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VOL. 21 | N. 36 | 2016 | http://dx.doi.org/10.15448/1980-3710.2016.2

Crédito: Divulgação | Diana Jurgielewicz


Dossiê TV Pública
Kitsch: ética,Rammstein
Caravaggio, estética e TV Pública:
Hipermodernidade, sociabilidade A cidade, a vidaenervosa
Manifestações mídias e
e Madonna
gosto popular e tecnologias
Culturas e Regionalidades
digitais alternativas
as doenças mentais
Ticiano Paludo
Solange Wajnman ErikaLuiza
Ana Oikawa
Coiro Moraes e Nádia Maria Weber Santos AntonioCristina
Denise Brasil eAyres
Samira
Gomes
Moratti
e Roberto
Frazão Ramos

P.79
P. 115 P.89
P. 27 P.127
P. 126
Recebido em 3 de maio de 2016. Aprovado em 7 de dezembro de 2016.

Resumo Abstract

A cidade e a vida nervosa: O artigo enfoca o imaginário urbano


sobre as doenças mentais em nove
The article focuses on the urban
imaginary about mental illness in

O imaginário sobre as matérias do jornal Folha de S. Paulo


(FSP). Utilizamos a Sociologia Com-
nine news from Folha de S. Paulo
(FSP). We used the Michel Maffeso-

doenças mentais na preensiva de Michel Maffesoli (2010)


e identificamos que o imaginário
li (2010) Comprehensive Sociology
and identified that postmodernity

Folha de S. Paulo pós-moderno revela a saturação


da identidade, o trágico (Maffesoli,
reveals the saturation of identity,
the tragic (Maffesoli, 2003) and body
2003) e o corpo paroxístico. O jorna- paroxysmal. Journalism, as “imagi-
The city and the nerve life: the lismo, como “tecnologia do imaginá- nary technology” (Silva, 2012), tends
imaginary about mental illness rio” (Silva, 2012), tende a agregar as
pessoas dispersas nas grandes cida-
to add people scattered in major cit-
ies, where the fast pace triggers the
in the Folha de S. Paulo des, onde o ritmo acelerado desen- “saturation of nerves” and requires
cadeia a “saturação dos nervos” e re- new forms of interaction.
quer novas formas de interação.

Denise Cristina Ayres Gomes1 ,


Palavras-chave Keywords
Imaginário; jornalismo; doenças Imaginary; journalism; mental illness.
Roberto José Ramos2 mentais.

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DOI: http://dx.doi.org/10.15448/1980-3710.2016.2.23887
Sessões do Imaginário
A cidade e a vida nervosa: O imaginário sobre as doenças mentais na Folha de S. Paulo

