-
bio aquele que sempre
“ Empunhar
da sabedoria não
a espada trumento de demência
e de poder maléfico.
Não é por acaso que
mostra o caminho a ser é uma fácil tarefa, os antigos cabalistas
seguidos sem nunca o sempre fizeram a con-
mesmo para o maior
impor, e que jamais faz traposição da loucura
pelos outros o que eles dos cavaleiros. É e da sabedoria em seus
mostram interesse em ensinamentos.
fazer por si mesmos.
grande a tentação que Como peregrino-
Sábio também é aquele ele tem de se acreditar -cavaleiros da Rosa-
que sabe calar quando é Cruz, devemos com-
preciso se contentar em sábio sob o pretexto preender, antes que
escutar, e falar quando de que traz consigo seja tarde demais, o
pode e deve se fazer ou- que a palavra “sábio”
vir. O verdadeiro sábio
não é aquele que fala
essa espada.

bem da sabedoria, mas aquele que faz fala-


” significa verdadeira-
mente. Para tanto, é
preciso aprender por meio da Iniciação
rem bem dele pela sabedoria de suas ações. que, assim como o hábito não faz o monge,
De tudo que dissemos acima resulta que a a espada, qualquer que seja, não faz o cava-
verdadeira sabedoria sempre ouve mais do leiro. Ser portador da espada da sabedoria
que fala, fala menos do que age, e nunca sem ser sábio assemelha-se a contemplar
age sem ter antes refletido muito. Darmos a luz do dia com uma venda nos olhos. Só
prova de sabedoria não é querermos refor- unindo o poder cósmico da sabedoria às
mar o mal que cremos ver nos outros, mas virtudes do sábio podemos realizar o esta-
nos conformarmos ao bem que estamos do de Cavaleiro Rosacruz. Foi pelo fato de
certos de perceber neles. A sabedoria tem os antigos místicos haverem compreendido
por missão preservar a harmonia onde ela a necessidade dessa união que falaram do
existe, e tudo fazer para que ela se faça Sábio dos Sábios. Talvez tenha sido pela
onde não existe. mesma razão que o Rei Arthur, após ter
Empunhar a espada da sabedoria não é recebido a Iluminação, gritou, apontando
uma fácil tarefa, mesmo para o maior dos Excalibur para o céu: “Terra e Rei são uma

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 5


vida prática

só coisa!” Não tinha ele efetivamente acaba- ram esse estado foram mais do que sábios.
do de ter a percepção do estado Rosacruz Cada qual poderia ser chamado “Cristo”.
em que Sabedoria e Sábio são verdadeira- Dado que o estado de sabedoria deve ser
mente uma só coisa?”. necessariamente alcançado antes do estado
Ora, o que eu dizia sobre a sabedoria crístico, isto faz supor que há um manda-
me parece igual e constantemente uma mento mais fácil de ser seguido pelos seres
verdade. No entanto, gostaria de precisar em evolução, que somos nós.
algumas coisas. Muitos místicos confun- Esse mandamento mais acessível para
dem conhecimento e sabedoria. Conhecer nós é precisamente aquele que o sábio é
é saber, e ser sábio é compreender e aplicar capaz de observar, e creio que podemos
aquilo que sabemos. À guisa de exemplo, exprimi-lo dizendo: “Compreendamo-nos
muitas pessoas leram várias obras e diver- uns aos outros”, ou dito de outra maneira,
sos textos supostamente sagrados, religio- aprendamos a nos conhecer e a nos apre-
sos ou filosóficos. Mas quem pode afirmar ciar tal qual somos, já que não somos ainda
que elas compreenderam e integraram capazes de amar o nosso próximo assim
tudo aquilo que esses escritos encerram? como a nós mesmos. Esforcemo-nos por
Como aplicar, então, em sua vida cotidiana, aplicar esta compreensão mútua em todos
um saber incompreendido? O problema, as nossas relações humanas. Agindo assim,
em matéria de sabedoria, é saber do que faremos muito mais por nossa evolução e
falamos e não falar senão daquilo de que pela evolução do mundo do que lendo, sem
estejamos certos de haver compreendido. compreender, os mais altos preceitos cris-
Isso deve nos levar a ser modestos, pois tãos ou outros.
não podemos jamais estar verdadeiramen- Se conseguirmos viver este mandamen-
te certos da compreensão que temos de to, não por amar todos os seres, mas por
alguma coisa. Neste sentido, é preferível não detestar nenhum deles, teremos, por
colocar em prática a cada dia uma qualida- nossa atitude, nos aproximado da grande e
de única a qual integramos perfeitamente verdadeira Sabedoria. Z
do que falar como um livro de todas as
virtudes sem sermos capazes de aplicar
uma sequer. De fato, o objetivo do homem
não é tanto adquirir conhecimento quanto
colocá-lo em prática.
Quando o Mestre Jesus ensinou aos
homens que deveriam se amar uns aos
outros, ele acrescentou que não havia man-
damento superior a este. O que há de mais
simples do que dizer, ler ou escrever esta
frase: “Amemo-nos uns aos outros”? Todos
a conhecem, mas quem compreende sufi-
cientemente sua essência para colocá-la em
prática em sua vida cotidiana?
Quando refletimos sobre o sentido
deste único preceito, vemos que ele mostra
o ideal de comportamento que todos os * Frater Christian Bernard é Imperator do atual
homens alcançarão um dia, mas que ape- ciclo de atividades da AMORC. Texto extraído
do livro “Reflexões Rosacruzes”, a ser lançado
nas alguns já realizaram. Por outro lado, em breve pela GLP.
aqueles poucos que efetivamente atingi-

6 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


poesia
Na mão
de Deus
V por ANTERO DE QUENTAL (1842-1891)

Na mão de Deus, na sua mão direita,


Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita


A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,


Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…


Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 7


rosacrucianismo

© PHOTOS.COM e AMORC

Por que somos


Rosacruzes?
V por RALPH M. LEWIS, FRC

A
pergunta quanto ao porquê de ponderou sobre esta questão. O ser humano
sermos Rosacruzes poderia apre- tem pressuposto e sinceramente acreditado
sentar muitas respostas diferentes. possuir um vínculo com o Infinito. Acredita
Poderia haver tantas respostas dis- haver energias intangíveis, uma inteligência
tintas quantos são os Membros da AMORC. psíquica que o liga à causa primeira de tudo.
Porém, por trás das diversas respostas há uma Além disso, o homem tem mostrado propen-
causa comum, e essa causa se expressa em ou- são a considerar a mente superior à matéria.
tra questão: Por que estamos aqui? Toda pes- Tem, em geral, contestado a noção de que a
soa reflexiva, de qualquer idade, alguma vez totalidade da mente humana seja um subpro-

8 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010



duto da matéria em movimento. O homem
tornou-se capaz de empregar a mente para O homem conhece a
levar forças físicas da natureza a obedecer a certeza da morte, do fim
sua vontade. A mente tornou-o causativo em
seu mundo.
da existência física. Supõe,
Consequentemente, pareceu coerente ao espera e acredita haver
ser humano que uma inteligência correspon-
uma continuação da vida
dente, porém superior, se encontrasse além
de toda a realidade. Parecia ilógico que o
Cosmos fosse desprovido desse poder de que
o próprio homem tanto se orgulhava. Por
após a morte.

resultou na pergunta quase universal: Por que
conseguinte, o ser humano concluiu que uma estamos aqui?. Ao buscar sua resposta, o homem
Inteligência Infinita, que tudo criara, também busca a segurança. Necessita de uma certeza
o impregnaria. O homem estabeleceu ideais pessoal que lhe possibilite a paz de espírito.
para si mesmo. Conduz seu organismo no Há homens que pensam que a vida, como a
sentido desses ideais. Acredita, portanto, que vivem, lhes foi predeterminada. Creem neces-
a Inteligência Infinita, Transcendental ou sário submeter-se às vicissitudes da vida. Para
Cósmica deva também ter um propósito final eles, a existência é como uma bola de bilhar,
superior em relação ao homem. rolando e desencadeando eventos à sua passa-
Porém, é difícil para este conciliar as gem. Esperam que nalgum ponto do caminho
experiências humanas com a crença num caiam na caçapa certa de uma jubilosa vitória
propósito divino. Não há caminhos bem de- na vida; se não o conseguirem nesta existência,
finidos que conduzam a ideais concretos de consegui-lo-ão na vida após a morte.
felicidade. O caminho da vida é entremeado Outros há que acreditam que a felicidade
de eventos variados. Alguns abrigam o bem; e a paz de espírito constituem responsabili-
outros, o mal. A sorte humana varia quase dade exclusiva do próprio homem. Adotam o
diariamente, como um cata-vento na tempes- ponto de vista de que não há certeza cósmica,
tade. Milhões de homens e mulheres se têm mas apenas possibilidade. Existem fatores
lamuriado como o antigo filósofo epicurista, tanto de miséria quanto de felicidade. Tais
Lucrécio. Lamentava este: “Por que trazem pessoas creem que compete à mente humana
doenças, em sua passagem, as estações do determinar valores e relações corretas. Estão
ano? Por que a morte prematura em toda convencidas de que somos nós próprios, ao
parte espreita? A criança recém-nascida en- vivermos os mistérios da vida, que podemos
che o quarto de lamentos tristes. Bem o faz, responder à questão “Por que estamos aqui?”.
que seu destino será andar pela vida através Quem assim pensa são os Rosacruzes. Se não
de numerosos infortúnios”. pensamos deste modo, não somos Rosacruzes
no sentido tradicional.
Como Rosacruzes, portanto, devemos
aprender a estabelecer um propósito sensato
Por que para nossa vida. Este propósito depende do
nosso discernimento das relações que temos
estamos aqui? com o Cósmico. Consiste também na desco-
Será o homem, afinal, apenas um produto de berta dos vínculos que temos com as forças
forças mecânicas não-pensantes do universo? da natureza, que também são Cósmicas.
Deve ele andar pela vida aos tropeções, tentan- Consiste, enfim, em aprendermos como es-
do agarrar as saias do destino? Se há uma mis- tabelecer um relacionamento proveitoso com
são para seres como o homem, qual será? Isto nossos irmãos humanos. Há dois caminhos

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 9


rosacrucianismo

para alcançá-lo. Primeiro, a eliminação dos alegria e bem-aventurança. Todavia, não


valores negativos. Por negativos entendemos há acordo, nestes sistemas, quanto ao que
ideias, noções e crenças que inibem nossos deveria constituir o código espiritual terreno.
poderes e funções naturais. A ação é o posi- As religiões e as filosofias morais, nos seus
tivo. O negativo é a inércia correspondente. escritos e sermões sagrados, se contradizem
Nem toda ação, naturalmente, é boa, como umas às outras.
também nem sempre o controle e o refre- Milhões de pessoas vivem temen-
amento são errados. Porém, se algo há que do as conseqüências posteriores à morte.
devemos realizar cósmica, moral ou social- Perguntam a si mesmas se terão merecido a
mente, e não o realizarmos, isto constituirá, bem-aventurança que esta vida não propor-
então, uma atitude adversa, negativa. cionou, ou se haverão de sofrer um tormento
Entre os grandes negativos que devemos superior a qualquer experiência terrena. A
combater encontram-se os temores associa- vida inteira dessas pessoas é temerosa, uma
dos à morte. É natural que o homem tema a confusa preparação para um futuro de incer-
morte. Esta significa o exato oposto da vida, teza. Por que deveríamos crer que o homem
a cessação de toda a atividade de que consiste devesse andar desamparado, aos tropeções
a existência. Permanentemente, há em nos- pela vida temporal? Por que ele teria de adi-
sa subconsciência o inelutável impulso para vinhar o que uma deidade, um Ser Supremo
ser, para viver. A mente consciente é sempre desejasse ou tencionasse que ele fizesse? Por
sensível a esse impulso, a essa inclinação. Por que dissociar da existência terrena as leis
conseguinte, a morte geralmente parece um cósmicas e seus efeitos? Por que relacioná-los
fim, uma porta que se fecha para qualquer que apenas a um remoto paraíso?
seja o sentido que tenhamos atribuído à vida.
O homem conhece a certeza da morte,
do fim da existência física. Supõe, espera e
acredita haver uma continuação da vida após O ponto de
a morte. A filosofia e a religião cultivam a
disciplina da escatologia – que compreende a vista místico
investigação ou o estudo dos fins últimos da O místico entende que a lei cósmica, o poder
existência humana. Tais sistemas procuram divino, se manifesta em qualquer nível da
explicar a vida após a morte em termos de realidade total. Deus, o Cósmico, atua em
nossa experiência mortal e terrena. Atribuem todas as manifestações. Todas as coisas,
à vida após a morte testes e provações a que animadas e inanimadas, são componentes da
se encontra sujeita a personalidade humana. Consciência Universal. É aqui, nesta Terra,
Estendem para o outro mundo valores mo- que nos decidimos por viver em harmonia ou
rais como bem e mal. Admitem a existência em desarmonia com o Cósmico. Aqui é que a
de castigo, de punição, prescrita segundo o personalidade aprende. Não devemos pensar
mal que o homem tenha cometido. apenas no indivíduo, mas na humanidade,
coletivamente. Um indivíduo pode parecer
encontrar felicidade aqui, e outro, não. Um
Haverá parece livrar-se da punição, enquanto outro,
não. A espécie, porém, a humanidade como
recompensa? um fluxo contínuo, sofre sua compensação,
seu carma, se não nesta geração ou nesta
Argumentam, por outro lado, que a conduta época, então numa outra.
terrena adequada será recompensada após Coletivamente, elevamos ou baixamos o
a morte com prazeres quase sensoriais de nível de consciência da humanidade sobre a

