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CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
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MARIA MONFORTE DÂMASO SALCEDE
-- É uma mulher bela, elegante e caprichosa; -- Cheio de defeitos;
-- Leviana e amoral; -- Exibicionista, cobarde e grosseiro na
-- Nela radicam todas as desgraças da expressão linguística;
família Maia; -- Não tem dignidade;
-- Dão-lhe o nome de “negreira”, porque a -- Mesquinho, pouco inteligente, gabarola;
fortuna da família tinha sido conseguida pelo -- Tem uma única preocupação – ser “chique a
seu pai transportando “cargas de pretos para valer”
o Brasil, para Havana e par Nova Orleães”;
-- Pobre no fim da vida. “... um rapaz baixote, gordo, frisado como um
noivo de província, de camélia ao peito e
“Cabelos loiros de um oiro fulvo, ondeavam plastrão azul-celeste.”
de leve sobre a testa curta e clássica: os
olhos maravilhosos iluminavam-na toda, EUSEBIOZINHO
magnífica criatura, arrastando com um passo -- Representante da educação tradicional
de deusa a sua cauda de corte, sempre portuguesa;
decotada como em noites de gala, -- Fúnebre, forreta, macambúzio;
resplandecente de jóias...” -- Frequentador de bordéis;
-- É caracterizado de forma caricatural; o
seu nome, que aparece quase sempre no grau
JOÃO DA EGA diminutivo, realça a sua fraqueza e cobardia.
CONDE DE GOUVARINHO
Alto, de luneta de ouro, bigode encerado, pêra curta, “poseur”, “um asno”, “um
caloteiro”, maçador, forreta, aborrecido, grosseiro, provinciano, voz lenta e rotunda.
É um deputado pertencente ao Centro Progressista e apresenta-se sem cultura
histórica.
É um político incompetente.
CONDESSA DE GOUVARINHO
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Trinta e três anos, “cabelos cor de brasa”, “pele de cetim”, “pé fino e comprido”,
“arzinho de provocação e de ataque”, “aroma de verbena”, requintada, burguesa adúltera e
frustrada.
(JACOB) COHEN
RAQUEL COHEN
Trinta anos, alta, muito pálida, de saúde frágil, “cabelos negros ondeados, belos
pesados”, ar lânguido, luneta de ouro presa por um fio de ouro, culta.
Era considerada uma das primeiras da elite portuguesa.
CRAFT
Baixo, loiro, pele rosada e fresca, aparência fria, musculatura de atleta, vestido de
fraque.
Teve uma educação britânica e é coleccionador de obras de arte. O seu modo é calmo e
plácido. É um homem rico e viajado.
STEINBROKEN
Vestido de modo britânico, “olhar azul claro e frio”, “cabelos de loiro espiga”.
Diplomata fino, grande entusiasta de Inglaterra, entendedor de vinhos, acrítico.
CRUGES
Músico talentoso.
Grenha crespa, olhinhos piscos, nariz espetado.
É melancólico, tímido, reservado.
PALMA “CAVALÃO
NEVES
SOUSA NETO
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As personagens e o seu percurso na obra
CAETANO DA MAIA
Caetano da Maia é o pai de Afonso da Maia (bisavô de Carlos da Maia). Miguelista convicto e anti-
jacobino ferrenho, dominado pelos valores tradicionais e conservadores, não perdoa ao filho as aventuras
contestatárias da mocidade e expulsa-o de casa, desterrando-o para Santa Olávia. Esperava, com esta
medida, que o jovem ganhasse bom senso. O “castigo” acaba por ter bons frutos, já que Afonso da Maia,
depois de perdoado, regressa a Lisboa e parte, quase de seguida, para Inglaterra, abandonando os seus
correligionários de lides políticas à intervenção militante e activa, enquanto ele vai assistindo às corridas
em Epson.
AFONSO DA MAIA
Afonso da Maia é filho de Caetano da Maia, conservador e religioso; Afonso da Maia defendeu, na
sua juventude, valores opostos aos de seu pai. Ávido na leitura, elege como seus autores preferidos Tácito
e Rebelais, não obstante a passagem por Rousseau, Volney, Helvetius e pela Enciclopédia.