Introdução desvelar e atribuir sentido ao mundo, por isso, consti- tidade, o trágico e o corpo paroxístico. Tais formas se
Em 1903, George Simmel (2005) proferiu a palestra tui-se em uma tecnologia do imaginário (Silva, 2012). manifestam, sobretudo nas grandes cidades onde o
As grandes cidades e a vida do espírito, também tradu- Selecionamos nove matérias dos anos 2001 e 2011 ritmo acelerado, a competitividade no trabalho, as re-
zida como A metrópole e a vida mental em que cons- e utilizamos a noção de imaginário (Maffesoli, 2001) e lações permeadas pelo dinheiro e a instabilidade nas
tata o esgotamento mental dos indivíduos devido os pressupostos da sociologia compreensiva de Michel várias esferas sociais provocam o esgotamento mental
ao excesso de estímulos do cotidiano urbano. Como Maffesoli (2010). O objetivo deste estudo é compreender e o consequente aumento dos transtornos psíquicos.
forma de se adaptar às exigências das cidades gran- o imaginário urbano sobre as doenças mentais a partir
des, as pessoas se tornariam indiferentes ou blasées. do discurso jornalístico da Folha de S. Paulo. Identifica- A saturação da identidade
Um século depois, observamos que a “saturação mos o imaginário através de metáforas e destacamos O conceito moderno de indivíduo, considera-
dos nervos”, evidenciada por Simmel (2005), provoca a a saturação da identidade, o trágico (2003) e o corpo do racional e unificado se satura e assume novas
explosão do número de pessoas com transtornos psí- paroxístico, formas que integram a pós-modernidade. formas de contornos indefinidos que denomina-
quicos no meio urbano. Há cerca de 450 milhões de mos identificações. Maffesoli (2006) propõe o ter-
doentes no mundo, sendo 23 milhões no Brasil (OMS, O imaginário e as doenças mentais mo pessoa (persona ou máscara) para descrever o
2001). A região metropolitana de São Paulo é consi- O imaginário tem algo de imponderável, irracional caráter efêmero do indivíduo, atrelado às circuns-
derada como a de maior incidência de doenças men- e abarca as esferas lúdica, onírica, afetiva e simbólica
tâncias e evoluindo para a representação de pa-
tais entre os países pesquisados (IPqUSP; OMS, 2012). (Maffesoli, 2001). A ambiência partilhada mobiliza as
péis que só fazem sentido em relação ao outro.
Manifestações de comportamentos considera- pessoas em torno de valores e sentimentos comuns. O
Embora o sofrimento seja sentido no corpo indivi-
dos estranhos ou que provocam sofrimento sem- imaginário é real porque fomenta processos interativos
dual, a doença participa de uma atmosfera de partilha.
pre existiram. Na Grécia Antiga, o louco é possuí- na esfera prática. “Todos os documentos – iconográfi-
cos ou textuais – comportam uma parte do imaginá- De acordo com a perspectiva orgânica adotada por
do por espírito divino. Na Idade Média predomina
rio, assim como todos os discursos. Toda expressão Maffesoli (2006), a pessoa se inscreve em um todo co-
a concepção demonista das perturbações. O ima-
ginário moderno instaura a concepção mecanicis- humana, pois, carrega consigo as marcas, mesmo ín- letivo, sinergia que fortalece o domínio da vida.
ta do universo e o conceito de doença mental. Na fimas, da imaginação criadora” (Legros, 2014, p.108).
pós-modernidade, o sofrimento passa cada vez A pós-modernidade é marcada pelo imaginário trá- [...] podemos encontrar a mesma coisa referi-
mais a ser intensificado, tecnicizado e midiatizado. gico ou dionisíaco (Maffesoli, 2003). A metáfora propos- da a pesquisas sobre a medicina tradicional, as
O dispositivo jornalístico integra o ambiente tecno- ta compara a contemporaneidade a Dionísio, o deus do quais demonstram que o corpo individual só
lógico pós-moderno em que a mídia se torna matriz de excesso, conjuntivo e carnal, trágico e presenteísta. Tal pode ser curado mediante o corpo coletivo. Tra-
sociabilidade. A Folha de S. Paulo (FSP) traduz as doenças personagem ambivalente da Antiguidade grega traduz ta-se de uma metáfora interessante. Sabemos
mentais em formas que circulam na sociedade, produ- a pós-modernidade, ambiente que evoca o estar-junto, que essa medicina considera cada corpo como
zem sentidos e criam ambiência. O imaginário permeia a vivacidade, o paradoxo, o relativismo, a premência um todo que é necessário tratar como tal, mas
a sociedade, vincula as pessoas, é atmosfera, espécie da forma corporal e a transitoriedade da existência. é igualmente necessário observar que essa vi-
de aura circundante que promove coesão social (Ma- Utilizamos a metáfora como recurso da sociologia são global é frequentemente reduplicada pelo
ffesoli, 2001). O jornalismo afeta o imaginário porque compreensiva e distinguimos três formas que reve- fato de o corpo individual total ser tributário do
utiliza a técnica própria da profissão para modificar, lam o imaginário pós-moderno: a saturação da iden- todo que é a comunidade (Maffesoli, 2006, p. 60).

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Sessões do Imaginário
A cidade e a vida nervosa: O imaginário sobre as doenças mentais na Folha de S. Paulo

