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Gastroenterites Agudas

Gastroenterites Agudas
• Início abrupto de dejecções moles ou líquidas pelo menos por três vezes em 24
horas por um período inferior a 14 dias
• Com ou sem febre e / ou vómitos
• Perda de 10 g/kg/dia de fezes no lactente ou 200 g/dia na criança maior.
• São na sua grande maioria devido a vírus sendo Rotavírus o agente isolado mais
frequente em todo o mundo.

• Norovirus actualmente causa principal nos países onde se incluiu no PNV a


vacina contra o Rotavirus

Outros vírus: Adenovirus entéricos, Astrovirus, Saporovirus,( 10-20%)

• Salmonella e Campylobacter jejuni agentes mais comuns na Europa


Outras bactérias: E.coli, Shigella, Clostridium difficile

• Parasitas: Giardia lamblia mais comum; Cryptosporidium parvum, Cyclospora


cayetanensis
• Mecanismo de acção:

Vírus causam lise dos enterócitos, interferem com a função da bordadura em escova levando
à má absorção dos electrólitos, estimulação do AMPc e má absorção de hidratos de
carbono.

Bactérias provocam diarreia através da elaboração de toxinas ou pela invasão e inflamação


da mucosa.

Parasitas invadem as células epiteliais e causam atrofia das vilosidades e consequente má


absorção.

• Causa de morte de mais de 1 milhão e 800 mil crianças < 5 anos/ano


• Uma das causas mais comuns de consulta e hospitalização de crianças nos países
desenvolvidos
• 0,5 a 1,9 episódios/criança/ano na Europa
• Afectam grandes recursos económicos
Características de Diarreias Infecciosas

Rotavírus < 5 anos, pico aos 6-24 meses, geralmente no Inverno, diarreia aquosa
sem muco, sem sangue, dor abdominal ligeira, febre 70-75%, vómitos 90%,
infecção respiratória alta em 50%, duração de 5 dias
Mais de 50% dos casos de gastroenterites
Infecções ligeiras nos primeiros 3 meses

Norovirus geralmente no Inverno, 70% dos casos crianças entre os 6 e 23 meses


de idade, início agudo, vómitos e/ou diarreia aquosa sem sangue, náusea,
cólicas , febre, mialgias, cefaleias,
Duração de 12-72 horas

Salmonella qualquer idade, meses quentes, diarreia líquida “em soltura”, muito
fétida com sangue e muco, dor abdominal moderada, vómitos, febre 75% dos
casos, duração 3-7 dias.
Risco sépsis em crianças < 1 ano
Características de Diarreias Infecciosas

Campylobacter jejuni- qualquer idade, pico 1-5 anos, todo o ano, pico em
Julho, diarreia com sangue 90%, dor abdominal intensa 60%, febre em 80%,
vómitos 30%, duração 2-7 dias. Recidíva 20%

Shigella qualquer idade, pico 2-10 anos, meses quentes, diarreia mucosa,
cheiro incaracterístico, sangue, dor abdominal intensa em 50-70%, duração
7-14 dias.
Sh. dysenteriae tipo1 predomina nos países em vias de desenvolvimento e Sh.
sonnei nos desenvovidos.

Convulsão em 12-45%

Síndrome de Ekiri (complicação muito rara): com convulsões, hiperpirexia,


cefaleias seguidas de edema cerebral e evolução rápida, com sinais clínicos
de morte cerebral dentro das 48 h de início do quadro
Características de Diarreias Infecciosas
E.Coli qualquer idade, pico < 1 ano, Verão-Outono, diarreia profusa líquida ou
mucosa, sangue em 85% (EIEC).
Dor abdominal variável, duração 3-10 dias
Diarreia de viajante (ETEC, EPEC). SHU (EHEC)

Maior componente da flora intestinal normal

ETEC confere imunidade e causa doença a viajantes pela 1ª vez e a lactentes


maiores de 6 meses.

Giardia qualquer idade, pico 4 anos, todo o ano, diarreia aquosa fétida “em
soltura”, cólicas, vómitos, duração 4-6 semanas.
Frequente nas creches
Intoxicação Alimentar

Duas ou mais pessoas que ingeriram o mesmo alimento e que têm um


quadro clínico semelhante: náuseas, vómitos e diarreia.