Casa com Maria Eduarda Runa e, durante as lutas liberais, vê o seu domicílio invadido pelos
seguidores de D. Miguel.
Exila-se, então, em Inglaterra, com a mulher e o filho, Pedro da Maia, tomando contacto com a
sociedade e cultura britânicas, que iria merecer a sua admiração. A sua vida em Inglaterra, todavia, fica
marcada pelo inconformismo de Maria Eduarda Runa que, amante do sol, vai definhando e se entrega à
religião de uma forma beata e incondicional, o que obriga Afonso a regressar definitivamente a Portugal. A
religiosidade excessiva da mulher irá ter o seu preço: a educação perniciosa de Pedro da Maia que se vem
a revelar na sua fraqueza de carácter e consequente suicídio. Contra o fanatismo e a ignorância da mulher,
Afonso revela-se impotente. Após a morte da mulher e do filho, Afonso parte definitivamente para a sua
quinta no Douro (Santa Olávia), onde tentará remediar os erros cometidos no passado, tomando como
fulcro dos seus interesses a educação do neto, Carlos da Maia, entretanto entregue pelo pai aos seus
cuidados.
Maia simboliza, sobretudo, a integridade moral e a rectidão de carácter. Crítico em relação à forma de
estar na vida do seu próprio neto, Carlos da Maia (e até em relação a João da Ega), contesta a sua
inactividade e a inutilidade do seu diletantismo, incitando-o à acção. Se observarmos esta personagem com
atenção, veremos que Afonso da Maia desde a juventude preconiza a acção transformadora da sociedade,
mas está longe de a protagonizar, isto é, não existe por parte de Afonso da Maia, patriota na forma e na
essência, qualquer iniciativo para curar os males do país. A sua militância social começa e acaba na palavra,
na vontade de fazer; nada mais. Embora comparado “aos varões das idades heróicas”, Afonso da Maia não
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é mais que a representação de um eco e um reflexo do passado glorioso, incarnando apenas os valores de
Com efeito, Afonso representa o português íntegro, associado a um passado nacional heróico, mas
cuja vitalidade se esgotou nesse mesmo tempo já perdido. Ele simboliza a incapacidade de regeneração do
país, que vive a ilusão desse tempo áureo, alimentando-se dessa imagem, contudo, perdida.
Irá desiludir-se com a corrente liberal e ansiar por uma aristocracia Tory, que pudesse repor a
ordem, o progresso e a moral, de facto, a moral que lhe é tão cara e que vai custa-lhe a própria vida, ao
ter conhecimento da relação incestuosa de Carlos da Maia com Maria Eduarda. Afonso da Maia, que”tudo
vira, tudo passara, dedicando exclusivamente ao neto os últimos anos da sua vida, não resiste ao rude
golpe do destino e morre, envolto em tristeza, no Ramalhete, casa que tão funesta fora à sua família.
MARIA MONFORTE
Maria Monforte é filha de Manuel Monforte, natural dos Açores. É conhecida em Lisboa pela
alcunha pejorativa de “a negreira”, alcunha, aliás, ligada a seu pai e à forma como fizera fortuna, enquanto
Vista por Pedro da Maia “como alguma coisa de imortal e superior à Terra”, Maria Monforte deslumbrará
Pedro com a sua beleza e contra a vontade de Afonso da Maia, virá a unir-se a Pedro pelo casamento. O
casal irá, então, viver para Arroios e inicia uma intensa vida social, inerente ao meio a que pertence.
É de salientar o gosto de Maria Monforte pelo luxo (que Carlos herdará) e a sua capacidade de se
fazer admirar: os amigos de Pedro da Maia idolatravam-na; até Alencar sentia por ela uma paixão
platónica.
A instabilidade instala-se, porém, quando Pedro recolhe, em sua casa, Tancredo, príncipe
Mulher volúvel e insatisfeito, Maria Monforte abandona Pedro, fugindo com Tancredo e levando
consigo a primeira filha do casar, Maria Eduarda, afirmando que deixa apenas Carlos, pois não consegue
separar-se da filha, que adorava e enfeitava com folhos, laços e fitas que realçavam a sua beleza
deslumbrante. Radicam-se em Viena, onde o pai de Maria Monforte vai suportando a vida caprichosa de
ambos. Partem, depois, para o Mónaco, onde Tancredo morre num duelo e também Manuel Monforte,
completamente arruinado.
