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OS MAIAS

CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS

AFONSO DA MAIA CARLOS DA MAIA


-- Personagem que Eça mais valorizou; -- Personagem submetida a uma rígida
-- Funciona como o esteio da família Maia e é educação britânica (moderna e laica)
para ele que todos se voltam nos momentos -- Em Coimbra, leva uma vida de boémia
de crise; estudantil e literária;
-- Não se lhe encontram defeitos; -- Rico, bem-educado, culto, de gostos
-- Homem de carácter, culto e requintado requintados;
nos gostos; -- Destacam-se, na sua personalidade, as
-- Representa simbolicamente a integridade características seguintes: cosmopolitismo,
moral e a rectidão de carácter; sensualidade, luxo, dandismo;
-- Ama o progresso; -- É um diletante culto por excelência, que
-- Generoso para com os amigos e acaba por se deixar submergir pela modorra
necessitados; da sociedade lisboeta em que vive, deixando
-- É o símbolo do Portugal liberal da década cair todos os seus projectos de vida;
de 20; -- Leviano nos amores.
-- É a incarnação do bom senso, da
experiência, dos valores da nação e da raça; “Era decerto um formoso e magnífico moço,
-- Defende o património português face à alto, bem feito, de ombros largos, com uma
descaracterização e à invasão das modas testa de mármore sob os anéis dos cabelos
estrangeiras pretos, e com os olhos dos Maias, aqueles
-- Modelo de autodomínio, mesmo com o irresistíveis olhos do pai, de um negro
suicídio do filho. líquido, ternos como os dele e mais graves.
Trazia a barba toda, muito fina, castanha
“Afonso era um pouco baixo, maciço, de escura, rente na face, aguçada no queixo...”
ombros quadrados e fortes e com a sua face
larga de nariz aquilino, a pele corada, quase MARIA EDUARDA
vermelha, o cabelo branco todo cortado à -- É apresentada ao leitor como uma “deusa
escovinha, e a barba de neve aguda e longa...” transviada”, como um ser superior que se
destaca no meio das mulheres lisboetas;
PEDRO DA MAIA -- Ela é alta, loira, envolta numa capa de
--Personagem cuja concepção é tipicamente mistério, que aumenta o seu poder de
naturalista; sedução;
-- Teve uma educação católica e tradicional; -- É uma mulher com uma grande dignidade
-- Sofre de uma enorme instabilidade (não gasta o dinheiro de Castro Gomes,
emocional; depois de ligada a Carlos);
-- Psique pouco equilibrada, fruto da -- Bondosa, terna, culta, requintada no gosto;
hereditariedade (Pedrinho era em tudo igual -- Incarna a heroína romântica, perseguida
à mãe), da educação e do meio romântico em pela vida e pelo destino.
que vive;
-- Deixa-se arrastar por uma paixão “...ofereceu a mão a uma senhora alta, loira,
obsessiva e fatal. com um véu muito apertado e muito escuro
(...), com um passo soberano de deusa,
“O Pedrinho no entanto estava quase um maravilhosamente bem feito, deixando atrás
homem. Ficara pequenino e nervoso, tendo de si como uma claridade, um reflexo de
pouco da raça, da força dos Maias...” cabelos de oiro, e um aroma no ar...”

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MARIA MONFORTE DÂMASO SALCEDE
-- É uma mulher bela, elegante e caprichosa; -- Cheio de defeitos;
-- Leviana e amoral; -- Exibicionista, cobarde e grosseiro na
-- Nela radicam todas as desgraças da expressão linguística;
família Maia; -- Não tem dignidade;
-- Dão-lhe o nome de “negreira”, porque a -- Mesquinho, pouco inteligente, gabarola;
fortuna da família tinha sido conseguida pelo -- Tem uma única preocupação – ser “chique a
seu pai transportando “cargas de pretos para valer”
o Brasil, para Havana e par Nova Orleães”;
-- Pobre no fim da vida. “... um rapaz baixote, gordo, frisado como um
noivo de província, de camélia ao peito e
“Cabelos loiros de um oiro fulvo, ondeavam plastrão azul-celeste.”
de leve sobre a testa curta e clássica: os
olhos maravilhosos iluminavam-na toda, EUSEBIOZINHO
magnífica criatura, arrastando com um passo -- Representante da educação tradicional
de deusa a sua cauda de corte, sempre portuguesa;
decotada como em noites de gala, -- Fúnebre, forreta, macambúzio;
resplandecente de jóias...” -- Frequentador de bordéis;
-- É caracterizado de forma caricatural; o
seu nome, que aparece quase sempre no grau
JOÃO DA EGA diminutivo, realça a sua fraqueza e cobardia.