1-6H após ingestão:náuseas, vómitos, diarreia- (Staph. aureus, Bacillus


cereus) através de toxinas pré-formadas

8-16H: diarreia aquosa, cólicas (B. Cereus, C. perfringens) através de


enterotoxinas

16-48H: diarreia aquosa, cólicas- (virus, ETEC, Vibrio cholerae)

16-72H febre, diarreia, dor abdominal -(Salmonella,


Shigella, C. jejuni, EIEC, Yersinia)

72-120H diarreia sanguinolenta, cólicas abdominais -(EHEC)


Anamnese
• Duração, frequência, volume, consistência e presença de sangue nas fezes

• Frequência e volume dos vómitos

• Volume de urina, capacidade de ingerir líquidos

• Contacto com familiares ou com outras pessoas doentes

• Alimentos ingeridos e tempo de intervalo até início de sintomas

• Contacto com animais

• Doenças anteriores, medicações recentes

• Viagens recentes

• Peso antes da doença


Exame Objectivo

Fundamental avaliar o estado de hidratação

• Pesar doente

• Avaliar tensão da fontanela, tonicidade do globo ocular

• Turgor cutâneo e perfusão das extremidades

• Padrão respiratório anormal

• Grau de actividade da criança

• Exame objectivo exaustivo, pesquisando sinais extra intestinais


Investigação Laboratorial
A grande maioria das situações não necessita de investigação laboratorial

• Se desidratação importante: ionograma, ureia, creatinina, gasimetria

• Se diarreia com sangue: hemograma, plaquetas, ureia, creatinina

• Coproculturas: imunodeficientes, surtos epidémicos nas creches e


enfermarias, diarreia com sangue, diarreia persistente.

• Rotavírus detectados nas fezes por aglutinação em latéx e por ELISA, RT/PCR.

Norovirus: RT/PCR , M.E. Adenovirus: ELISA, PCR, M.E.

• Giardia lamblia: pesquisa em 3 amostras de fezes separadas em 48 horas (95%


casos)
Antigénio por ELISA nas fezes (95%)
aspirado duodenal (95%)
biópsia duodenal 100% positivo (trofozoítos)
Terapêutica
• A prioridade é a reidratação

• ORS e a realimentação precoce diminuem drasticamente as hospitalizações, a


morbilidade e a mortalidade.

• Manter alimentação ao peito e as fórmulas com lactose

• Evitar alimentos ricos em açúcares simples e gorduras

• Evitar anti-diarreicos e anti-propulsivos (loperamida, difenoxilato)

• Racecadotril (inibidor de encefalinase) reduz secreção de água e electrólitos no intestino

• Probióticos: Lactobacillus GG e Saccharomyces boulardii - nas gastroenterites virais

• Ondansetron (5-HT3 antagonista da serotonina): anti-emético.


Terapêutica
Uso criterioso de antibióticos:

❖Infecções a salmonella em crianças < de 3 meses, bacteriémia, imunodeficientes,


corticoterapia, imunossupressores, drepanocitose, asplenia anatómica, doença
inflamatória intestinal, acloridria -(ceftriaxone)

❖Infecções a shigella –(azitromicina,cefixime,ac.nalidixico-1ª linha.-, ampicilina ou


cotrimoxazol só se sensivel)

❖Infecções a campylobacter (eritromicina)

❖Giardiase (metronidazol)

❖Infecções extra-gastrintestinais - otite média, pneumonia, infecção urinária -


Terapêutica da Desidratação

Devem ser internadas:

• Crianças < 3 meses

• Doença sistémica subjacente

• Desidratação grave ou que não se consegue reidratar oralmente

• Fezes sanguinolentas ou dor abdominal intensa(suspeita de patologia


cirúrgica)

• Imunodeficientes ou malnutridos

• Casos sociais ou incapacidade de prestar cuidados no domicilio


I) Desidratação ligeira (défice <5%)
• ORS 50 ml/kg em 4 horas

• 10 ml/kg ou 125-250 ml por cada dejecção diarreica

• 2-5 ml/kg por cada vómito

• Manter alimentação habitual

II) Desidratação moderada (défice 6-9%)


• Ideal ORS 100 ml/kg em 4 horas + reposição das perdas igual à da
desidratação ligeira

• Pouco exequível

• Risco de complicações quanto maior o grau de desidratação

• Solução: terapêutica endovenosa

III) Desidratação grave (défice >10%)


Terapêutica endovenosa
Complicações
A principal complicação é a desidratação.

Se desidratação grave ou choque há risco de insuficiência renal aguda, trombose da veia renal
(hematúria, massa renal palpável) e morte

Convulsões: febris ou devido a hipernatrémia (hemorragia cerebral) ou resultante da sua


terapêutica (derrame subdural)

Cerca de 10% das crianças que recuperam da desidratação hipernatrémica têm complicações
neurológicas.

Síndrome hemolítico-urémico:

Crianças < 3 anos, dentro dos 7 dias de início da diarreia sanguinolenta, palidez, petéquias ou
púrpura, hematúria, anemia microangiopática (eritrócitos fragmentados) trombocitopénia,
insuficiência renal

EHEC, O157: H7 produtora de shigatoxina:→não usar antibióticos

Shigella dysenteriae tipo 1: → usar antibióticos.