Como aponta Simmel (2005), as relações nas cida- tos incontroláveis. A vida é considerada um fato, uma explicar a realidade. “É contra esta que se opõe a es-
des grandes tendem a ser mais impessoais, objetivas necessidade, então, resta vivê-la de modo intenso e sem piralidade que segue os meandros das eflorescências
e intelectualizadas. Na pós-modernidade essas carac- adiamento. O homem se volta para o corpo, experimen- naturais ou o labirinto do vivido” (Maffesoli, 2010a,
terísticas se tornam insuficientes para compreender ta a alegria do viver, valoriza o prazer, a força e a saúde. p. 100-101). A espiral, portanto, abarca as emoções.
a realidade. A vida social não pode ser mais concebi- A ciência não deve ter a pretensão de abarcar to- O trágico provoca o retorno cíclico de todas as coi-
da a partir de leis econômicas racionais e restritivas; dos os fenômenos à procura de estabelecer leis previ- sas e imobiliza o tempo, fazendo com que o instante
é preciso considerar os aspectos lógico e não lógico síveis e universais. Onde reina a ordem absoluta, não seja vivido intensamente. Se a modernidade criou o
que modelam os fenômenos. A comunicação poten- pode haver criação, não há espaço para possibilida- tempo útil, produtivo, linear e progressivo, a pós-mo-
cializada pelo desenvolvimento tecnológico estrutura des, apenas determinação. O trágico revela a condi- dernidade se depara com o presente, o constante pu-
o cotidiano. Estudar as doenças mentais implica levar ção humana; falível e imperfeita e abarca o paradoxo. lular dos acontecimentos que nos conecta a tudo que
em conta o sentimento, o orgânico e a imaginação. O homem é marcado pela ambiguidade e tenta se é momentâneo. A ambiência que enfatiza o viver aqui
O jornalismo potencializa vínculos emocionais e no- equilibrar entre o interior mental e a realidade objeti- e agora é manifesta na forma do corpo paroxístico.
vas formas de agregação. As pessoas se unem por afini- va, constituindo-se sapiens e demens (razão e loucura).
dades e, em nosso caso, procuram aliviar o sofrimento, O corpo paroxístico
são solidárias, buscam grupos de apoio e falam de seus Vivemos, de fato, num circuito de relações in- Diante da fatalidade, existe a vontade de viver o
males no jornal. Enquanto a modernidade calou os do- terdependentes e retroativas que alimenta, de presente que se exprime pela intensidade da sensa-
entes mentais nos manicômios, na pós-modernidade, maneira, ao mesmo tempo, antagônica e com- ção e da ação. A descrença no futuro, a perda da for-
o sofrimento é intensificado e compartilhado na mídia. plementar, a racionalidade, a afetividade, o ima- ça normativa da tradição, a falta de projeto, a impos-
ginário, a mitologia, a neurose, a loucura, e a sibilidade do adiamento, a gratificação momentânea
O trágico criatividade humanas (Morin, 2007, p. 126-127). e a incerteza do porvir produzem as manifestações
O vitalismo, que nos impele à comunhão, é uma do excesso e a acentuação do tempo presente. “Vi-
espécie de resposta ao sentido trágico da pós-mo- O turbilhão de interpelações que nos demandam ver a morte de todo o dia, talvez seja isso o que ex-
dernidade, expresso na figura de Dionísio. Esse deus todos os dias criou um ambiente instável e emocional prime melhor o que nós entendemos por intensida-
grego simboliza a desmedida, o paradoxo, o rela- que reifica a ação instantânea. Qualquer pessoa é passí- de e monotonia do presente” (Maffesoli, 1987, p. 52).
tivismo, a emoção, a falta de limites, a união com vel de manifestar um transtorno porque é constitutiva- A pós-modernidade enaltece o corpo, o fenômeno
a natureza e a ordem confusional. A forma trágica mente paradoxal. Nem mesmo aquela considerada sím- que dá forma à existência, a aparência que agrega, a
aceita o destino como inelutável, a impermanência bolo de sucesso, fama ou fortuna, escapa do sofrimento. materialidade que provoca sensações e implementa o
de todas as coisas e a fragilidade do conhecimen- A forma da espiral expressa o imaginário trági- imaginário. A exacerbação do presente ou presenteísmo
to. Daí a intensidade no viver, excessos e paroxis- co e contempla a organicidade do mundo. Enquan- (Maffesoli, 2003) acarreta a pregnância da forma, o cor-
mos que moldam as relações e os comportamentos to a modernidade se manifesta nas linhas retas e po inscrito em uma localidade que o legitima. A forma
cotidianos e se manifestam no sofrimento mental. verticais, a pós-modernidade se abre às emoções corpórea participa de uma espécie de encenação, espe-
O trágico é a aceitação incondicional do caráter so- e contempla as esferas natural e social. A verticali- táculo que produz socialidade, a emoção de estar junto.
fredor e absurdo próprio da existência humana. Viver é dade é símbolo da dominação da natureza, da ra- O pensamento e a linguagem deixaram de ser
estar imerso na inconstância, à mercê dos acontecimen- cionalidade instrumental e utilitarista que busca preponderantes na descrição das patologias con-