-- Boémio, excêntrico, satânico, exagerado, “...o menino molengão e tristonho não se


caricatural; deslocava das saias da titi”; “as perninhas
-- É um ateu, não tem moral; flácidas”; “as mãozinhas pendentes e os
-- Leal para com os amigos; olhos mortiços...”
-- Diletantista;
-- Defensor da escola realista/ naturalista TOMÁS DE ALENCAR
por oposição à romântica.
-- Poeta romântico;
“Ega andava-se formando em Direito, mas -- Grande e generoso coração.
devagar, ora reprovando, ora perdendo o ano
(...) Era considerado, não só em Celorico, mas “E apareceu um indivíduo muito alto, todo
também na Academia, que ele espantava pela abotoado numa sobrecasaca preta, com uma
audácia e pelos seus ditos, como o maior face escaveirada, de olhos encovados, e sob
ateu, o maior demagogo, que jamais o nariz aquilino, longos, espessos, românticos
aparecerá nas sociedades humanas...”; “Numa bigodes grisalhos (...) e em toda a sua pessoa
luta constante com o monóculo que lhe caía havia alguma coisa de antiquado, de artificial,
de lúgubre...”

CONDE DE GOUVARINHO

Alto, de luneta de ouro, bigode encerado, pêra curta, “poseur”, “um asno”, “um
caloteiro”, maçador, forreta, aborrecido, grosseiro, provinciano, voz lenta e rotunda.
É um deputado pertencente ao Centro Progressista e apresenta-se sem cultura
histórica.
É um político incompetente.

CONDESSA DE GOUVARINHO

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Trinta e três anos, “cabelos cor de brasa”, “pele de cetim”, “pé fino e comprido”,
“arzinho de provocação e de ataque”, “aroma de verbena”, requintada, burguesa adúltera e
frustrada.

(JACOB) COHEN

É Director do Banco Nacional.


Baixo, apurado, de olhos bonitos, suíças pretas e luzidias, mão com diamante, irónico,
irresponsável.

RAQUEL COHEN

Trinta anos, alta, muito pálida, de saúde frágil, “cabelos negros ondeados, belos
pesados”, ar lânguido, luneta de ouro presa por um fio de ouro, culta.
Era considerada uma das primeiras da elite portuguesa.

CRAFT

Baixo, loiro, pele rosada e fresca, aparência fria, musculatura de atleta, vestido de
fraque.
Teve uma educação britânica e é coleccionador de obras de arte. O seu modo é calmo e
plácido. É um homem rico e viajado.

STEINBROKEN

Vestido de modo britânico, “olhar azul claro e frio”, “cabelos de loiro espiga”.
Diplomata fino, grande entusiasta de Inglaterra, entendedor de vinhos, acrítico.

CRUGES

Músico talentoso.
Grenha crespa, olhinhos piscos, nariz espetado.
É melancólico, tímido, reservado.

PALMA “CAVALÃO

É director do jornal Corneta do Diabo


Gordo, baixo, “sem pescoço”, “com lunetas de vidros grossos”, “face larga, balofa e cor
de cidra”, “face luzidia”, “dedos moles e unhas roídas”.
Tem linguagem e modos grosseiros. É cobarde e materialista.

NEVES

É deputado e director do jornal A Tarde.