10 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


nunca diretamente como causa. A percepção
© PHOTOS.COM

desse poder superior cria imagens em sua


consciência subjetiva. Essas imagens são
interpretadas pelo homem de acordo com seu
nível de consciência, com a profundidade do
seu discernimento.
O homem se esmera em dar forma ou
expressão a essa percepção cósmica. Para
alguns, esse poder transcendental é antro-
pomórfico, um ser com aparência humana e
atributos humanos. Ou seja, esse ser ama, é
zeloso, terno e protetor como um pai. Para
outros, esse poder transcendental apresenta-
-se como um juiz, sábio, severo e inexorável
em seus mandamentos. De acordo com os
que assim creem, esse divino juiz estabeleceu
leis às quais toda a humanidade está sujeita.
Porém, a humanidade pode, sob certas cir-
cunstâncias, a ele recorrer. Ainda para outras
pessoas, esse poder superior é mente absoluta,
apenas. Ou seja, concebem esse poder como
Terra. Pelo modo como vivemos, determi- uma consciência impessoal onipresente.
namos as recompensas ou punições que a Colocar-se em harmonia com essa cons-
humanidade viverá no futuro. O que estamos ciência significa alcançar a mais profunda
vivendo é o carma que por nós mesmos foi visão do Eu e da natureza, obtendo, com isto,
criado. Nós provocamos, de acordo com nos- domínio pessoal e paz duradoura.
so bom ou mau emprego das leis cósmicas,
nossas compensações aqui e agora. Com esta
compreensão, nós, Rosacruzes, libertamo-nos
do medo negativo, relativamente à morte, que Uma concepção
sufoca a mente de muitos.
Para descobrirmos nosso propósito na pessoal
vida, não somente é necessário que nos liber- Para os Rosacruzes, um ponto é de suprema
temos de conceitos negativos, porém, como importância. Esse Deus, essa Mente Divina
Rosacruzes, que também assumamos deter- ou Cósmica, como queira o leitor, é sem-
minados pontos de vista positivos, que nos pre uma experiência pessoal transcendente
devem parecer tão evidentes que despertem e imanente, isto é, íntima. Tal experiência
nossos poderes e capacidades pessoais. Essas jamais pode ser tornada uma ideia comum,
perspectivas positivas devem fortalecer-nos aceita sob todos os aspectos por todos os
para todas as provações na vida. Devemos homens indistintamente. Ela constitui um
acreditar que existe uma força transcendental sentimento no santuário da alma. Assume
a que pode o homem recorrer. Não deve- uma aparência característica de acordo com
mos pensar que o ser humano seja arrastado a mente finita do indivíduo. Por conseguinte,
numa corrente de forças mecanicistas. Esse não é possível uma definição que estabeleça a
poder superior pode revitalizar o homem, mesma configuração da consciência cósmica
emocional e fisicamente. Porém, o ser huma- em todos os homens. Por esta razão é que
no percebe esse poder superior como efeito, os Rosacruzes devem sempre se referir ao

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 11


rosacrucianismo

“Deus do meu coração”. Com estes termos, o discernimento humano. Não pode haver
os Rosacruzes querem dizer: Deus como verdades absolutas fora da experiência huma-
experiência pessoal, como algo que cada qual na. Se não forem aceitáveis para o homem,
pode entender. não serão, para ele, verdadeiras. A verdade,
Compreenda-se que o conceito pessoal portanto, é um valor estabelecido pelo ho-
de Deus de nenhum indivíduo é errado mem a partir da percepção e das conclusões
para si mesmo. Nem a imagem mental que da sua razão. Não o que possa ser uma coisa,
alguém faça de Deus é correta para todos mas o que o homem possa entender que ela
os outros homens. Ocorre-nos à lembran- seja – isto é verdade.
ça as significativas palavras do etnógrafo A realidade não é estática; a totalidade
Max Müller. Disse ele: “Jamais houve um do ser encontra-se em permanente mudança.
falso Deus, nem houve jamais uma religião A inteligência humana e o discernimento
absolutamente falsa, a menos que conside- interior estão, da mesma forma, em mu-
remos uma criança um falso ser humano”. dança. O homem percebe esta realidade de
Com uma perspectiva positiva como esta, os forma variável: hoje, de um modo; amanhã,
Rosacruzes não podem admitir a intolerân- de uma perspectiva diferente. As verdades
cia ou o preconceito religioso. Isto significa, de hoje não são as mesmas de ontem, nem
portanto, a eliminação de um dos maiores podem ser as mesmas de amanhã. Se fossem
conflitos da sociedade humana. absolutas as verdades, então a mente humana
A verdade sempre foi procurada por estaria inibida, condicionada. Não poderia
razões psicológicas. O que se mostra verda- haver nenhum progresso, pois nada poderia
deiro granjeia confiança, pois apresenta uma ultrapassar a verdade estabelecida, a chamada
natureza positiva que pode ser avaliada em verdade absoluta. Além disso, todas as ver-
relação a nós próprios. O que é verdadeiro dades relativas que o discernimento humano
apresenta uma qualidade distinta, que po- admite teriam de ser rejeitadas. O homem
demos aceitar ou rejeitar. Há dois conceitos não mais poderia confiar nos seus sentidos ou
genéricos com relação à natureza da verdade. em sua razão.
O primeiro é o de que verdade é qualquer Consequentemente, como Rosacruzes,
coisa que, para nós, apresente qualidade real. encontramos na ciência, na filosofia e no
Sendo a existência duvidosa, então não é ver- misticismo, aquilo que no momento não
dade, segundo esta concepção. O outro ponto pode ser refutado, e que, portanto, nos serve
de vista afirma que a única verdade é aquilo como verdade. Todavia, nós o rejeitamos
que é prático e útil. Algo que não tenha apli- sempre que a luz da mente humana revele
cação em nossa vida, em nossa inteligência é, uma verdade superior. Com este concei-
por conseguinte, considerado não verdadeiro. to de verdade, o Rosacruz jamais se torna
Estas duas teorias nos afirmam, de fato, dogmático ou limitado à tradição. Com o
que nada é verdadeiro, a menos que tenha a Rosacruz, a verdade se encontra sempre em
confirmação dos nossos sentidos receptores, processo de confirmação.
e que também seja para nós compreensí- As poucas razões aqui expostas res-
vel. Portanto, se podemos perceber algo e pondem à questão do porquê de haver
compreendê-lo, isto será potencialmente útil Rosacruzes. Com estas razões são formu-
para nós. Consequentemente, os Rosacruzes lados ideais individuais que conduzem à
entendem que nenhuma verdade se encontra felicidade pessoal. Nada é mais importante
fora da consciência humana. Nada é ver- na vida do que a felicidade perfeita. Porém,
dadeiro senão quando a mente humana o ela tem de ser conquistada. Não pode ser
compreende como tal. descoberta, nem constitui um capricho do
A verdade, portanto, está relacionada com mero ato de viver. Z

12 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


no mundo
Reunião do Conselho Supremo
De 4 a 8 de outubro de 2010
A reunião no Domaine Rosicrucien de Lachute, Quebec – Canadá, realiza-se anualmente na
primeira semana de outubro. Durante o encontro os Grandes Mestres apresentam ao Conselho

AMORC
Supremo da AMORC, relatórios, necessidades, perspectivas e planos de suas Grandes Lojas,
bem como recebem do Imperator as diretrizes quanto ao destino da nossa Organização.
Importantes decisões são tomadas para o fortalecimento da AMORC no mundo.

O Imperator com os Grandes Mestres em Lachute. Vemos, da esquerda para a direita:

Zaven Paul Panikian – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Inglesa para Austrália, Ásia e Nova Zelândia
Julie Scott – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Inglesa para as Américas
Live Söderlund – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Escandinava
Hélio de Moraes e Marques – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Portuguesa
Klass Bakker – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Holandesa
Christian Bernard – Imperator
Cláudio Mazzucco – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Italiana
Serge Toussaint – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Francesa
Maximilian Neff – Diretor-Tesoureiro da Suprema Grande Loja e Grande Mestre da Jurisdição de Língua Alemã
Hugo Irigoyen Casas – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Espanhola para Europa, África e Australásia
Willian Burnam Schaa – Diretor-Secretário da Suprema Grande Loja
Sven Johansson – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Inglesa para Europa e África
Atsushi Honjo – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Japonesa
Michal Eben – Grande Mestre da Jurisdição de Língua Tcheca e Eslovaca

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 13


criatividade

A Criatividade
do Dr. Harvey
Spencer Lewis
V por RICK COBBAN, FRC

E
m 2009, foi comemorado o centenário da Iniciação do Dr. Harvey Spencer Lewis à
Ordem Rosacruz. Suas inúmeras qualidades extraordinárias e dedicação de toda sua
vida para estabelecer a Ordem Rosacruz - AMORC estão bem documentadas. A
capacidade desse grande místico de organizar e liderar a Ordem Rosacruz serviu de
inspiração a todos nós. Este artigo vai explorar um aspecto menos conhecido de sua vida: a
extraordinária profundidade e amplitude de criatividade do Dr. Lewis.
© AMORC

Pintura retratando o Planetário Rosacruz – por H. S. Lewis. O projetor de estrelas original do


Planetário foi construído por H. S. Lewis

14 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


Um homem

© AMORC
renascentista
Nascido em 25 de novembro de 1883, em
Frenchtown, Nova Jersey, o jovem Harvey
Spencer Lewis encarnou-se numa época
de possibilidades. Ele podia lançar sua mão
e mente na direção de qualquer coisa que
decidisse conquistar. Músico desde tenra
idade, tocava habilmente violoncelo e piano.
Embora nunca reconhecesse ter gênio artísti-
co, alcançou domínio inspirador nas artes da
pintura e da fotografia. De fato, no início de
sua carreira de negócios, foi um dos pioneiros
no uso da fotografia na propaganda e nas re-
lações públicas. Nas décadas de 1920 e 1930,
o Dr. Lewis era procurado como consultor
em arquitetura, religião e cultura de todas
as civilizações por diretores e produtores de
Pintura retratando o interior do Templo de
Hollywood em busca de autenticidade na Karnak, por H. S. Lewis
montagem de seus filmes épicos focalizando
o mundo antigo. Seu amor e conhecimento
da terra do Egito levaram-no e à AMORC a entre outras revistas. Como Imperator da
apoiarem a descoberta e a preservação de an- Ordem Rosacruz, AMORC, se correspon-
tiguidades egípcias. Recebeu como presentes dia com milhares de pessoas todos os me-
muitas antiguidades valiosas, o que o levou ses. Também era um orador talentoso, que
a fundar o que hoje conhecemos como o conseguia manter um auditório fascinado por
Museu Oriental Egípcio Rosacruz, para que horas quando dava palestras sobre misticis-
o público pudesse apreciar e aprender com mo, arte ou ciência. Era verdadeiramente um
essas culturas antigas. Atualmente, o Museu “homem renascentista”.
Egípcio Rosacruz recebe mais de 400.000
visitantes anualmente. O Dr. Lewis tinha
um profundo interesse pelas artes e ciências.
Projetou um dos primeiros planetários na Domínio da
América do Norte, no Parque Rosacruz. O
então novo meio de comunicação – o rá- Vida e ideais
dio – encantava o Dr. Lewis como um meio
de prestar serviço público e informar sobre rosacruzes
a Ordem Rosacruz. Desenvolveu as inova- O Dr. Lewis trabalhou diligentemente para
ções da “educação aberta” e dos “programas dominar a complexidade da pintura, tanto a
de debates no rádio, com a participação óleo quanto aquarelas. Sentia grande prazer
dos ouvintes”. O Dr. Lewis foi também um trabalhando como um artesão habilidoso
escritor e homem de letras bastante fecundo. quando visualizava, compunha e executa-
Foi autor de mais de doze livros destacando va cada desenho ou pintura. Seus quadros
a Filosofia Rosacruz e escrevia mensalmente muitas vezes apresentavam cenas da História
inúmeros artigos para o Rosicrucian Digest, Rosacruz que eram vividamente imaginadas

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 15


criatividade

“Imaginação e Criatividade”, ele nos lembra de


© AMORC que somos abençoados pelos dons humanos
de receber a revelação cósmica e que devemos
usar nossa imaginação e nossa habilidade para
criar mentalmente as condições que legitima-
mente desejamos em nossas vidas. Para o Dr.
Lewis, os princípios místicos envolvidos na
criação eram considerados essenciais para se
alcançar o “Domínio da Vida”.