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temporâneas. O paciente não precisa mais recor- to. O uso desses medicamentos tem se generalizado nifica fazer passar do estado escondido ao não escon-
rer a sua história de vida, articular episódios trau- de forma indiscriminada para enfrentar as banalidades dido. Revelar. Essa seria a essência do jornalismo” (Silva,
máticos para ressignificá-los, como requeria a do cotidiano. A psicofarmacologia remete ao triunfo 2012, p. 104). O jornalismo é uma “tecnologia do imagi-
psicanálise. As perturbações estão expostas no mal- do discurso científico que afirma ser capaz de regu- nário” porque tende a direcionar os sentidos no social.
-estar corpóreo e na maneira como o indivíduo age. lar o sofrimento e explicar de forma racional, o lado Ao mesmo tempo em que desvela o mundo, a téc-
O corpo é instrumento performático, forma que re- afetivo do ser humano. O sofredor é um sujeito que nica jornalística afeta os fatos cobertos e o próprio su-
vela sentimentos e emoções, portanto, está voltado para não se adapta à sociedade e precisa ser controlado. jeito. O apelo jornalístico não é apenas racional e opera
a alteridade. O que denominamos “corpo paroxístico” é na esfera da emoção e do irracional visando produzir
expresso na intensificação dos sintomas da doença men- O jornalismo como produtor de imaginário sensações. A espetacularização é intrínseca à atividade
tal. O jornalismo se detém sobre os aspectos da patolo- O jornalismo promove interação social, mode- que faz uso da dramatização, do pitoresco, da persona-
gia que mais chamam a atenção para construir a notícia. la a vida cotidiana e agrega a realidade fragmenta- lização e outras estratégias para seduzir (Silva, 2012). A
da e diversa da experiência. A atividade jornalística é técnica jornalística transforma o sofrimento do estado
[...] O encurtamento ou a condensação das for- uma forma de conhecimento que parte da realidade biológico e subjetivo para um fenômeno de dimensão
mas de linguagem que a pós-modernidade re- factual e incorpora seus aspectos mais relevantes ou social e simbólica que normatiza condutas, institui prá-
serva ao sofrimento parece ter redundado tam- paroxísticos para transformá-los em notícia. A ativi- ticas, desperta sentimentos, mobiliza pessoas, produz
bém em redução da extensão e em mutação na dade dramatiza os fenômenos, teatraliza o cotidia- significados, implica valores e constitui o imaginário.
qualidade da queixa, sob a qual opera o diag- no com o intuito de atrair a atenção, produzir sensa-
nóstico. Temos agora novas patologias basea- ções, informar, orientar o público e vender notícia. A sociologia compreensiva e o imaginário
das no déficit narrativo, na incapacidade de con- A Folha de S. Paulo (FSP) dá forma, reconstrói e am- Utilizamos a sociologia compreensiva de Ma-
tar a história de um sofrimento, na redução do plifica o discurso da medicina, característica de um ffesoli (2010), abordagem que descreve e com-
mal-estar à dor sensorial (Dunker, 2015, p. 33). ambiente estruturado pela mídia. Nesse caos evene- preende os fenômenos como eles são. O método
mencial, o jornalismo tem importância preponde- compreensivo ultrapassa a observação pura e consi-
A pós-modernidade marca a explosão do número rante como ordenador das concepções dos sujeitos dera as dimensões físicas (objetivas) e psíquicas (sub-
de pessoas afetadas por doença mental. Existem cer- acerca do mundo. As notícias dotam a realidade de jetivas) para problematizar o sentido que as justifica.
ca de 450 milhões de indivíduos sofrendo de algum sentido. “[...] Por meio dele [o noticiário], também es- A sociologia compreensiva “descreve o vivido na-
transtorno no mundo, sendo 23 milhões somente no peramos ter revelações, aprender o que é certo e er- quilo que é/está” (Maffesoli, 2010, p. 30). Ao rejeitar o du-
Brasil (OMS, 2001). A região metropolitana de São Pau- rado, conferir sentido ao sofrimento e entender como alismo sujeito/objeto, admitimos o pesquisador impli-
lo é abordada em pesquisas internacionais por ter a funciona a lógica da vida” (Botton, 2015, p. 11). O dis- cado no objeto de maneira empática. O conhecimento
maior incidência de transtornos mentais entre 24 pa- curso jornalístico traduz o sofrimento em formas sim- somente pode ser algo comum, constituído por meio
íses pesquisados. Os números são expressivos: 19,9% bólicas que são partilhadas na sociedade e se tornam da intersubjetividade e o contato com a realidade dada.
da população possui transtornos de ansiedade e 11% vetores de interação social, isto é, de comunicação. Consideramos dois pressupostos da sociologia
têm transtornos depressivos (IPqUSP; OMS, 2012). A técnica jornalística traz à tona o que estava escon- compreensiva de Maffesoli (2010); o primeiro é a “crí-
A regulação do mal-estar corpóreo ocorre pela dido e, ao revelar, modifica a realidade. “[...] O jornalismo tica ao dualismo esquemático”. O objeto de pesquisa
ação dos psicofármacos que prometem alívio imedia- produz versões. Produzir, no sentido heideggeriano, sig- não é considerado uma realidade separada do pes-

