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Quinze economistas, um só

planeta

O que os economistas pensam sobre sustentabilidade, Ricardo Arnt (org.), editora 34, 288
“O economista é um profissional cético por natureza”, afirmou Gustavo Franco ao
jornalista Ricardo Arnt, em seu livro de entrevistas “O que os economistas pensam sobre
sustentabilidade”. Ricardo Arnt sentiu na pele o que o ex-presidente do BC queria dizer.
Entre muitos céticos, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega parece tê-lo deixado
perplexo ao pôr o próprio aquecimento global em questão: “de 2001 a 2007, o aquecimento
global não aumentou”.

Ao longo de quinze entrevistas, Ricardo Arnt explora as divergências e convergências de


importantes economistas brasileiros no debate da sustentabilidade ambiental. Apesar de
inerentemente céticos, a questão ecológica consegue tirar o sono de todos os quinze, mais
de uns do que de outros. Antônio Delfim Netto candidamente confessa: “eu me preocupo
[com a capacidade de suporte do planeta], mas o que posso fazer? Este futuro eu não vou
viver”. A entrevista de Delfim abre o livro com um balde de realismo pragmático. Para ele,
o mundo não é infinito, e o crescimento uma hora vai ter que parar, mas é sonho imaginar
que será possível convencer os países a interromper seu crescimento: “voltamos para o
velho Malthus!”

De fato, para José Eli da Veiga, abdicar do crescimento será uma circunstância que a
finitude dos recursos cedo ou tarde imporá à humanidade: “é uma questão de lógica!”. Mas
como alerta Sergio Besserman Vianna, o perigo de ignorar os alertas da degradação
ambiental (e da lógica!) não é a destruição da Terra, pois “se a gente encher muito o saco,
ela se livra de nós em cinco ou dez milhões de anos.” A conclusão é que “somos nós que
temos um problema”.

Para Eduardo Gianetti da Fonseca, a busca pela sustentabilidade reflete “uma


necessidade de garantir o bem-estar e de garantir a viabilidade biológica da população
humana hoje existente”. Mas a esperança da humanidade é diminuta caso não consigamos
estancar o que chama de “corrida armamentista do consumo”. Alguns dos economistas
ouvidos por Arnt fazem uma dura crítica cultural ao consumismo e ao próprio
capitalismo. André Lara Resende propõe uma transição do ideal heroico grego da “ação”
para o paradigma zen-budista da “contemplação” ascética. Já Sergio Besserman parece
indignado “que uma caminhonete a diesel com tração nas quatro rodas [atraia] mais a
atenção das meninas do que a informação de que aquele rapaz leu toda a obra de Eça de
Queiroz”. Ecoando Luiz Felipe Pondé, talvez seja preciso fundar um “ambientalismo
festivo” para lograr derrotar o consumismo como paradigma cultural…

A maioria dos economistas entrevistados por Ricardo Arnt, porém, preferem não
contar com transformações comportamentais profundas que salvarão a humanidade.

Em geral elegem debruçar-se sobre a questão de como mitigar os efeitos nocivos do


desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente utilizando o mecanismo de preços e
as instituições econômicas.

Para a maior parte deles, abdicar de crescimento econômico para reduzir impacto
ambiental não é uma proposta muito realista basicamente por duas razões: em
primeiro lugar, porque envolveria um problema quase insolúvel de ação coordenada
entre países soberanos; e em segundo lugar, porque seria injusto impor aos países
mais pobres o fardo de se contentar com um nível de bem-estar muito inferior ao dos
países industrializados, que em geral não tiveram muito pudor ao desmatar suas
florestas e poluir a atmosfera.

