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LAJOLO, Marisa. Poesia: uma frágil vítima da escola.

In: Do mundo da leitura para a


leitura do mundo. São Paulo: Editora Ática, 1993.1

RESENHA ou título

i
A ideal central que permeia o texto de Marisa Lajolo corresponde aos problemas
enfrentados acerca do ensino da literatura infantil, mais especificamente da poesia, no âmbito
escolar. De início, Lajolo cita algumas considerações de importantes nomes da literatura e da
crítica literária do começo do século XX, como Olavo Bilac e Alceu Amoroso Lima, sobre a
falta de qualidade e o anacronismo estético dos textos literários que compõem os livros
didáticos. Dito isto, Lajolo afirma que, ao longo do século XX, ocorreram algumas mudanças
no panorama da literatura infantil brasileira, ainda que tenham sido insuficientes para que se
sucedesse uma transformação distinta. Nesse sentido, a autora aponta que essa insuficiência
tem parcial responsabilidade devido à duplicidade que abarca o debate da crise de leitura no
Brasil, a qual é ao mesmo tempo quantitativa e qualitativa, uma vez que existem poucos
livros em circulação entre os estudantes e há uma inadequação do modo de leitura que a
escola proporciona.
Dessa forma, para que haja uma melhor discussão das relações entre leitura, literatura
e escola, Lajolo atribui importância às teorias da literatura que tratam da interação entre o
leitor e o texto vinculadas às teorias da literariedade imanente, como a de Roman Jakobson
sobre a função poética, cuja manifestação se dá através da manipulação dos elementos de
linguagem e de maneira histórica, ou seja, em diferentes momentos históricos, o mesmo texto
literário pode ser lido de modos diferentes, pois, a cada geração, há diferentes leitores. Assim,
para que o leitor passe por uma experiência literária, é necessário que ele perceba e reconheça
a manipulação dos elementos de linguagem presentes no texto.
Nessa perspectiva, a escola seria o local no qual o leitor poderá ter uma constante e
progressiva familiaridade com os textos, auxiliando-o em sua formação cultural e ampliando
seu horizonte de expectativas. Por fim, Lajolo afirma que apenas a escolha de um poema que
tenha qualidade estética não é suficiente para solucionar a crise de leitura e, para exemplificar
essa carência, ela analisa brevemente o poema “O vestido de Laura”, de Cecília Meireles,
seguido de um exercício escolar medíocre que não contempla as ideias da autora, mas apenas
aspectos secundários do poema condizentes a uma função reprodutiva e repetitiva que a
escola perpetua no ensino.
1
Resenha elaborada para fins avaliativos da disciplina Literatura e Ensino, ministrada pelo Prof. Dr. Danglei de
Castro Pereira, no ano de 2020.
Embora o texto de Marisa Lajolo tenha sido publicado há 27 anos, ainda é possível
observar que os mesmos problemas sobre o ensino de literatura na escola continuam a
acontecer. Ainda que o poema de Cecilia Meireles possua qualidade estética como demonstra
a autora, o tipo de exercício estipulado pelo livro didático não sustenta as infinitas
interpretações que o poema sugere.
Por isso, é de suma importância que, além de trabalhar com o conteúdo do poema, o
professor pense numa melhor forma de apresentá-lo em sala de aula, de modo a focar em um
significado mais amplo do texto, que abarque os elementos realmente importantes que
ocompõem, que os alunos possam articulá-lo com outros textos já conhecidos, que provoque
indagações aos alunos, que o texto seja efetivamente discutido pluralmente e não somente
reproduzido e pensado com questões extremamente objetivas.
Dessa forma, o ensino da literatura deveria alargar o modo de pensar o mundo e, para
isso, é necessário que haja uma transformação no âmago do ensino escolar, uma vez que os
problemas de exposição e recepção de conteúdos na escola não se referem somente ao ensino
da literatura, mas também de outras disciplinas. Contudo, ainda não testemunhamos essa
ênfase na transformação do ensino, principalmente quando falamos do estado de Mato
Grosso do Sul, considerando que a disciplina de Literatura foi retirada do cronograma do
ensino médio e agregada à disciplina de Língua Portuguesa. À vista disso, a leitura de textos
literários é feita com o intuito de sanar problemas linguísticos que concernem à prova de
vestibular ou ao ENEM, ao invés de ser utilizada no desenvolvimento da formação
sociocultural do aluno.
Assim, as instituições educacionaislegitimam uma deficiência na recepção dos
conteúdos das disciplinas, deixando de lado a formação do senso crítico do aluno em razão de
interesses ideológicos e mercadológicos. Há um empenho das ideologias dominantespara que
as classes dominadas não tenham condições de contradizer os abusos de tais ideologias.
Portanto, é preciso que pensemos em formas de subverter essa estratégia dominante para que
seja possível a emergência de uma sociedade mais consciente de seus direitos e deveres.
Local e data
Mariana Alice de Souza Miranda2

2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Campo Grande/MS.

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