O órgão de
cores Luxatone
da AMORC
O Dr. Lewis tinha um sonho criativo inco-
mum, o qual desejava tornar realidade. Tinha
ficado fascinado filosófica, científica e artisti-
camente pelas leis eletromagnéticas que go-
vernam os fenômenos e as relações dos sons
Pintura retratando as Escolas de Mistérios, e das cores. Em 1916, seu desejo de demons-
por H. S. Lewis
trar as correspondências harmônicas das oita-
vas das vibrações que constituíam o “Teclado
e ganhavam vida através da magia do pincel Cósmico” do espectro eletromagnético levou-
e da pena. Muitas aquarelas e fotografias -o à criação de seu primeiro “órgão de cores”.
artisticamente compostas gravaram cenas Criou um globo hermeticamente fechado e
das pirâmides, templos e tumbas do Egito cheio de incenso que respondia brilhando
da turnê Rosacruz de 1929 por aquela terra com cores diferentes à medida que se tocava
antiga e eterna. As imagens que criou das música em um órgão próximo. A força da luz
escolas de mistérios e dos alquimistas per- aumentava à medida que o volume da música
mitiram a muitos partilhar de sua visão de aumentava até que, finalmente, cada nota da
momentos importantes do desenvolvimento oitava produzia uma luz diferente. O Fr. Ralph
da filosofia mística Rosacruz. De fato, os M. Lewis escreveu: “Na década de trinta, a
quadros do Dr. Lewis são uma poderosa me- criatividade da mente de Harvey Spencer Lewis
táfora para o ideal rosacruz do “Domínio da desabrochou completamente. Ele estava agora
Vida”, alcançado através do trabalho com as determinado a construir um órgão através do
leis do universo e criando uma visão pessoal qual a relação entre cor e som, um assunto da
através da prática dedicada com a coragem
de tornar seus sonhos realidade. Ele também


escreveu artigos, como “Criando no Cósmico”, O Parque Rosacruz
“Imaginação e Criatividade” e “A Cor e sua
Influência Mística”, explicando a natureza da foi imaginado como um
imaginação, da criatividade e a aplicação das
leis naturais no processo criativo, pelo qual
local de beleza e paz
podemos melhorar nossas vidas. No artigo profunda…

16 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010
física teórica, poderia ser vista por um auditó-
rio lotado. Em 4 de janeiro de 1933, seu órgão O Parque
de cores foi demonstrado no Auditório Francis
Bacon, no Parque Rosacruz, diante de quase 500 Rosacruz
músicos, artistas, cientistas e jornalistas convi- Como Imperator da Rosacruz, AMORC e
dados”. O Órgão de Cores Luxatone consistia trabalhando fraternalmente com um corpo de
em uma caixa triangular com uma peça de membros dedicados, o Dr. Lewis conseguiu
vidro translúcido na frente que convertia as materializar sua visão de uma sede para a
audiofrequências em porções das frequências Ordem Rosacruz na América do Norte. Este
da luz visível do espectro eletromagnético. “quartel-general” da AMORC ficaria rapida-
Um microfone era usado como entrada de mente conhecido como Parque Rosacruz. Com
fala ou música que seriam apresentadas como o desejo de celebrar e manter uma ligação com
correspondências sincrônicas e harmônicas as antigas Escolas de Mistérios do Egito, deci-
de cores na tela. Quando uma frequência de diu que a arquitetura do Parque Rosacruz seria
som era detectada pelo microfone, o circuito no estilo do Egito antigo. O Parque Rosacruz
de detecção primário media a frequência e foi imaginado como um local de beleza e paz
ativava as três lâmpadas de cores primárias de profunda situado em local ajardinado de ro-
forma combinada para misturar as cores de- seirais. Tinha a intenção de ser a “instituição
sejadas que brilhariam na tela. A intensidade por trás da organização”, atendendo as ne-
da mistura de cores que aparecia no centro da cessidades dos Rosacruzes de todo o mundo.
tela variava com a intensidade da música ou Sua visão do Parque Rosacruz seria realizada
do som. O Órgão de Cores Luxatone foi uma completamente na época de Fr. Ralph M.
criação artística extraordinária que demons- Lewis, seu filho e sucessor como Imperator.
trava a beleza da sinestesia do som com a cor.
Esta obra de arte visionária antecipou por
mais de meio século a multimídia eletrônica
do final do século XX. Inspiração
Da mesma forma que o Dr. Lewis tirou inspi-
ração de sua missão Rosacruz, muitos estu-
© AMORC

dantes rosacruzes se inspiraram nos sucessos


de sua vida e obra. Sua capacidade de superar
o que na época eram considerados problemas
impossíveis para estabelecer a AMORC, tem
muitas vezes dado inspiração e força a mem-
bros sempre que estes enfrentam dificuldades
em suas vidas. O uso de sintonizações e visua-
lizações pelo Dr. Lewis para obter melhores
soluções continua um hábito atual dos mem-
bros da AMORC para melhorar suas vidas e a
vida de outras pessoas em suas rotinas diárias.
Sua vida exemplificou a busca Rosacruz em
que o ideal da ciência se expressa na Verdade,
o ideal da arte na Beleza e o ideal da vida
no Amor. O Dr. Lewis passou pela Grande
Iniciação às 3:15 p.m. do dia 2 de agosto de
Vista do Cairo Antigo, pintada por H. S. 1939, retornando para a fonte de toda inspira-
Lewis no início da década de 1930
ção e criação: Luz, Vida e Amor. Z

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 17


tradição

© PHOTOS.COM

A Criação e os
níveis da Torá
V por NERY FERNANDES, FRC

18 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


G
ostaríamos de expor aos Fratres e é somente por simbolismo e analogia à fala
Sorores mais alguns elementos da humana que algo revela um pensamento do
tradição mosaica. A Bíblia Sagrada intelecto ou desejo do coração; e ao serem
no âmbito do Judaísmo é constitu- falados, revelam a sua vontade e se separam
ída dos livros que vão de Gênesis a Malaquias, do indivíduo. Porém, em relação à Criação, a
nas traduções em geral, e de Gênesis a Crônicas revelação da infinita luz Divina e Sua infinita
II dentro da compilação tradicional judaica ou força vital são manifestações da Sua vonta-
cânon judaico. E todo esse conjunto nasce a de e não se separam Dele; Sua unicidade é
partir da entrega pelo Eterno, bendito seja Ele, eterna e imutável.
dos 10 Mandamentos a Moisés, nosso mestre, A luz infinita, Or Ein Sof, como um fluxo
que são paralelos às 10 Asserções com as quais primordial próprio do Eterno, bendito seja
os mundos foram criados, e dados durante o Ele, e Ele e Sua luz são um, é toda doadora
êxodo do povo hebreu do reino do Egito ou e benfazeja, e gerou, por assim dizer, num
Mitsráim (nome hebreu cuja raiz tem o sentido primeiro momento a alma do homem, criada
de restrição e opressão) em direção a Canaã, a à imagem e semelhança do Eterno, bendi-
terra prometida aos patriarcas de Israel. to seja Ele, com a característica de ser um
Em relação às Asserções, ou às palavras receptor infinito da bondade Divina. Foi a
Divinas que deram como resultado a Criação, primeira criação.
devemos dizer que as palavras ditas pela fala Esta característica receptora da alma não
do Eterno, bendito seja Ele, são a revelação é meramente uma noção egoísta, e sim uma
da luz e da força vital Divinas, que usando qualidade que faz o homem desejar se elevar,
das forças da luz infinita criou os mundos. se harmonizar com as leis naturais e mani-
A luz infinita sofreu uma série incontável festar a Luz Maior. Seu desejo de receber
de contrações e diminuições nos níveis da para si deve ser transformado em desejo de
Sua intensidade, os tsimtsumim, que num receber para compartilhar, pelo processo que
encadeamento contínuo, ou ordem de desci- dissemos ser o trabalho de retificação ou
da da luz, chamada de “seder hishtalshelut”, tikun. A alma do homem no seu nível cósmi-
permitem aos mundos e aos seres existirem e co vivia em absoluta plenitude quando então,
aos seres criados terem a ilusão de que são se- num dado momento, desejou compartilhar
parados e independentes do Eterno, bendito as benesses que a luz infinita lhe oferecia. E
seja Ele, pois se assim não fosse, os seres não para isso gerou, por assim dizer, num segun-
resistiriam ao poder Divino e voltariam ao do momento, pelo seu elevadíssimo nível
estado anterior de não-existência. de consciência e pela natureza doadora da
As imensuráveis transformações cósmicas luz, o plano onde deve realizar este trabalho,
das energias criativas são interações incríveis através de incontáveis “tsimtsumim” da luz
das emanações Divinas, as 10 sefirot, que infinita. E surgiu o universo, o plano material
combinadas com as forças arquetípicas repre- da Criação ou os mundos onde todos os seres
sentadas pelas 22 letras hebraicas constituem humanos e angelicais existem. Foi a segunda
todo o universo multidimensional e toda criação. Ao desejar compartilhar, a alma pro-
existência possível através do que se conhe- vocou na luz infinita uma primeira restrição
ce como os 32 caminhos de Sabedoria. De ou “tsimtsum”, a que se seguiram incontáveis
fato, somente em relação aos próprios seres outras e assim surgiram as dimensões físicas
criados houve mudanças, enquanto que Nele e espirituais do universo conhecido, com
não houve mudança alguma de Sua unici- as suas dimensões e níveis diferenciados de
dade; Ele é o mesmo antes, durante e depois consciência e existência.
da Criação. Embora usemos o termo palavra Este é o plano onde o trabalho é inevitá-
ou fala de Deus, ou mesmo verbo Divino, vel e necessário como uma benção que a luz

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 19


tradição

infinita concedeu ao homem e à mulher para festar a ação da sua própria vontade sobre as
que realizem o tikun e assim tragam as irra- forças superiores numa ação de Teurgia, de
diações da luz infinita a todos os quadrantes acordo com o tempo e o lugar, para produzir,
do universo e, realmente, transformem este por assim dizer, um despertar do Alto que
plano onde vivemos numa verdadeira morada causa uma atração dessas forças para si ou
para o Eterno, bendito seja Ele. para situações neste mundo e, assim agin-
Essa cosmogonia é extraída da revelação do, a luz que ele manifesta se reflete acima
de Sua vontade segun- e volta ao mundo,

“ … cada indivíduo pode


do os textos da Torá, alcançando muitos
o Pentateuco bíblico e outros homens que
os ensinamentos dos ser responsável pela estão numa mes-
mestres da Cabalá. A guerra ou pela paz no ma frequencia ou
revelação da Torá é ex- nível de consciência.
pressa de forma magna mundo de acordo com as Esta capacidade ou
nas leis contidas nos ações geradas pelo uso faculdade teúrgica
Dez Mandamentos, e de atrair as for-
deu-se no 50º dia após
a saída do Egito, com-
de seu
plementando-se no período de 40 anos que
livre-arbítrio.
” ças cósmicas para
alterar situações e
criar efeitos no mundo é o “dom da recep-
durou todo o êxodo, como final da primeira tividade” concedido ao homem desde sua
diáspora do povo hebreu. Moisés, nosso criação, que deve ser resguardado e ativado
mestre, compilou todo o conteúdo da Torá, de acordo com o bom discernimento e a
o conjunto dos cinco primeiros livros da justa sabedoria. Essas práticas exigem uma
Bíblia que constituem a essência do ensina- conduta motivada por aspirações puras e a
mento moral e espiritual do povo judeu. Os Cabalá nos ensina numa obra antiga, Shir
10 Mandamentos constituem a essência da haMaalot, do rabi Yochanan Alemanno:
mensagem Divina à humanidade e o núcleo “Após uma limpeza externa do corpo e uma
da Torá, sendo um patrimônio da humanida- mudança interior e purificação espiritual de
de, e não um patrimônio exclusivo do povo toda mácula, a pessoa torna-se tão clara e
de Israel. Após os 50 dias da saída do Egito e pura como os céus. Uma vez que se despiu
depois de todo o povo hebreu ter presenciado de todos os pensamentos materiais, deverá
sinais e milagres prodigiosos, o povo passou ler apenas a Torá e os nomes Divinos nela
por uma transformação interior profunda escritos. E então lhe serão revelados segredos
e se uniu como um povo uno, tornando-se impressionantes e visões divinas tais como
digno da revelação do Alto. Desta resultou as que podem ser emanadas sobre as almas
um majestoso despertar de Baixo de todos os puras, preparadas para recebê-los, como é
milhões de hebreus envolvidos naqueles Dias dito: preparai-vos por três dias e lavai vossas
Gloriosos. É dito que o despertar do Alto vestes. Há três preparativos: do exterior (do
resulta da manifestação do Ein Sof, bendito corpo), do interior e da imaginação”. Como
seja, ou o do infinito sobre os seres criados resultado dessas ações, o homem alcança
e que ele, o Ein Sof, representa a Suprema conhecimentos, profecias e elevação espiri-
Vontade do Eterno, bendito seja Ele, e Ele tual, a sua e a de todos, o que alcança com as
e Sua vontade são um. É esta ação Divina e suas ações. Em outro trecho ele afirma: “Um
também a manifestação de Sua providência profeta com o poder de fazer com que a ema-
e do Seu poder criador que eternamente nação do influxo Divino do Ein Sof desça
perpetua a obra da Criação. sobre a hyle (matéria), pela intermediação da
Do mesmo modo, o homem pode mani- sefirá de Malchut, realiza feitos maravilhosos,

20 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


impossíveis na natureza”. Por isto é ensinado no mundo de acordo com as ações geradas
que “o homem tem o dever de transformar-se pelo uso de seu livre-arbítrio.”
numa espécie de recipiente para a emanação Essa relação de forças do Alto e do Baixo
da sefirá de Malchut”, pois toda a sabedoria e vice-versa é uma relação de correspondên-
que advêm do conhecimento das leis da tra- cia ou uma correlação da manifestação da
dição oral e o poder de agir sobre a natureza vontade ou de ativação de forças do Cósmico.
e a compreensão e harmonização com a lei Esta relação entre o despertar do Alto que
cósmica vem da sefirá Malchut, chamada em gera um correspondente despertar de Baixo
alguns lugares de o plano espiritual sublunar. e/ou vice-versa, é representada pelo hexa-
As ações que visam atrair o influxo das forças grama ou escudo de David. O que houve no
cósmicas para este mundo pelo homem ou Sinai foi um despertar da consciência em que
pela mulher são decorrentes de um íntimo todos os hebreus no deserto revelaram dons
e profundo despertar de Baixo, da consci- proféticos e onde todos se responsabilizaram
ência humana no mundo. Tudo isso é muito por cumprir e estudar as leis e princípios
delicado e impõe elevada consciência dos revelados e por apoiar e preservar cada indi-
riscos e consequências de agir segundo esses víduo e família de todo o acampamento, num
conhecimentos e capacidade. Daí a enorme gesto coletivo de real e verdadeira fraternida-
responsabilidade dessa forma de atuação da de, que se manifesta no plano moral e muito
vontade humana sobre a natureza e a vida mais ainda, no plano material e econômico.
neste mundo e nos mundos acima, onde cada Tornaram-se então um povo e uma nação.
pensamento, palavra e ação de cada indivíduo O Eterno, bendito seja Ele, por meio da
geram efeitos sobre o todo da humanidade Torá nos ofereceu os meios ou cabos, por
e suas atitudes, o que confirma a afirmação assim dizer, de nos conectarmos permanen-
de nossa amada Ordem que “cada indivíduo temente com Ele, bendito seja, através dos
pode ser responsável pela guerra ou pela paz estudos e do cumprimento de suas mitsvót,
© PHOTOS.COM