Complicações
Síndrome de Guillain-Barré: Campylobacter

Anemia hemolítica: Campylobacter, Yersinia

Artrite reactiva (Síndrome de Reiter): Campylobacter, Salmonella, Yersinia, Shigella

Perfuração intestinal: Salmonella, Shigella, Campylobacter, Yersinia, Entamoeba histolytica

Aortite, Osteomielite: Salmonella, Yersinia

Eritema Nodoso: Yersinia, Campylobacter, Salmonella, Shigella

Má nutrição:

Pequena percentagem tem má progressão ponderal e mantém diarreia por mais de 14 dias – diarreia
prolongada
Mecanismos associados: intolerância secundária à lactose, intolerância às PLV, giardíase, infecção a EPEC,
doença celíaca
Prevenção

• Vacinação contra Rotavírus

Iniciar entre as 6 e as 12 semanas e completar até aos 6 meses de idade

• Confere protecção até aos 2 anos.

• RotaTeq: viva , oral, reagrupamento bovino-humano , pentavalente: G1, G2 , G3,


G4, P(8), 3 doses com intervalo de 4 semanas.

• Rotarix: viva, oral ,humana atenuada, monovalente :G1, P(8), 2 doses com
intervalo de 4 semanas

• Em investigação vacinas contra Norovírus e contra a Shigella.


Prevenção
• Lavagem das mãos

• Equipamento de protecção

• Manipulação cuidadosa dos dejectos

• Desinfecção dos locais de contacto

• Isolamento do doente

• Não frequentar piscina até 2 semanas após última dejecção diarreica

• Evitar contacto pelo menos até 48 h após últimos episódios de vómito e ou de diarreia

• Cuidado com alimentos e bebidas


História
• Criança 1 ano de idade recorre ao SU com vómitos (2 episódios) diarreia líquida, sem
muco, sem sangue (4 dejecções dia), com início 15 horas antes.
• Sem relação com alimentos ingeridos.
• Mantém actividade e débito urinário habituais.
• 3 dias antes febre (t. ax. 38ºC), rinorreia e tosse
• Peso anterior = 9,8 Kg
• História familiar e pessoal irrelevantes

• Activa, sensação de bem-estar, apirética, eupneica


• Pele e mucosas coradas, sem lesões cutâneas
• Orofaringe normal, otoscopia normal
• Exame
Fontanela anterior normotensa, tónus Objectivo
ocular normal
• Mucosas húmidas, turgor cutâneo normal
• ACP, ABD normais
• Peso = 9,7 Kg
Diagnóstico?

Gastroenterite aguda a rotavírus sem desidratação

Exames complementares?
NÃO
Atitude Terapêutica

Prevenir desidratação (ORS 10ml/kg por cada dejecção diarreica + 2-5ml/kg por cada
vómito)

Alimentação habitual

Recomendações aos pais:

-regressar ao serviço de urgência se: intolerância a líquidos, vómitos persistentes,


diminuição da actividade, diminuição do volume urinário, persistência do quadro + 7 dias
Diagnóstico?

Gastroenterite aguda a Salmonella.


Desidratação moderada(deficit 8%)

Atitude?

Internar para reidratação endovenosa

Exames Complementares?

SIM
Evolução

Atento ao ambiente, olhos ligeiramente encovados, mucosas húmidas, esboço


de prega cutânea, persistência de diarreia

Serviço de urgência ou internamento enfermaria?


internamento enfermaria

Coprocultura?
SIM

Salmonella enteritidis

Antibiótico?
NÃO
Exames Complementares
• Exame parasitológico das fezes dirigido
• Coprocultura

Terapêutica
❑ Cryptosporidium parvum
• Nitazoxanida: - 1 a 3 anos 100mg 2x/dia durante 3 dias
- 4 a 11 anos 200mg 2x/dia durante 3 dias
- >11 anos 500mg 2x/dia durante 3 dias

• Paramomicina - 25-35mg/kg/dia 3x dia durante 7 dias

• Albendazol - 400mg 2x dia durante 7 a 10 dias

Nitazoxanida e Paramomicina não são comercializados em Portugal


Terapêutica
❑Isospora belli
• Trimetoprim-Sulfametoxazol (TMP-SMX):
TMP 5mg/kg, SMX 25mg/kg 2x dia durante 10 dias
Profilaxia – TMP 5mg/kg SMX 25mg/kg 1x dia 3x/semana
❑Ciclospora cayetanensis
• Trimetoprim-Sulfametoxazol (TMP-SMX):
TMP 5mg/kg, SMX 25mg/kg 2x dia durante 10 dias
Profilaxia – TMP 5mg/kg SMX 25mg/kg 1x dia 3x/semana

❑Microsporidia – Albendazol 400mg 2x dia durante 21 dias

• NOTA nos imunocompetentes estes quadros são ligeiros e


autolimitados
Bibliografia
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Pathogenesis Perspectives.
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Pediatrics Secrets 4th Ed 2005; Chap 7: 209-14

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