Sem quaisquer meios de subsistência, Maria Monforte parte, primeiro para Londres e, depois, para
Paris. Deixando a filha num convento em Tours, Maria Monforte viaja pela Alemanha, pela Terra Santa e
pelo Oriente, até se fixar definitivamente em Paris. Aí, abrirá uma casa de jogo no Parc Monceaux.
Instalará uma segunda casa de jogo na Chaussée d’Autin, na qual Maria Eduarda conhecerá o seu primeiro
amante, um irlandês, Mac Gren, do qual vem a ter uma filha, Rosa.
Após o início da guerra franco-prussiana, na qual Mac Gren encontra a morte, Maria Monforte
muda-se para Londres com a filha e a neta. A idade, porém, não perdoa e, antes de falecer, confia a um
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velho amigo, Guimarães (tio de Dâmaso Salcede), um jornalista que vivia em Paris e que, casualmente, se
encontrava em Marselha, o cofre com os documentos que comprovavam a verdadeiro identidade de Maria
CARLOS DA MAIA
Carlos da Maia é o protagonista da obra Os Maias. É o segundo filho de Pedro da Maia e de Maria
Monforte. Após o suicídio do pai, irá viver com o avô, Afonso da Maia, para Santo Olávia, local que só
É descrito como um belo jovem da Renasça (beleza que o aproxima de sua mãe, apesar de possuir
os olhos negros e líquidos dos Maias). Durante o período em que estuda, experimenta um pequeno
interlúdio amoroso com a mulher de um empregado do Governo Civil, Hermengarda, que abandona por
sentir compaixão do marido e do filho; posteriormente, envolver-se-á com uma prostituta espanhola. Após
o término do curso, faz uma viagem à Europa e passeia-se pelos lagos escoceses com Mme. Rughel (uma
holandesa que estava separada do marido). De regresso a Lisboa, vem imbuído de planos grandiosos de
pesquisa e curas médicas, mas depressa sucumbe à inactividade, pois, em Portugal, a medicina não era
vista como uma profissão a exercer por um aristocrata da sua estirpe. Por outro lado, a sua aparência
agradável, a sua juventude e o seu estatuto social motivam o receio dos chefes de família, que não lhe
confiavam as suas esposas. Assim, apesar do entusiasmo e das boas intenções, Carlos ver-se-á sem
qualquer ocupação, bocejando durante as manhãs em que, no seu consultório (cuja decoração, aliás, se
associa muito pouco ao exercício da profissão que escolhera), esperava que aparecesse o seu primeiro
doente.
Acaba por ser absorvido por uma vida social e amorosa que levará ao fracasso das suas
capacidades e à perda das suas motivações. Com efeito, se Carlos da Maia é um diletante, que se interessa
por inúmeras coisas (medicina, literatura, cavalos, armas, bricabraque), o que o conduzirá a um
comportamento dispersivo, que redundará na ausência da realização de uma obra que seria o testemunho
do pragmatismo que defende, a verdade é que Carlos se transforma numa vítima de dois factores
determinantes da sua conduta: a hereditariedade, que transparece tanto na sua beleza física como no seu
gosto exagerado pelo luxo; e o meio em que se insere, pois, apesar do seu programa educacional à inglesa e
da sua cultura, que o tornará, aliás, uma personagem nitidamente superior ao contexto sociocultural que o
envolve, pelo que ostenta um silêncio que se traduz por uma quase ausência de emissão de opinião ou
participação efectiva em conversas fomentadas pelas outras personagens (exceptua-se, neste ponto, a sua
relação com Ega, o único que merece a verbalização das ideias de Carlos e a sua empatia com Craft que,
