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Organizadores Ilana Majerowicz | Isabel Valle | Rafael Togashi

© 2017 Ilana Majerowicz, Isabel Valle e Rafael Togashi

Concepção e realização Ilana Majerowicz, Isabel Valle e Rafael Togashi


Coordenação editorial, preparação de texto e roteiro Isabel Valle
Seleção de imagens Ilana Majerowicz e Rafael Togashi
Projeto gráfico, diagramação e tratamento de imagens Natasha de Abreu
Revisão Lívia Buxbaum

CIP - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

M233e Ecovilas Brasil: caminhando para a sustentabilidade do ser / organizadores: Ilana


Majerowicz; Raphael Togashi; Isabel Valle - Rio de janeiro: Ed. Bambual, 2017.

240 pág, ilustrado

1. Antropologia 2. Comunidades intencionais 3. Comunidades auto sustentáveis


I. Majerowicz, Ilana II. Togashi, Rafael III. Valle, Isabel.
CDD: 307.77

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil
desde 1º de janeiro de 2009. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
ISBN 978-85-94461-00-1

www.ecovilasbrasil.com.br www.bambualeditora.com
contato@ecovilasbrasil.com.br contato@bambualeditora.com
Olá, sejam bem-vindos à jornada!
Somos Rafael Togashi e Ilana Majerowicz, os diretores do documentário Ecovilas Brasil. Gostaríamos de
compartilhar a nossa experiência ao realizar o projeto audiovisual que deu origem a este livro, falar do
nosso envolvimento com as Ecovilas e Comunidades Sustentáveis e também apresentar a Isabel Valle,
produtora editorial que sonhou esse livro com a gente.
Quando o sonho do documentário nasceu, em janeiro de 2014, ele veio com a intenção de
irmos em locais onde pudéssemos aprender sobre valores e princípios, replicáveis em qualquer lugar:
em uma escola, num prédio, numa família ou em um ambiente de trabalho. Para isso, a ideia era vi-
venciarmos na pele esse contexto tão distante de nós naquele momento e, a partir dessa experiência,
passar informações e conteúdos de forma mais verdadeira no documentário... Lá fomos nós, abertos
e entregues para um mundo de possibilidades. Após a campanha de financiamento coletivo para o
documentário, partimos para a estrada para realizá-lo.
Mal sabíamos o turbilhão de emoções que tínhamos nos envolvido. Foi uma longa jornada de
muitos desafios e muitas descobertas. Desde aprender como fazer um roteiro, filmar e fazer entrevistas,
até entender como funciona a dinâmica de cada local e ter que se adaptar ao cotidiano de cada Ecovila.
E, claro, toda transformação interna que passamos: sair da zona de conforto, ter flexibilidade e entender
outras opiniões, reduzir o julgamento, quebrar inúmeras crenças instauradas durante anos. Ressignificar
toda uma vida não é nada fácil. Hoje podemos compartilhar que foi extremamente gratificante!
Sendo um projeto que nasceu de nossas almas, conectado aos nossos corações, tudo foi
dando magicamente certo. O Universo nos apoiou e foi abrindo todas as portas em nossos caminhos,
assim como toda rede de pessoas maravilhosas que nos acolheu e deu suporte, cada um com seus ta-
lentos, para que pudéssemos seguir nesta jornada. É muito importante reconhecer que esse projeto foi
corealizado por todos ao nosso entorno. Fomos apenas condutores, facilitadores deste grande sonho.
Assim o audiovisual foi tomando forma, com a colaboração da rede e com a nossa visão de
tudo que foi vivido e experimentado. Nosso maior foco de pesquisa estava em compreender como se
6
1
1 0 lugares
visitados pelo pro j eto

