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Ficha informativa 3

1.4 FERNANDO PESSOA


Mensagem
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O imaginário épico: dimensão simbólica do herói


1. Noção de herói

Herói (do grego: «senhor», «príncipe») é aquele que se eleva acima da medida
humana comum, pela sua energia, coragem e sabedoria, na defesa de um ideal: no
combate contra seres humanos ou contra forças brutas da natureza; na fundação/
libertação de uma cidade, de um país ou de um território.

Artur Veríssimo, «Herói», in Dicionário da Mensagem, Lisboa, Areal Editores, 2000, p. 56.
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2. O mito na Mensagem

O grupo (que bem pode ser um Povo) reconhece-se nos seus mitos, o que
contribui para a construção de uma memória coletiva e de uma identidade própria,
aspetos que prefiguram também um futuro comum. […]
O que interessa é que o mito seja história e tenha um sentido para a comunidade
que o vive. É no modo como o mito recria e sonha a vida do grupo que se torna
História desse grupo. Por isso, Ulisses «sem existir nos bastou» […], que «o mito é
nada que é tudo» […]. Foi a vivência interior do que ele para nós representa que fez
dele História e não o facto de ele ter existido ou não fisicamente. […]
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O mito é sempre verdadeiro? Sim, pois tipifica uma situação existencial comum
a um povo; é um conjunto de valores que não tem tempo nem espaço, ao
contrário do facto histórico concreto. Repare que, na Mensagem, se distingue em
D. Sebastião o «ser que houve», fisicamente morto em Alcácer, do «ser que há»,
que permanece vivo na nossa memória coletiva como exemplo, como alma
representativa de um conjunto de valores cuja autenticidade não depende do
tempo histórico.
Transformação idêntica no sentido da criação de um cenário mítico sofrem
todos os heróis que a Mensagem integra. Sem perderem o seu valor de
referentes históricos, deles interessa como vivência individual e coletiva «o ser
que há», não «o que houve», ou seja, o que neles se reveste da exemplaridade
necessária à construção do futuro que a obra obsessivamente procura.

Artur Veríssimo, «Mito», in Dicionário da Mensagem, Lisboa, Areal Editores, 2000, pp. 92-93.
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3. Os heróis e a predestinação nacional

Há […] na Mensagem dois tipos de heroísmo. Normalmente os heróis agem pelo


instinto, sem terem a visão do sentido e alcance dos seus atos na marcha dos
tempos: Viriato é já o portador do instinto obscuro que vai animar o Conde D.
Henrique. «Todo o começo é involuntário. / Deus é o agente. / O herói a si assiste,
vário / E inconsciente». Já D. Duarte é um herói voluntário, unidade moral que se
opõe ao mundo, cumprindo o seu dever contra o Destino e gozando a recompensa
apenas na ideia de o ter cumprido. Subordinado à «regra de ser Rei», a si mesmo se
edificou. A Mensagem é também um elogio do Português, desvendador e
dominador de mundos. O que o define não é a ânsia do poderio terreno mas a
fome de Absoluto, um ideal cujo escopo pertence à «alma interna». D. Pedro,
regente de Portugal, «indiferente ao que há em conseguir/Que seja só obter», vive
e morre «fiel à palavra dada e à ideia tida. Tudo mais é com Deus!». […]
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Os heróis da Mensagem olham e agem obsidiados1 por um misticismo2 de


objeto longínquo, indeterminado. Não gritam a plenitude humana do triunfo. A
insatisfação é o seu fado: sem a grandeza de alma que os torna infelizes nada vale
a pena. […]
A galeria dos heróis, que Deus sagrou «em honra e em desgraça» para a
nostalgia e demanda3 do Infinito («O mar sem fim é português»), está na
Mensagem em função do futuro que nebulosamente prenunciam.

1
Obsidiados: obcecados, perseguidos; cercados.
2
Misticismo: crença na possível comunicação entre o homem e a divindade.
3
Demanda: ação de procurar alguma coisa; busca, diligência.
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Depois dos medalhões do «Mar Português» vêm os símbolos e avisos do


Encoberto. O passado, na lógica misteriosa das nações, inclui o porvir 4. Os pinhais
de D. Dinis, ao serem agitados pelo vento, sussurram como «um trigo de
Império», prefiguram o marulho das ondas que as naus profundas hão de sulcar.
O plano transcendente vai-se realizando, tem de ser. A predestinação5 nacional lê-
se nas trovas do Bandarra6. Por isso o poeta sabe com íntima certeza que Portugal
vai cumprir-se.

Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa,


8.ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1985, pp. 51-53.

4
Porvir: o tempo que está por vir, por acontecer; futuro.
5
Predestinação: destinação a grandes feitos; determinação antecipada do destino de (algo ou
alguém).
6
António Gonçalves de Bandarra (1500-1556): tendo exercido a profissão de sapateiro, dedicou-se à
divulgação em verso de profecias de cariz messiânico. As Trovas do Bandarra influenciaram o
pensamento sebastianista e messiânico de Padre António Vieira e de Fernando Pessoa.
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CONSOLIDA

1. Elabora tópicos que sistematizem as ideias-chave dos textos 1 e 2, organizando-


os sequencialmente.

Texto 1
•Herói é aquele que se distingue dos demais por, na defesa de um ideal, transpor os limites
expectáveis da condição humana.
Texto 2
•A construção de uma memória coletiva e de uma identidade própria de um povo advém da
identificação deste com os seus mitos.
•As transformações operadas pelo mito resultam daquilo que este representa para o povo e da
história que encerra, não tendo necessariamente de existir, pois o que interessa é o significado
que adquire na vida do grupo, tornando-se, assim, História desse grupo.
•O mito passa a existir a partir do momento em que se transforma num conjunto de valores
comuns a um povo, que não se encontram dependentes das noções de tempo e de espaço,
contrariamente ao facto histórico concreto.
•Os heróis da Mensagem encerram, para além do valor de referentes históricos, os aspetos
modelares dos heróis essenciais para a construção do futuro ambicionado.
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CONSOLIDA

2. Centra-te no texto 3 e fundamenta as afirmações com transcrições textuais.


a) Há na Mensagem dois tipos de heroísmo.
b) Toda a matéria da Mensagem converge para a edificação de um Portugal
futuro.
a) «os heróis agem pelo instinto, sem terem a visão do sentido e alcance dos seus atos na
marcha dos tempos» (ll. 1-2); «herói voluntário, unidade moral que se opõe ao mundo,
cumprindo o seu dever contra o Destino e gozando a recompensa apenas na ideia de o ter
cumprido» (ll. 5-7).
b) «A galeria dos heróis [...] está na Mensagem em função do futuro que nebulosamente
prenunciam» (ll. 16-18); «O passado, na lógica misteriosa das nações, inclui o porvir» (ll. 19-
20); «A predestinação nacional lê-se nas trovas do Bandarra. Por isso o poeta sabe com íntima
certeza que Portugal vai cumprir-se» (ll. 22-24).

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