O escudo de Davi

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 21


tradição

mandamentos ou preceitos, que revelam maiores luzes e bênçãos e realizar o papel


como Ele, bendito seja, compartilha conosco para o qual fomos criados, ou seja, completar
um ínfimo de Sua infinita Sabedoria e como, a obra da Criação, trazendo a plenitude da
ao cumprirmos Sua vontade excelsa e sobera- luz infinita a todos os mundos. As ações dos
na, manifestamos a Luz Maior no mundo da homens reverberam nos mundos superiores
ação. Muitos ainda pensam que a Torá é a como um processo onde as luzes reveladas
lei judaica, no entanto, o termo Torá sig- e ativadas neste mundo, onde vivemos, são
nifica ensinamento e dos seus textos foram refletidas, pois na Criação nada é realmente
extraídas as leis morais, familiares, sociais, co- separado e isolado, como mostra a conhecida
merciais e éticas que orientam a vida de cada figura da “Árvore da Vida” com as 10 sefirót.
israelita desde seu recebimento por Moisés, Nela, a correspondência e unidade entre os
nosso mestre, e por todo o povo aos pés do mundos superiores e o mundo da ação são
monte Sinai. demonstradas pela continuidade da Árvore,
Segundo a tradição, os livros que com- onde a sefirá de Malchut (a décima sefirá,
põem a Torá são os cinco primeiros livros, do que indica a manifestação plena de um nível
Gênesis ao Deuteronômio, e obedecem a um de existência e consciência) de um plano
conjunto de 13 princípios de interpretação superior se torna a primeira sefirá ou Kéter,
ou hermenêutica, sendo estudados e interpre- a Coroa (a primeira sefirá e que manifesta
tados dentro de quatro níveis de aprofunda- o desejo ou vontade pura de realização) do
mento. Esses níveis são representados por um mundo imediatamente abaixo, desde o olam
acróstico hebraico na palavra “PARDES”. O há-Atsilut ou mundo das emanações, onde
primeiro nível é o de sentido literal, o Peshat; ha uma infusão inimaginável da luz infinita
o segundo nível é o de significados simbó- até o nosso plano de existência, onde há um
licos, o Ramez; o terceiro nível é o alusivo, nível mínimo de manifestação plena da Luz
que reflete associações e analogias, o Drash; Maior. Entretanto, a luz infinita permanece
e o quarto nível é o oculto ou esotérico, o por igual em todos os mundos, porém de
Sod, e reflete as miríades de imagens místicas modo oculto, e somente uma face desta po-
da Cabalá. A Cabalá pretende nos ensinar derosa irradiação se manifesta aos seres indi-
como receber e compartilhar as luzes Divinas viduais como força vital, consciência da alma
que desejamos para realizarmos o grande e energia que é responsável pela manifestação
trabalho do tikun ha-midót, de retificação das miríades de formas da matéria conhecida
e aperfeiçoamento dos nossos caracteres nos ensinamentos rosacruzes como a energia
pessoais e do tikun ha-olam, a retificação e de “Espírito”.
aperfeiçoamento do mundo como um todo, Em todos os níveis não há setor isolado
manifestando essas sagradas Luzes na vida de na Criação e a luz infinita permanece oculta;
todos os seres do nosso mundo, o mundo da no entanto, a luz é como difusa por igual em
ação, chamado em hebraico de olam há-Assiá. todos os mundos e não apenas no mundo de
E este trabalho sagrado, avodat hakôdesh, Atsilut, pois há uma integração e interação
realmente místico, inclui por meios de nossas contínua das sefirót em todos os mundos e,
ações objetivas, subjetivas e orações a respon- assim, nas sefirót de Assiá estão inclusas as
sabilidade de libertarmos as chispas Divinas sefirót de Yetsirá, e nestas estão inclusas as
que desde a Criação estão ainda envolvidas sefirót de Beriá e nelas as sefirót de Atsilut e
por cascas energéticas ou espirituais chama- fazendo com que a luz do Ein Sof esteja por
das de klipót, e que devem ser rompidas por igual difusa em todos os mundos.
nossos pensamentos, palavras e ações, para A Terra como um planeta pode ser dita
que essas chispas sejam elevadas aos planos Malchut de Malchut de Assiá e todos os
da Santidade e, assim, podermos manifestar fenômenos podem ser definidos dentro das

22 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


conexões das sefirót. Assim, o plano espiritual “D-us comprimiu Sua vontade e sabedoria
dos espíritos livres, ou mundo das almas, pode nos 613 mandamentos da Torá e em suas leis,
ser dito como Yetsirá de Malchut de Malchut e nas combinações das letras das Escrituras
de Assiá. Esta luz imanente e transcendente, (Torá, Nevi’im e Ketuvim), e na exposição
como dissemos, é a providencia Divina ou dos versículos encontrados nas Agadót e
hashgahá pratit, Midrashim dos
que alcança cada nossos sábios, de
indivíduo e todas abençoada me-
as coletividades e mória. Em todos
nações nos mun- esses, D-us com-
dos. Além de nos primiu Sua vonta-
ensinar a receber de e sabedoria com
as luzes que bus- a finalidade de que
camos, ainda visa toda neshamá ou
a Cabalá, em seus mesmo as mais
muitos ensina- baixas almas dos
mentos, também níveis de rúach e
explicar os “por- néfesh, que se en-
quês” das leis e contram no corpo
ensinanças morais humano, sejam
e alegóricas dos capazes de alcan-
textos da Torá. çá-las com seu
Os preceitos, intelecto, a fim de
ou mitsvót, se divi- que a néfesh ou o
dem ainda em dois rúach ou a nesha-
grandes grupos: má as cumpram o
248 preceitos po- quanto elas podem
sitivos, que nos di- ser cumpridas, em
zem para fazermos ação, fala e pensa-
alguma coisa que mento; e com isto
ativará um órgão vestindo-se todas
ou função objetiva as suas 10 faculda-
ou subjetiva do des (sefirót) nestas
corpo e um corres- três roupagens (do
pondente órgão ou pensamento, da
função nos mun- fala e das ações
dos superiores; e de Torá e mits-
mais 365 preceitos vót)”. O termo
negativos, que nos “Torá” vai muito
dizem para não fa- além dos livros do
A “Árvore da Vida”
zermos algo e que Pentateuco, sendo
devem ser lembra- usado para se
dos e observados durante os 365 dias do ano. referir a toda a Bíblia e, de modo geral, a toda
O caráter Divino desses 613 preceitos tam- sabedoria extraída dos seus textos, o que inclui
bém é expresso desta forma no livro “Likutei ensinamentos orais que constituem a Mishná,
Amarim Tanya”, de Chabad-Lubavitch, escri- a qual vem a ser o conjunto das interpretações
to pelo sábio rabi Schneor Zalman de Liadi: orais da Torá, os ensinamentos das hagadót

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 23


tradição

ou lendas e alegorias desenvolvidas durante 5. Leis de observação empírica do compor-


milênios, e todo o conjunto incontável de tamento e que não se constituem nem
ensinamentos da própria Cabalá. acréscimo e nem diminuição das normas e
É dito que a Torá pode ser dividida em tradições da Torá.
seus ensinamentos místicos em dois gran-
des grupos: Taamei Torá, ou razões da Lei, A Mishná foi, posteriormente, comen-
que são ensinamentos profundos que todos tada e discutida por dezenas de sábios que,
podem ter acesso e com muitas explicações novamente, compilaram e escreveram essas
metafísicas das leis da Torá, que são chama- discussões no conjunto que recebeu o nome
dos de “maasse Bereshit”, e os Sitrei Torá, ou de Guemará, e juntando os dois imensos
segredos da Lei, que são níveis restritos de conjuntos sagrados de ensinamentos, temos o
conhecimentos e práticas místicas e reserva- Talmude.
dos a alguns iniciados que se preparam para Dentro do cânon judaico, por assim dizer,
receber estes iluminados conhecimentos. São temos três obras que possuem o mesmo nível
chamados de “’maasse Merkavá”. Como fala- de pureza, elevação e santidade, ou nível de
mos acima na Mishná, convém lembrar que a obra sagrada, as quais são: A Bíblia propria-
jurisprudência ou interpretações tradicionais mente dita, chamada em hebraico de Tanách;
da Torá vêm desde Moisés, sendo transmiti- o Talmude e o Zohar haKadosh.
das de geração a geração, e esta tradição era, Quanto ao aprendizado da Cabalá, con-
até o início da era comum, oral e passada do sideramos importante lembrar alguns princí-
mestre aos seus discípulos, até que foi com- pios que norteiam esse aprendizado segundo
pilada no conjunto da Torá oral chamada de a Tradição. De pronto, devemos dizer que
Mishná ou segunda Torá. Ela é considerada é tolice tentar conhecer os fundamentos da
a “alma da Torá”, e a Cabalá é chamada de Cabalá sem uma sólida formação ética, de
“a alma da alma da Torá”. Foi compilada modo a despertar e desenvolver na consci-
pelo sábio príncipe de Israel, Rabino Yehudá ência e no coração um explícito, espiritual e
ha-Nassí, num conjunto de seis grandes material amor (Ahavat haShem) pelo Eterno,
ordens ou volumes de tratados, que abordam bendito seja Ele, e por todos os semelhantes,
todos os assuntos relativos às leis ou halachót pois somente por atos solidários concretos
extraídas da Torá. De fato, segundo o grande que expressam amor ao próximo é que pode-
comentarista espanhol Maimônides, autor mos receber amor pelo Divino Pai. E também
da célebre obra “Mishnê Torá”, existem cinco devemos desenvolver um profundo, honesto
classes do conteúdo tradicional: e íntimo temor reverencial (e não um medo
assustador) a D-us, Criador e Mantenedor
1. Explanações recebidas por Moisés, com de todos os seres vivos (Yrat HaShem). E
base direta nas Escrituras e que delas po- dizemos que realmente tentar aprender esses
dem ser deduzidas; fundamentos sem conhecer os comentários
da Torá ou as palavras da Torá, chamadas
2. Leis da tradição mosaica que não têm em hebraico de “divrei Torá”, e também sem
suporte direto nas Escrituras; conhecer os princípios básicos da Halachá,
a lei que se extrai dos textos da Torá como
3. Leis deduzidas racionalmente; estão na Mishná, o caminho do entendimen-
to amplo dos assuntos cabalísticos, poderá ser
4. Máximas legais introduzidas pelos mais difícil ao buscador para que ele possa
Profetas e Mestres de cada geração, visan- atingir de forma plena seus objetivos. Depois
do estabelecer “uma cerca de proteção em de assimilar os elementos básicos da filoso-
torno da Torá” fia e da cosmogonia, então, pode o buscador

24 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


alcançar a conexão com as luzes sagradas da
Tradição, iniciar e mergulhar sua atenção e
esforços nos conhecimentos profundos e vas-
tos da santa Cabalá. E aí, conhecer algumas
de suas obras e tratados, que chegam a mais
de 3000 obras escritas. Poderá então sentir o
sabor e respirar o perfume desta cara “ciência
da Árvore da Vida” e mesmo aprofundar-se

© WIKIPEDIA.COM
no sagrado Zohar, o Livro do Esplendor. A
cada um é dado de acordo com o seu próprio
entendimento.
O Zohar é considerado como a “Bíblia dos
Cabalistas” e se constitui na maior obra de
ensinamentos esotéricos da Torá, tendo sido
escrito no século I e.c. pelo Rabino Shimon
Bar Yochai, chamado, graças à imensa profun-
didade e iluminação de suas ensinanças, de a
“Lâmpada Sagrada” ou Ner haKôdesh. Ele reu-
niu em torno de si um grupo de homens jus-
tos e sábios e foi digno de receber revelações
do profeta Elias e do próprio Moisés, nosso
mestre. É claro que todos esses ensinamentos
são baseados em tradições antigas e todas
extraídas dos textos da Torá. Existem milhares
de obras e volumes dedicados à Cabalá. No Uma das primeira edições impressas do Zohar
entanto, podemos citar outras obras que são
consideradas como a base do tripé escrituris- lar, transformar e passar ou compartilhar as
tico dela, que são: o Sefer Yetsirá, o Livro da luzes recebidas com todos aqueles dignos de
Formação, escrito, segundo a tradição, pelo as receberem, para que o “tikun ha-olam” ou
próprio patriarca maior de Israel, Abraham retificação moral, social e espiritual do mundo,
Avinu, e o terceiro volume que é o Sefer Bahir, diga-se, do caráter das ações no mundo, seja
escrito pelo sábio Rabino Nehuniá ben ha- realizada para todos nós que compartilha-
-Kaná, dentro dos estilos do Zohar. Então, é mos o raro privilégio de sermos humanos em
bom lembrar que dentro do edifício imenso evolução contínua. Assim poderemos usufruir
do saber da Cabalá estão, além dos estudos e da paz, da fraternidade, da justa igualdade e da
ensinamentos práticos de interpretações das convivência social solidária e livre consciência,
Escrituras Sagradas, outros profundos ensi- para decidirmos e agirmos com discernimen-
namentos de Astrologia, Angelologia, Arte to, sabedoria, confiança e coragem, sabendo
Talismânica, Ética, Psicologia, Numerologia dar os melhores passos para a continuidade
etc. Cada um, homem ou mulher, desde o harmoniosa da vida individual e coletiva da
inicio do século XX, se for seu desejo since- Grande Família Humana na Terra.
ro, poderá buscar aprender e se aprofundar Que o Eterno, bendito seja Ele, nos aben-
nesses ensinamentos sagrados da Tradição. çoe com a paz e as Luzes que necessitamos
E, como está escrito em relação a esses estu- para realizarmos e atualizarmos este imenso
dos: “Estuda, aprende e pense por si mesmo”, trabalho espiritual para o benefício de toda
pois o buscador deve manifestar maturidade a Grande Família Humana na Terra! Amén!
ética e espiritual para saber receber, assimi- Selá! Que assim seja! Z

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 25


especial

I Congresso da
Universidade
Rose-Croix
Internacional
A Visão Rosacruz do Conhecimento
Rumo à Transdisciplinaridade
V por BEATRIZ M. PHILIPPI, SRC

26 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


S
ob a responsabilidade da Comissão
Científica encabeçada pelo Grande
Mestre Prof. Hélio de Moraes e
Marques, Reitor da URCI-GLP,
e composta pelos Rosacruzes Prof. Dr. Luiz
Eduardo V. Berni, Prof. Aluísio Gomes, FRC
Prof Dr. José Eliézer Mikosz, Prof. Ms. Paulo
Roberto Paranhos Silva, Prof. Dr. Carlos
Alberto Ferrari, Beatriz Maria Philippi, e
com a colaboração de todos os coordena-
dores as Seções da URCI, foi realizado nos
dias 4, 5, 6 e 7 de setembro p.p. na sede da 01

AMORC GLP em Curitiba, o I Congresso


da URCI - Universidade Rose-Croix
Internacional de Língua Portuguesa, com o
tema “A Visão Rosacruz do Conhecimento
Rumo à Transdisciplinaridade”.