Carlos será absorvido pela inércia do país. De facto, ele assumirá o culto da sua imagem, numa pura
atitude de dândi, tal como o descreve Baudelaire: “O dândi (...) deve viver e dormir à frente de um
espelho”, “Um dândi não faz nada”; por outro lado, ainda nos seus Cadernos Íntimos, Baudelaire afirma que
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“O verdadeiro herói diverte-se sozinho”. É de notar que a concepção de herói se liga à figura do dândi, por
seu turno associada ao ser anti-social, num prolongamento do herói romântico. É certo que a solidão de
Carlos da Maia não é evidenciada de forma directa. Contudo, a sua superioridade e distância em relação ao
meio lisboeta é traduzida pela ironia (pensemos na sua atitude perante Sousa Neto, que deseja saber se
em Londres é tudo “carvão’, ao que Carlos responde, irritado com a mediocridade intelectual do seu
interlocutor, que, de facto, em Londres, havia “bastante carvão, sobretudo nos fogões, quando havia frio”)
ou pela condescendência (recordemos o episódio das corridas de cavalos em que Carlos resolve apostar
numa pileca desacreditada, Vladimiro, para quebrar a sensaboria do momento). Na verdade, em Carlos da
Maia encontramos um dandismo que se revela não só por um narcisismo que se alia a um gosto exagerado
pelo luxo, como através de uma auto-marginalização voluntária em relação à sociedade, motivada pelo
cepticismo e pela consciência do absurdo e do vazio que governa o mundo daqueles que o rodeiam. É como
se Carlos criasse uma paralógica baseada na crença de valores autênticos, tão diferentes daqueles que ele
reconhecia no meio social lisboeta da época e que o narrador privilegia, através da focalização interna
A Condessa de Gouvarinho surge, em Lisboa, como o primeiro fio da teia que irá aprisionar Carlos,
no momento em que se lhe entrega, em busca de uma aventura que pudesse apimentar a sua vida, fugindo a
um casamento monótono e banal. Carlos entregar-se-á ao prazer sensual, do qual, porém, se entedia.
A sua verdadeira paixão nascerá em relação a Maria Eduarda que ele vê, pela primeira vez, em
frente ao Hotel Central, comparando-a, desde logo, a uma deusa, e que jamais esquecerá. Por ela, dispõe-
se a renunciar a preconceitos e a colocar o amor no primeiro plano das suas prioridades. Porém, ao saber
da verdadeira identidade de Maria Eduarda, consumará o incesto voluntariamente (o que levará à morte de
seu avô, Afonso da Maia) por não ser capaz de resistir à intensa atracção que sobre ele exerce Maria
Carlos (tal como Ega) acaba por assumir que falhara na vida. De facto, a ociosidade crónica dos
portugueses acabaria por o contagiar, levando-o a viver para a satisfação do prazer dos sentidos e a
renunciar ao trabalho e às ideias pragmáticas que o dominavam, aquando da sua chegada a Lisboa.
Geração de 70.
MARIA EDUARDA
Maria Eduarda é apresentada “Com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita” — eis como
esta personagem faz a sua primeira aparição na ribalta citadina, perante os olhares de Carlos e de Craft,
Ignorando a sua verdadeira identidade, Maria Eduarda entra na sociedade lisboeta pela mão de
Castro Gomes, com quem partilhava a sua vida, havia cerca de três anos. Dizendo-se viúva de Mac Gren,
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sabia apenas que sua mãe abandonara Lisboa, levando-a consigo para Viena, quando contava apenas um ano
e meio de idade.
Da sua união ilícita com Mac Gren tivera uma filha, Rosa, a quem amava com desvelo.
