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marketing

O
nipresente só Deus é. Foi
o que aprendemos, pelo
menos os não ateus nem
agnósticos, na infância.
Pois Onipresente tam-
bém é o livro de Ricardo
Cavallini, especialista em comunicação
interativa, que contextualiza a transição
atravessada pela atividade de marke-
ting atualmente, ajudando os profissio-
nais da área a entender –e a preparar-
-se para– os possíveis cenários futuros.
Onipresente é, na verdade, a internet
na vida das pessoas, plugadas nela 24
horas por dia. E fato é que a onipresen-
ça está modificando o modus operandi
das empresas ao lhes tirar a segurança
dos modelos de negócio predefinidos
e estáveis e substituí-los pela máxima
“cada caso é um caso”. Se o especialista
em tecnologia da informação e inova-
ção Silvio Meira tem dito que o mun-
do do futuro será um eterno beta teste,
Foto: Beto Riginik

Cavallini garante que o cotidiano das


empresas será escolher entre vários
modelos de negócio e testá-los.

Modelos
Em entrevista exclusiva a Adriana
Salles Gomes e Jorge Carvalho, respec-
tivamente editora-executiva de HSM
Management e coordenador de pro-
jetos especiais da HSM, Cavallini conta

de negócio
como as empresas podem adaptar seus

eta
modelos de negócio aos quatro Es do
mix de marketing, além de conceituar
o modelo beta e ilustrá-lo com o case
de seu livro, desenvolvido conforme
preceitos da quinta e da sexta ondas da
inovação [veja quadro na página 30].
Com 20 anos de experiência em in-
teratividade, o que Cavallini fez foi adi-
cionar ao slogan informal do Google,
“always beta”, conceitos como o con-
sumidor pós-consumo (sem tempo)
de Seth Godin e o freemium de Chris
Anderson e adaptá-los ao Brasil. Bem-
-humorado, resume: “Nada aqui é
Como evitar que seu marketing igual, né? Deus é onipresente, mas, em
vire commodity? O consultor nenhum outro lugar, é brasileiro”.

Ricardo Cavallini, especializado em


comunicação interativa, sugere um A entrevista é de Adriana Salles Gomes,
editora-executiva de HSM Management,
processo que responde ao avanço e Jorge Carvalho, coordenador de projetos
digital e à internet integradora especiais online da HSM do Brasil.