Palavroso, de grande vozeirão, grave, mal vestido, exibicionista, parcial, tendencioso,
oportunista, admirador do Conde de Gouvarinho.

SOUSA NETO

Oficial Superior da Instrução Pública.


“Três enormes corais no peitilho da camisa”, ignorante, apático, arrogante.

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As personagens e o seu percurso na obra

CAETANO DA MAIA

Caetano da Maia é o pai de Afonso da Maia (bisavô de Carlos da Maia). Miguelista convicto e anti-

jacobino ferrenho, dominado pelos valores tradicionais e conservadores, não perdoa ao filho as aventuras

contestatárias da mocidade e expulsa-o de casa, desterrando-o para Santa Olávia. Esperava, com esta

medida, que o jovem ganhasse bom senso. O “castigo” acaba por ter bons frutos, já que Afonso da Maia,

depois de perdoado, regressa a Lisboa e parte, quase de seguida, para Inglaterra, abandonando os seus

correligionários de lides políticas à intervenção militante e activa, enquanto ele vai assistindo às corridas

em Epson.

AFONSO DA MAIA

Afonso da Maia é filho de Caetano da Maia, conservador e religioso; Afonso da Maia defendeu, na

sua juventude, valores opostos aos de seu pai. Ávido na leitura, elege como seus autores preferidos Tácito

e Rebelais, não obstante a passagem por Rousseau, Volney, Helvetius e pela Enciclopédia.

Casa com Maria Eduarda Runa e, durante as lutas liberais, vê o seu domicílio invadido pelos

seguidores de D. Miguel.

Exila-se, então, em Inglaterra, com a mulher e o filho, Pedro da Maia, tomando contacto com a

sociedade e cultura britânicas, que iria merecer a sua admiração. A sua vida em Inglaterra, todavia, fica

marcada pelo inconformismo de Maria Eduarda Runa que, amante do sol, vai definhando e se entrega à

religião de uma forma beata e incondicional, o que obriga Afonso a regressar definitivamente a Portugal. A

religiosidade excessiva da mulher irá ter o seu preço: a educação perniciosa de Pedro da Maia que se vem

a revelar na sua fraqueza de carácter e consequente suicídio. Contra o fanatismo e a ignorância da mulher,

Afonso revela-se impotente. Após a morte da mulher e do filho, Afonso parte definitivamente para a sua

quinta no Douro (Santa Olávia), onde tentará remediar os erros cometidos no passado, tomando como

fulcro dos seus interesses a educação do neto, Carlos da Maia, entretanto entregue pelo pai aos seus

cuidados.

Retratado como o representante do liberalismo, em oposição ao absolutismo da época, Afonso da

Maia simboliza, sobretudo, a integridade moral e a rectidão de carácter. Crítico em relação à forma de

estar na vida do seu próprio neto, Carlos da Maia (e até em relação a João da Ega), contesta a sua

inactividade e a inutilidade do seu diletantismo, incitando-o à acção. Se observarmos esta personagem com

atenção, veremos que Afonso da Maia desde a juventude preconiza a acção transformadora da sociedade,

mas está longe de a protagonizar, isto é, não existe por parte de Afonso da Maia, patriota na forma e na

essência, qualquer iniciativo para curar os males do país. A sua militância social começa e acaba na palavra,

na vontade de fazer; nada mais. Embora comparado “aos varões das idades heróicas”, Afonso da Maia não
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é mais que a representação de um eco e um reflexo do passado glorioso, incarnando apenas os valores de

outrora; revela-se, contudo. incapaz de se adaptar às mudanças que se avizinham.

Com efeito, Afonso representa o português íntegro, associado a um passado nacional heróico, mas

cuja vitalidade se esgotou nesse mesmo tempo já perdido. Ele simboliza a incapacidade de regeneração do

país, que vive a ilusão desse tempo áureo, alimentando-se dessa imagem, contudo, perdida.

