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Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro

História Social da Cultura

Disciplina: Cidadanias ressignificadas em tempos de globalização e os


desafios da democracia na América Latina contemporânea

Marlon Ferreira dos Reis


Matrícula: 2012714

Resenha texto: BEBBINGTON, Anthony. Contesting environmental transformation:


political ecologies and environmentalisms in Latin America and the Caribbean. Latin
American Research Review, vol. 44(3), 2009, pp. 177-186.

2020
Resumo
Andreu Bebbington inicia seu texto afirmando que os recursos naturais ocuparam
uma posição privilegiada na econômica política da América Latina, e as consequências
disso, em uma perspectiva ampla, não são necessariamente positivas. Ao contrário do
que era esperado, tal fenômeno não significou uma transformação no ambiente para o
bem estar humano e crescimento econômico. Essa inabilidade de usar recursos se
revelou na rápida expansão da fronteira extrativista desde meados dos anos de 1990. O
autor relata que a procura global por recursos pressionou concessões aos recursos
naturais e exploração em novos lugares da América Latina. Somado a isso, o
crescimento da demanda regional por energia apenas intensificou esse processo,
enquanto renovou o vigor das buscas por novos locais para a geração de energia
hidroelétrica. Por último, houve também o aumento da demanda de turistas e sedes de
empresas (second-home economies) na costa, áreas de proteção, entre outros locais
dotados de recursos.
Não apenas a região da América Latina falhou em transformar a dependência de
recursos naturais em um crescimento sustentável, mas a extração de recursos muitas
vezes teve efeitos adversos: ocorreu a concentração de benefícios de extração e a falha
no desenvolvimento de instituições garantidoras de transparência na governança da
economia dos recursos naturais e do lucro gerado por isso – além do fato de que, nesses
locais de extração, os recursos foram removidos, alterando as ecologias às custas do
bem estar humano e ambiental.
Tendo em vista esses fatores, o ambiente se tornou um domínio importante de
preservação e de mobilização social. Entretanto, tais tipos de intervenções sociais
permanecem uma incerteza no que tange as ações de ambientalistas em si: a pauta da
conservação ambiental é atribuída geralmente a um pequeno segmento das classes
privilegiadas, enquanto o chamado ambientalismo do pobre é entendido como a luta por
um local de vivência. Contudo, o autor aponta que nas últimas décadas ocorreram
importantes mudanças na natureza e prática de distintos modelos de ambientalismo na
América Latina, assim como houve a aproximação da questão ambiental com os direitos
humanos, o socialismo, o preservacionismo, entre outros fenômenos. Em suma, “the
environment has become both a vehicle and an objective of contentious politics,
influencing the way in which that politics is organized and performed [...]”.1
1
BEBBINGTON, Anthony. Contesting environmental transformation: political ecologies and
environmentalisms in Latin America and the Caribbean. Latin American Research Review, vol. 44(3),
2009, pp. 178.
Sendo assim, o texto resenha (review) livros que capturaram importantes
elementos dessas mudanças nos contextos que analisaram, ou seja, que produziram
importantes reflexões na dinâmica e organização da extração de recursos, nos discursos
ambientais, movimentos sociais, etc.. Os livros analisados são: Ecology of Oil, da
Myrna Santiago; Changing Places, de William Loker; No Stone Unturned, da Heleen
van den Hombergh; Greening Brazil, de Kathryn Hochstetler e Margaret Keck; Beyond
Sun and Sand, de Barbara Lynch e Sherrie Baver; Environmental Justice in Latin
Amreca, de David Carruthers; e Natural Resources, de Daniel Lederman e William
Maloney.
Sobre o primeiro livro, o autor afirma que Santigo elabora um texto acerca da
história da extração do petróleo na região de La Huasteca. A autora reconstrói o
trabalho que precisou ser feito para mudar a paisagem local a fim de possibilitar a
economia de petróleo. Essa transformação envolve desde a mudança geoecológica,
passando pela frágil legislação ambiental, até os padrões de posse de terra. Santiago
almeja transmitir a experiência dos que chegaram a Huasteca para movimentar essa
economia, assim como as consequências sociais e ecológicas deste processo (inclusive
no tocante da raça e do gênero). Nesse sentido, o autor aponta que há uma clara
continuidade com a produção da justiça ambiental, tendo pontos de convergência com
os livros Environmental Justice in Latin America e Beyond Sun and Sand, os quais
descrevem populações mobilizadas contra as injustiças desse sistema exploratório.
Todavia, em La Huasteca, os grupos que enfrentaram os riscos e desvantagens
produzidas pela ecologia do petróleo não se organizaram ou contestaram
sistematicamente as injustiças e transformações ambientais. As mobilizações contra o
petróleo surgiram, na verdade, dos trabalhadores e não dos residentes do local afetado, e
apareceram no contexto pós-revolucionário mexicano – o que produziu fortes
movimentos pela nacionalização do petróleo.
William Locker, por sua vez, analisa as rupturas derivadas da energia hidroelétrica
seguindo 15 anos de mudança de ambiente em El Cajón – mais especificamente, trata
das transformações derivadas da construção de uma barragem. Locker segue os modos
pelos quais cada residente adaptou-se ao deslocamento que a barragem implicou: na
falta de uma política efetiva, os desalojados tiveram que reorientar suas vidas a partir da
perda de terra e da realocação, de modo que o primeiro impacto foi a pressão no
ambiente (aumento da área desmatada) e a intensificação da agricultura dependente de
agroquímicos. “In short, Loker describes the progressive unfolding of the simple
reproduction squeeze in rural Honduras and draws particular attention to the
environmental consequences of that squeeze”.2
Nesse sentido, No Stone Unturned é um estudo de outra ruptura em larga escala: a
silvicultura, extração da polpa e produção do papel promovida no sudeste da Costa
Rica. Entretanto, nessa situação, o projeto da empresa exploratória não foi para frente
justamente por consequência dos ativistas e da comunidade que se mobilizaram através
de suas redes de contato. A autora direciona a análise indo do local para escalas maiores
da constituição e ação do movimento; ela revela como as ações e planos começaram a
atrapalhar a relação entre vivência e ambiente na região. A riqueza do livro, de acordo
com o Bebbington, está em demostrar as relações entre formas locais de mobilização, a
conexão entre diferentes dinâmicas e o estabelecimento da agência local em face da
ameaça ambiental. O efeito final da mobilização foi a rede criada entre ambientalistas e
ambientalismos, operando em diferentes escalas, que sucederam no bloqueio de um
ataque ao meio ambiente.
O trabalho citado anteriormente de Van den Hombergh foi responsável por
influenciar o próximo livro analisado: Greening Brazil. Todavia, este último tem o
Brasil inteiro como escopo e não a escala local. O livro é uma espécie de história
política do ambientalismo nacional, na qual analisa-se os movimentos e ativismos
inseridos (ao longo de 50 anos, a partir dos anos 1960). As autoras acreditam que a
história do ambientalismo pode ser compreendida no contexto mais amplo e profundo
das mudanças políticas brasileiras – as autoras utilizam de sua própria vivência como
participantes, indo do macro para o micro ao longo da história. A transgressão de
fronteiras é a essência do livro. “One of the central messages of this book is that
environmentalism in Brazil is in large measure a domestic construct, a product of
political projects, social struggles, and scientifi c arguments within Brazil”.3 A
importância reside em ir contra todos os preconceitos brasileiros contra ambientalistas.
É também relevante como um contraponto a tendência analítica da transnacionalização
dos movimentos e da mobilização regional, pois privilegia a especificidade dos
movimentos e coloca luz sobre a própria identidade destes.
Environmental Justice in Latin America e Beyond Sun and Sand, colocados
juntos, possibilitam dar uma dimensão de quantas variadas formas de ativismo
ambiental podem existir em uma região – suas diferenças, ritmos e conexões. O sentido