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Se saíssemos a perguntar no meio em- negócio é beta teste. O que precisa- so maior do que os livros-padrão do
presarial, muitos diriam que o que ocor- mos fazer urgentemente é aprender mercado brasileiro. Devo dizer que
re hoje nos mercados, especialmente a enxergar e a extrair as vantagens sou uma pessoa que gosta de execu-
nos de bens culturais, é uma bagunça, dessa bagunça. Para isso, precisa- tar, o que facilitou tudo.
por conta da questão da distribuição mos olhar para o mix de marketing Então, em vez de percorrer o cami-
gratuita e da produção democratizada de forma diferente, como eu fiz. nho tradicional em que o autor escreve
de música, livros etc. Mas você parece o livro, o editor edita, o revisor revisa o
navegar bem nesse caos, pois acaba Você concorda com a transformação dos texto e um ou dois especialistas fazem
de incorporá-lo a seu negócio como 4 Ps em 4 Es do marketing, como pro- uma revisão técnica mais apurada, fiz
consultor ao produzir um livro nos pre- põe Peter Graves, da Ogilvy? um beta teste. Eu escrevi uma primei-
ceitos 2.0. Como você ganha dinheiro? Eu gosto dos 4 Es: troca (exchange) em ra versão do livro no final de 2008 e
Pode explicar isso? vez de preço; experiência em vez de anunciei no meu blog [CoxaCreme]
Meu livro mais recente, Onipresente, produto; evangelismo –ou engajamen- uma espécie de soft launching: “Vou
contou com recursos que se pode cha- to– em vez de promoção; onipresença fazer um beta teste, como o que se
mar de 2.0, sim, como beta teste, versão (everyplace) em vez de praça. Olha aí faz quando se vai lançar um software.
online gratuita, versão impressa com a onipresença de novo. Para onde quer Quem se interessar pode ler o livro
preço variável, e abertura do conteú- que se olhe, o conceito aparece. As em- antes de terminado, contanto que diga
do para versões personalizadas. Sobre presas precisam ser onipresentes. o que achou. Não quero que as pes-
ganhar dinheiro, eu diria, um pouco soas opinem apenas se gostaram ou
como provocação, que a graça agora é As empresas temem muito essa nova e não; peço análise. São importantes os
que temos a opção de ganhar dinheiro brutal exposição ao público... pontos de vista de profissionais tanto
ou não, cobrando ou não pelo produto. Não podem temer tanto, porque isso seniores como juniores, de dentro e de
Nem sempre o mais interessante para é só o comecinho. Vai ser bem maior. fora do meu mercado, amigos e desco-
o negócio é cobrar por nhecidos”. Com a penetração
um produto; é isso que atual dos blogs e do Twitter,
precisamos entender. “a graça agora é que temos a probabilidade de êxito em
Eu posso escolher a opção de ganhar dinheiro uma convocação assim é
ganhar dinheiro com grande, bem maior do que
o livro, por exemplo, ou não. Nem sempre o mais era há seis anos.
ou dando consultoria e interessante é cobrar” Eu o enviei para 225 pes-
fazendo palestras. No soas. Dessas, 77 fizeram
primeiro caso, o livro reviews realmente sérias,
é o produto principal; no segundo, o Pessoas quiseram me alertar: “Você pegando detalhes como um pará-
livro é mídia, usada para divulgar o vai deixar que critiquem seu livro?”. grafo que não entendeu e uma pala-
produto principal, que é meu negócio Não entenderam que a questão é outra: vra desconhecida e explicando por
de consultor, professor e palestrante. nesta era das redes sociais, vão criticar que discordavam dessa ou daquela
O exemplo do livro talvez pareça um meu livro de qualquer maneira! E com visão. E vou dizer mais: das 77 re­
tanto óbvio, mas ele pode se estender megafone! Não necessitam da minha views, no máximo meia dúzia não
a tudo. Na música, então, isso acontece autorização para fazer isso. Daqui a somou nada. A esmagadora maioria
há muito tempo: faz uns 200 anos [ri­ alguns anos, você lerá meu livro no se mostrou útil.
sos] que o artista tradicional ganha di- Kindle e comentários em tempo real de
nheiro mesmo com seus shows, e não outros sobre ele aparecerão na tela. Mas 225 pessoas somando não po-
com a venda de CD. dem anarquizar um livro? E como
O importante é que, nos dois casos, Você pode contar o case de seu livro? coordenar isso?
os dois modelos de negócio se torna- Parece ser o específico que pode ser Tomei o cuidado de não fazer aquele
ram viáveis: o de ganhar dinheiro com generalizado para outras áreas... livro-frankenstein que muita gente
o show e o da receita gerada pelo CD, Como o livro fala da transição rumo constrói junto e que geralmente os-
o da consultoria e o do livro. E outros a coisas feitas de modos diferentes, tenta uma qualidade final ruim. O
tantos modelos poderiam ser esboça- pensei em fazê-lo de modos diferen- livro nunca deixou de ser autoral.
dos e executados. tes também, para mostrar que isso é Mantive o controle sobre tudo.
Não se segue mais um modelo de possível e deve ser feito na prática. Deu trabalho. A dificuldade maior
negócio-padrão. Ou um modelo de Quis testar ainda se um livro assim, foi ler com olhos nem 8 nem 80. Eu
receita-padrão. A realidade absoluta feito com os recursos e a lógica da corria dois riscos. Um seria pensar:
deixou de existir. Agora, o modelo de mídia digital e das redes, teria suces- “Esse cara não domina o assunto