Irá desiludir-se com a corrente liberal e ansiar por uma aristocracia Tory, que pudesse repor a

ordem, o progresso e a moral, de facto, a moral que lhe é tão cara e que vai custa-lhe a própria vida, ao

ter conhecimento da relação incestuosa de Carlos da Maia com Maria Eduarda. Afonso da Maia, que”tudo

vira, tudo passara, dedicando exclusivamente ao neto os últimos anos da sua vida, não resiste ao rude

golpe do destino e morre, envolto em tristeza, no Ramalhete, casa que tão funesta fora à sua família.

MARIA MONFORTE

Maria Monforte é filha de Manuel Monforte, natural dos Açores. É conhecida em Lisboa pela

alcunha pejorativa de “a negreira”, alcunha, aliás, ligada a seu pai e à forma como fizera fortuna, enquanto

comandante de um navio de transporte de escravos.

Vista por Pedro da Maia “como alguma coisa de imortal e superior à Terra”, Maria Monforte deslumbrará

Pedro com a sua beleza e contra a vontade de Afonso da Maia, virá a unir-se a Pedro pelo casamento. O

casal irá, então, viver para Arroios e inicia uma intensa vida social, inerente ao meio a que pertence.

É de salientar o gosto de Maria Monforte pelo luxo (que Carlos herdará) e a sua capacidade de se

fazer admirar: os amigos de Pedro da Maia idolatravam-na; até Alencar sentia por ela uma paixão

platónica.

A instabilidade instala-se, porém, quando Pedro recolhe, em sua casa, Tancredo, príncipe

napolitano, a quem ferira involuntariamente num acidente de caça.

Mulher volúvel e insatisfeito, Maria Monforte abandona Pedro, fugindo com Tancredo e levando

consigo a primeira filha do casar, Maria Eduarda, afirmando que deixa apenas Carlos, pois não consegue

separar-se da filha, que adorava e enfeitava com folhos, laços e fitas que realçavam a sua beleza

deslumbrante. Radicam-se em Viena, onde o pai de Maria Monforte vai suportando a vida caprichosa de

ambos. Partem, depois, para o Mónaco, onde Tancredo morre num duelo e também Manuel Monforte,

completamente arruinado.

Sem quaisquer meios de subsistência, Maria Monforte parte, primeiro para Londres e, depois, para

Paris. Deixando a filha num convento em Tours, Maria Monforte viaja pela Alemanha, pela Terra Santa e

pelo Oriente, até se fixar definitivamente em Paris. Aí, abrirá uma casa de jogo no Parc Monceaux.

Instalará uma segunda casa de jogo na Chaussée d’Autin, na qual Maria Eduarda conhecerá o seu primeiro

amante, um irlandês, Mac Gren, do qual vem a ter uma filha, Rosa.

Após o início da guerra franco-prussiana, na qual Mac Gren encontra a morte, Maria Monforte

muda-se para Londres com a filha e a neta. A idade, porém, não perdoa e, antes de falecer, confia a um
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velho amigo, Guimarães (tio de Dâmaso Salcede), um jornalista que vivia em Paris e que, casualmente, se

encontrava em Marselha, o cofre com os documentos que comprovavam a verdadeiro identidade de Maria

Eduarda, a quem nunca confessara a verdade sobre sua origem.

CARLOS DA MAIA

Carlos da Maia é o protagonista da obra Os Maias. É o segundo filho de Pedro da Maia e de Maria

Monforte. Após o suicídio do pai, irá viver com o avô, Afonso da Maia, para Santo Olávia, local que só

abandonará para ingressar no curso de Medicina, na Universidade de Coimbra.