Mónaco, Londres e Paris foram cidades cosmopolitas que deslumbrou com a sua beleza divina,
O infortúnio do seu encontro com Carlos, do qual nascerá uma paixão arrebatadora e fatal para
Afonso), é a consumação da desgraça predita por Vilaça, quando Afonso resolve habitar de novo o
Maria Eduarda é apresentada numa perspectiva divina, completa, e, quiçá, demasiado idealizada. À
sua perfeição física alia-se a faceta moral e social que tanto deslumbram Carlos. A sua dignidade, a
juntam uma forte consciência moral e social, aliadas a uma ideologia progressista e pragmática, o que faz
sobressair a sua dualidade aristocrática e burguesa. E de salientar ainda a sua faceta humanitária, a
compaixão pelos socialmente desfavorecidos, o que, aliás, motiva a associação que Carlos faz entre a sua
personalidade e a de seu avó Afonso da Maia. Todavia na criação desta personagem queirosiana é de
realçar a autocriação quase especular de Maria Eduarda, isto é, as diferentes personas sucedem-se em
duplos especulares apresentadas pela própria Maria Eduarda, quando conta a Carlos a história da sua vida
passada. Na verdade, Mme. Castro Gomes sucede Maria Eduarda, que fora ex-viúva de Mac Gren, filha de
Maria Monforte, da qual herdará algumas marcas, que se revelarão em pequenos pormenores que não
passam despercebidos a Carlos, como é o caso da posse de um Manual de Interpretação dos Sonhos e da
caixa de pó-de-arroz, uma jóia de “esplendor brutal”, “de cocotte”, que surgem como incoerências, se
Se pensarmos que o original é Maria Eduarda Monforte da Maia, constataremos que as diversas
personas (desdobramentos) utilizadas adulteraram a “divindade” e transformam-na num ser fictício, pouco
convencional e pouco autêntico. Esta súbita queda da sua deusa vai provocar em Carlos a estupefacção, a
revolta e a compaixão (numa primeira fase), o incesto consciente (numa segunda fase) e a repugnância (por
fim). A separação é a única solução para esta situação caótica a que se junta a morte de Afonso, o que
A última aparição da “deusa” far-se-á na gare da estação de Santa Apolónia, aquando da sua
Ainda em relação a esta personagem, ”é de salientar o seu papel, quer ao nível da teoria literária
presente na obra, quer ao nível do simbólico feminino. Com efeito, a apresentação de Maria Eduarda
cumpre os modelos realista e naturalista, isto é, ela é o exemplo acabado de que o indivíduo é um produto
do meio (o que, aliás, se verifica também em relação a Carlos), pelo que coincidem no seu carácter e no
espaço físico que ela ocupa duas vertentes distintas do sua educação: a dimensão culta e moral, construída
aquando da sua estadia e educação num convento, e a faceta demasiado vulgar, absorvida durante o
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convívio com sua mãe, proprietária de uma casa de jogo no Parque Monceaux, onde Maria Eduarda tomara
contacto com uma realidade sórdida que se manifesta através dos objectos a que já nos referimos e do
facto de manter relações, socialmente, marginalizadas (é o caso das suas ligações com Mac Gren, de quem
tem uma filha, Rosa, com Castro Gomes, que a salva da miséria e, mais tarde, com Carlos da Maia). Por
outro lado, Maria Eduarda é o último elemento feminino da família Maia e simboliza, tal como as outras
mulheres da família, a desgraça e a fatalidade — Maria Eduarda Runa, através da educação que impusera a
Pedro tornara Afonso infeliz e “condenara” o filho ao suicídio, por não o ter preparado para enfrentar as
adversidades da vida; Maria Monforte efectiva a acção da mãe de Pedro da Maia, ao abandonar o filho,
para fugir com o napolitano, por quem se apaixonara, criando as condições reais que levariam à destruição
de Pedro; o aparecimento de Maria Eduarda causaria a desordem no mundo masculino e provocaria a morte
de Afonso da Maia. Com efeito, em vez de significar fecundidade criadora, a mulher é, na trama simbólica
Maria Eduarda é a terceira figura feminina na panóplia de três gerações da família Maia
três momentos temporais: o passado, o presente e o futuro, ou se1a, a mulher aparece na obra como um
factor de transformação do mundo masculino (e associa-se, numa leitura polissémica, às fases que
o incesto impede a continuação geracional. O terceiro elemento feminino torna-se a revelação simbólica
dos outros dois que o precederam e que, por sua vez, foram nefastos à família: Maria Eduarda Runa, a
primeira imagem do feminino negativo evolui em Maria Monforte que, neste contexto simbólico, dará
entre os três lírios brancos que Carlos vê dentro de um vaso do Japão, quando, pela primeira vez, tem
acesso ao espaço físico onde Maria Eduarda se move, a sua casa, na Rua de S. Francisco, e as três
mulheres que penetram a família Maia. Apesar da brancura dos lírios (conotada na tradição oriental com o
luto), as flores murcham num vaso do Japão. A cultura europeia presente na decoração contracena com a
cultura oriental, na qual a alvura representa a morte: a morte física de Maria Eduarda Runa e de Maria
Monforte e a morte moral e espiritual (embora num tempo futuro) de Maria Eduarda Maia.