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como eu, então não vou levá-lo a sério que junta o everyplace e o exchange prarem Onipresente impresso também.
quando ele diz que não entendeu ou do novo mix da estratégia de marke- Nesse caso, eu, como autor, investi em
que discorda”. E o outro seria aceitar ting, dois dos quatro Es. A segunda uma tiragem feita por uma pequena
tudo que falassem e retalhar o livro. edição do meu primeiro livro, O Mar­ editora –as editoras tradicionais re-
Você não pode ter preconceito, mas, keting Depois de Amanhã, já podia jeitaram terminantemente a ideia de
ao mesmo tempo, precisa ter uma li- ser baixada de graça na internet des- combinar o down­load grátis com a im-
nha de pensamento e mantê-la. de o final de setembro de 2008 e, com pressão, o que me levou a rejeitá-las.
A realização do beta teste não ape- Onipresente, resolvi disponibilizar o Em breve, ficará mais fácil ainda fazer
nas melhorou muito a qualidade do download grátis como opção princi- isso, porque a impressão sob demanda
livro; como efeito colateral, ganhei pal desde o início. deve se popularizar no Brasil.
muitos leitores entre os testadores. Em relação ao livro anterior, recebi E tem mais: o leitor pode comprar a
reclamações sobre o download gratui- impressão em condições diferentes das
Experiência e evangelismo, dois dos to: “Eu comprei o livro, paguei por ele, usuais. Ela não tem um preço fixo; va-
novos Es do mix... Você disse que e agora você vai liberá-lo de graça?”. ria conforme, por exemplo, o preço da
gosta de executar e eu pergunto: o Alguns ainda não entenderam que, fotocópia na faculdade onde vou fazer
modelo de negócio beta é o de apren- no caso dos livros, paga-se mais pelo palestra e vender o livro. No interior de
der (e planejar) fazendo, como define papel e pela distribuição, os trabalhos São Paulo, já vendi o livro a R$ 6, que
Henry Mintzberg? Com o pensamen- da editora e da livraria (que ficam com era o preço da fotocópia ali. E, se uma
to de design permanente, como diz 90% da receita), do que pelo conteúdo, empresa comprar um lote de livros e
David Kelley, da Ideo? que cabe ao autor (10%). Mas eles vão quiser que eu, autor, vá entregá-los,
Sim, acho que é por aí. entender rápido, como aconteceu com autografá-los e bater um papo, cobro
a música, cuja separação de conteúdo R$ 100 de taxa simbólica, mais o preço
E a distribuição do livro? e entrega já é bem compreendida pelo de cada livro. Tem a ver com o prin-
Sim, outra lógica 2.0 que usei foi a público graças à distribuição digital. cípio da rede social; o autor se põe no
distribuição gratuita do livro online, Agora, deixei a possibilidade de com- mesmo patamar de seus leitores.

as cinco ondas brasileiras – e a sexta


Partindo do que escrevem Alvin Toffler e [mas] o resultado prático é terrível. A TV acabou sendo o
Joseph Schumpeter sobre as ondas de único referencial de entretenimento, educação e cultura
inovação, o livro Onipresente, de Ricardo para a maioria dos cidadãos.” E limitou o marketing.
Cavallini, explica as ondas de inovação em 5ª onda. Transição do mercado analógico para o digital,
comunicação e no Brasil, de compreensão com a internet como tecnologia de ruptura, cujos fatores
fundamental em um momento em que ga- determinantes são: fragmentação da mídia; surgimento da
nhar a atenção do consumidor mostra ser internet (que faz com que os cerca de 1,3 milhão de domí-
um imenso desafio para as empresas: nios registrados no Brasil sejam 1,3 milhão de veí­culos de
1ª onda. Chegada da imprensa, em 1808. comunicação); mudança do consumidor (ele agora gera,
“Os primeiros anúncios eram destinados distribui e consome conteúdo de outra maneira, em redes
principalmente à venda de medicamentos e escravos.” sociais inclusive, e é engajado); e avanço da tecnologia di-
2ª onda. Abolição do tráfico de escravos, a partir de 1850. gital, que transforma todos em fornecedores de serviço e
Um novo “mercado consumidor, formado por trabalhadores conteúdo, e que cria o marketing contextual (pela associa-
imigrantes, cria um ambiente favorável ao marketing. Nas- ção com palavras-chave nas ferramentas de busca).
cem as primeiras marcas e a publicidade cresce”. Provável 6ª onda. Deve ser liderada pela internet como
3ª onda. Início do mercado como o conhecemos, na pri- integradora de todas as mídias e também de objetos (“in-
meira metade do século 20. “Com as primeiras agências ternet of things”, termo cunhado em 1997), o que é bem
de publicidade, o cuidado estético nos anúncios e cartazes ilustrado pela geladeira que, com comunicação sem fio e
aumenta e as longas descrições são substituídas por textos pequenos sensores, avisa quando acabou certo produto. Já
publicitários [...] O período entre as décadas de 1930 e 1950 há tecnologias para isso (RFID, redes Mash, WiMax, Smart
fica conhecido como a Era de Ouro do Rádio.” Dusts) e, em Nova York, Estados Unidos, um serviço cha-
4ª onda. Proliferação dos veículos, a partir da década de mado iKan já implanta leitor de códigos de barra em ge-
1960, com a televisão se sobrepondo aos demais, em parte ladeiras para que informem o que é preciso comprar. É de
devido à alta taxa de analfabetismo e de baixa renda. “A TV imaginar que os anunciantes possam usá-lo para pesquisa
aumentou e melhorou a produção de conteúdo nacional... no futuro e que novos modelos de negócio surjam daí.