Atividades
Pré-Congresso 02
No dia 4 de setembro foram realizados qua-
tro minicursos, muito bem avaliados pelos
participantes.
O Frater e Doutor em Psicologia, Luiz
Eduardo V. Berni ministrou o minicurso
Símbolos em Movimento: A Dança Circular
Sagrada nas Organizações, levando os partici-
pantes a vivenciarem a Dança Circular como
técnica auxiliar para integração grupal. O
Frater Carlos Alberto Ferrari, Pós-doutor em
Física pela UC/Berkeley, USA, ministrou o
minicurso Física Quântica Para Não Físicos, 03
mostrando conceitos quânticos que abrem ca-
minhos para a aplicação da Física à Psicologia,
Medicina Alternativa, Parapsicologia e
Misticismo. O minicurso Qual a Espécie do
Nosso Amor? – ministrado pela Soror e Mestre
em Educação Elisa Rocha, discutiu o amor
em suas diversas faces e gradações: ágape,
charis, eunoia, harmonia, storgé, philia, eros,

01. Mesa de abertura do Congresso.


02. Minicurso com o Frater Luiz Eduardo Berni.
03. Palestrante, Frater Carlos Alberto Ferrari.
04. As boas-vindas da GLP aos congressistas. 04

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 27


especial

mitê formado por quatro coordenadores da


URCI, após avaliação do enfoque teórico do
coordenador da Seção.
A sessão de pôsteres foi planejada de
modo que ganhasse visibilidade e por isso
optou-se por iniciar o congresso com essa
atividade, num momento em que os autores
das pesquisas estivessem presentes para o
esclarecimento aos congressistas. Os pôsteres
permaneceram expostos durante todo o even-
to. Os anais do Congresso, contendo o resumo
05
dos trabalhos apresentados nos pôsteres, estão
disponíveis em arquivo “pdf ” no endereço
http://urci1.amorc.org.br/congresso/

Conferências –
um convidado
muito especial
Após a sessão oficial de abertura, com a
06
Saudação aos congressistas pelo Grande
Mestre Frater Hélio de Moraes e Marques,
mania, pathé, pothos, porneia. As imagens es- reitor da URCI-GLP e presidente de honra
pirituais, em suas variadas formas de expres- do Congresso, tivemos a primeira conferência
são do Sagrado, foram objeto do minicurso intitulada “A Transdisciplinaridade e sua impor-
ministrado pelo Frater e Doutor em Ciências tância para o diálogo com as tradições e a susten-
Humanas José Eliézer Mikosz. tabilidade do planeta”, proferida pelo convi-
dado especial Prof. Ubiratan D’Ambrósio,
matemático, membro fundador do Centre
Sessão de International de Recherches et Etudes
Transdisciplinaires – (CIRET – França).
Pôsteres –
Valorizando as
Pesquisas de
Rosacruzes
A abertura do Congresso deu-se no dia 5 às
9h com sessão de pôsteres expondo 16 traba-
lhos de pesquisadores da URCI, despertando
grande interesse dos presentes. Os trabalhos
apresentados foram selecionados por um co- 07

28 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


O professor D’Ambrósio encantou os
presentes pela convergência do seu pensa-
mento com os ideais Rosacruzes, levando a
profundas reflexões sobre o tema abordado.
Sobre o tema do Congresso, ele enfatizou
que “A Transdisciplinaridade é uma abor-
dagem de pesquisa que examina, de forma
integrada, a geração e produção de conheci-
mento, sua organização intelectual e social,
sua transmissão e difusão” e que “o enfoque
transdisciplinar permite analisar criticamen-
08
te o sistema de conhecimento dominante e
suas consequências para o modelo atual de
civilização, em especial o que foi criado pelo
ser humano”.

Uma metáfora: as disciplinas como


Gaiolas Epistemológicas

V Disciplinas: conhecimento
“engaiolado” na epistemologia e
09
metodologia específicas, lidando
com questões bem definidas.
V Multidisciplinas: justaposição de sistema de ensino da AMORC, criado por
gaiolas epistemológicas. Spencer Lewis e sua “metodologia iniciáti-
V Interdisciplinas: portas entre ca”. Frater Berni afirmou que “por estarem
as gaiolas possibilitam passar de imersos no sistema, os estudantes rosacru-
uma gaiola à outra, eventualmente zes muitas vezes não se dão conta do quão
criando um viveiro, na verdade uma inovadora e profunda é a metodologia de
gaiola maior. ensino da AMORC”. Na segunda parte da
V A proposta transdisciplinar e conferência, apresentou a história e os fun-
transcultural é nenhuma gaiola. damentos da URCI de 1934 até o presente,
detalhando as fases de implantação do órgão
– Ubiratan D’Ambrósio na GLP. Por fim, apresentou a abordagem
transdisciplinar destacando as aproximações
entre esta e o esoterismo “como movimento
espiritual e intelectual. Portanto, a abor-
A segunda Conferência “A URCI dagem transdisciplinar é o veículo mais
e o Conhecimento Rosacruz rumo à adequado para aproximar o conhecimento
Transdisciplinaridade” foi proferida pelo rosacruz das perspectivas epistemológicas
Coordenador Científico da URCI, o psicó- veiculadas na pós-modernidade”.
logo e Frater Luiz Eduardo Valiengo Berni.
05. Minicurso com a Soror Elisa Rocha.
Na conferência apresentada em três partes 06. Minicurso com o Frater José Eliézer Mikosz.
destacou na primeira “O Conhecimento 07. Professor Ubiratan D’Ambrósio.
08. Conferência do Frater Luiz Eduardo V. Berni.
Rosacruz” como um arrojado e inovador 09. Público no Auditório H. Spencer Lewis.

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 29


especial

Mesas redondas:
assuntos relevantes
em pauta
Durante o Congresso foram realizadas qua-
tro importantes mesas redondas, com temas
rigorosamente escolhidos de acordo com a
proposta do Congresso e apresentados no
livro “O Homem: Alfa e Ômega da Criação”,
10
volume 5, lançado durante o evento.
A primeira delas, Tradição & Inovação:
interfaces possíveis, presidida pelo Frater
Ronaldo Gonçalves, colocou lado a lado a
tradição e a inovação. A proposta de cura
metafísica preconizada pela AMORC e suas
possibilidades no campo da saúde comple-
mentar foi a palestra realizada pelos médicos
e pesquisadores, Soror Aracy Niwa e Frater
Moacir Fernandes de Godoy, enfatizando
que a saúde, nos conceitos atuais, é determi-
11
nada pela interação dos fatores físicos, men-
tais, sociais e espirituais. Os Sagrados Rituais
Rosacruzes e sua viabilidade no ciberespaço,
compuseram as reflexões apresentadas pelo
Frater Mário Nogueira.
Assumindo um posicionamento: A URCI
e o Voluntariado, contribuições para o pre-
sente e o futuro, foi o tema da segunda mesa
redonda. Presidida pelo Frater Vinicius B.
Freire Silva, teve como primeiro expositor o
Frater Paulo Roberto Paranhos da Silva com
a comunicação “A Universidade Rose-Croix:
12 repensando a sua função” em que, reportando-
-se à importância da URCI valorizar o ho-
mem como um “homem total”, lembrou dos
quatro pilares da educação defendidos pela
UNESCO, a saber: 1º – aprender a conhecer;
2º – aprender a fazer; 3º – aprender a con-
viver; 4º – aprender a ser. O Frater Aluísio
Ferreira Gomes abordou a importância
do voluntariado como um dos pilares da
AMORC e as contribuições do voluntariado
em nossa Ordem, colocando as seguintes
questões: Seriam, os rosacruzes voluntários?
13 A AMORC incentiva essa prática?

30 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


A terceira mesa redonda, presidida pelo
Frater Francisco Antônio Zpevack teve como
tema Religare: Em busca da reintegração
dos saberes. A primeira exposição, feita pela
Soror Elisa F. S. Rocha abordou a perspectiva
mística da literatura, especialmente na obra
de Jorge Luis Borges, que contém impor-
tantes elementos para o rosacrucianismo.
O Frater Carlos Alberto Ferrari expôs os
Fundamentos e Possibilidades de Diálogo
da Física Quântica com outras disciplinas,
afirmando que ela é muito falada, mas talvez 14

seja pouco compreendida, embora suas for-


mulações abram espaço para a aproximação dimensão psicológica veiculada nos en-
da Ciência com a Tradição. sinamentos e nas artes, marcadamente as
artes plásticas as quais muitos rosacruzes
apreciam e se dedicam. A mesa foi presidi-
da pelo Frater Paulo Roberto Paranhos da
V “Para pesquisadores das Ciências Silva e teve como expositores o Frater José
Naturais, a Mecânica Quântica é a Eliézer Mikosz e Luiz Eduardo Valiengo
que apresenta maiores condições, Berni, que apresentou a Psicologia do eso-
dada a sua conceituação, para pro- terismo rosacruz veiculada em quatro áreas:
porcionar convergências entre várias Psicologia do Desenvolvimento; Psicologia
áreas do conhecimento”. da Personalidade; Psicologia Funcional e
Psicologia Educacional.
V O físico teórico, Basarab Nicolescu,
levanta a seguinte questão: “haveria
Leis de Isomorfismo que atravessariam
vários níveis de realidade, cujos efeitos Construir a URCI
seriam diferentes conforme a escala em
que se manifestassem, mas que permane- compartilhando
ceriam sempre as mesmas?”.
Estas Leis (de Isomorfismo) es- experiências
tariam relacionadas com todos os No último dia os congressistas formaram sete
ramos do conhecimento, tanto das grupos de trabalho com as seguintes questões
ciências ditas “exatas” como das “hu- propostas para reflexão e debate: “Diante de
manas”, como a arte e a Tradição. tudo que vi e ouvi, e a partir de minha expe-
riência, que contribuições posso oferecer para
que a URCI avance em suas propostas na
Jurisdição de Língua Portuguesa? O que deve
A quarta mesa redonda contemplou o tema ser mantido, o que precisa ser aprimorado e o
Transcendência & Desenvolvimento Humano: que deve ser mudado?”. As sínteses das dis-
A questão da consciência na AMORC. cussões estão sendo analisadas e irão ajudar a
O estudo do desenvolvimento da cons- compor a proposta de continuidade da URCI.
ciência humana é um dos focos mais im-
portantes do rosacrucianismo da AMORC, 10, 11 e 12. Mesas-redondas, assuntos relevantes.
13. Palestrante, Frater Vinicius B. Freire Silva.
que é altamente impregnado por uma 14. Pausa para um cafezinho e troca de ideias.

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 31


especial

“A ética transdisciplinar recusa toda URCI – Sonho


atitude que recusa o diálogo e a dis-
cussão, seja qual for sua origem – de e realidade
ordem ideológica, científica, religiosa, Em seu discurso de encerramento, Frater
econômica, política ou filosófica. O Hélio, nosso digno Grande Mestre e Reitor
saber compartilhado deverá conduzir da URCI, enfatizou que os Rosacruzes do
a uma compreensão compartilhada século XVII, a quem estamos ligados, já
baseada no respeito absoluto das dife- tinham um olhar transdisciplinar. Como
renças entre os seres, unidos pela vida testemunho disso, Comenius, um deles,
comum sobre uma única e mesma Terra” considerado atualmente o pai espiritual da
UNESCO, declarou: “Queremos que os ho-
– Artigo 13 da Carta da mens, individual e coletivamente, jovens ou
Transdisciplinaridade – (adotada velhos, ricos ou pobres, nobres ou plebeus,
no Primeiro Congresso Mundial da homens e mulheres, possam ser plenamente
Transdisciplinaridade, Convento de educados e se tornar seres humanos realiza-
Arrábida, Portugal, 2–7 novembro 1994) dos”. E hoje, em absoluta concordância com
o projeto CIRET – UNESCO denominado
Evolução Transdisciplinar da Universidade,
temos como ideia nuclear das ações o pen-
samento de que há uma relação direta e não
contornável entre paz e transdisciplinaridade.
Frater Hélio informou ainda que nada
parece impedir, pois, a Ordem Rosacruz a
aceitar o convite e assumir conscientemente o
papel de atuar em duas grandes frentes edu-
cacionais propostas pela UNESCO e ainda
não contempladas em sua totalidade pela
educação atual: ensinar a ser e ensinar a con-
viver. A pergunta, agora, é: a AMORC está
15 preparada para o real desempenho desta fun-
ção? As palavras do Dr. H. Spencer Lewis
no artigo “Chegar ao Telhado” dá-nos uma
perspectiva da imensidão do nosso desafio,
mas também da grandeza do nosso trabalho:

“[…] uma das razões porque tantas


pessoas no mundo de hoje não chegam a
um lugar importante ou mais elevado na
vida é que elas chegaram muito rápido ao
telhado. Em todos os seus planos, em todos
os seus desejos, em todas as suas convicções
16 e ambições, eles visualizavam um telhado
posicionado muito próximo do alicerce e
15 e 16. Grupos de trabalho reunidos na depois de terminada a construção e colo-
Biblioteca Alexandria, AMORC.
17. Frater Hélio de Moraes e Marques. cado o telhado, o edifício delas fica mais
18. Hino Nacional e recital de piano com o baixo, humilhante, insignificante e pro-
Frater Raul Passos.