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quisador, da qual se podem deduzir leis e princípios. A saturação da identidade na mação e a globalização contribuem para a maior ocor-
A sociologia compreensiva se funde ao objeto e ado- Folha de S. Paulo rência de doenças mentais” (Fraga; Borlina Filho, 2011).
ta o ponto de vista metanoico. O procedimento não Compreendemos que o imaginário pós-moderno A matéria da Folha de S. Paulo, intitulada “O teste dos
possui interesses teleológicos, objetivos, utilitários e é marcado pela saturação da identidade. O jornalismo, temperamentos” (Versolato, 2011), enfoca o site criado
racionais e considera a relatividade de todas as coisas. como ordenador da vida social na pós-modernidade, por psiquiatras da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS) que traça o perfil psicológi-
A pós-modernidade implica a saturação dos es- dissemina informações que circulam na sociedade
co e psiquiátrico dos internautas. O texto jornalístico dá
quemas totalizantes, a emergência do politeísmo e produzem ambiência, isto é, imaginário. A doença
detalhes sobre o teste e explica os doze tipos de tempe-
de valores e o predomínio das emoções. O outro mental se torna um fenômeno partilhado no coletivo.
ramentos considerados. Os psiquiatras citados concor-
pressuposto da sociologia compreensiva é “a sen- A abertura para compartilhar o sofrimento com o
dam com a utilidade do site. “Para Del Porto [psiquiatra],
sibilidade relativista” que considera o dado social outro, falar do mal, procurar ajuda, tornar-se persona-
o serviço não tem a pretensão de servir como um diag-
gem de uma narrativa jornalística e buscar grupos de
como fenômeno complexo e constitutivamente pa- nóstico, mas pode motivar a pessoa a procurar trata-
apoio são marcas da abertura para a alteridade. A do-
radoxal. “Há uma lógica contraditorial que se opõe mento especializado, o que é positivo” (Versolato, 2011).
ença provoca empatia e solidariedade. Embora caiba
ao princípio ou à lógica da identidade [...]” (Maffe- Mais uma evidência de que o jornalismo promove
à medicina a tarefa de distinguir as patologias, as pes-
soli, 2010, p. 62). Adotamos o procedimento meto- a abertura para o outro se encontra neste trecho: “O
soas têm o impulso vital de se reconhecerem no so- primeiro remédio, na verdade, é a informação, explica”
dológico em perspectiva, relativista e contingente. frimento e procurar ser solidárias para amenizar a dor. (Maldjian, 2011). A fonte se refere a Roberto Carlos e Lu-
Selecionamos a Folha de S. Paulo (FSP) por ser o A reportagem intitulada “Afastamentos por do- ciana Vendramini, que revelaram a diversos veículos e
jornal de maior circulação paga em âmbito nacio- enças mentais disparam no país” afirma que a di- na própria Folha de S. Paulo, serem portadores de trans-
nal com média de 351.745 exemplares (ANJ, 2014). vulgação de informações sobre transtornos psíqui- torno obsessivo compulsivo (TOC). Os exemplos dos
Além de ser veículo de referência nacional, a es- cos motiva as pessoas a buscarem tratamento e famosos incentivaram pessoas a buscarem tratamento.
colha considerou o fato de a região metropolita- acarreta o afastamento do trabalho. “Especialistas “O Roberto e a Luciana não têm ideia do quanto eles
na de São Paulo possuir o maior índice de doen- ressaltam que os trabalhadores têm acesso atualmen- encorajam, até hoje, as pessoas” (Maldjian, 2011). O tre-
ça mental entre os países pesquisados (OMS, 2012). te a mais informações sobre os transtornos mentais cho mostra a importância da mídia na disseminação de
Os textos compõem o arquivo digital da Folha de S. e suas causas. ‘Isso também ajuda a explicar o au- sentidos que intervêm no social. A narrativa jornalística
Paulo e foram escolhidos por meio dos recursos disponí- mento nas concessões’” (Fraga; Borlina Filho, 2011). produz imaginário que permeia e atua sobre o cotidiano.
Observamos a realidade social matizada pela esfera A matéria mostra que a doença de Roberto Car-
veis no site “busca detalhada” e “frase exata”, utilizando
simbólica que institui valores e práticas. “Há ondas de los, contada em uma revista, serviu de inspiração
as palavras-chave “doença mental”. As nove matérias se
doenças de trabalho. A onda atual é a da saúde mental” para que determinada mãe identificasse o transtor-
referem aos anos de 2001 e 2011, quando se inicia a pós-
(Fraga; Borlina Filho, 2011). A “onda” somente é possível no da filha. “[...] a mãe chegou em casa afobada, sa-
-modernidade, conforme consideramos, e ano da apro- porque há comunicação, isto é, as pessoas partilham do cudindo uma revista. ‘Olha, Andressa, você tem a
vação da lei da reforma psiquiátrica no Brasil e a década mesmo imaginário sobre o sofrimento. Como consequ- mesma coisa que o Roberto Carlos’” (Maldjian, 2011).
posterior. A saturação da identidade, o trágico e o cor- ência, houve o aumento da procura para concessões de O discurso jornalístico promove a exterioridade, as
po paroxístico são formas que expressam o imaginário benefícios de auxílio-doença. Outro trecho evidencia a trocas intersubjetivas, o compartilhamento de expe-
pós-moderno e estão presentes nos textos estudados. importância da comunicação: “[...] o maior acesso à infor- riências e afetos que dotam o cotidiano de sentido.

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A cidade e a vida nervosa: O imaginário sobre as doenças mentais na Folha de S. Paulo