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Quais foram seus trade-offs? Por dapé, cases de negócios etc. Não es- Só tenho receio de usar os termos
exemplo, como preço alto manda a tamos falando em personalização de “cocriação” ou “inovação aberta” para
mensagem de produto bom, segun- forma mais –uma sobrecapa ou capa nomear o processo porque, apesar da
do a economia comportamental, no especial– e sim de conteúdo. participação de muitas pessoas no beta
mínimo houve o risco de o livro não Há ganho de qualidade potencial teste e das versões personalizadas, em
ter sua qualidade percebida... nisso, porque, quem faz a versão per- nenhum caso foram elas que produ-
Não me considerei perdendo o traba- sonalizada o está adaptando para um ziram o livro. É melhor dizer que o
lho de divulgação da editora nem o de público que ele conhece realmente –e espírito da inovação aberta assombra
revisão. Hoje, no Brasil, é o autor que é uma pessoa selecionada por ser ga- Onipresente e que talvez esse seja um
divulga os livros principalmente e eu baritada. Além do mais, esse parceiro caminho sem volta para livros e mui-
paguei uma revisora para revisá-lo. tem um interesse maior de divulgar tos outros produtos.
Além disso, houve a edição e a revi- meu livro também. Agora o modo de
são do beta teste, que A possibilidade de escolher o
eu poderia ter repe- modelo faz o criador voltar ao
tido para a versão “a realização do beta teste centro do processo produtivo?
final inclusive. Hou- não apenas melhorou É opcional. O criador pode
ve a perda do canal voltar a ser o centro, mas não
tradicional de venda, muito a qualidade do livro; precisa sê-lo se não quiser. Meu
que é a livraria, que ganhei vários leitores quinto livro pode ter editora. De
pode dar bastante vi- novo, agora temos vários mo-
sibilidade a um livro, entre os testadores” delos de negócio a que recorrer.
isso sim, mas eu a Acabou o monopólio de mo-
aceitei em troca de uma fatia maior produzir pode passar a ser parte da es- delo de negócio único. Quem lançou
da receita, já que metade do valor do tratégia de marketing e comunicação, esse paradigma, aliás, foram o Google
livro vai para a livraria normalmente se você assim o desejar. (always in beta) e a Apple. Eles são os
–não que ela não o mereça. bastiões dos modelos de negócio beta,
Não tive problema em relação à Esse modelo de cocriação veio para fi- não definitivos, sempre em teste.
qualidade percebida também, talvez car, em sua opinião? 
por ter já uma reputação nesse mer- Acho que sim, embora não seja “o” E você é o Chris Anderson beta, brasi-
cado e trabalhos anteriores, algo que modelo definitivo, porque, como já leiro! [risos] Anderson também fez mo-
quem for seguir esse caminho deve dissemos, a realidade absoluta acabou. delo de negócio beta com o livro dele, ao
levar em consideração. E o fato de Falamos de um dos modelos possíveis, entregar o livro inteiro de graça, mas
eu ter me exposto à crítica alheia já e com a vantagem –e também o apelo– cobrar pelo resumido...
validou a qualidade. de congregar vários dos princípios nor- O Chris Anderson está cobrando pela
teadores desta era da interatividade. facilidade oferecida. Ele faz isso tam-
E as versões personalizadas? bém quando cobra pela versão em
Exato, esse é o terceiro recurso 2.0 que áudio do livro. Na verdade, eu acredi-
estou usando: convidar formadores de to que ninguém comprará conteúdo
opinião e professores para fazer sua ver- daqui a pouco; a palavra “conteúdo”
são do livro. E algumas empresas, agên- deveria ser abolida para os propósitos
cias de publicidade sobretudo, também de negócios, aliás. Será comprada, e
têm me procurado para produzir uma paga, uma de duas coisas: facilidade ou
versão dele com seus cases. O approach personalidade. Facilidade é você pagar
do P da promoção do marketing muda a iTunes Store em vez de baixar músi-
de figura assim: em vez de alguém reco- ca pirata para não ter de gastar tempo
mendar o livro do Cavallini, recomenda procurando seu arquivo, baixar um de
o seu próprio. Percebem? qualidade ruim, ter de fazer backups e
Esse “coautor” não consegue alte- transportar para todo lugar (casa e tra-
rar meu conteúdo, mas pode lhe fa- balho) etc. Facilidade inclui personali-
zer acréscimos e criticá-lo. Se antes zação, algo sob medida para suas ne-
de um capítulo ele quiser escrever cessidades. Já personalidade tem a ver
“Pule as próximas páginas, que não com a curadoria, a opinião e os dife-
são interessantes para nosso caso”, renciais percebidos de um fornecedor
pode fazê-lo. Ele pode adicionar um de conteúdo, como são os “gurus” que
prefácio, comentários, notas de ro- aparecem na HSM Management.