5
2
6 3
7
3. El Nagual 7. Dedo verde
Magé | RJ São Paulo | SP

4. Ecovila Tibá 8. Arca Verde


São Carlos | SP São Francisco de Paula | RS

1. Piracanga 5. Veracidade 9. Osho Rachana


Itacaré | BA São Carlos | SP Viamão | RS
8
10
9 2. Terra Una 6. Yamaguishi 10. Karaguatá
Bocaina | MG Jaguariúna | SP Santa Cruz do Sul | RS
davam as relações sociais em cada comunidade, como lidavam visão. Por isso o movimento nessas comunidades é constan-
com os conflitos, com a gestão do grupo, com questões de lide- te: a medida que as mudanças internas vão acontecendo,
rança e também o caminho de autoconhecimento praticado por fora vai surgindo uma revolução. O movimento de desenvol-
cada um. Fizemos entrevistas com verdadeiros mentores para vimento é orgânico, sempre buscando representar o que cada
nós e passamos por experiências extremamente ricas e profun- pessoa está vivendo, a diversidade é um valor importantíssimo.
das, de compreensão sistêmica do indivíduo e do grupo. Perce- Cada ser humano é único e nasceu para se expressar de uma
bemos nosso limite pessoal com o limite do grupo, aprendemos forma particular. O conjunto de sua personalidade e essência,
a nos comunicar, a nos posicionar de forma empática, a respeitar seus talentos e não talentos, seus dons e seus desafios, suas mo-
o espaço de cada pessoa, a fazer o nosso trabalho e gerar rela- tivações e indiferenças é a receita perfeita para uma expressão
ções ganha-ganha. única e realização pessoal e humana. Quando todos expressam
Cada lugar nos trazia uma visão de mundo diferente. essa receita sem julgamentos e de forma espontânea, estamos
Não existe um modelo específico de comunidade, um padrão no ganha-ganha, sem barganha!
formatado. Uma nova cultura é instaurada no momento em que Toda essa jornada de interação com as comunidades e
as pessoas que ali moram têm a intenção de se juntarem para entrevistas com os moradores nos gerou um lindo conteúdo que
viverem uma vida que faz sentido a esse grupo. Isto gera uma sintetizamos no documentário, o qual fizemos diversas exibições
diversidade de locais incríveis, onde podemos olhar intimamen- e foi muito bem recebido pela Rede, sensibilizando muitas pes-
te para variados “temas tabus” da humanidade, como: a relação soas fora desse contexto também. Nossa intenção em fazer um
com o dinheiro, em uma comunidade que aplica o caixa único; a audiovisual sempre foi acessar o maior número de pessoas pos-
sexualidade, com o amor livre; o tempo, onde há abundância de sível, sem levantar bandeira de caminho certo ou errado. Quería-
tempo para fazer tudo e não a escassez da pressa; a espiritualida- mos falar sobre Ser Humano. Assim, acreditando muito em tudo
de, onde busca-se um caminho para a iluminação pessoal. Não que estávamos vivendo, durante uma exibição surgiu o sonho de
existe certo ou errado, melhor ou pior. Foi incrível a oportunidade fazer este livro com base no documentário, gerando um outro
de mudarmos a nossa forma padronizada de agir e pensar. Foi tipo de comunicação e irradiação.
libertador perceber que podemos ressignificar nossas vidas em-
pregando a visão de mundo que faz mais sentido para o nosso
Ser, que mais reverbera com a verdade de nossas almas. O livro
O mais importante de tudo isso é que pudemos estar
com pessoas que estão realizando, na prática, essas mudanças As sonhadoras iniciais do livro Ecovilas Brasil foram Stephanie
de paradigmas que acreditam, sem também se apegarem a essa Kinyaniari e Isabel Valle. Kin fez a ponte e nos apresentou a Bel,
Sendo um projeto que nasceu de nossas almas,
conectado aos nossos corações, tudo foi dando
magicamente certo, parece que o Universo nos apoiou
e foi abrindo todas as portas em nossos caminhos,
assim como toda Rede de pessoas maravilhosas que
nos apoiaram, cada uma com seus talentos, para que
pudéssemos seguir nesta jornada. Muito importante
reconhecer que este projeto foi corealizado por todos ao
nosso entorno, fomos apenas condutores, facilitadores
deste grande sonho.
que entrou no barco e seguiu conosco remando ombro a om- planetária. As imagens utilizadas aqui foram retiradas do docu-
bro, trazendo uma infinidade de conhecimentos e experiências mentário e do making off, e também incluímos registros e foto-
para o projeto, potencializando todo nosso poder criativo e téc- grafias enviadas por nossos parceiros.
nico para a produção desta obra. Foram quase dois anos de muita emoção e transpira-
O projeto do livro foi muito lindo! Assim como no do- ção para realizar este livro, mas, também, uma grande oportu-
cumentário, fizemos um crowdfunding, forma de financiamen- nidade de celebração. O contato com os textos escritos pelos
to colaborativo, onde a Rede novamente chegou junto e mais colaboradores e com a crescente divulgação do documentá-
uma vez possibilitou que essa realização se materializasse para rio nos fez reviver muita coisa que havíamos experimentado,
o mundo. O que mais nos fascina é poder atuar como um fio aprofundando nossas reflexões do que é verdadeiramente
que conecta os nós, tecendo essa grande Rede de agentes uma Ecovila ou como chegamos de fato à colaboração, e nos
da transformação. Viva o poder da colaboração! fazendo perceber que existe muita coisa a ser descoberta ain-
Depois de tantas vivências e profundo amadurecimen- da. Quanto mais nos aprofundamos no tema, mais sabemos
to, nos perguntamos o que gostaríamos de oferecer no livro ins- que sabemos quase nada.
pirado no documentário, no projeto que estava nascendo. Não Desenvolver um projeto que envolve múltiplas pes-
queríamos simplesmente repetir as falas do documentário e pre- soas de contextos diversos, com distintos tipos de participa-
encher com imagens. ção – seja contribuindo financeiramente, com um texto ou
Após alguns encontros e conversas, percebemos que uma foto –, fez com que partíssemos dos limites de um pro-
mais uma vez a Rede seria nossa grande inspiradora. Daí convi- jeto específico e ampliássemos a visão para todo o contexto
damos pessoas que vivem, pesquisam, ajudam a construir Eco- do movimento colaborativo, de sustentabilidade, de comuni-
vilas ou comunidades intencionais para escreverem artigos para dades e ecovilas que acontece no país. Reconhecemos que
nosso livro. Nosso desejo foi reunir assuntos e visões de mundo existem muitos projetos maravilhosos e pessoas incríveis
diversificadas, com o olhar de pessoas e histórias bem variadas, que poderão se juntar ao Ecovilas Brasil. Buscamos apoiar e
para termos um panorama rico e um pouco mais aprofundado estimular iniciativas que contemplem a Rede… que existam
do que realizamos no documentário. cada vez mais!
Organizamos o livro fazendo uma costura entre algu- Hoje percebemos que Ecovila é muito mais do que
mas falas retiradas do filme e os textos escritos pelos colabora- um espaço físico, é um conceito onde nós, como indivíduos,
dores. São ensaios com a sabedoria daqueles que vivem e pes- também podemos nos compreender como uma Ecovila ou
quisam, na prática, algumas das inúmeras iniciativas e projetos que possuímos uma Ecovila interna. A forma como vivencia-
brasileiros, alguns de longo tempo, neste momento da transição mos o mundo e criamos a nossa realidade é a forma como
interpretamos o mundo, então acreditamos que cultivando a nossa Ecovila interna podemos ter uma vida mais feliz, com me-
lhores relações e resultados mais positivos para nós e para o planeta.
Foi assim que decidimos trazer o conceito de Ecovila para diversas situações em nossas vidas: dentro dos nossos grupos de
trabalho, nossas famílias, e também através do nosso serviço de facilitação, para dentro de organizações, escolas e diversos coletivos.
A base dos sistemas humanizados são as relações, e a base das relações é o indivíduo. A nossa vontade é que cada vez mais pessoas
possam olhar para dentro de si e cuidar de sua Ecovila interna de uma forma integral, unindo a vida pessoal, social, profissional e espi-
ritual, trazendo essa integração e equilíbrio para o mundo a sua volta.
Convidamos você a embarcar nessa jornada de reflexões, belezas e afetos que co-criamos com a Rede.
Vamos lá!