Assim, os lírios brancos, à partida conotados com a pureza, perdem a sua conotação positiva,
porque “murcham” e simbolizam a morte. Não esqueçamos, igualmente, que o lírio concentra a ideia de
prosperidade da raça, continuada de geração em geração (símbolo, aliás, atribuído a esta flor pelos reis de
França). Por outro lado, o facto de os três lírios brancos se encontrarem num vaso do Japão aponta já
para o incesto, pelo exotismo que representa esta peça decorativa, pois insere no espaço físico de Maria
Eduarda uma cultura estranha à cultura ocidental (o incesto é também um acto estranho no meio cultural
em que as personagens actuam). É ainda de salientar que os amores de Carlos e de Maria Eduarda
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decorrerão quer na Toca, marcada por uma decoração excêntrica e exuberante, quer no quiosque japonês,
pelo que se retoma a simbologia de uma cultura estranha neste espaço, apresentado posteriormente.
Finalmente, resta-nos constatar que o incesto, praticado entre os deuses, na mitologia clássica,
para manter a força essencial da sua estirpe, é encarado na nossa tradição cultural como um acto de
imoralidade, ainda que, do ponto de vista psicanalítico, ele seja visto como um processo normal na evolução
psíquica do ser humano representado, neste contexto, pelo complexo de Édipo (a criança fixa a sua
afectividade na figura materna, por exemplo, até atingir a fase da separação total com essa figura, o que
significa a sua maturidade). Podemos, pois, concluir que, simbolicamente, o incesto surge n’ Os Maias como
a síntese ideológica da obra, aliado ao estado regressivo do país que, após uma época áurea, a dos
Descobrimentos portugueses, não soube regenerar-se, fechando-se na sua glória passada, incapaz,
portanto, de crescer enquanto nação. É como se o “eu” nacional se tivesse fechado na sua própria
contemplação e não tivesse sabido conquistar outras imagens, para além daquela que aparecia projectada
cetim escarlate, que ligamos metonimicamente, à sombrinha que envolve Pedro da Maia, como que num
prenúncio do seu suicídio e da poça de sangue que o vai envolver, bem como a morte moral dos dois
protagonistas que, apesar dos laços de sangue que os unem, “assassinam” metaforicamente a família,
através do incesto e Afonso da Maia, que sucumbe perante a adulteração da pureza rácica e perante a
JOÃO DA EGA
João da Ega é o amigo inseparável de Carlos da Maia. Ele é, aliás, o alter-ego de Eça de Queirós,
que se revê nesta personagem, quer ao nível físico, brincando com a sua magreza, quer a nível intelectual,
revolucionário, provocador e satânico, é, também, positivista e romântico, um pobre diabo apaixonado, que
interpretará o mensageiro funesto dos amores incestuosos de Carlos e de Maria Eduarda, ao tornar-se
depositário das missivas e dos papéis que confirmam os laços de sangue entre ambos.
Assume-se como um dândi, mas também como um literato falhado (antes, porém, afirma: “Estou à
Ega representa na obra Os Maias o intelectual dos grandes ideais, das revoluções facínoras, das
grandes alterações sociais; porém, nada faz para a sua eventual concretização, vivendo num amplo
parasitismo, refugiando-se por detrás da figura de Carlos que, a certa altura, a propósito do talento de
Cruges, pergunta: “E se o Ega fizesse um belo livro, quem é que lho lia?”. Cultiva a sua própria imagem,
excêntrica e exuberante, o que, aliás, é evidenciado na decoração da Vila Balzac, a sua casa em Lisboa. E