32 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


O Homem
Alfa e Ômega
da Criação
– Volume 5
Dando continuidade à coleção “Homem,
Alfa e Ômega da Criação”, a GLP lançou
no I Congresso da URCI este quinto
volume, com o título “A Visão Rosacruz
17
do Conhecimento, Rumo à Transdiscipli-
naridade”.
A proposta deste livro, sob os auspícios da
URCI, está em absoluta concordância com
as proposições do Centre International
de Recherches et Etudes Transdiscipli-
naires (CIRET/UNESCO). Ele trata da
“evolução transdisciplinar do conhecimen-
to”, apontando para a necessidade de uma
visão integral da ciência.
Este livro é composto por uma coletânea
de artigos dos Coordenadores da URCI
18
desta Jurisdição, que discorrem sobre
Física, Saúde, Literatura, Psicologia, Arte,
Tecnologia e Voluntariado, inaugurando
uma nova perspectiva da URCI como
vavelmente insuficiente para representar entidade de pesquisas da AMORC, cujos
suas verdadeiras possibilidades na vida. resultados merecem ser conhecidos por
todos os Rosacruzes.
[…] Na verdade, não chegamos ao te-
lhado, e nem é nossa ambição chegar a ele
rapidamente. O telhado está ainda tão
longe acima de nós que só conseguimos
pensar no trabalho que temos a fazer em
cada estágio de elevação, em cada nova
seção de trabalho realizado em altura.
É apenas pela amplidão da nossa
visão que nos elevamos de fato acima e
alem do que é comum. A Ordem Rosacruz
foi projetada para ser, em seu ciclo atual,
uma construção não habitual, distinta,
magnífica, de uma altura ilimitada e sem
restrição de realização.
Não se apressem muito para chegar
ao telhado da construção que vocês pro-
jetarem, a fim de que o telhado não fique
muito perto do chão”. Z

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 33


música

Claude Debussy
e Erik Satie:
compositores rosacruzes
V por RAUL PASSOS, FRC*

ERIK SATIE
(1866-1925)

CLAUDE DEBUSSY
(1862-1918)

34 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


N
um tempo em que muito se academicismo e dominada pela influência da
tem falado sobre os vínculos ópera. Portador de uma grande carga de gênio,
entre música e esoterismo e Satie, através de sua atitude libertária, banhada
sobre a ligação entre renomados em um perspicaz humor literário, abriu
compositores e fraternidades iniciáticas, caminhos para que outros compositores, mais
percebemos quantas vezes os embasamentos preparados tecnicamente, produzissem as
históricos são duvidosos e muitas vezes obras máximas da música francesa.
repousam sobre meras especulações. Todavia, O melhor da produção de Satie
sabe-se efetivamente do engajamento de encontra-se nas suas miniaturas para
ilustres nomes da música com a Maçonaria. piano, onde identificamos sua genialidade
Este é o caso de Mozart (que escreveu mais completamente manifestada. Era um
inúmeras peças ou dedicadas à ritualística grande improvisador e suas criações nasciam
dos maçons ou com temática maçônica), normalmente de inspirações súbitas movidas
Beethoven, Rossini, Liszt, Puccini, Sibelius por estímulos não-musicais. Muitas de suas
(que, a exemplo de Mozart, escreveu música composições levam títulos humorísticos,
de inspiração maçônica), Piazzolla e Gershwin mas é curioso notar, entre suas páginas mais
(esses dois últimos iniciados em lojas de apreciadas, a série de seis peças para piano
Nova Iorque, na primeira metade do século que levam o sugestivo nome de Gnosiennes
XX). Perguntamo-nos então em que ponto (que poderíamos livremente traduzir por
o pensamento e o misticismo rosacruzes ‘Gnósticas’) e que automaticamente nos leva a
influenciaram igualmente as personalidades intuir a preocupação filosófica de Satie, fator
que edificaram a história da nossa música. igualmente preponderante em sua criação.
Muito se sabe sobre o vínculo esotérico
de Francis Bacon, Comenius, Paracelso,
Nicholas Flamel, Benjamin Franklin,
Jacob Boehme e Thomas Jefferson, por “La Musique
exemplo, para ficarmos mormente no campo
gravitacional de filósofos e estadistas. Por Avant Tout!”
outro lado, vemos pouquíssimas linhas Debussy, por sua vez, é uma figura
dedicadas a ilustres músicos rosacruzes e, mais celebrada e é artisticamente mais
menos ainda, sobre as páginas artísticas por representativo. Cabe aqui mencionarmos
eles produzidas à luz da inspiração mística. alguns aspectos de sua personalidade e de sua
Por certo, os dois principais nomes ligados ao obra, que até certo ponto são indissociáveis.
rosacrucianismo são os de Claude Debussy É curioso notar as referências feitas sobre
(1862-1918) e Erik Satie (1866-1925). o homem Debussy através do olhar de
alguns de seus ilustres contemporâneos. O
compositor francês é retratado como alguém
Excêntrico, bastante decepcionado com a raça humana,
e sua tolerância com as “humanidades” foi
porém genial! extinguindo-se conforme foi envelhecendo.
Tanto em sua música como em sua vida,
Do ponto de vista musical, Satie é tido manifestou uma perene aversão ao supérfluo
historicamente como o grande agitador e a toda ornamentação inútil. Era a exatidão
que inspirou mais de uma geração de personificada, conciso no expressar-se e
compositores franceses a renovar a cuidadoso com frases, palavras e gestos,
manifestação musical de seu país, naquele fossem eles musicais ou não. Segundo o
momento envenenada pelo excesso de crítico de arte francês Gabriel Mourey

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 35


música


“Debussy era um ser concentrado que
vivia uma intensa vida interior.”
… um artista é, por
definição, alguém
Nesse sentido, o também compositor
Raymond Bonheur recorda que em Debussy acostumado a viver entre

“não havia traços da vulgaridade


comum aos artistas, nem mesmo
aquela ‘amigável camaradagem’
sonhos e fantasmas…

por objetos delicados, raros, preciosos



que frequentemente oculta intenções e diminutos. Possivelmente revela-se já
clandestinas (…). Ao mesmo tempo, ele nessa época o perfeccionista que esculpiria
demonstrava uma grande indiferença com esmero cada detalhe sonoro de suas
à opinião das massas e, sobretudo, um composições mais tardias. Sua irmã Adèle
refinado orgulho que não era mais do que recorda uma criança que “passava dias inteiros
a certeza de estar vivendo de alguma sentado e sonhando com algo que ninguém
maneira em um plano superior”. poderia ter ideia”. Mostrava-se meticuloso
na escolha das cores de tudo o que usava
Por outro lado, o compositor Alfredo e, ademais, era sensível no mais alto grau:
Casella deixou um interessante testemunho a menor coisa poderia animá-lo ou então
acerca do Debussy já adulto e pai: enfurecê-lo, segundo o testemunho de
Marguerite Vasnier, a quem Debussy dedicou
“Até o fim, Debussy permaneceu aquilo algumas de suas canções. Seu temperamento
que os franceses chamam de ‘grand enfant’ independente e resoluto igualmente já se
[criança grande]. Aquela mesma inocência manifestava desde a juventude. O músico
maravilhosa e limpidez de sentimento, Paul Vidal, também seu contemporâneo,
que são a característica fundamental de relata que “nada exerce qualquer domínio
sua arte, transpareciam em todos os seus sobre ele”. Também já cedo, durante sua
atos e palavras. Com cinquenta anos, vida acadêmica no Conservatório de Paris,
ele se divertia mais do que sua pequena manifestou sua atração pela poesia simbolista
filha Chouchou [Claude-Emma] com os de Baudelaire, Mallarmé e Verlaine. Esses
brinquedos que lhe trazia sua mãe.” poetas seriam referência constante em sua
produção musical, tendo ele musicado
Ainda nesse sentido, observamos esse algumas das mais sublimes páginas das obras
lado perspicaz, misterioso e algo irônico deles. Para ele e para os poetas simbolistas,
do compositor quando, a respeito da a natureza esotérica da arte era uma crença
composição do ballet “La Boîte à Joujoux” central, quase dogmática. Baudelaire,
(A Caixa de Brinquedos), disse ter se particularmente, foi um referencial constante
inspirado “extraindo confidências de algumas na produção de Debussy. Recordemos
das velhas bonecas da Chouchou”. Essa pureza que Les Fleurs du Mal (As Flores do Mal),
infantil foi novamente trazida à tona, em sua obra-prima de Baudelaire, é caracterizada
personalidade, por sua filha. Ao lado de suas pela exploração deliberada da dualidade
paixões por literatura e filosofia, por exemplo, da existência, e que vários poemas dessa
figuravam o gosto pelo circo, pelo teatro de obra e de outras criações de Baudelaire
marionetes e pelos livros infantis de figuras. eram recorrentes na criação debussyana. O
O compositor e pianista Gabriel Pierné compositor ainda assistiria às soirées literárias
relata, em seu livro de memórias, que de Mallarmé, dirigidas para uma plateia
Debussy, já garoto, tinha particular predileção escrupulosamente refinada para apreciação de

36 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


suas produções inclinadas ao misticismo. Não
causa surpresa o fato de uma das grandes
produções de Debussy para orquestra, Prélude
à l’Après-Midi d’un Faune ter sido inspirada
no poema homônimo de Mallarmé.
Em 1895, Debussy terminaria sua
ópera Pelléas et Mélisande, que merece de
nossa parte um olhar mais cuidadoso. De
todas as suas composições, essa é a que
sintetiza melhor sua estética e seu ideal.
Aqui, Debussy subjuga o ímpeto da emoção
humana à sobriedade da sua refinada e
sutil expressão musical. É um retrato do
sentimento humano sem a ação dramática
esperada de uma ópera. Sobre essa obra,
declarou a cantora inglesa Mary Garden,
que interpretou Mélisande por ocasião da
prémière da obra:

“(…) tive as mais extraordinárias


emoções que já experimentei na vida.
Ouvindo aquela música, eu sentia
tornar-me alguém mais. Alguém dentro
de mim cuja linguagem e alma eram
aparentadas às minhas.”

Sobre o compositor, ela acrescenta ainda:

“Debussy vivia num mundo tão seu


O bailarino russo Nijinsky no papel do
onde ninguém, mesmo sua esposa fauno em “Prélude à l’Après-Midi d’un
Lilly, com todo seu carinho e adoração, Faune”, de Claude Debussy

poderia alcançá-lo. (…) Sentava-se


ao piano, por uma hora ou mais, e
improvisava. Essas horas permanecem Tal era o homem, tal era o compositor.
como joias em minha mente. Jamais Seu credo artístico, como ele mesmo
ouvi uma música assim em minha vida professava, era “o prazer é a lei”.
(…). Quão bela e assombrosa ela era,
e ninguém além de Lilly e eu jamais
a ouviria. Debussy nunca pôs essas
improvisações no papel: elas voltaram Dois Iniciados
para o estranho lugar de onde vieram, Debussy e Satie conheceram-se em 1890
para nunca retornar. Aquela música num popular cabaré parisiense chamado
preciosa, perdida para sempre, era “Chat Noir” (Gato Negro). No ano seguinte,
distinta de qualquer coisa de Debussy. iniciaram-se numa fraternidade rosacruz
Havia nela uma qualidade muito intitulada “Ordem Cabalística da Rosacruz”,
sua, remota, de outro mundo, sempre recém reestruturada em Paris. Entre aqueles
dizendo algo à margem das palavras.” que a reorganizaram, estavam alguns

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 37


música

© PHOTOS.COM

nomes bastante conhecidos, sobretudo Lembremos que, nessa época, nossa


pelos martinistas. De seu Conselho Ordem ainda não se havia organizado na
Supremo faziam parte Stanislas de Guaita, estrutura como a conhecemos hoje. Dentro
Sâr Joséphin Péladan, o célebre místico da fraternidade, Satie viria a desempenhar
Gérard Encausse, conhecido como Papus, uma função semelhante à de mestre de
e Augustin Chaboseau. Péladan, que capela, e dessa maneira produziu obras
mais tarde deixaria a Ordem por causa de voltadas para a ritualística da Ordem, como
divergências com Papus e fundaria a “Ordem Le Fils des Étoiles (O Filho das Estrelas),
da Rosacruz do Templo e do Graal”, defendia escrita sobre argumento do próprio Sâr
a ideia de que a arte tinha uma missão Peladan, e Sonneries de La Rose+Croix (Sons
divina e era o melhor meio de efetivar da Rosacruz), que consta de três partes, a
a reintegração com Deus. A inclinação saber: Air de L’Ordre (Ária da Ordem), Air
esotérica de movimentos artísticos como os du Grand-Maître (Ária do Grande Mestre)
pré-rafaelistas e os simbolistas aproximou e Air du Grand-Prieur (Ária do Capelão).
Debussy e Satie naturalmente dessas Mais tarde, Satie iria fundar sua própria
fraternidades. Os artistas que as integravam seita religiosa e aí continuaria a exercitar as
buscavam uma reação aos excessos do excentricidades em que era pródigo.
romantismo e inclinavam-se, portanto, ao Quanto a Debussy, se por um lado
mundo do metafórico e do simbólico, mais efetivamente não chegou a produzir
naturalmente depurados. O poeta Charles nenhuma obra intencionalmente esotérica,
Baudelaire, por exemplo, iria abraçar as é evidente que seu pensamento musical e
ideias do místico Emmanuel Swedenborg alguns de seus ideais artísticos e humanos
e aplicá-las na sua produção poética. De estavam embebidos de uma filosofia
uma maneira ou de outra, todos os grandes superior, que se não chegou a manifestar-se
artistas que gravitavam em torno desses plenamente em sua vida pessoal, foi apenas
movimentos e estavam associados a essas por força de um caráter impulsivamente
ordens iniciáticas, principalmente Debussy e independente e por vicissitudes de sua
Satie na música, eram verdadeiros “místicos existência material.
da arte”. A realização dos famosos “Salões Lembremos que Debussy chegou
da Rosa-Cruz”, marco maior do movimento a defender a ideia da criação de uma
simbolista, tenha sido talvez a maior “Sociedade de Esoterismo Musical”, numa
realização de Sar Péladan nesse sentido. tentativa de criar uma música menos acessível