Ilana Majerowicz Isabel Valle Rafael Togashi

Designer formada em Comunicação Vi- Administradora, educadora, gaiana, em- Life Coach e Facilitador de Projetos Co-
sual pela UFRJ e facilitadora de projetos preteca, editora, instrutora de yoga, te- laborativos. Bacharel em Direito, sempre
colaborativos, pós-graduada em Pedago- rapeura corporal... Possui Mestrado em atuou na área de Sustentabilidade. Codi-
gia da Cooperação e multiplicadora da Marketing de Serviços pela Université retor do documentário Ecovilas Brasil e
Metodologia Dragon Dreaming. François-Rabelais e é produtora Facilitador de Dragon Dreaming.
Estudou Ecodesign em inter- gráfica e editorial há mais de É especialista em aumentar
câmbio com a Politécnico vinte anos. Em seu cotidia- produtividade com qua-
di Torino (Itália) e design no e prática profissional lidade de vida e apai-
para sustentabilidade alinha conhecimentos xonado em viver uma
pela Gaia Education. É técnicos com estudos vida com propósito,
codiretora, coprodu- de filosofia, educação, fazendo dessa jor-
tora, câmera e desig- física quântica, neu- nada a realização de
ner do documentário rociência, psicologia todos os Sonhos.
Ecovilas Brasil. profunda, entre outros,
com foco no auto-co-
nhecimento. Segue na
jornada buscando ir além.
Agradecimentos
Quando iniciamos esse projeto, não sabíamos quantas emoções que estavam por vir e quantos de-
safios a enfrentar, mas acreditamos e persistimos, e as portas foram se abrindo e as soluções se apre-
sentando. São impressionantes a manifestação, o apoio e a força da Rede que foi sendo construída ao
longo desse trajeto, formada tanto de pessoas mais presentes e atuantes, como também de pessoas
que apoiam mais a distância. A realização do Ecovilas Brasil não seria possível sem toda essa sinergia.
Às vezes, com um número grande de indivíduos, a pessoalidade se perde, mas não se perde a
emoção! Fica o registro de que todos que colaboraram com este projeto foram extremamente impor-
tantes e fundamentais. Somos profundamente gratos por vocês fazerem parte desse sonho!
Agradecemos a todas as pessoas que acreditaram e colaboraram financeiramente com os
crowdfundings do Ecovilas Brasil, tanto do documentário quanto do livro. Vocês são os responsáveis
por dar a estrutura inicial e os primeiros a possibilitarem a viabilidade desse sonho. Foram em torno de
500 colaboradores.
Agradecemos a todas as pessoas que passaram pela equipe Ecovilas Brasil, desde janeiro de
2014 até o lançamento deste livro. Vocês, em algum momento, carregaram esse sonho para que ele
pudesse seguir adiante e para que outros pudessem chegar e seguir tocando.
Agradecemos a todos os entrevistados no documentário, tanto os que apareceram no corte
final do filme quanto os que não apareceram, por algum tipo de impossibilidade, e que doaram com
tanto amor seu precioso tempo para compor todo o lindo conteúdo apresentado.
Agradecemos a todos os músicos que participaram do documentário, ponto alto e motivo de
grandes elogios por muitas pessoas.
Agradecemos a todos que conhecemos durante as viagens, pois foram de grande importân-
cia como parceiros e apoiadores dessa jornada externa e interna.
Agradecemos a ITMIX que abraçou esse sonho e contribuiu com toda a parte de edição do
documentário e na regularização para que o filme pudesse ser exibido na tv e em mídias sociais.
Agradecemos a Bambual Editora, por dar o suporte • Ana Luiza Stein • Ana Maria Laraia • Ana Paula • Ana Paula de
como editora do livro. Sá Campello • Ana Varnieri • Ana Veraldo • André Helal • André
Agradecemos a todos os colaboradores dos textos que Jorge • André Luis Krause • André Navarro • André Pegrino • An-
compõem este livro, que atenderam ao chamado e escreveram dré Perlingeiro • Andréa Martins • Andréa Pelc Prestes • Andréia
com dedicação, contribuindo com riquíssimas informações e re- Xisto Dias • Angela Varella • Angelina Ataide • Angelina Yamada
flexões para todos que buscam uma vida mais sustentável. • Ariel Kogan • Armando Moya • Augusto Rousseau • Avibhasha
Agradecemos a todos que colaboraram de diversas ou- Lisa • Ayantor Rafo Coelho • Barbara Castro • Bernardo Grether
tras formas com esse livro, seja apoiando com fotos, seja na di- • Betânia Furtado • Bianca Mendes de Faria • Bianca Sardinha
vulgação da campanha de financiamento, articulando compras • Binho Vianna • Bruna Bernardes • Bruno Perel • Caamotta •
coletivas do livro ou apoiando a construção do mesmo. São ver- Cândido Azeredo • Carina Fogel Gewerc • Carine Morrot • Carla
dadeiros cocriadores dessa obra. Maria Pereira Rodrigues Valle • Carla Natacha Marcolino Polaz •
Agradecemos a toda Rede – esse é um projeto de to- Carlos Eduardo Jardim Filho • Carlos Leandro Cordeiro • Carlos
dos! Ele só foi possível porque aqueles que querem transformar • Max Poley Guzzo • Carolê Marques • Carolina Garcia Ishibashi
o mundo entraram em ação. Um sonho de Gaia que se realiza! • Carolina Herrmann • Carolina Müller • Carolina Rios Thomson
Agradecemos aos Seres de Luz que se dedicam na • Casa Anitcha • Casoca • Cássia Ruas • Cássio Sant’Ana • Cauê
transformação deste planeta. Taiyo Minowa • Cecília Cabral • Cecília Ottoni • Celia Regina Mo-
raes Leme • Celio Avila Santin • Cesar Yojiro Matsumoto • Charles
Abaixo está a lista das pessoas e instituições que apoiaram financeiramente os
crowdfundings do Ecovilas Brasil – tanto para o documentário quanto para o livro.
• Cintia Godoy • Clarissa Shamdeyi • Claudia do Couto Resende •
Recebam nosso muito obrigado! Cláudio Roberto • Comunidade Dedo Verde • Comunidade Osho
Rachana • Cris Bogossian • Cris Maroca • Cristiano Roberto Nils-
Ádil Bulkool Bernstein • Adriana Orosco • Akira Togashi • Akynam son Soares • Cristina Jasbinschek Haguenauer • Cynthia Zanotto
Hugo Homaidan • Alam Kenji Minowa • Albino Wakahara • Ales- Salvador • Daelson Viana • Damaris Regina • Daniel Carvalho •
sandra Tavares • Aléssia Alves de Alvarenga Santa Bárbara • Ale- Daniel Yosarum • Daniela Carneiro Maximo de Oliveira • Danie-
xandra Cruz Machado • Alexandre Cruz • Alexandre Girão • Ale- la Valdez Pedrazzoli • Danilo Siqueira • Danise Cardoso • Dárya
xandre Luiz Neves Borges • Alice Neves • Aline Ramos Liyariami Prem • David Leonardo • Debora Coelho • Deborah Freire Abelha
Aline Satyan • Aline Werner • Amanda Hipólito • Amanda Passos • Denilson Santos • Dieff Araujo • Diego Amorim • Diego Gres-
Ana Accorsi • Ana Carolina • Ana Carolina Canuto minozzi • Ana pan de Oliveira • Diego Marins • Diego Marques • Diego Sandullo
Carsalade • Ana Claudia Fugikaha • Ana Karolina de Andrade • • Dilma Ramos • Dimayar Betina Cruz • Diogo Alvim • Diogo Ta-
Ana Laura Macedo Gonçalves • Ana Luiza Rodrigues de Britto furi • Diogo Zaverucha • Djalma Nery • Duilio Ferronato • Ecovila
El Nagual • Ecovila Karaguatá • Ecovila Terra Una • Ecovila Tibá mond • Joana Moscoso • Joana Queiroz • João Antunes • João