É descrito como um belo jovem da Renasça (beleza que o aproxima de sua mãe, apesar de possuir

os olhos negros e líquidos dos Maias). Durante o período em que estuda, experimenta um pequeno

interlúdio amoroso com a mulher de um empregado do Governo Civil, Hermengarda, que abandona por

sentir compaixão do marido e do filho; posteriormente, envolver-se-á com uma prostituta espanhola. Após

o término do curso, faz uma viagem à Europa e passeia-se pelos lagos escoceses com Mme. Rughel (uma

holandesa que estava separada do marido). De regresso a Lisboa, vem imbuído de planos grandiosos de

pesquisa e curas médicas, mas depressa sucumbe à inactividade, pois, em Portugal, a medicina não era

vista como uma profissão a exercer por um aristocrata da sua estirpe. Por outro lado, a sua aparência

agradável, a sua juventude e o seu estatuto social motivam o receio dos chefes de família, que não lhe

confiavam as suas esposas. Assim, apesar do entusiasmo e das boas intenções, Carlos ver-se-á sem

qualquer ocupação, bocejando durante as manhãs em que, no seu consultório (cuja decoração, aliás, se

associa muito pouco ao exercício da profissão que escolhera), esperava que aparecesse o seu primeiro

doente.

Acaba por ser absorvido por uma vida social e amorosa que levará ao fracasso das suas

capacidades e à perda das suas motivações. Com efeito, se Carlos da Maia é um diletante, que se interessa

por inúmeras coisas (medicina, literatura, cavalos, armas, bricabraque), o que o conduzirá a um

comportamento dispersivo, que redundará na ausência da realização de uma obra que seria o testemunho

do pragmatismo que defende, a verdade é que Carlos se transforma numa vítima de dois factores

determinantes da sua conduta: a hereditariedade, que transparece tanto na sua beleza física como no seu

gosto exagerado pelo luxo; e o meio em que se insere, pois, apesar do seu programa educacional à inglesa e

da sua cultura, que o tornará, aliás, uma personagem nitidamente superior ao contexto sociocultural que o

envolve, pelo que ostenta um silêncio que se traduz por uma quase ausência de emissão de opinião ou

participação efectiva em conversas fomentadas pelas outras personagens (exceptua-se, neste ponto, a sua

relação com Ega, o único que merece a verbalização das ideias de Carlos e a sua empatia com Craft que,

aliás, dispensa as palavras),

Carlos será absorvido pela inércia do país. De facto, ele assumirá o culto da sua imagem, numa pura

atitude de dândi, tal como o descreve Baudelaire: “O dândi (...) deve viver e dormir à frente de um

espelho”, “Um dândi não faz nada”; por outro lado, ainda nos seus Cadernos Íntimos, Baudelaire afirma que
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“O verdadeiro herói diverte-se sozinho”. É de notar que a concepção de herói se liga à figura do dândi, por

seu turno associada ao ser anti-social, num prolongamento do herói romântico. É certo que a solidão de

Carlos da Maia não é evidenciada de forma directa. Contudo, a sua superioridade e distância em relação ao

meio lisboeta é traduzida pela ironia (pensemos na sua atitude perante Sousa Neto, que deseja saber se

em Londres é tudo “carvão’, ao que Carlos responde, irritado com a mediocridade intelectual do seu

interlocutor, que, de facto, em Londres, havia “bastante carvão, sobretudo nos fogões, quando havia frio”)

ou pela condescendência (recordemos o episódio das corridas de cavalos em que Carlos resolve apostar

numa pileca desacreditada, Vladimiro, para quebrar a sensaboria do momento). Na verdade, em Carlos da

Maia encontramos um dandismo que se revela não só por um narcisismo que se alia a um gosto exagerado

pelo luxo, como através de uma auto-marginalização voluntária em relação à sociedade, motivada pelo

cepticismo e pela consciência do absurdo e do vazio que governa o mundo daqueles que o rodeiam. É como

se Carlos criasse uma paralógica baseada na crença de valores autênticos, tão diferentes daqueles que ele

reconhecia no meio social lisboeta da época e que o narrador privilegia, através da focalização interna

centrada nesta personagem.

A Condessa de Gouvarinho surge, em Lisboa, como o primeiro fio da teia que irá aprisionar Carlos,

no momento em que se lhe entrega, em busca de uma aventura que pudesse apimentar a sua vida, fugindo a

um casamento monótono e banal. Carlos entregar-se-á ao prazer sensual, do qual, porém, se entedia.