38 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


às massas que, segundo seu entendimento, perfeitamente construídas na Proporção
eram incapazes de compreender a verdadeira Áurea. Nesse sentido, devolve à música sua
arte. Indubitavelmente, como em todos os função primordial e indiretamente evoca
grandes espíritos, sua genialidade advinha um retorno à natureza, que com muita
de um hercúleo embate na dualidade da frequência domina a temática de suas
existência e se operava sob um temperamento composições. Em outras palavras, o som,
algo felino e solitário, que o apartava de seus individualizado, readquire sua autonomia
iguais. A um tempo forte e sensível, além e seu valor intrínseco, semelhante àquele
de extremamente auto-crítico, a exemplo que os rosacruzes atribuem ao som vocálico,
do que transparece na obra de grandes por analogia. Musicalmente falando, com
filósofos e pensadores, sua criação abriga essa atitude Debussy sacramenta o processo
uma incontestável simplicidade sob o véu iniciado por Satie e descortina o horizonte
da complexidade. Seus ideais, assim como para uma nova vanguarda musical. Z
sua criação artística, jamais se curvaram
às necessidades materiais e nunca fizeram “Aqueles ao meu redor se recusam a aceitar
concessão ao gosto popular mediano ou que eu jamais poderia viver no mundo
àquilo que fosse simplesmente medíocre. cotidiano das coisas e das pessoas. Daí a
É notável, e mesmo de cabal importância necessidade irreprimível que eu tenho de
para entender sua personalidade e sua obra, fugir de mim mesmo e sair em aventuras
admitir essa sua inclinação inelutável para que parecem inexplicáveis – porque nin-
os estímulos de inspiração encontrados nos guém sabe quem é este homem, que talvez
mistérios do Oriente, do Egito e da Grécia seja a melhor parte de mim! – Enfim, um
Antiga. Prova irrefutável dessa atração são, artista é, por definição, alguém acostuma-
por exemplo, o balé “Khamma”, ambientado do a viver entre sonhos e fantasmas…”
no Antigo Egito e os prelúdios para piano
“Danseuses de Delphes” (Dançarinas de – Claude Debussy
Delfos) e “Canope”, que pode remeter tanto à
Canopo, deus da mitologia egípcia, à cidade
de mesmo nome situada às margens do Nilo *Raul Passos é pianista, regente, compositor,
ou ainda à jarra canópica, espécie de vaso poeta e tradutor. Mestrando em interpretação
pianística pela Universidade Nacional de Mú-
funerário utilizado no Egito dos faraós. sica de Bucareste (Romênia), especialista em
É necessário ainda acrescentar que, música francesa para piano da primeira me-
tade do século XX e pesquisador da URCI nas
renovando todo um sistema musical seções D – Música e K – Literatura.
arraigado na cultura ocidental, Debussy
Ilustrações: Soror Renata Capdeville Sobreira
exige a mais do ouvinte, no sentido de uma
nova percepção do evento musical, e força Bibliografia: NICHOLS, Roger. Debussy Re-
membered. Londres. Faber and Faber. 1992;
sua atenção para a percepção da “música ROBERTS, Paul. Claude Debussy. Londres.
que há além da música”. Reorganizando e Phaidon Press. 2008; ROBERTS, Paul. Images:
The piano music of Claude Debussy. Portland.
re-hierarquizando os valores sonoros fora Amadeus Press. 1996; SALZMAN, Eric. Twenti-
eth Century Music: An Introduction. New Jersey.
dos limites dos arquétipos característicos Prentice-Hall. 1967.
tradicionais, sua música provoca o ouvinte
Discografia recomendada: SATIE: Sonne-
e convida as sensibilidades mais aguçadas ries de la Rose+Croix (Oeuvres Complètes),
a experimentar fenômenos extra-sensoriais Aldo Ciccolini (piano). EMI Classics; DEBUSSY:
Oeuvres Complètes pour Piano, Pascal Rogé
promovidos por sua paleta sonora. Não nos (piano). London Records; DEBUSSY: Pelléas
causa espanto perceber que algumas de suas et Mélisande (DVD), Orchestra and Chorus of
Welsh National Opera, Pierre Boulez (regente),
composições, notadamente o célebre “Clair Deutsche Grammophon.
de Lune” e a extasiante “L’Isle Joyeuse” estão

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 39


pesquisa

© PHOTOS.COM

Encontros
entre ciência
e misticismo
V por CARLOS ALBERTO FERRARI, FRC e RUBENS DE MELO MARINHO JR., FRC*

40 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


P
ara a ontologia rosacruz o universo Deus, a consciência perfeita, a consciência Única
é dinâmico e indivisível, unitário em de tudo’’.
essência, e apenas aparentemente se
nos mostra em partes que, por sua Recentemente, o famoso físico inglês
vez, são interativas e interdependentes. Stephen Hawking, referindo-se aos avanços
Esta concepção de unidade essencial formidáveis da chamada Ciência Moderna,
pode ser apreendida quando concebida de particularmente da mecânica quântica,
maneira que toda manifestação seja uma afirmou: “Estamos dando os primeiros passos no
energia vibratória em essência. Os rosacruzes rumo do conhecimento da Mente de Deus’’
a chamam NOUS, energia que se manifesta Presumimos que na linguagem rosacruz
em vibrações de variadas frequências que, queira dizer: “do conhecimento da Mente Cósmica”.
conforme determinadas leis, estabelecem o Assim, por meio de raciocínio e de expe-
mundo das formas, sejam estas visíveis ou rimentos procurando desvendar os aspectos
invisíveis. NOUS é a energia essencial que mais fundamentais do Universo, os físicos, com
cria. Tudo que existe no mundo material e no sólida confirmação na mecânica quântica, estão
mundo espiritual tem sua origem nesta es- obtendo forte indicação de que todas as ma-
sência vibratória. Assim, ela está presente em nifestações no mundo material são vibrações.
todo o Universo, particularmente no universo A mecânica quântica que começou a ser
objetivo, da matéria e das formas, do mundo estruturada por vários importantes cientistas
microscópico das partículas fundamentais e no início do século XX, teve a colaboração
como decorrência até do mundo da amplidão do jovem príncipe francês Louis de Broglie,
do cosmo, o Todo, como manifestação da estudioso da História da Ciência. Ele foi
organização desta energia sutil. atraído para problemas dos fundamentos
A teoria científica mais moderna atual- da física por constantes conversas com seu
mente, que é baseada na mecânica quântica, irmão, Maurice, que trabalhava em experi-
a teoria das supercordas, nos ensina que ências em microfísica. Em 1924, encadeando
tudo o que existe é formado por minúsculas raciocínios na relatividade especial de Albert
cordas em vibração em um espaço-tempo de Einstein e na mecânica quântica, sugeriu que
10 dimensões: três dimensões espaciais que a dualidade onda-partícula, já bem aceita
nós estamos acostumados, uma temporal e 6 pela comunidade dos físicos da época, após
outras espaciais compactadas com topologia as experiências com o efeito fotoelétrico, não
denominada de Calabi-Yau, em cada ponto se aplicava somente à luz, mas também à
do nosso espaço usual de três dimensões. matéria como um todo!
Será que podemos associar a energia de De Broglie, raciocinou que como a equa-
NOUS dos rosacruzes com a energia destas ção de Einstein, E=mc2, relaciona massa e
supercordas? Sabemos que os cientistas se energia e a equação de Planck, E=hf, rela-
aproximam da verdade através de experimen- ciona energia e frequência das ondas, então,
tos de grande precisão e sofisticação, mas os combinando as duas, deduziu que partículas
místicos também se aproximam da verdade também deveriam ter um comportamento
através da introspecção e da iluminação. ondulatório. Então ele associou um compri-
Harvey Spencer Lewis afirmou: mento de onda às partículas. Einstein aceitou
imediatamente essa idéia, pois era um des-
“A Consciência Cósmica, como seu nome indica, dobramento natural de suas pesquisas em re-
é a consciência do Cósmico, do Universo, da or- latividade e fóton. Mas a prova experimental
dem, da harmonia ou, em outras palavras mais indispensável só viria mais tarde com o tra-
simples, a consciência de ser uno com tudo o que balho de Clinton Davisson e Lester Germer,
existe. Ela deve então ser como a Consciência de em 1927, quando estudavam a maneira como

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 41


pesquisa

um feixe de elétrons ricocheteava sobre uma mostra que o caráter ondulatório fica virtu-
superfície de um cristal de níquel. almente imperceptível e, de maneira geral na
Verificaram que os elétrons que eram cap- escala das dimensões humanas, para os propó-
tados em uma tela fosforescente após atin- sitos práticos, as probabilidades da mecânica
girem a superfície, apresentavam um padrão quântica podem ser completamente ignoradas.
de interferência como os de uma onda. Logo Sabemos que nas ondas do mar o que
experiências similares foram estendidas para oscila é a elevação da água com relação ao
todas as formas da matéria possíveis, e todas nível do mar. Nas ondas sonoras o que oscila
apresentaram características de onda. é a pressão e nas ondas em uma corda o que
Estermann, Stern e Frisch realizaram expe- oscila é a distância de cada parte dela a uma
riências quantitativas sobre a difração de feixes posição de equilíbrio.
moleculares de hidrogênio e feixes atômicos de E, no caso da mecânica quântica, o que oscila?
hélio de um cristal de fluoreto de lítio; Fermi, Antes de responder a questão faremos uma
Marshall e Zinn mostraram fenômenos de pequena observação. Ao usarmos mais adiante
interferência e difração para nêutrons lentos. a simbologia matemática em seu rigoroso for-
A Existência de ondas de matéria, após estes malismo, que consideramos elegante e encan-
experimentos, tornou-se bem estabelecida. tador e que gostaríamos compartilhá-lo com o
Agora se põe a pergunta: como isto é leitor, queremos, também, mostrar o símbolo
possível, se percebemos a matéria como algo em outra esfera de atividades, além daquela
palpável e sólido, de maneira nenhuma como a que, como místicos, estamos acostumados,
algo ondulatório? Os físicos quânticos têm e reforçar a insistência de Galileu Galilei, no
a resposta. Na formulação ondulatória da século XVII, que afirmava: “o livro da natureza
matéria de Broglie, ele deduziu que o com- é escrito em caracteres matemáticos’’. Retornemos
primento de onda da matéria está relacio- à nossa questão.
nado com sua massa e sua velocidade pela Para descrever qualquer ente microscó-
fórmula λ = h/mv, em que h é uma constante pico, ou subatômico como também se diz,
chamada de Constante de Planck Reduzida. os físicos quânticos, após muita controvérsia,
Por esta fórmula podemos ver quer se ob- concordaram que poderiam usar uma fun-
jetos materiais têm massa muito grande, o ção, bastante charmosa, que descreveria um
comprimento de onda será muito pequeno, comportamento ondulatório. Chamaram ψ
de tal forma que no nosso dia-a-dia não uma função que depende da posição x e do
conseguimos perceber o caráter ondulatório tempo t. Com o desenvolvimento posterior
da matéria. O caráter ondulatório da maté- da mecânica quântica descobriu-se que esta
ria só aparece quando estamos tratando de deveria ser uma função complexa (construída
partículas subatômicas. Isto acontece porque com números imaginários) para conseguir
a Constante de Plank Reduzida é muito pe- descrever os padrões de interferência obser-
quena, tendo o valor no sistema internacional vados nos experimentos de fendas.
de unidades igual a h = 1.055 x 10-34 Js. Mas o mundo “real” é um mundo de
Como h é muito pequeno, os comprimen- quantidades “reais”. Aí aparece na história da
tos de onda λ resultantes são também dimi- mecânica quântica Max Born, que em 1926
nutos se comparados com as escalas normais afirma que o que dá sentido para a descrição
humanas. Em outras palavras, a pequenez da do comportamento das entidades subatômi-
constante de Planck obscurece a existência de cas, e que permite tomadas de medidas, não é
ondas de matéria no mundo macroscópico. a função de onda ψ em si, mas o módulo dela
Isto é verdade para um objeto macroscópico ao quadrado, |ψ|2 , coisa de físico teórico,
como, por exemplo, o corpo de uma vela, mas que, matematicamente, fornecia a densidade
não para a sua luz. A fórmula de De Broglie de probabilidade P(x,t). O que isto significa?