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Saiba mais sobre Cavallini


Geek assumido, Ricardo Cavallini se especializou em comunicação interativa des-
de antes de a internet se disseminar no Brasil; ele contabiliza mais de 20 anos de
experiência no assunto. Atualmente é professor do curso de extensão de marke-
ting direto da Associação Brasileira de Empresas de Marketing Direto (Abemd) e
consultor de empresas tanto para a operação como para o modelo de negócio. Ele
assessorou, por exemplo, a fusão de duas das agências digitais importantes do
mercado brasileiro, a LOV e a SINC, que resultou na holding OON, com ênfase no
design do novo modelo.
Em 2006, Cavallini lançou o livro O Marketing Depois de Amanhã,
que aborda as novas tecnologias disponíveis para o marketing das
empresas –TV digital, mobile, novos displays com sensores etc.– e
seu impacto sobre o comportamento do consumidor, e, em 2009,
Onipresente – De Onde Viemos e para Onde Vamos.
Foi diretor de mídia da F/Nazca Saatchi & Saatchi, diretor de ope-
rações da Euro RSCG 4D, diretor de planejamento da W/Brasil e
sócio-diretor de engenharia da agência digital Organic inc. Mantém
dois blogs: um de sua área, CoxaCreme, e www.wishlist.nu, que ga-
rimpa o consumo inusitado.