• Eduardo Nishio • Eduardo Weaver • Eliane Gueller • Elizabet Henrique Xavier • João Pedro Borges • João Suender Moreira •
Fichman • Elizabeth Macedo • Elza Tieko Furuyama • Emmanuel John Harding • Joici Santos Ohashi • Jordão Vieira Silva • Jorge
Khodja • Eraldo El Nagual • Eric Eustáquio • Erica Yamashita To- Koho Mello • Jose Assucena • José Carlos Nascimento Medeiros
gashi • Evelyn Zajdenwerg • Fábia Pimentel • Fabiana Cremonini • José Vicente Carnero • Judith Kuhn • Juli Caccio • Julia Faber •
• Fabiano Cardoso Pereira • Fabiola Formicola • Fabrício Ricardo Juliana Panades • Julio Fracarolli Canholi • Jurema Ponti • Kama-
Felipe Abras • Fernanda Andrade de Faria • Fernanda Araujo la Aymara Mourão • Karen Couto • Katia Marko • Katie Shrubb •
Machado • Fernanda Catarucci • Fernanda Mayrinck • Fernan- Kelly Lissandra Bruch • Kirtano Rodrigo • Larissa Noel • Larissa
do Montanari • Fernando Neubauer • Fernando Rocha • Filipe Yelashumi Saldanha Vieira • Lea Majerowicz • Leandro Uchoas
Cunha • Flavia Camargo da Silva Santos • Flavia Torga • Flavia Ribeiro • Ledson Branquinho • Leo Compasso • Leonardo Adler
Torunsky • Francesco Pommerening • Franco Rosário • Ga- • Leonardo Avila • Leonardo Borges • Leonardo Camargo • Le-
briel Siqueira • Gabriela Fürstenau Togashi • Gabriela Oliveira • onardo Codignoli • Letícia Cunha • Lia Melero dos Anjos • Lilian
Gisele C. Sessegolo • Gitel Arszyn Bucaresky • Gleicon Analha Lubochinski • Liliane Tonet Rensi • Lizandra Barbuto • Lorena
Dunscombe • Gleisse Teixeira • Gmerais • Grazielie Frota Mon- Wilson Jabour • Lu Ribas • Lucas Castex Aly de Satana • Lucas
te Coelho • Guarani de Hollanda Cavalcanti • Guga Cerqueira • Herbert Jones • Lucas Ota • Lucia Carrera Jardineiro • Lúcia Ma-
Guilherme Barcellos Carlos de Souza • Guilherme Dutra • Gui- ria de Sá • Luciabiaz • Luciana Duarte Rangel de Abreu • Luciano
lherme Hiroshi Atsumi • Guilherme Lito • Guilherme Nascimento Lima Dubois Collet • Ludmila Majerowicz • Luiz Aquiles • Luiz
• Gustavo Carvalhaes Xavier Martins Pontual Machado • Gustavo Brito • Luiz Eduardo • Luiz Eduardo Alcantara • Luiz Ricardo Brito
Grasso • Gustavo Teixeira Barbosa • Gustavo Varella • Guta Seixas • Luíza Costa Caldas • Luiza Portella • Luiza Rossi • Mag Nudem-
• Guto do Mato • Haroldo Vieira • Harrison Mendonça • Helena berg • Magda Alqueres • Maíra Sagnoli • Mais positividade • Malu
Varella • Heloisa Gappmayerr Biscaia • Henny Freitas • Henrique Garcez • Manac • Manoel Gois Manu • Manugs Mc • Marcela
Fürstenau Togashi • Henrique Rajao • Higor Henrique • Hono- Araújo Barshalay • Marcela de Medeiros Barreto Seguins • Marce-
rio Elian • Horst Erhard Kalloch • Hygor Mendes da Silva • Iago la Fonseca • Marcela Liminar • Marcela Ppn • Marceline Minowa
Pontes Gomes Nascimento • Igor Cavaco • Ilana Majerowicz • • Marcelo Minutti • Marcelo Quadros • Marcelo Yamdero • Marcia
Ilton Majerowicz • Iolanda Chiavegatto • Isabel Cristina Benedetti Corrêa Taliyaki • Marcia Santos • Marcio Fonseca • Marcio Lins
Camoiço • Isabel Girão Paixão • Isabel Pereira Rodrigues Valle • • Marco Natalino • Marcos Huet • Marcos Maes • Marcos Molz
Isabel Puntel Pereira dos Santos • Isabel Valle • Isabela Dantas • • Marcos Ninguem • Marflins • Maria Angelica Puntel Divinarte
Isolda Fontana • Ivana Amarante Bombana • Jailson Batista Ro- • Maria Helena Barbosa • Maria Isabel Puntel • Maria Luiza Ma-
drigues • Janaia Maciel Braga • Jane Almdeira Laykari • Jhon Ber- galhães Paes Leme Sá • Maria Mazzarello Silveira • Maria Paula
Pires de Oliveira • Mariana Chicaybam Peixoto • Mariana Devoto Renata Marques • Renata Memere Riski • Renata Niemeyer • Re-
• Mariana Kulnig Pinto Ferreira • Mariana Motta Fabiano Alves • nata Silvia Sarah Sishanti • Renata Strengerowski • Renato Garcia
Mariana Rico • Mariana Rocha • Mariana Zuana • Marina Masca- • Renato Guimaraes • Ricardo Henrique Cottini • Roberta Falleiro
renhas • Marina Moscoso • Marizete Barros • Marluce Bernardes • Roberta Lagden • Roberto de Macedo Dertoni • Rodolfo Rau •
• Marly Ferreira Bechara • Marta de Alcântara • Matheus Fernan- Rodrigo Borges • Rodrigo Cesar Paes Barroso • Rodrigo Cunha •
des Pereira Moreira • Matheus Minutti • Matheus Vieira de Luca Rogerio Palmeirão de Alvarenga • Romeu Leite • Rosa Maria Co-
• Maurício Luiz Farakian • Mauro Zag • Maximiliano Giacone • elho Valgode • Rosane Endo • Rosângela Dos Santos • Rosemary
Mayan Maharishi • Melissa Bivar • Melissa Mundim • Mgaia • Mia- Costa • Ruan Vargas • Rúbio Medeiros • Sabrina Adami Schappo
tã Guedes • Michele Lekan • Miriam Chiavegatto Pereira • Miriam • Samara Lazarini • Samuel Mac Dowel • Sandro Langer • Sarah
Duailibi • Mônica Andréa Barretto da Silva • Mônica Carvalho • Bazin • Selma Rossi • Sergio Fichman • Sergio Pinho • Shamda-
Mônica Coelho Mitkiewicz • Monica Pantoja • Moura • Murilo ro • Shana Cohen • Sheila Dain • Sheila Moraes Raszl • Shinto-
Gomes Nagato • Natália Badaró • Natalia Carcione • Natália Car- ri Tatiane Mitiko • Silvia Midori Matsunaga Rios • Simplicidade
neiro • Natan Mobley Bertolini • Natasha de Abreu • Nathalia da • Stéferson Faria • Stephanie Kinyaniari Gauss • Sueli Aparecida
Silva Portella • Neusa Moscoso • Nicolau Luiz Spera • Nidia Ma- Mascarenhas • Superduda • Suzana Murakami • Suzana Sattamini
jerowicz • Nina Rodrigues • Ninho de Condores • Niryusha Prem • Szmul Majerowicz • Taisa Mattos • Tapéporã Turismo • Tatiana
• Oficina Literária Puntel • Om Namo Ma Orla • Otávio Cotta Alves Penteado • Tatiana Leite • Tatiana Martins • Tatiana Parrei-
• Pablo Bedmar Soria • Patricia Audi • Paula Gontijo Martins • ras Martins • Teresa Oliveira • Terra de Rudá • Thalles Ramon •
Paulina Eva • Pauliran Costa • Paulo Cesar Rodrigues Cunha • Thiago Augusto Pimenta Viana • Thiago Saldanha Pereira • Tiago
Paulo Cunha • Paulo Rossi • Pavita Machado • Pedro Bedmar • Gabatz Langer • Tiago Guerra • Tiago Moraes • Tomás de Lara •
Pedro Cooper • Pedro Kertzman Cunha • Pedro Marzano • Pedro Túlio Corrêa • Ulrike Rapp • Valquiria Catarucci • Vanessa Tenório
Moreira Grillo • Pedro Oliveira • Pedro Sorriso • Pedro Zanette • • Vania Priyamti Amaral Chaves • Vera Escorsin • Vera Fürstenau
Piracanga • Polyana Lourenço • Prem Milan • Queroum • Rafael • Vera Vilaça • Vera Zaverucha • Veracidade • Victor Leon Ades •
Fernandes • Rafael Kamtorio Togashi • Rafael Rydlewski • Rafaela Victor Waismarck Amorim • Vila Yamaguishi • Vladimir Maia Ro-
Craizer • Raphael Secchin • Raphaela Aquino de Abreu Prado • drigues • Wagner Andrade Costa da Silva • Wilson Akitomi Wa-
Raquel Arumdaya • Raquel Souza • Rebeca Barros • Rebeca Roy- kamatsu • Yale Camparoto Zirondi • Yan Gusson • Yoka Shimizu
sen • Rebecca Alvarenga • Rebecca Rodrigues • Regina Cabral • • Zulmira Pope
Regina Morão • Regina Umashanti • Renata Del Vecchio Gessullo
• Renata Filippetto Mayakaini • Renata Frignani • Renata Frossard
• Renata Gomez • Renata Levy • Renata Luci de Lara Baptista •
Sumário