Luiz Carlos Bresser-Pereira aponta uma razão política para a necessidade do


crescimento econômico, mesmo nos países avançados. Segundo ele, “alguém poderia
dizer que, em vez de crescer, seria preciso distribuir, mas distribuir renda que não cresce
é muito mais difícil do que distribuir renda que aumenta”. A questão do decrescimento
ainda seria muito prematura nos dias de hoje, sendo mais adequado pensar
soluções que aproveitem o sistema de preços do mercado para neutralizar as
chamadas “externalidades negativas”.
As externalidades negativas ocorrem quando os custos sociais de uma ação são
superiores aos custos individuais percebidos pelo agente econômico. Nesses casos, a
prescrição teórica básica é que o Estado deve instituir tributo que incorpore o
custo social ao custo individual daquela ação. Apesar de existir essa solução
teórica, o único entrevistado que põe fé na ideia de incorporar os custos ambientais
aos custos de produção é Gustavo Franco. Os outros entrevistados julgam essa
solução de difícil ou até impossível implementação prática, sendo que Delfim Netto
enxergou nessa proposta tendências comunistas e André Lara Resende afirmou que
isso mataria o sistema de competição no mercado.
Uma proposta que encontrou eco em diversas respostas foi a de instituir uma
taxação internacional sobre emissões de carbono. Aloizio Mercadante esmiuçou um
projeto de reforma tributária “verde” global que consistiria na isenção de produtos de
baixo carbono e na taxação de 1% das importações para a constituição de um fundo
internacional de políticas pró-sustentabilidade. Apesar de ousado, o ministro faz uma
variação sobre o mesmo tema citado por todos: a solução sustentável passa pelo sistema
de preços, e quase certamente no sentido de encarecer o processo econômico.
“Qualquer que seja a precificação, não devemos ter ilusão: a solução para o
problema ambiental é ter alguma perda de crescimento”, afirma um resignado
Pérsio Arida. Mas quanto mais tarde forem criados os incentivos econômicos para a
redução dos impactos ambientais, pior será. O presidente do BNDES Luciano
Coutinho adverte que “a sustentabilidade custará caríssimo se não for regulada
antes.”
Preservar o meio ambiente não pode ser visto como um gesto voluntário de bondade:
trata-se de uma obrigação geracional que deve se refletir em políticas públicas firmes.
Para José Roberto Mendonça de Barros, por exemplo, a questão da Amazônia merece
medidas radicais: “desmatamento zero”. O desmatamento no Brasil responde por 75%
da emissão do gás carbônico nacional e 60% da emissão conjunta de gás carbônico e
metano, uma situação escandalosa de descaso e ineficiência. Edmar Bacha acha que
esse é um “trunfo” do Brasil, uma vez que podemos reduzir suas emissões sem
comprometer o crescimento econômico.
O debate ecológico demorou, mas deixou de ser monopólio de radicais e profetas do
apocalipse. Empresas, cidadãos e acadêmicos se dedicam a adaptar
comportamentos e refletir sobre como lidar com o fato simples e óbvio de que o
mundo é finito e incapaz de dar suporte a centenas de milhões de chineses,
indianos e brasileiros consumindo no padrão norte-americano. Muitos creem que a
tecnologia há de prover uma solução que salvará a humanidade do colapso. Mas muitos
já estão mobilizados para corrigir os caminhos perigosos que a humanidade está
traçando para o futuro.

Luiz Gonzaga Belluzzo exalta a capacidade da democracia e do capitalismo de


permitirem a “crítica coletiva” e se reformarem. Maílson da Nóbrega também presta seu
tributo à evolução institucional da democracia brasileira, “que criou os incentivos para
políticas responsáveis, seja do ponto de vista econômico, ambiental ou democrático”.
Possibilidade da crítica e da reforma abre as portas para novos paradigmas culturais,
como aqueles almejados por Lara Resende, Gianetti e Besserman Vianna. “Nas
democracias desenvolvidas os benefícios do crescimento já não contam tanto”,
afirma Ricardo Abramovay, na última seção do livro.
O filósofo Renato Janine Ribeiro, que escreve um belo texto impresso nas abas do livro,
acredita que a grande contribuição das entrevistas de Ricardo Arnt não consiste em dar
mais realismo às previsões ecológicas nem em elencar novas soluções econômicas:
sutilmente, o livro sugere uma prática política em que a noção de que “todos
perderemos ou ganharemos juntos” já não é mais evitável. Não se trata de
pretensiosamente propor a salvação do planeta ou da humanidade, mas sim “uma
política de novo tipo, em que a competição sirva à cooperação, em que os conflitos
respeitem valores comuns a todos, em que nosso elemento destrutivo seja domesticado”.
Oxalá.

Alípio Ferreira Cantisani

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