2
BEBBINGTON, Anthony. Op. Cit., pp. 180
3
Ibidem., pp. 182
geral é do significado do meio ambiente, seja na forma de um terreno de mobilização e
contenção, seja como um idioma mediador sobre outras discussões maiores acerca da
organização das sociedades e economias. O fato é que ambos os livros ressaltam que a
preocupação ambiental não deve ser exclusiva àqueles preocupados com recursos
naturais. O ponto é como essas sociedades respondem aos desafios vindouros para
determinar o futuro.
Já Natural Resources não é sobre a região latina em si, mas almeja colocar as
formas particulares de recursos de dependência em relação a outras regiões. O livro
convida a realizar o questionamento acerca da perda de oportunidade de crescimento
através de recursos naturais da região latino-americana ainda no século XX. A questão
que se coloca é o que se passou na América Latina para “perder essa oportunidade”.
Maloney argumenta que o fracasso adveio da inabilidade da região em inovar e ser
criativa no setor de recursos naturais ou de tomar vantagem disso e construir padrões de
inovação tecnológica advindas de outras partes do mundo. Essa inabilidade teria
origem, portanto, nas práticas protecionistas e dos problemas institucionais, de
governança e estabilidade política. Esse argumento desavia os outros livros revisados
até então, pois,
For while environmental movements may have succeeded in blocking
specifi c private and public projects, or in demanding particular types
of environmental cleanup, they have often failed to have signifi cant
impact on the wider institutional arrangements that govern the
environment, resource extraction, and rent distribution. 4
Em poucas palavras, mesmo com vitórias ocasionais de movimentos ambientais,
as regras do jogo se mostraram ser bastante resilientes no que tange ao seu modus
operandi.
Por fim, o autor afirma que os livros revisados discorrem acerca do ativismo, mas,
ao mesmo tempo, eles são exercícios de um tipo específico de ativismo: o acadêmico
(scholar). Bebbington afirma que as obras são um exemplo de comprometimento dos
autores (no âmbito prático e intelectual) com o próprio meio ambiente. O resultado
retirado dos textos falam claramente sobre os desafios das mudanças na região latino-
americana e constituem importantes contribuições ao projeto de construção pelo qual a
humanidade pode florescer de forma adequada.
Análise crítica
Escolhi esse texto em específico para resenhar pelo simples fato de que através
dele é possível conhecer diferentes abordagens e perspectivas acerca do debate
4
BEBBINGTON, Anthony. Op. Cit., pp. 184.
ambiental na América Latina. De maneira que podemos estabelecer referências iniciais
para estudar os movimentos ambientalistas da região.
Um primeiro fator que eu gostaria de levantar é que uma perspectiva da História
Ambiental pode ser demasiadamente profícua para o debate de tais movimentos: a ideia
de que a natureza existe como um agente histórico per se, ou seja, é capaz de ser
interrogada não só biogeofisicamente, mas sociohistoricamente. 5 A vantagem dessa
interpretação repousa em: (1) abolir a distinção entre história e natureza e (2)
compreender que as contingências geoecológicas tem papel fundamental na dinâmica
econômica, social e histórica de certas populações.
Claro que alguns autores citados no texto de Bebbington compreendem a
dimensão histórica da biogeofísica local. Entretanto, achei que seria deveras necessário
compreender que quando se contesta a transformação ambiental, isso significa afirmar
que o próprio ambiente adquire um papel central na vida dos que habitam nele. O
importante é pensar na relação entre homem e natureza como um continuum, no qual a
distinção entre um e outro possui um nuance fino demais para se evidenciar.
Outra problemática que circula o texto e que se coloca inevitavelmente é que o
aceleramento da exploração de recursos naturais de forma predatória levanta uma
questão ética fundamental. No texto Há mundos por vir?, é relatado que com o
Antropoceno (derivado da exploração de recursos) novas questões metafísicas são
colocadas.6 Nesse sentido, Hans Jonas aponta que toda nossa ética advém de ideias
individualistas e de curto prazo baseados nas colocação de Kant. Todavia, tendo em
vista as novas demandas e situações, foi preciso pensar novas bases éticas (metafísicas)
capazes de responder as questões que se colocam no presente – esse é o objetivo de
Hans Jonas em O princípio da responsabilidade.7
Como afirmou Porto-Gonçalvez e Leff, a crise da razão científica na qual
enxerga-se a natureza e a cultura como estando separadas, abriu caminho para novas
aproximações epistemológicas, assim como outras matrizes de racionalidade, outras
experiências humanas e formas de cognição e conhecimento. Dessa forma, a ecologia