Ecovilas: Tecendo a Cultura Regenerativa | Taísa Mattos 20


Comunidades Intencionais | Lilian Avivia Lubochinski 32
Quem Olha pra Dentro, Acorda | Melissa Bivar 36
As Ecovilas de Sucesso do Brasil | Gabriel Siqueira 44
Transformando Dentro para Criar ao Redor | Angelina Ataíde 50
O Biorregionalismo e as Comunidades Intencionais | Cíntia Aparecida de Godoy 54
Comunidade Ecovila Karaguatá 58
Transition Farms: Ecovilas e Transições Rurais | Marcos Ninguém 70
Bases para Continuidade das Ecovilas | Evelyn Zajdenwerg 76
A Permacultura e as Cidades | Djalma Nery 82
A Saúde e Permacultura na Ecovila Tibá | Fernanda Martin Catarucci 86
Autoconhecimento e Alimentação | Margarita Nüdemberg 96
O Elo Perdido da Saúde: Reconectar, Integrar e Evoluir | Gustavo Varella 98
Saúde em Comunidades Intencionais | Jorge Koho Mello 104
Dragon Dreaming e suas Linhas de Canção | Lizandra Barbuto 108
A Economia Colaborativa e o Comum | Felipe Cunha 114
Breve Reflexão sobre Sustentabilidade Econômica e Finanças em Ecovilas | Diogo
Marques Tafuri 120
Organizações Sistêmicas em Comunidades Intencionais | Emmanuel Khodja 132
Mudança Cultural nas Ecovilas | Rebeca Roysen 136
O Segredo da Comunidade é a Confiança | Pablo Bedmar Soria 140
Águas de Dentro e de Fora | Juliana Faber 144
Tornar-se Presente – uma Comunidade em Silêncio Produtivo | Terra de Rudá 148
O Despertar de Valores Comunitários para a Construção de uma Nova Justiça | Isabela
Dantas 166
Caravana Nômade Asas e Raízes | Guto do Mato 174
Navegando em uma Ecovila Itinerante pelo rio Amazonas | Henny Freitas 178
Danças Circulares | Bruno Perel 188
Conexão Humana | Pavita Machado 192
Ecologia e Espiritualidade | Angela Varella 196
Vida em Comunidade e as Florestas | Maíra Sagnori 206
Aprendizagem Autodirigida em Comunidade | Renata Gomez 220
Coaching e Educação – o Caminho é para Dentro | Márcia Taliyaki 226
Um Novo Mundo é Possível, Necessário e já está Acontecendo | Aline Satyan 230
Mapeamento de Ecovilas e Comunidades Intencionais no Brasil 234
Ecovilas: Tecendo a
Cultura Regenerativa
Taísa Mattos