A sua verdadeira paixão nascerá em relação a Maria Eduarda que ele vê, pela primeira vez, em

frente ao Hotel Central, comparando-a, desde logo, a uma deusa, e que jamais esquecerá. Por ela, dispõe-

se a renunciar a preconceitos e a colocar o amor no primeiro plano das suas prioridades. Porém, ao saber

da verdadeira identidade de Maria Eduarda, consumará o incesto voluntariamente (o que levará à morte de

seu avô, Afonso da Maia) por não ser capaz de resistir à intensa atracção que sobre ele exerce Maria

Eduarda e a saciação só aparecerá depois.

Carlos (tal como Ega) acaba por assumir que falhara na vida. De facto, a ociosidade crónica dos

portugueses acabaria por o contagiar, levando-o a viver para a satisfação do prazer dos sentidos e a

renunciar ao trabalho e às ideias pragmáticas que o dominavam, aquando da sua chegada a Lisboa.

Carlos simboliza, afinal, a incapacidade de regeneração do país a que se propusera a própria

Geração de 70.

MARIA EDUARDA

Maria Eduarda é apresentada “Com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita” — eis como

esta personagem faz a sua primeira aparição na ribalta citadina, perante os olhares de Carlos e de Craft,

frente ao Hotel Central.

Ignorando a sua verdadeira identidade, Maria Eduarda entra na sociedade lisboeta pela mão de

Castro Gomes, com quem partilhava a sua vida, havia cerca de três anos. Dizendo-se viúva de Mac Gren,

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sabia apenas que sua mãe abandonara Lisboa, levando-a consigo para Viena, quando contava apenas um ano

e meio de idade.

Da sua união ilícita com Mac Gren tivera uma filha, Rosa, a quem amava com desvelo.

Mónaco, Londres e Paris foram cidades cosmopolitas que deslumbrou com a sua beleza divina,

antes de se fixar em Lisboa.

O infortúnio do seu encontro com Carlos, do qual nascerá uma paixão arrebatadora e fatal para

Afonso), é a consumação da desgraça predita por Vilaça, quando Afonso resolve habitar de novo o

Ramalhete, ignorando as suas lendas e agouros.

Maria Eduarda é apresentada numa perspectiva divina, completa, e, quiçá, demasiado idealizada. À

sua perfeição física alia-se a faceta moral e social que tanto deslumbram Carlos. A sua dignidade, a

sensatez, o equilíbrio e a santidade são característicos fundamentais da sua personagem, às quais se

juntam uma forte consciência moral e social, aliadas a uma ideologia progressista e pragmática, o que faz

sobressair a sua dualidade aristocrática e burguesa. E de salientar ainda a sua faceta humanitária, a

compaixão pelos socialmente desfavorecidos, o que, aliás, motiva a associação que Carlos faz entre a sua

personalidade e a de seu avó Afonso da Maia. Todavia na criação desta personagem queirosiana é de

realçar a autocriação quase especular de Maria Eduarda, isto é, as diferentes personas sucedem-se em

duplos especulares apresentadas pela própria Maria Eduarda, quando conta a Carlos a história da sua vida

passada. Na verdade, Mme. Castro Gomes sucede Maria Eduarda, que fora ex-viúva de Mac Gren, filha de

Maria Monforte, da qual herdará algumas marcas, que se revelarão em pequenos pormenores que não

passam despercebidos a Carlos, como é o caso da posse de um Manual de Interpretação dos Sonhos e da

caixa de pó-de-arroz, uma jóia de “esplendor brutal”, “de cocotte”, que surgem como incoerências, se

tivermos em conta o seu nível cultural.