A coluna intitulada “SOS TOC” compõe a matéria tende a promover que as pessoas busquem ajuda para O texto intitulado “Estudo relaciona esquizofrenia
e enumera os “grupos de apoio e orientação de trata- o alcoolismo. Compreendemos que o discurso jornalís- com vírus” (FSP, 11 abr. 2001) aponta os limites da ciên-
mento” (Maldjian, 2011). O texto incita as pessoas a se tico produz socialidades quando dissemina sentidos e cia. “Mudanças no funcionamento do cérebro também
reconhecerem como pertencentes a grupos patoló- induz as pessoas a buscarem apoio, tornando-se indis- foram identificadas, mas suas causas permanecem
gicos e buscar ajuda. Como afirma Maffesoli (2006), a pensável e útil para o cotidiano. Cada vez mais, a doença desconhecidas”. Em outro trecho, a matéria afirma: “No
pós-modernidade é um ambiente emocional, em que mental é externalizada, midiatizada e compartilhada. entanto, os cientistas não sabem dizer se essas sequ-
as pessoas se juntam por empatia, são solidárias e, no ências virais são resultado da infeção por retrovírus”.
caso deste estudo, partilham o sofrimento. Ainda que O trágico na Folha de S. Paulo O imaginário trágico aponta a instabilidade em
haja o poder institucional da medicina agindo sobre as O sentido trágico do imaginário permeia a questão todas as esferas que se traduz nas doenças mentais.
pessoas, e o jornalismo prescrevendo o dever-ser, existe das doenças mentais. A medicina admite o controle dos A bipolaridade é o transtorno característico do pa-
a identificação com o outro, a iniciativa de exteriorizar sintomas, já que não existe cura para muitas patologias. radoxo pós-moderno. A doença alterna episódios
o sofrimento nas páginas do jornal e aliviar a dor alheia. Trata-se de aceitar o diagnóstico e conviver com ele, de extrema euforia e depressão, sendo a ciclotimia
Compreendemos que o jornalismo produz sociali- procurando regular o mal-estar evidenciado no corpo e um dos subtipos. “Em alguns casos de euforia den-
dades. Alguém que se percebe doente, ao ler um texto não apenas buscar a causa ou a cura da patologia. Como tro do transtorno bipolar (alternância de episódios
jornalístico, referencia seu sofrimento ou de pessoas pró- no exemplo: “‘Quando ele me disse que o TOC não ti- de depressão e euforia), por exemplo, o quadro é
ximas e tende a procurar ajuda médica, buscar amparo nha cura, eu comecei a chorar’, lembra”’ (Maldjian, 2011). agudo” (Valdejão, 2001); “[...] Se o resultado disser
entre familiares e grupos de apoio. “Com o teste, pelo A matéria intitulada “Problema mental pode que sou muito instável, será que não tenho ciclo-
menos a pessoa pode perceber se tem algum problema” timia, um transtorno de humor?” (Versolato, 2011).
ser camuflado” (Valdejão, 2001) aponta que os fe-
(Versolato, 2011). O sofrimento somente adquire sentido Observamos o imaginário trágico manifesto no
nômenos são complexos, nebulosos e paradoxais.
na intersubjetividade. Quem sofre partilha a atmosfera turbilhão de interpelações a que estamos expos-
A doença mental não pode ser definida claramen-
permeada de sentidos disseminados pelo jornalismo. tos no dia a dia. Vivemos à mercê dos acontecimen-
te. “Os psiquiatras são unânimes na avaliação de
A reportagem “Motivação evita recaída no alcoolis- tos, obrigados a dar respostas constantes para as
que é difícil distinguir quando alguém ultrapassa a
mo” (Stringueto, 2001) reúne vários dados e declarações demandas. A pós-modernidade é instável, reme-
tênue linha que separa a normalidade da anormali-
de fontes para comprovar que o doente deve se subme- te ao instante e às circunstâncias. As grandes cida-
ter à terapia para ter maior probabilidade de se recupe- dade”. Loucura e razão são complementares e cons-
des é o ambiente onde se observa a exacerbação
rar. “[...] a melhor estratégia de combate ao alcoolismo é titutivas do ser humano, como afirma Morin (2007).
e o esgotamento das emoções devido ao excesso.
mesmo o AA (Alcoólicos Anônimos). Um programa ba- O trecho da matéria intitulada “Brasileiros criam
A reportagem “Pressões e problemas urbanos
seado em reuniões (diárias ou semanais dependendo da diagnóstico para pânico” (Massarani, 2001) mostra a colaboram para afastamento” aborda como o “co-
disponibilidade do paciente) de vários alcoólicos com debilidade do conhecimento científico. “Como ou- tidiano das grandes cidades faz com que as pesso-
a finalidade de trocar experiências” (Stringueto, 2001). tras doenças mentais, ainda não se conhecem, de as vivam estressadas” (Cézari, 2011). O texto afirma:
A reportagem traz ainda a coluna “Onde procurar maneira clara, as causas do transtorno do pânico. “Em tempos de ‘salve-se quem puder’, as pessoas são
ajuda, tratamentos e informações”, listando vários lo- Acredita-se que haja um fator hereditário”. A cren- pressionadas a produzir mais, a vender mais, a melho-
cais de apoio aos alcóolatras com endereço e telefo- ça traduz a relativização da ciência tomada como rar a qualidade dos produtos. Quem não entra nessa
ne. A Folha de S. Paulo pratica o jornalismo de serviço e narrativa à procura de esclarecer os fenômenos. espiral fica para trás”. A reportagem cita fatores que