Ecovilas são comunidades multifuncionais, rurais e urbanas, cujos princípios e práticas se voltam para
a sustentabilidade, em diversas dimensões e níveis. São laboratórios vivos, que estão criando e expe-
rimentando novas formas de vida e relacionamento, proporcionando, ao mesmo tempo, qualidade
de vida e baixo impacto ambiental. As Ecovilas podem ser vistas como exemplos na criação de ou-
tros modos de habitar o planeta. De acordo com a Rede Global de Ecovilas (GEN – Global Ecovillage
Network): “Ecovilas são comunidades intencionais ou tradicionais que usam processos participativos
locais para holisticamente integrar as dimensões ecológica, econômica, social e cultural da sustentabi-
lidade, a fim de regenerar o ambiente natural e social” (GEN, s.d).
As Ecovilas criam um ambiente favorável para o desenvolvimento pessoal e comunitário,
estimulando o aprendizado de novas habilidades e o engajamento social na construção de uma nova
forma de vida. Procuram estabelecer relações harmônicas, respeitando os ecossistemas e os contextos
socioculturais nos quais estão inseridas. São locais onde os grupos estão buscando reassumir o contro-
le sobre aspectos fundamentais de suas vidas, como a geração de energia e a produção de alimentos.
Utilizam tecnologias ecológicas para minimizar seu impacto ambiental, abordagens e metodologias
sociais para favorecer os relacionamentos, além de ferramentas econômicas para fomentar a econo-
mia local. São exemplos de sucesso em termos de redução do consumo e aumento da qualidade de

20
vida, provando, através da avaliação de suas pegadas ecológicas, vistas como “experimentos sociais de um futuro sustentável”,
que é possível transformar as condições de vida em direção à ou, ainda, como experimentos colaborativos na construção de
sustentabilidade. Apesar de serem projetos ‘em construção’, bas- uma cultura regenerativa.
tante distintos entre si, cada qual com seus desafios e priorida-
des, as Ecovilas têm se destacado pela contribuição efetiva na
criação de outros modos de se viver. Histórico e Panorama do
Nesse momento de desafios globais e “de perda das re-
ferências e do sentido da vida, surge a necessidade de ressigni- Movimento de Ecovilas
ficação, que passa por um novo conjunto de valores e práticas,
por uma nova forma de agir no mundo, e pela (re)construção do O Movimento Ecovilas tem suas raízes e busca inspiração em
sentido de comunidade”. diferentes linhagens, entre elas: as comunidades intencionais
A noção de comunidade é fundamental para a susten- religiosas e espirituais; o movimento pacifista antinuclear; o
tabilidade, pois é a base das estruturas sociais. Existem vários movimento dos direitos civis – raciais e feministas; o movimen-
aspectos inovadores relacionados à reinvenção das comunida- to ambientalista; o movimento Hippie; os Kibutzim (Israel) e
des que vem acontecendo através da proliferação de diversos Cohousing (Dinamarca); o movimento da Transdisciplinaridade;
tipos, entre elas, as Ecovilas. Essas comunidades podem ser os princípios Gandhianos, entre outros. Todos esses movimentos
questionavam e/ou ainda questionam os valores dominantes da
sociedade pós-industrial, como: produção desenfreada, consu-
mismo, desigualdade social e degradação ambiental.
A primeira definição consolidada de Ecovila surgiu em
1991, a partir de uma pesquisa de campo encomendada pela
“Apesar de serem projetos ‘em construção’, ONG dinamarquesa Gaia Trust, em que o casal Robert e Diane
Gilman, então editores da Revista In Context, percorreu diversas
bastante distintos entre si, cada qual com iniciativas pelo mundo buscando identificar os exemplos mais re-
levantes no campo das comunidades sustentáveis. A pesquisa in-
seus desafios e prioridades, as Ecovilas têm cluiu comunidades tradicionais, comunidades alternativas rurais
se destacado pela contribuição efetiva na e urbanas, projetos de Permacultura e Cohousing, entre outros,
buscando revelar as melhores práticas a nível internacional. Não
criação de outros modos de se viver.” havia um projeto exemplar, mas um conjunto de iniciativas que

21
esboçavam a visão de uma nova cultura, com um estilo de vida
simples, comunitário e integrado com a natureza. O resultado
da pesquisa revelou uma síntese dos aspectos em comum entre
elas, e os atributos que poderiam nos direcionar na transição para
um modo de vida sustentável.
A partir daí, representantes de algumas dessas comunida-
des começaram a se reunir para partilhar experiências e buscar es-
tratégias para aprimorar e difundir o ‘modelo’ das Ecovilas. Em 1995,
na Conferência Ecovilas e Comunidades Sustentáveis – Modelos de
Vida para o Século XXI, realizada na comunidade de Findhorn (Escó-
cia), foi criada a Rede Global de Ecovilas (GEN) e lançado mundial-
mente o conceito de Ecovilas.
Diversas comunidades intencionais se atraíram pela
proposta das Ecovilas e o movimento rapidamente se disse-
minou. Não é simples afirmar se uma comunidade é ou não
uma Ecovila, uma vez que não existem critérios específicos,
mas algumas características as distinguem das demais comu-
nidades intencionais ou projetos ecológicos, principalmente:
o foco na vida comunitária e a busca pela sustentabilidade
em seus diversos aspectos; uma forte conexão com a nature-
za; a gestão participativa, além de serem, em grande maioria,
centros de educação e treinamento.
Enquanto movimento social, o Movimento de Ecovi-
las pode ser visto como um movimento propositivo, uma vez
que oferece exemplos, ao invés de ‘lutar contra’. Em termos de
atuação, abrange as diversas áreas da vida, não tendo um foco
específico. Seu método é o da experimentação, ou seja, as Eco-
vilas funcionam como verdadeiros laboratórios, criando e tes-
tando ferramentas, metodologias e tecnologias para viabilizar

