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O Saci e o eucalipto* Expulsando a passarada O sertão está em silêncio

*Por Ditão Virgilio Não tendo onde criar Com a praga que o ataca
14/08/2007 Não alegra a madrugada
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1 6 O gavião-carcará
Um dia fui passear Os peixes estão morrendo Já não tem o que comer
Lá no reino encantado Com o veneno espalhado O curiango não canta
E em cima de um cupim Um tal de mata-mato Quando chega o
Eu vi o saci sentado Que seca até a invernada escurecer
Com os olhos cheios d? Dão veneno pras formigas A coruja em desespero
água Voou no amanhecer
Que há pouco tinha Que nunca é controlado Até mesmo a cascavel
chorado Tamanduás e os tatus Não está tendo o que
Então lhe perguntei Quase foram fazer
Por que estava desolado exterminados
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2 7 Não tem mais o milharal
Deu um rodamoinho Já não tem fogão de Crescendo lá na baixada
E ele me respondeu lenha Por isso o inhambu
Olha para as montanhas Onde fumo ia buscar Não pia mais na palhada
Veja o que aconteceu Não tem mais o galinheiro As rolinhas muito tristes
Plantaram uns paus Onde eu ia brincar Já não fazem revoada
compridos Acabou-se o chiqueiro Tico-tico já não pula
Que depressa cresceram Não tem porco pra Lá no meio da estrada
Todos os bichos foram engordar
embora Os caipiras vão embora 13
E alguns até morreram Por não ter onde morar A saracura-três- potes
No brejo não pode morar
3 8 Naçanica-bico- verde
É o tal de eucalipto Não tem vacas leiteiras Não tem inseto pra pegar
Planta que não é daqui Nem bezerros a berrar Pois sem água o brejo
Uma mata silenciosa Mesmo o cavalo alazão seca
Que acabou com tudo ali Já não tem o que pastar E não tem nada para dar
Os macacos foram O galo já não canta Os bichos morrem de
embora Quando o dia vai clarear sede
Até o mico e o sagüi Se continuar assim No seu próprio habitat
Que saudade do sabiá O Saci não vai agüentar
Do sanhaço e o bem-te-vi 14
9 No rio não tem mais bagre
4 Com a sombra desta Nem traíra nem piaba
Esta planta suga a terra árvore Pois com a falta de fruta
As nascentes estão As flores desapareceram Vem a fome e tudo acaba
secando A juriti está calada Veneno na enxurrada
Nossos rios caudalosos Não canta na capoeira Matou o pé de goiaba
Devagar vão se acabando João-de-barro não faz Acabou fruta silvestre
casa E sumiu a jabuticaba
As fazendas destruídas Pois não tem mais a
Pelas máquinas vão paineira 15
tombando O canarinho foi embora Também já secou
O caipira sem destino Com o sabiá-laranjeira O Corguinho o lugar
Pra cidade está mudando Morreram os lambaris
10 Já não tem o que pescar
5 Acabaram-se as Camarão de água doce
As casinhas da fazenda algazarras Não sei onde foi parar
Também foram Das bonitas maritacas Sapo, perereca e rã
derrubadas Até mesmo garças Pararam de coaxar
Só tem árvores no lugar brancas
Quase não serve pra Já ficaram muito fracas 16
nada Com esta falta de água Até a bela siriema
Ressecando nossa terra Também acabou a paca Cantou lá na cachoeira
Tentando avisar o homem A nossa mata nativa Do sertão sente saudade
Pra parar com essa Não tem mais brotação
besteira Com a sombra dessa 27
Estão matando a natureza árvore Até o vento é diferente
Com uma flecha certeira Nada nasce neste chão Mudou a vegetação
Este mal não vai ter cura Diz que é reflorestamento
Vai durar a vida inteira 22 Mas é uma enganação
Também a onça-pintada Porque logo cortam tudo
17 Jaguatirica e suçuarana Pra celulose e carvão
Queimaram os paus Estão morrendo de fome Deixando a nossa terra
podres E ainda levam a fama Uma grande devastação
Onde o pica-pau faz ninho Porque o veado-mateiro
Morreu por falta de grama 28
No oco dessas madeiras Se você pensa que foi ela Por enquanto dão
Onde nascia o filhotinho Aí é que você se engana emprego
As mamangavas sumiram Dizendo que vão ajudar
Foram embora de 23 Não passa muito tempo
mansinho O bem-te-vi já não canta Pra tudo isso acabar
Só tem cheiro de Na copada do pinheiro Deixam tudo destruído
eucalipto E o sanhaço azul E saem pra outro lugar
Espalhado no caminho Não senta no pessegueiro Fica pra trás a miséria
A sombra acabou com E a fome vai se espalhar
18 tudo
Até mesmo as abelhas Matou o pé de coqueiro 29
Conseguiram enganar Tapera de pau-a-pique Até mesmo a capelinha
Dizendo que essa árvore Plantaram até no terreiro Onde o povo ia rezar
Muitas flores ia dar Foi fechada a porteira
Mas quando os botões 24 Para não poderem entrar
Começaram a O caipira indo embora Tentam acabar com a
desabrochar Vai acabar sua cultura festa
Eles fazem a derrubada Não sou contra o Que é tradição do lugar
Não deixam nada sobrar eucalipto Se deixarem trocam por
Mas sim a monocultura pau
19 Não comemos celulose Até os santos do altar
O pobre do vaga-lume Nem essa madeira dura
Não tem luz na escuridão É com sede de dinheiro 30
Pois esses paus Que cometem essa Me chamaram de
compridos loucura malvado
Ficam distantes do chão Pela minha esperteza
Atrapalhando o seu vôo 25 Gosto de traquinagem
Nesta grande imensidão Na comida caseira Não sou mau com certeza
Mesmo nos taquaris Não tem frango caipira O que quero é defender
Pode não ter salvação O porquinho na panela A nossa maior riqueza
Torresmo que se admira Eu sou filho dessa terra
20 Não tendo mais abobreira Brigo pela natureza
Sou Saci estou Também não tem
preocupado cambuquira 31
Se acabar o bambu Nem toucinho no fumeiro Vou indo rapidamente
Como é que eu vou criar Nem couve rasgada em Girando cisco no vento
No meio do taquaruçu tira Se você não pensar em
É lá onde também mora mim
Aquele bando de jacu 26 Agora neste momento
E eles estão sumindo Homem da roça apertado De pensar que eu já
Juntinho com o anu Vai morar na cidade existo
E trabalha com eucalipto Para isto fique atento
21 Contra sua vontade Não sou filho da mentira
Com um veneno forte De vez em quando lembra Criação do pensamento
Acabaram com o varjão Que tinha felicidade
A baixada só tem pau Num canto chora 32
Já não planta mais feijão escondido Dê um grito de alerta
Peça para o povo ajudar
Não deixe o eucalipto
Com o sertão acabar
Este deserto verde
Pouco tem e nada dá
Sou da terra das
palmeiras
Onde canta o sabiá

FIM

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