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A cidade e a vida nervosa: O imaginário sobre as doenças mentais na Folha de S. Paulo

colaboram para o aumento das doenças mentais en- O corpo paroxístico na Folha de S. Paulo rou um psiquiatra e começou a se tratar com remé-
tre os trabalhadores como a cobrança das empresas, O imaginário pós-moderno se manifesta na proemi- dios” (Maldjian, 2011). “Há um ano, Diogo, 12, também
a “competitividade, os problemas familiares e pesso- nência da forma corporal que remete à presença, ao ins- encara o tratamento recomendado – medicamen-
ais, os sociais, o trânsito caótico das grandes cidades tante. O corpo sintetiza a urgência de viver aqui e agora, tos como antidepressivos e terapia” (Maldjian, 2011).
e a violência urbana” (Cézari, 2011). Os mais velhos é presença, volta-se para a exterioridade, é instrumento Outro indício do corpo paroxístico é a manifesta-
sofrem ainda com a adaptação às novas tecnologias. performático e passível de ser modelado. O registro cor- ção dos transtornos mentais que irrompe e modifi-
A vida urbana no Brasil revela as contradições so- poral é investido de cuidados e está ligado às emoções. ca o comportamento de forma brusca. “De uma hora
ciais do país. Nas cidades, as diferenças entre ricos e para outra, cismou que tinha Aids. Depois entrou em
pobres são mais acentuadas e contribuem para o de- No lugar das antigas modalidades de sofrimen- desespero por pensar que havia abortado. A verda-
senvolvimento dos transtornos. A reportagem intitula- tos centrados no conflito psíquico, nos quais se de ela e a família só descobriram seis anos depois:
da “Doença mental afeta mais criança favelada” atesta opunham os imperativos das pulsões e os das in- ela tem esquizofrenia” (Valdejão, 2001). Outro tre-
as contradições. “Crianças faveladas têm quase o dobro terdições morais, o mal-estar se evidencia agora cho demarca o excesso: “Deixaram-me sozinha para
de chances de desenvolver distúrbios mentais do que como dor, inscrevendo-se nos registros do corpo, cuidar de quatro pacientes. Um deles ‘parou’, deu
as de classe média e as da zona rural”. “Embora seja da ação e das intensidades (Birman, 2012, p. 65). tudo errado. Daí surtei” (Fraga; Borlina Filho, 2011).
conhecida como ‘Suíça’, Campos [do Jordão] é uma O transtorno obsessivo compulsivo é classificado
cidade em que convivem mansões de milhões de re- como um transtorno de ansiedade acompanhado de
Verificamos as formas de sofrimento expressas no
ais e morros apinhados de favelas” (Medeiros, 2001). obsessões e compulsões que consomem tempo ex-
mal-estar corpóreo e na performatividade da ação
Como aponta Simmel (2005), a vida urbana inten- cessivo e causam sofrimento. Os exemplos mostram
exacerbada. Como nos exemplos que caracterizam
sifica os nervos e provoca a indiferença como recur- comportamentos típicos de pessoas que partilham a
o TOC, considerado um transtorno de ansiedade: “o
so de adaptação. Compreendemos que as grandes cantor não saía de um lugar pela porta que entrou, mesma doença. As ações seguem uma lógica interna
cidades afetam as emoções de tal forma a provocar não usava marrom e não dizia palavras negativas: pa- que somente faz sentido para quem participa do ri-
doenças, a exemplo dos altos índices de transtor- rou até de cantar um dos seus sucessos, ‘Quero Que tual, tentativa de manutenção da vida. “‘A obsessão é
nos psíquicos na região metropolitana de São Paulo Vá Tudo pro Inferno’”. Outro trecho demarca o ex- aquele pensamento, mesmo sem sentido, que a pes-
(OMS, 2012). “Pareceria, para retomar uma expres- cesso: “Como se não bastasse a fissura pela higie- soa não consegue tirar da cabeça. E a compulsão é o ri-
são de Georg Simmel, que se assiste, com a pós-mo- ne, ela também se apega à simetria” (Maldjian, 2011). tual feito para afastá-lo’, explica Ana Hounie, psiquiatra
dernidade, a uma ‘intensificação da vida dos nervos’” Observamos que a regulação do mal-estar cor- do Hospital das Clínicas de São Paulo” (Maldjian, 2011).
(Maffesoli, 2010a, p. 36). Cabe lidar com o sofrimento, póreo ocorre, principalmente, através do uso de me- O indivíduo é invadido por pensamentos, imagens
procurando minimizá-lo com remédios. Ninguém está dicamentos, intervenção pontual de natureza neu- repetitivas que o obrigam a criar rituais na tentativa de
imune às doenças mentais, sejam os personagens des- robioquímica que atenua os sintomas corporais. A neutralizá-los. “Naquele tempo, criou outro compor-
conhecidos que ilustram as matérias, até as pessoas terapia desempenha papel coadjuvante na pós-mo- tamento repetitivo, engolir saliva olhando para cima,
consideradas símbolos de sucesso. Afinal, como disse dernidade, ambiente em que as pessoas procuram ‘para não absorver algo do inferno’”. “[...] Se eu não la-
uma fonte: “Se o Rei tem TOC, qual é o problema de alívio imediato para o sofrimento. Os trechos ilustram var as mãos, não vou conseguir conversar com você”;
nossos filhos e alunos terem, poxa?” (Maldjian, 2011). o uso de medicação: “De imediato, Andressa procu- “[...] Se eu tocar no chão, no rejunte dos pisos, por