42 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


Com a palavra de seu arquiteto, Born: uma vez que todas as partículas componen-
tes teriam de ter a probabilidade de sofrer a
Se, em um instante t, uma medida é feita para mesma flutuação e ao mesmo tempo.
localizar a partícula associada à função de onda Estes são apenas alguns dos grandes
ψ, então a probabilidade de encontrar a partí- espetáculos que a mecânica quântica apresen-
cula numa região infinitesimal entre x e x+dx é ta, mas que em nível de ontologia rosacruz
dada por dP=|ψ(x,t)|2dx. Se quisermos saber a não nos surpreende tanto. No entanto, como
probabilidade para uma região grande, digamos neste mundo respeitamos tanto as ciências
entre os pontos a e b, então devemos somar esta quando nos mostram conformidades, senti-
probabilidade para todas as pequenas regiões mos profunda sensação de bem-estar.
entre a e b; matematicamente representamos esta Quando Harvey Spencer Lewis afirmou
soma pelo sinal de integral. que podemos “sentir Deus em nós”, não estaría-
mos, através de um estado meditativo profun-
P= |ψ (x,t)|2dx do, harmonizando nossa Consciência com as
vibrações Cósmicas mais sutis, fazendo nascer
Portanto, neste mundo objetivo tudo se em nós uma forma superior de Consciência?
manifesta em vibrações de frequências variadas. “… sob certas condições e conforme as características
Entre muitos resultados interessantes apresen- da lei natural, estabelecemos o mundo das formas,
tados pela mecânica quântica, um deles que fas- sejam estas visíveis ou invisíveis”. Z
cina os físicos teóricos e que, por certo, maravi-
lha os místicos pela complementaridade que as
ciências oferecem, é o chamado “tunelamento * Carlos Alberto Ferrari, PhD, Instituto de Física,
quântico”. A palavra vem de túnel mesmo, Universidade de Campinas – Coordenador
da URCI Seção F; Rubens de Melo Marinho
mas o que vem a ser este fenômeno? Jr, PhD, Departamento de Física – Instituto
Se jogarmos uma bola de borracha contra Tecnológico de Aeronáutica.

uma parede de concreto, a física clássica con-


firma o que chamamos de “bom senso”, que
nos diz: a bola rebate na parede e volta, pois a
bola não tem energia suficiente para penetrar Nossa capa
um obstáculo tão sólido. Mas no nível das “Luz” – Esta tela, de Nicomedes Gomes,
partículas subatômicas, a mecânica quântica faz parte da trilogia “Luz, Vida e Amor”.
demonstra inequivocamente que as funções de Trata-se do conhecimento que se dá mediante
ondas de cada uma das partículas que com- a busca da Luz na quietude do Sanctum,
põem a bola têm uma pequeníssima parte que mas também no ambiente especial de um
se prolonga através da parede. Isso significa Templo Rosacruz. Durante a Convocação,
que existe uma chance, muito embora mínima, os rosacruzes, em
mas maior do que zero, de que a bola consiga perfeita comu-
penetrar na parede e sair do outro lado. nhão cósmica,
Imagine, não seria arrojado demais dizer podem acessar a
que até você, caro leitor, poderia conseguir tal Consciência Crís-
tica, simbolizada
façanha!
no Leste, e uma
Mas deve considerar que, à medida que vez unos com ela,
aumenta a complexidade de um objeto, no irradiar o esplen-
caso seu corpo, com um número cada vez dor luminoso da
maior de partículas em sua composição, os Sabedoria em to-
“tunelamentos quânticos” podem ainda ocor- das as direções.
rer, mas vão se tornando muito improváveis,

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 43


misticismo

O Deus
do nosso
coração:
felicidade absoluta

44 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


D
eus é Infinito! O homem é finito! jamais será feliz se não encontrar a si mes-
A consideração mesmo super- mo ou, melhor dizendo, se não encontrar o
ficial da realidade absoluta dessas Deus do seu coração.
duas afirmações prontamente É com o puro e despretensioso desejo de
fará com que nos convençamos da impossi- propiciar àqueles que sinceramente buscam
bilidade de encontrarmos, através de nosso um meio simples para promover esse su-
limitado mecanismo pensante, uma definição blime encontro, que a seguir são sugeridas
para a Inteligência Suprema, Mente Divina, umas poucas afirmações mentais para que
Todo-Poderoso, Supremo Arquiteto do possam estabelecer contato com o Deus do
Universo ou qualquer nome que desejemos seu Coração:
usar para significar o Pai Amantíssimo, o
Onipotente, Onisciente e Onipresente, a 1. Deus vive em mim, e eu Nele vivo;
Energia Inteligente, Causa de tudo que exis-
tiu, existe e existirá em todo o Cosmos. 2. Quero fazer de Deus o meu amigo de
Essa impossibilidade há muito levou os todos os instantes, quer eu os considere
Rosacruzes a conceberem uma expressão felizes ou adversos;
simples e real para estabelecer contato com
o Único e Eterno Poder no mundo e em 3. Deus está comigo, e nada de mal me pode-
nós: “Deus do nosso Coração.” O uso dessa rá acontecer;
expressão imediatamente traz à nossa cons-
ciência a verdade incontestável de que Deus 4. Eu sou Uno com Deus;
é realmente, para cada um de nós, aquilo que
em nosso coração concebemos como o Ser 5. O importante na Vida não é tanto fazer
ou a Energia que se manifesta, na Natureza e tudo para ser feliz, mas tudo fazer para
em nós, em uma infinidade de formas. Essa dar felicidade a todos aqueles com quem o
infinidade de formas de manifestação do Deus do meu coração me puser em contato;
Poder Supremo e Único não raro leva muitos
daqueles que ardentemente desejam com 6. Deus é o meu único e verdadeiro refúgio, e
ele estabelecer contato estreito e sublime, a Nele encontrarei compreensão para trans-
situarem Deus longe de si mesmos na crença formar em felicidade tudo que eu possa
de que Ele é algo por demais sublime para considerar como sofrimento;
habitar em nosso interior, para viver conosco
todos os momentos que, em nossa limitação, 7. A consciência que de mim mesmo tenho;
consideramos felizes ou adversos. Para aquele o pulsar do meu coração; a circulação do
que realmente consegue estabelecer contato sangue em minhas artérias e veias; e todos
com o Deus do seu Coração, as adversidades os processos que em meu Ser têm lugar
nada mais são do que a preparação necessária não deixam em mim, a mínima dúvida de
para desfrutar da felicidade que advém como que Deus está comigo em todos os instan-
experiência, dos aparentes e fugazes efeitos tes, e em mim vive e palpita!
arrasadores da adversidade.
Muitos dos mais eminentes místicos, 8. Minha única e verdadeira felicidade é
filósofos e pensadores que grandemente se poder conversar com Deus em todos os
preocuparam com a aparente impossibili- momentos; confiar-Lhe todas as minhas
dade de o homem conseguir, em qualquer preocupações, ansiedades e temores, e
época, viver completamente despreocupado aguardar, confiante e sereno, a solução
quanto à sua saúde, segurança e bem-estar, que ELE infalivelmente para tudo isso
chegaram à conclusão de que realmente ele encontrará. Z

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 45


ecologia

© PHOTOS.COM

Energia
biológica útil
V por JAMES R. MORGAN, FRC e ONSLOW H. WILSON, FRC*

A
energia, como o tempo e o es- manifestar. Mas, como tipos de fenômenos,
paço, pode ser considerada uma poderiam a natureza e variedade de formas
expressão da relação entre as de vida ser determinadas pelas peculiaridades
coisas. Mas, porque no mundo das distribuições de energia que caracterizam
físico as “coisas” variam em forma e comple- determinado ambiente?
xidade, a energia se manifesta numa varie- Os animais e as plantas do deserto do
dade de modos. Os tipos e magnitudes das Arizona são muito diferentes dos do pantanal
várias energias existentes em determinado da Louisiana. Esse fato ganha importância
momento e lugar exercem profundas limita- especial quando percebemos que a latitude,
ções nos tipos de fenômenos que possam se altitude e temperatura média anual dos dois

46 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010


lugares são notavelmente parecidas. Além armazenamento de energia em que a energia
disso, por mais que irrigássemos o deserto do calórica é armazenada nos movimentos vi-
Arizona, ele não se transformaria numa selva, bratórios das moléculas de água. Como é de
nem poderíamos criar um campo de cactos esperar, a quantidade dessa energia calórica
drenando o pântano da Louisiana. varia com a umidade e é disponível às forças
À primeira vista pareceria que a diferen- de vida, sejam ambientais, sejam biológicas.
ça fundamental entre um deserto e uma sel- (Vide Figura 1)
va se relaciona com fatores outros que não Além de ser um reservatório de calor, a
apenas a água. Entretanto, permanece o fato umidade atmosférica contribui, para o am-
de que os fatores principais que distinguem biente, com certos atributos elétricos e magné-
localizações geográficas ocultam-se nas ticos sutis. Esses atributos sutis surgem como
condições chamadas coletivamente de clima. conseqüência dos complexos movimentos
Sem dúvida, o clima é um fator determi- vibratórios de bilhões e bilhões de moléculas
nante, não só com relação à fauna e à flora de água polarizadas elétrica e magneticamen-
duma região específica, mas aos processos te. Os movimentos complexos de cada molé-
metabólicos e mentais das espécies humana cula atmosférica de água, portanto, resultam
e animal. Assim, a ação de forças sutis e na formação de campos eletromagnéticos de
difíceis de descrever podem ser, verdadeira- inimaginável complexidade. Esses campos
mente, fatores importantes na determinação representam uma fonte de energia superior
da ascensão e queda das civilizações huma- à energia calórica inerente aos movimentos
nas. Mas qual seria a natureza dessas forças
difíceis de descrever?
Como sabemos, o clima refere-se não só à
temperatura média anual, mas também à mé-
dia pluviométrica anual. Sem diminuirmos
de modo algum a importância das condições
geográficas que garantem chuvas suficientes
em certos lugares e não em outros, é justo
afirmarmos que a diferença mais notável
entre um deserto e uma selva é a umidade.
Contudo, para as finalidades do nosso debate,
a umidade representa muito mais que o vapor
atmosférico ou o índice pluviométrico anual.
Há muito ficou estabelecido, por exemplo,
que são necessárias aproximadamente 600
calorias de energia para vaporizar um grama
de água que entre na atmosfera em forma de
umidade. Entretanto, essas seiscentas calorias,
chamadas “calor de vaporização” da água, não
são absolutamente perdidas para o ambiente.
Assim, para que um grama de vapor atmos-
férico se deposite como chuva, a atmosfera
deve perder a mesma quantidade de energia
calórica (cerca de 600 calorias) que foi origi-
nalmente requerida para vaporizar um grama
de água. Como consequência, o vapor atmos- Figura 1: Este diagrama mostra a contribuição
do aumento do vapor de água na atmosfera
férico representa uma espécie de sistema de para o conteúdo calórico do ar a 23,8º C.

PRIMAVERA 2010 | O ROSACRUZ 47


ecologia

lineares, porém aleatórios de cada molécula de


água. A influência dessa energia eletromag- Formas de Vida
nética em sistemas biológicos está claramente Os alquimistas Rosacruzes há muito afir-
refletida em atividades de sustentação da vida mam que a substância fundamental (ou a
como as reações imunológicas que, em muitas Prima Matéria) do universo é em si mesma
espécies animais, variam diretamente com a eterna; as formas que ela assume é que são
umidade. No homem, a artrite reumatóide, mortais. De acordo com esse antigo ponto
conhecida desordem imunológica, reage a de vista, a qualidade, a quantidade e os tipos
variações de umidade. de energia predominantes num determina-
Por causa de seu caráter eletromagnético, do tempo e lugar determinarão as formas
a molécula de água tem grande afinidade por que a Energia Vital assumirá. Desse modo,
Íons de polaridade positiva (cátions). E como a relativa abundância ou escassez de certos
os Íons são os transportadores da eletricidade tipos de Energia Biológica Útil determi-
atmosférica, a presença ou ausência do vapor na que tipo de vida animal ou vegetal se
de água no ar acarreta profundos efeitos manifestará e sobreviverá numa determi-
na condutividade elétrica da atmosfera. nada região da Terra ou em outra região
Obviamente, portanto, regiões de baixa umi- do universo. Assim, a relativa ausência de
dade, como os desertos, podem ser um tanto água, um dos quatro elementos alquímicos,
deficientes nas formas de energia relaciona- permitirá a manifestação e sobrevivência das
das com a umidade atmosférica. A vida de formas de vida cuja natureza interna este-
plantas e animais do deserto, portanto, reflete ja em harmonia com ambientes de pouca
a exigência dum ambiente de pouca umidade. umidade. Parece, portanto, que as óbvias
As energias sutis relacionadas com vapor diferenças entre a flora e a fauna do deserto
atmosférico pertencem a uma classe que do Arizona e as do pantanal da Louisiana
pode ser chamada de Energia Biológica Útil. devem-se em grande parte às diferenças nos
Nessa classe estão todas as outras formas de níveis de vapor atmosférico.
energia que são úteis aos animais e plantas, Do mesmo modo que os animais e as
na realização de suas funções biológicas. plantas escolhem e são escolhidos por am-
Assim, a Energia Útil é armazenada na água, bientes compatíveis com sua natureza inter-
nos minerais e em outros componentes do na, assim também a humanidade, individual
solo, bem como nos vários átomos, Íons e e coletivamente, escolhe certos ambientes
moléculas do ar. Além dessas, existem as cujos perfis energéticos estejam em harmo-
energias eletromagnéticas e gravitacionais, nia com sua natureza interior. Conclui-se,
contribuições feitas pelo Sol, pela Lua e portanto, que a tradição da busca de “locais
talvez por outros planetas, sistemas solares sagrados” para fins de meditação talvez tenha
e galáxias do universo. Vemos assim que profundo significado fisiológico e psíquico.
a Energia Biológica Útil está relacionada Nesse particular, é importante observar que a
com as forças sutis da natureza “difíceis de humanidade continua a sentir-se atraída por
descrever”, que nós reconhecemos como imensas concentrações de água, sejam lagos,
manifestações da Energia Vital do Cosmos. rios, oceanos ou quedas d’água. Talvez essa
As formas de vida, portanto, desenvolvem- atração reflita a afinidade interior do homem
-se e proliferam em atmosferas repletas de com as águas magnéticas da vida. Z
inúmeras forças e tipos de energia. É interes-
sante notar que as energias sutis relacionadas
com a molécula de água parecem cruciais no * James R. Morgan, M.S., FRC e Onslow H.
Wilson, Ph.D., FRC, Membros do Conselho
que diz respeito à manifestação, na Terra, de Internacional de Pesquisas, da AMORC.
formas de vida reconhecíveis.

48 O ROSACRUZ | PRIMAVERA 2010

Você também pode gostar