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A Noite Escura da Alma

Um Estudo Sobre o Salmo 88

Introdução
O Salmo 88 é um dos meus favoritos, pois diz muito sobre o que vi e vivi
nestes 27 anos de existência. Nascido em 1992 em Vitória do Espírito Santo, como
a maioria dos jovens de periferia, apesar de não ter passado fome, tive contato
direto com a pobreza, falta de educação, racismo, crime, drogas e descaso. O pouco
que eu conhecia de Deus me foi transmitido por meus avós, pertencentes a
denominada “Primeira Igreja Pentecostal do Bairro da Penha” e dos programas de
televisão e rádio das famosas denominações neopentecostais. Lembro-me
perfeitamente das pregações acaloradas com promessas de prosperidade e cura,
assim como o incentivo da prática de barganha com Deus, ou seja, faça um
sacrifício em dinheiro, espere com fé, e receba o dobro em saúde e prosperidade
financeira. Nos púlpitos, muitos pastores e obreiros atribuíam sua saúde e riqueza à
sua fidelidade a Jesus como se fosse uma receita culinária: entregue sua vida a
Cristo, obedeça aos seus mandamentos, seja fiel no dízimo e nas ofertas, peça com
fé, e terás uma vida repleta de prosperidade financeira e abundante saúde. O fato é
que os anos se passavam e eu via ao meu redor muitas senhoras, irrepreensíveis
servas de Deus, que viviam e morriam pobres financeiramente. Vidas que
procuravam seguir essa receita milagrosa da obediência a Jesus para se livrar de
alguma doença e não encontrarem uma luz no fim do túnel. Era como se
estivéssemos à beira do tanque de Betesda e sempre que um anjo movia as águas
alguém descia em nosso lugar.
Onde estava o Deus que me apresentavam? Eu não tinha resposta. Penso que um
dos motivos de toda essa utopia evangélica de confissão positiva que marcou minha
infância e adolescência tenha sido o péssimo habito de alguns ministros
selecionarem apenas as partes boas da bíblia para serem pregadas. Frases soltas
como “você nasceu para ser cabeça e não calda”, “eu sou filho do dono do ouro e da
prata”, “eu declaro, eu decreto” são características de quem gosta de viver apenas
na Disney da bíblia. É como se um historiador fosse encarregado de escrever sobre
a vida na cidade de Vitória e apresentasse apenas os lugares como a Ilha do Frade,
Jardim Camburi e Praia do Canto, esquecendo que também há vidas humanas no
morro do São Benedito por exemplo. Esse jogo de meias verdades divinas acontece
porque muitos querem mostrar apenas um lado da moeda, se alimentar com pizza e
esquecer do típico e necessário arroz com feijão. Por isso afirmo que amo salmos
triunfantes como o 91, mas me encanto com as riquezas contidas no Salmo 88.
Por que há crentes justos que não desfrutam de saúde e prosperidade financeira? E
por que há ímpios e iníquos que ficam mais ricos e saudáveis a cada dia? Sobre
isto, O Pregador, autor do livro Eclesiastes de nossa bíblia, disse inspirado pelo
Espírito Santo: “Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua
justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade” (7.15).
Por que vi servas e servos do senhor passando tantas dificuldades e lutas em todas
as áreas da vida, e por vezes até morrendo na mesma situação? Sobre isto, mais
uma vez o Pregador de Eclesiastes: “Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo
sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que
sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura
como ao que teme o juramento” (9.2).

Diferente de outros salmos de lamentação, o Salmo 88 começa com um


clamor (v.1) e termina com a palavra trevas (v.18). Olhando para a vida de seu
autor, Hemã, a partir do que foi escrito, não encontramos sequer um aspecto de
esperança em sua vida. Porém o Senhor nosso Deus, por vezes no faz passar pela
sua escola de ensino intensivo, o deserto, para que através desta experiência
possamos conhecer as riquezas da sua palavra e a glória do teu poder. Meditando
neste salmo, posso enxergar nitidamente que para além das nuvens do céu nublado,
o sol não deixou de brilhar.

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