Se pensarmos que o original é Maria Eduarda Monforte da Maia, constataremos que as diversas

personas (desdobramentos) utilizadas adulteraram a “divindade” e transformam-na num ser fictício, pouco

convencional e pouco autêntico. Esta súbita queda da sua deusa vai provocar em Carlos a estupefacção, a

revolta e a compaixão (numa primeira fase), o incesto consciente (numa segunda fase) e a repugnância (por

fim). A separação é a única solução para esta situação caótica a que se junta a morte de Afonso, o que

consumava as predições de Vilaça, aquando da mudança da família para o Ramalhete.

A última aparição da “deusa” far-se-á na gare da estação de Santa Apolónia, aquando da sua

partida para Paris, após a tragédia.

Ainda em relação a esta personagem, ”é de salientar o seu papel, quer ao nível da teoria literária

presente na obra, quer ao nível do simbólico feminino. Com efeito, a apresentação de Maria Eduarda

cumpre os modelos realista e naturalista, isto é, ela é o exemplo acabado de que o indivíduo é um produto

do meio (o que, aliás, se verifica também em relação a Carlos), pelo que coincidem no seu carácter e no

espaço físico que ela ocupa duas vertentes distintas do sua educação: a dimensão culta e moral, construída

aquando da sua estadia e educação num convento, e a faceta demasiado vulgar, absorvida durante o
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convívio com sua mãe, proprietária de uma casa de jogo no Parque Monceaux, onde Maria Eduarda tomara

contacto com uma realidade sórdida que se manifesta através dos objectos a que já nos referimos e do

facto de manter relações, socialmente, marginalizadas (é o caso das suas ligações com Mac Gren, de quem

tem uma filha, Rosa, com Castro Gomes, que a salva da miséria e, mais tarde, com Carlos da Maia). Por

outro lado, Maria Eduarda é o último elemento feminino da família Maia e simboliza, tal como as outras

mulheres da família, a desgraça e a fatalidade — Maria Eduarda Runa, através da educação que impusera a

Pedro tornara Afonso infeliz e “condenara” o filho ao suicídio, por não o ter preparado para enfrentar as

adversidades da vida; Maria Monforte efectiva a acção da mãe de Pedro da Maia, ao abandonar o filho,

para fugir com o napolitano, por quem se apaixonara, criando as condições reais que levariam à destruição

de Pedro; o aparecimento de Maria Eduarda causaria a desordem no mundo masculino e provocaria a morte

de Afonso da Maia. Com efeito, em vez de significar fecundidade criadora, a mulher é, na trama simbólica

da obra, um elemento estéril.

Maria Eduarda é a terceira figura feminina na panóplia de três gerações da família Maia

apresentadas na obra. Simbolicamente, o numero três é o número da completude e implica a conjugação de

três momentos temporais: o passado, o presente e o futuro, ou se1a, a mulher aparece na obra como um

factor de transformação do mundo masculino (e associa-se, numa leitura polissémica, às fases que

marcaram a história, a política e a cultura nacionais), conduzindo, contudo, à esterilidade, à estagnação —

o incesto impede a continuação geracional. O terceiro elemento feminino torna-se a revelação simbólica

dos outros dois que o precederam e que, por sua vez, foram nefastos à família: Maria Eduarda Runa, a

primeira imagem do feminino negativo evolui em Maria Monforte que, neste contexto simbólico, dará

origem a Maria Eduarda Maia, representante final da destruição.

Aliás, é interessante verificar a relação simbólica que, metonimicamente, se pode estabelecer

entre os três lírios brancos que Carlos vê dentro de um vaso do Japão, quando, pela primeira vez, tem

acesso ao espaço físico onde Maria Eduarda se move, a sua casa, na Rua de S. Francisco, e as três

mulheres que penetram a família Maia. Apesar da brancura dos lírios (conotada na tradição oriental com o

luto), as flores murcham num vaso do Japão. A cultura europeia presente na decoração contracena com a

cultura oriental, na qual a alvura representa a morte: a morte física de Maria Eduarda Runa e de Maria

Monforte e a morte moral e espiritual (embora num tempo futuro) de Maria Eduarda Maia.