5
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n° 8,
1991, pp. 198-215.
6
CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Deborah. Há futuro por vir? Ensaio sobre os medos e os fins.
Florianópolis: Cultura e Barbárie: Instituto socioambiental, 2014.
7
HANS, Jonas. O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
política seria o campo em que há o encontro dessas diferentes racionalidades em
apropriações sociais da natureza e construção de um futuro sustentável.8
Apesar das controversas, mesmo a ideia problemática de sumak kawsay e suma
qamaña são tentativas de (re)encontrar uma ética que abarque as relações
contemporâneas entre homem e realidade biogeofísica. 9 Não é apenas uma dimensão
filosófica que é buscada, mas uma esfera jurídica clara que represente uma inovação no
aspecto econômico e social que supere a dicotomia natureza-sociedade. Tal busca não é
um exercício idealístico, mas uma demanda crescente. É consequência direta dessa
exploração predatória que altera a biogeofísica local de tal maneira que é impossível
ficar em uma situação de passividade. Em suma, o apelo contemporâneo às filosofias e
vocabulários indígenas é um ensaio da construção de novas respostas para velhos
problemas do sistema atual.
Dessa forma, o texto aqui resenhado é uma ótima porta de entrada para aqueles
que desejam compreender um pouco melhor o debate ambiental latino-americano. A
circunscrição desses textos centrais é passível de ser relacionado com diversos temas e
pesquisas distintas, de maneira que muito se pode discorrer sobre tais temas.

8
PORTO-GONÇALVES, C.; LEFF, E. Political Ecology in Latin America: the Social Re-Appropriation
of Nature, the Reinvention of Territories and the Construction of an Environmental Rationality”.
Desenvolvimento e Meio Ambiente. Vol. 35, dezembro 2015, pp. 67.
9
RECASENS, Andreu Viola. Discursos ‘pachamamistas’ versus políticas desarrollistas: el debate sobre
el sumak kawsay en los Andes. Íconos: Revista de Ciencias Sociales. Equador: Flacso, n. 48, 2014.

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