Será que essa bagunça vai contaminar vas de distribuição: entre vendidos e concorrentes no mercado, o que pode
todo ambiente e tipo de negócio, indo dados até hoje, já foram pelo menos fazê-lo definhar lentamente.
além do conteúdo e de bens culturais? 5.188 exemplares de Onipresente. As Os jornais, e talvez as grandes redes
Sim, facilidade e personalidade podem métricas são outras no mundo onli­ de TV também, vão morrer da manei-
ser os critérios de cobrança em outras ne: 2.768 baixados no site principal, ra como os conhecemos hoje. Na ver-
áreas de negócios também. E a distri- 520 em uma das visualizações de dade, a categoria será transformada.
buição online sempre será um modelo slideshares, 400 que viram páginas E, nessa metamorfose, alguns players
de negócio disponível no leque de op- no Google Books lidas online, mil de quebrarão de fato.
ções. O meio digital impacta o modo venda do autor e 500 estimados de
de produzir e distribuir produtos, venda da editora, fora distribuições Como os gestores vão conseguir acom-
mesmo quando o produto não é digi- não monitoradas. E foram 13.356 panhar essa transformação sem que-
tal, como um arquivo MP3 de música apenas na contabilidade online d’O brar? Como você faz para antecipar
ou um PDF de livro. Assim como não Mar­keting Depois de Amanhã. Es- essas mudanças, por exemplo?
precisamos dos Kindles da vida para tamos falando do conceito de cauda A única receita, acho eu, é não mais
mudar o mercado de livros –eu poder longa do Anderson, né?! separar trabalho e hobby. Por exem­
vender e divulgar meu livro online já plo, eu sempre gostei muito de tec-
o muda–, não precisamos de produtos Como esse raciocínio da cauda longa se nologia e games, como um bom geek.
e serviços digitais para transformar aplica no mercado de conteúdo exata- Comecei a brincar de desenvolvedor
outros mercados. A mera existência mente? Os grandes jornais e grandes de software, inclusive. Essas coisas
da internet já transforma tudo, porque emissoras da TV aberta vão morrer? são meu hobby, me divertem e me
impõe competitividade inédita aos de- Eric Schmidt [CEO do Google] diz que ajudam a enxergar muita coisa, além
mais canais. negócios de larga escala ainda manda- de render alguns trocados. A tecno-
Se quisesse vender online meu livro, rão –e coexistirão com os de nicho... logia auxilia as pessoas a cultivar
eu teria ali uma margem muito su- Sim, haverá espaço para todos os mo- hobbies. O iPhone, como plataforma
perior à do modelo tradicional de delos. Sobre quem vai morrer e quem para desenvolver aplicativos, me faci-
distribuição, o que possibilitaria que vai viver, é o seguinte: quem conti- litou muito isso e me deu acesso a um
eu, mesmo vendendo muito menos, nuar fazendo o que está fazendo, do jei- mercado mundial. A plataforma blog
conseguisse o mesmo lucro ou um to que está fazendo, vai virar commodi­ me permite ter um blog destinado a
até maior. E ainda correria o risco ty. Ou seja, estará entregando algo cuja achar gadgets diferentes para con-
de vender tanto quanto ou mais que diferença de valor não será percebida sumo, o wishlist, algo engraçado que
pela via tradicional por não ter tra- pelos consumidores e que terá muitos abre muitas janelas de ideias.