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Sessões do Imaginário
A cidade e a vida nervosa: O imaginário sobre as doenças mentais na Folha de S. Paulo

exemplo, acho que vou me contaminar”; “[...] No início, recorram às notícias. As grandes cidades concentram Referências
ela só conseguia dormir depois de ver três táxis ama- os maiores índices de transtornos mentais, devido ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS (ANJ). Brasília,
relos. No auge, ficou dez horas no chuveiro, esperan- ao ambiente caótico que satura a mente, e ao acesso 2014. Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-
do um pensamento bom vir à mente” (Maldjian, 2011). mais facilitado à informação. Daí a importância do jor- jornais-do-brasil/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
Os rituais típicos das pessoas portadoras de transtor- nalismo como ordenador da realidade social, perme-
no obsessivo-compulsivo ilustram o deter-se no instante, ando a fragmentação e a intensidade da vida urbana. BIRMAN, Joel. O sujeito na contemporaneidade:
o eterno presente que se impõe. Como afirma Andressa, Compreendemos que o imaginário se expressa na espaço, dor e desalento na atualidade. Rio de Janeiro:
a personagem da matéria, a aflição é atenuada quando saturação da identidade observada na midiatização do Civilização Brasileira, 2012.
lava as mãos. O ritual expressa a imobilização do tempo. sofrimento. Há a expressão do mal-estar, a identificação
de pessoas com a doença, a exterioridade dos afetos, a BOTTON, Alain de. Notícias: manual do usuário. Rio de
É nesse sentido que somos tentados a compre- empatia e a busca de apoio. O trágico se revela na insta- Janeiro: Intrínseca, 2015.
ender a repetição como negação do tempo. Com bilidade que atinge também a esfera emocional e no so-
efeito, a repetição pode ser considerada como frimento constitutivo do ser humano. Razão e emoção DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento
horizonte de todo ritual social, em seus aspectos são manifestações da nossa condição existencial. Qual- e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros.
paroxísticos ou patológicos, da mesma maneira quer pessoa, portanto, pode ser acometida de um trans- São Paulo: Boitempo, 2015.
que, em suas modulações nuançadas e cotidianas, torno que irrompe em determinado momento da vida.
acentua o presente e seu querer-viver. [...] Repetir O corpo paroxístico demarca a manifestação das INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DA UNIVERSIDADE
significa negar o tempo, é o signo de um “não- doenças mentais na forma corporal como uma es- DE SÃO PAULO (IPqUSP); ORGANIZAÇÃO
-tempo” que caracteriza o concreto da vida coti- pécie de encenação. Os medicamentos regulam MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). São Paulo Megacity
diana, o instante vivido (Maffesoli, 2001a, p. 116). e aliviam o sofrimento e provocam a medicaliza- Mental Health Survey. 2012. Disponível em
ção do cotidiano. O desconforto deve ser combati- <ht tp://w w w.plosone.org/ar ticle/fetchObject.
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A pós-modernidade evidencia a crise nas ciên- do para que se promova a sensação de bem-estar.
pone.0031879&representation=PDF>. Acesso em: 15
cias, a indefinição de limites sobre a doença mental e A sociologia compreensiva descreve e compreen-
abr. 2014.
a premência do corpo como repositório do mal-estar. de o imaginário, partindo dos pressupostos que rejei-
A performatividade da doença, expressa no compor- tam a separação entre pesquisador e objeto e consi-
LEGROS, Patrick; MONNEYRON, Frédéric; RENARD, Jean-
tamento, dá concretude à patologia para ser exibida dera a complexidade e o paradoxo que constituem os
Bruno; TACUSSEL, Patrick. Sociologia do imaginário.
nas páginas do jornal e suscitar a emoção do leitor. fenômenos. Observamos os relatos do cotidiano ex- 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2014.
pressos na Folha de S. Paulo e como o discurso sobre o
Considerações finais sofrimento possibilita a conectividade, a exteriorização MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. São Paulo:
Observamos que as matérias revelam o imaginário dos afetos e a criação de socialidades. O dispositivo Vértice, 1987.
da pós-modernidade. O jornalismo promove o com- jornalístico, considerado uma tecnologia do imaginá-
partilhamento de sentidos, principalmente nas cida- rio, tende a agregar as pessoas dispersas nas grandes MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. In:
des em que o ritmo acelerado de vida e a necessidade cidades, onde o ritmo acelerado desencadeia a “satu- Revista Famecos. Porto Alegre: PUCRS, v. 8. n. 15, p.
de se manter informado fazem com que as pessoas ração dos nervos” e requer novas formas de interação. 74-82, ago. 2001.

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A cidade e a vida nervosa: O imaginário sobre as doenças mentais na Folha de S. Paulo

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