22
uma forma de vida mais integrada e menos impactante, além de
serem espaços de demonstração, e oferecerem diversos progra-
mas para a conscientização, capacitação e difusão dessas novas “Seu método é o da experimentação, ou
práticas e princípios.
Trata-se de um movimento repleto de diversidade, com seja, as Ecovilas funcionam como verda-
experiências rurais, urbanas, em subúrbios, vizinhanças, presen- deiros laboratórios, criando e testando fer-
tes em todas as partes do mundo, incluindo culturas e climas
variados. Uma Ecovila se propõe a prover casa, oportunidades de ramentas, metodologias e tecnologias para
trabalho e de aprendizagem. É um lugar para se viver, trabalhar,
brincar, nascer e morrer, celebrar e se conhecer, além de incluir viabilizar uma forma de vida mais integrada
todos os aspectos de uma vida saudável. Sua visão de mundo e menos impactante...”
tem como premissa o holismo e a interdependência, inspiran-
do-se na metáfora dos sistemas vivos. O movimento é também
efetivo em nível subjetivo, oferecendo um senso de significado bitat da ONU, como modelos excelentes de vida. Desde então, o
e pertencimento, e evidenciando o papel central do indivíduo exemplo das Ecovilas tem sido utilizado para fomentar a criação
nessa emergencial mudança cultural. Suas ações baseiam-se de comunidades sustentáveis, como é o caso do Senegal, onde
no empoderamento individual e nas relações cooperativas para foi criada a ANEV – Agência Nacional Senegalesa para Ecovilas,
criar, além de ciclos virtuosos, engajamento global. dentro do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sus-
As Ecovilas estão atuando, de forma sistêmica, na tentável, com o objetivo de transicionar 14 mil vilas tradicionais
construção de uma nova socialidade, a partir de ‘modelos’ lo- em Ecovilas, implementando tecnologias ambientais adequadas
cais que podem ser adaptados e recriados em outros contex- e fomentando o desenvolvimento local, ao mesmo tempo em
tos, estabelecendo as bases para o surgimento de uma cultura que preservam as tradições culturais.
regenerativa, a favor da vida. Estão no exercício de criar e testar O exemplo das Ecovilas também está sendo utilizado
possíveis soluções ao implementarem novas formas de se re- em casos de reconstrução pós-desastres ambientais, como
lacionar com o meio ambiente e novos sistemas econômicos, no caso de Pescomaggiore, na Itália. O vilarejo, que em 2009 foi
resgatando valores e princípios de culturas tradicionais e pro- gravemente abalado pelo terremoto L’Aquila, foi reconstruído por
pondo outras estruturas sociais. iniciativa dos moradores nos moldes das Ecovilas, utilizando ma-
Diversas Ecovilas foram reconhecidas como melhores teriais locais e tecnologias apropriadas e, ao mesmo tempo, for-
práticas para o desenvolvimento sustentável pelo Programa Ha- talecendo a comunidade envolvida. De acordo com um estudo

23
realizado no local, Pescomaggiore serve de exemplo como uma contribuições recentes da GEN é a criação da Solution Library,
solução que emergiu da comunidade, a partir de um momento disponível em seu site, para dar visibilidade e compartilhar so-
de crise, resultando não apenas na recuperação da área, mas tam- luções inovadoras, criadas por iniciativas locais, que podem ser
bém na criação de resiliência comunitária. adaptadas e utilizadas em outros contextos.
O Movimento de Ecovilas, cujo foco inicial era criar prá- A GEN vem, aos poucos, ampliando sua visão e, nos úl-
ticas sustentáveis locais a nível individual e comunitário, cada vez timos anos, funciona como uma organização ‘guarda-chuva’ que
mais se expressa globalmente. Ao mesmo tempo em que estão articula e apoia projetos e iniciativas comunitárias que trabalham
construindo comunidades locais sustentáveis, constituem uma pela sustentabilidade, não apenas Ecovilas, mas comunidades in-
rede global para a educação e transformação social. Sua contribui- tencionais, vilas tradicionais, iniciativas ligadas ao Movimento Ci-
ção fundamental é o poder do exemplo. A ênfase está na respon- dades em Transição e outras experiências afins. Sua lista de mem-
sabilidade individual e no empoderamento para a ação conjunta. bros inclui grandes redes como Sarvodaya (2.000 vilas sustentáveis
Os grupos assumem a responsabilidade por suas vidas e buscam no Sri Lanka); projetos de recuperação urbana, como Los Angeles
alternativas sociais. Não se trata de fenômenos isolados, mas de EcoVillage e Christiania, em Copenhagen; Institutos de Permacul-
comunidades que estão interconectadas em rede, partindo do en- tura, como Crystal Waters (Australia); diversas pequenas Ecovilas
gajamento comunitário para fazer frente aos desafios globais. rurais, como Huehuecoyotl (Mexico), Aldea Feliz (Colômbia), Arca
Verde e Terra Una (Brasil); além de grandes e consagradas Ecovilas
como Damanhur (Itália), Findhorn (Escócia), Auroville (India), entre
A Rede Global de Ecovilas outros. (GEN, s.d.). Estima-se que haja, atualmente, em torno de
15.000 iniciativas pelo mundo, presentes em todos os continentes,
(GEN) em países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A Rede Global de Ecovilas está dividida por regiões, tendo re-


presentação em todos os continentes, além de um conselho e O Movimento de Ecovilas
grupos de trabalho internacionais, dedicados às mais variadas
áreas, o que garante a diversidade e a torna efetiva enquanto no Brasil
rede global. Cada vez mais a GEN está se profissionalizando para,
efetivamente, servir aos núcleos regionais, realizando treina- O Movimento chegou oficialmente ao Brasil em 2002, quando foi
mentos, promovendo encontros, captando recursos, mapean- realizado o primeiro Treinamento em Ecovilas, organizado pela
do e conectando as iniciativas e difundindo soluções. Uma das ENA, a então Rede de Ecovila das Américas (Ecovillage Network of