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Isso de não separar dever e prazer toda a amostra usava celular e jogava Eu acho que, toda vez que a gente tem
tem relação, aparentemente, com o video­game. Refizeram o estudo sem o a entrada de uma tecnologia nova, a
conceito de “presença” de Otto Schar- termo “tecnologia” e tudo se esclare- gente se distancia do restante do mun-
mer e Peter Senge, que pressupõe ceu. Então, digo: ignorem a palavra. do, fica para trás, mas uma hora essa
pessoas que estejam inteiras naquilo tecnologia chega aqui. E, na hora em
que fazem, 100% dedicadas e compro- A mudança para o modelo beta terá que ela chega, a nossa distância para
metidas... cara própria no Brasil? os outros países diminui muito.
Não conheço a fundo esse conceito, Talvez, por termos menos disposição Também estamos um pouco atrasa-
mas parece ter a ver. Acho que o prazer para o risco que um empreendedor dos em indústrias-chave agora, como
leva ao foco, e o foco permite enxer- norte-americano e mais apego a reser- a dos games.
gar o que está apenas se insinuando, vas de mercado, soframos um pouco Mas não é só a tecnologia que con-
identificar padrões e conseguir nave- mais na adaptação –por exemplo, quan- ta para inovar, certo? Contam muito
gar em um ambiente tão o envolvimento com a
complexo e mutável. realidade e a motivação
“em vez de ser analisado para inovar. Por exemplo,
Você falou em ganhar uns só pelo lado negativo, temos muitas oportuni-
trocados. Isso precisa ser
decorrência, não a moti-
como é hoje, o risco tem dades de inovar. Achar
formas de matar a buro-
vação principal, porque de ser encarado como nos cracia, como fez a Apple
senão já começa errado. investimentos financeiros“ com o iPhone, é maneira
Certo? Ou não? segura de inovar.
Não tenho realmente pretensão de
ganhar US$ 1 milhão em um aplicati- do a realidade de setores que ainda têm O que significa “envolvimento com a
vo. Mas, se em dez anos eu tiver uma Ebitda [resultados antes de juros, im- rea­lidade” nas empresas?
carteira de 50 aplicativos, que rendam postos, depreciação e amortizações, na Significa gestores e funcionários não
entre R$ 100, R$ 50 e R$ 10 por mês, sigla em inglês] alto mudar de repente. se distanciarem da vida real. Dou um
isso será uma aposentadoria. Agora, o Vão ter de entender que a lucratividade exemplo quase bobo: quando as em-
prazer é o mais importante, vem em caiu ou, no mínimo, mudou. presas proíbem seus funcionários de
primeiro lugar. Outra coisa relevante entrar em redes sociais como Twit-
que os gestores podem fazer é esque- Como se desenvolve esse espírito em- ter ou Facebook, passam este recado:
cer o termo “tecnologia”. Parece um preendedor pró-riscos –na comunica- “Não olhem o que está acontecendo lá
palavrão, assusta e é desnecessário. ção, no marketing, em tudo? fora, não falem com os outros”. E, se
O risco tem de ser entendido de outra não se vê o que acontece, não se detec-
Explique isso, por favor... maneira. Em vez de ser analisado só tam oportunidades nem ameaças.
Tudo é tecnologia: a imprensa é tecno- pelo lado negativo, como é hoje, deve O triste é que essa proibição tende a
logia, o rádio é tecnologia, a televisão ser encarado como nos investimen- ter consequências mais graves para as
é tecnologia; a única coisa é que a tos financeiros, também pelo aspec- empresas do Brasil que para as de ou-
gente não os vê mais como tecnolo- to positivo. Parece detalhe, mas isso tros países, porque aqui ainda não é co-
gias porque já estão muito presentes muda tudo. Você aceita correr risco e mum as pessoas terem acesso a essas
em nossa vida. Como diz Douglas pôr dinheiro em ações quando a al- tecnologias em casa. É um erro tam-
Adams [autor da saga Mochileiro das ternativa é pôr dinheiro na poupan- bém porque vivemos uma época em
Galáxias] “tecnologia é tudo o que não ça, não aceita? As empresas deviam que o relacionamento social passou a
funciona direito ainda”. Ou tudo o que fazer o mesmo. ser fonte de vantagem competitiva.
não existia quando você nasceu. Para Elas só precisam conhecer o próprio
quem nasce com internet, por exem- perfil, como o investidor: ela é agres- Seu livro menciona a sexta onda da ino-
plo, ela não é mais tecnologia. Então, siva, moderada ou conservadora? De vação no Brasil [veja quadro na página
façamos de conta que nós todos nasce- qualquer modo, com a internet, o cus- 30]. Ela o deixa otimista? Ou não?
mos com a internet. to da falha ficou muito menor, dá para Sou otimista. Temos de contar com
Uma vez acompanhei um estudo arriscar mais arriscando menos. o seguinte: nada aqui é igual ao que
sobre adoção tecnológica por jovens acontece no resto do mundo. Deus é
cujo resultado foi considerado muito Abraçar o risco é o pedágio para inovar, onipresente, mas, em nenhum outro
estranho. Perguntavam aos entrevis- inclusive. E inovar permanentemen- lugar, é brasileiro. [risos]
tados se eles gostavam de tecnologia e te parece ser a nova moeda de troca.
se a usavam no dia a dia e a resposta Mas... o que fazer com o obstáculo de
era “não”, apesar de ser nítido que nosso gap tecnológico para inovar? HSM Management

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