Assim, os lírios brancos, à partida conotados com a pureza, perdem a sua conotação positiva,

porque “murcham” e simbolizam a morte. Não esqueçamos, igualmente, que o lírio concentra a ideia de

prosperidade da raça, continuada de geração em geração (símbolo, aliás, atribuído a esta flor pelos reis de

França). Por outro lado, o facto de os três lírios brancos se encontrarem num vaso do Japão aponta já

para o incesto, pelo exotismo que representa esta peça decorativa, pois insere no espaço físico de Maria

Eduarda uma cultura estranha à cultura ocidental (o incesto é também um acto estranho no meio cultural

em que as personagens actuam). É ainda de salientar que os amores de Carlos e de Maria Eduarda

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decorrerão quer na Toca, marcada por uma decoração excêntrica e exuberante, quer no quiosque japonês,

pelo que se retoma a simbologia de uma cultura estranha neste espaço, apresentado posteriormente.

Finalmente, resta-nos constatar que o incesto, praticado entre os deuses, na mitologia clássica,

para manter a força essencial da sua estirpe, é encarado na nossa tradição cultural como um acto de

imoralidade, ainda que, do ponto de vista psicanalítico, ele seja visto como um processo normal na evolução

psíquica do ser humano representado, neste contexto, pelo complexo de Édipo (a criança fixa a sua

afectividade na figura materna, por exemplo, até atingir a fase da separação total com essa figura, o que

significa a sua maturidade). Podemos, pois, concluir que, simbolicamente, o incesto surge n’ Os Maias como

a síntese ideológica da obra, aliado ao estado regressivo do país que, após uma época áurea, a dos

Descobrimentos portugueses, não soube regenerar-se, fechando-se na sua glória passada, incapaz,

portanto, de crescer enquanto nação. É como se o “eu” nacional se tivesse fechado na sua própria

contemplação e não tivesse sabido conquistar outras imagens, para além daquela que aparecia projectada

no espelho da sua alma colectiva.

Não esqueçamos, no entanto, as cadeiras forradas de repes vermelhos e a cadeirinha baixa de

cetim escarlate, que ligamos metonimicamente, à sombrinha que envolve Pedro da Maia, como que num

prenúncio do seu suicídio e da poça de sangue que o vai envolver, bem como a morte moral dos dois

protagonistas que, apesar dos laços de sangue que os unem, “assassinam” metaforicamente a família,

através do incesto e Afonso da Maia, que sucumbe perante a adulteração da pureza rácica e perante a

vergonha advinda dessa mesma adulteração.

JOÃO DA EGA

João da Ega é o amigo inseparável de Carlos da Maia. Ele é, aliás, o alter-ego de Eça de Queirós,

que se revê nesta personagem, quer ao nível físico, brincando com a sua magreza, quer a nível intelectual,

dando-se conta da sua dualidade romântica e regeneradora.

Partidário do Naturalismo opõe-se, como é óbvio, ao poeta ultra-romântico, Alencar. Irreverente,

revolucionário, provocador e satânico, é, também, positivista e romântico, um pobre diabo apaixonado, que

interpretará o mensageiro funesto dos amores incestuosos de Carlos e de Maria Eduarda, ao tornar-se

depositário das missivas e dos papéis que confirmam os laços de sangue entre ambos.

Assume-se como um dândi, mas também como um literato falhado (antes, porém, afirma: “Estou à

espera que o país aprenda a ler”).

Ega representa na obra Os Maias o intelectual dos grandes ideais, das revoluções facínoras, das

grandes alterações sociais; porém, nada faz para a sua eventual concretização, vivendo num amplo

parasitismo, refugiando-se por detrás da figura de Carlos que, a certa altura, a propósito do talento de

Cruges, pergunta: “E se o Ega fizesse um belo livro, quem é que lho lia?”. Cultiva a sua própria imagem,

excêntrica e exuberante, o que, aliás, é evidenciado na decoração da Vila Balzac, a sua casa em Lisboa. E

ainda de notar a sua faceta sensual (cf. descrição do quarto de Ega).


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