25
Americas), em parceria com instituições brasileiras, no então Cen- Horizonte, difundindo os princípios e a experiência das Ecovilas
tro de Vivências Nazaré (atual UNILUZ), no interior de São Paulo. em outros contextos.
Após o primeiro Treinamento, houve mais dois, nos anos que se Atualmente, são diversas as iniciativas de Ecovilas no
seguiram (2003 em Belo Horizonte e 2004 itinerante pelo Brasil), Brasil que se reconhecem como tal e integram oficialmente o Mo-
capacitando diversos interessados na criação de iniciativas susten- vimento, como: Arca Verde, no Rio Grande do Sul; Ecovila Tibá e
táveis e fazendo emergir a rede nacional, ENA Brasil. Nessa época, Visão Futuro, no estado de São Paulo; Terra Una, em Minas Gerais;
aconteceu o mesmo que no cenário internacional: vimos, além Piracanga e Terra Mirim, na Bahia. Além destes, somam-se mui-
da criação de algumas Ecovilas, a adaptação de antigas comuni- tos outros experimentos em fase de estruturação, além de inicia-
dades intencionais e institutos de Permacultura, para que pudes- tivas com focos específicos, como os institutos de Permacultura,
sem ser considerados como tal. a exemplo do IPEC (Instituto de Permacultura do Cerrado) e do
Em 2006, foi lançado, em São Paulo, o Programa EDE IPEMA (Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica), e
(Ecovillage Design Education), que no Brasil ficou conhecido
como Gaia Education – Design em Sustentabilidade. O currí-
culo, elaborado a partir do conteúdo dos antigos Treinamentos
em Ecovilas, mas muito mais abrangente, foi concebido por um
grupo de educadores ligados ao Movimento de Ecovilas, e abor-
da as quatro dimensões da sustentabilidade: social, ecológica, “Atualmente, são diversas as iniciativas de
econômica e cultural (denominada visão de mundo), trazendo
um panorama geral dos aspectos que devem ser explorados na Ecovilas no Brasil que se reconhecem como
busca pela sustentabilidade. O programa foi reconhecido como
uma contribuição oficial à Década Internacional da Educação tal e integram oficialmente o Movimento...
para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2005-2014), e re- ...Além destes, somam-se muitos outros ex-
centemente enquanto um UNESCO Global Action Programme,
contribuindo para a implementação dos Objetivos do Desenvol- perimentos em fase de estruturação, além
vimento Sustentável. Já foi realizado em 43 países, sendo o Brasil
seu maior expoente. É interessante observar que, diferente de de iniciativas com focos específicos... ...e
outras partes do mundo, a maioria dos programas no Brasil foi ainda, outras comunidades intencionais ins-
realizada em grandes centros urbanos, como: São Paulo, Rio de
Janeiro, Brasília, Curitiba, Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Belo titutos de Permacultura...”

26
ainda, outras comunidades intencionais, como a Vila Yamaguishi
(SP), e tradicionais, como a Morada da Paz (RS) que possuem prin-
Taísa Mattos
cípios e práticas afins.
A Rede Brasileira, inicialmente chamada ENA Brasil, ficou Educadora, pesquisadora e consultora nas áreas da sustentabilidade e da
adormecida por anos, dificultando a articulação e a troca de expe- vida comunitária. Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecolo-
gia Social - EICOS/UFRJ. Bacharel em Comunicação Social - ECO/UFRJ.
riências entre os grupos, enquanto diversos projetos emergiram
Desde 2004, integra o Movimento de Ecovilas, tendo sido cofundadora
buscando criar registros das iniciativas, principalmente através da Ecovila Terra Una (MG), e atualmente colaborando com a Rede Glo-
de vídeos e sites. Em 2012, a Rede Latino-Americana se eman- bal de Ecovilas (GEN) nos núcleos de educação e pesquisa aca-
cipou, passando a denominar-se CASA (Consejo de Asentamien- dêmica. Conselheira do CASA Brasil (Consejo de Asentamien-
tos Sustentables de las Americas). Board member da ICSA
tos Sustentables de las Americas). Em consonância aos esforços - International Communal Studies Association. Atua, desde
internacionais, integrantes do movimento estão trabalhando na 2009, em parceria com o Gaia Education, coordenando e
estruturação da Rede CASA Brasil, com o objetivo de conectar integrando o corpo docente de programas de Educação
para a Sustentabilidade em diversas localidades no Brasil
não apenas Ecovilas, mas iniciativas urbanas de transição (Co
e no exterior.
-housing, Coliving, núcleos de Transição), comunidades tradicio-
nais (quilombolas e indígenas), grupos ligados à Permacultura,
Agroecologia, Bioconstrução, entre outros, buscando uma maior
articulação dos diversos atores envolvidos com a prática da sus-
tentabilidade no país.

BIBLIOGRAFIA

DAWSON, Jonathan. Ecovillages: New Frontiers for Sustainability. Green Books, 2006.
GAIA EDUCATION. Disponível em: <www.gaiaeducation.net>
GAIA TRUST. Disponível em: < http://www.gaia.org/gaia/gaiatrust/ >
GEN. Global Ecovillage Network. <http://gen.ecovillage.org >
MATTOS, Taisa. Ecovilas: A construção de uma cultura regenerativa a partir da práxis de
Findhorn, Escócia. Dissertação de Mestrado. EICOS/UFRj. Rio de janeiro, 2015. Orientadora:
Cecília de Mello e Souza. Disponível em: http://pos.eicos.psicologia.ufrj.br/wp-content/uploads/
MATTOS-TAISA-DISSERTA%C3%87%C3%83O-FINAL-2015.pdf
SEVIER, Laura. Ecovillages: a model life? The Ecologist, Vol.38(4), p.36-37, May, 2008.

27
Eu quero uma vida alternativa a isso.
É real? É possível? É fugir? É criar uma
bolha? É elitista? É caro? É barato? A gente
queria viver uma outra alternativa assim.
Diogo Alvim | Ecovila Terra Una

Eu tive a oportunidade de trabalhar com vendas. Nossa... não ia ser feliz. Seria
fácil ter seguido um caminho, que nem diz um amigo meu, o de “entrar na roda
do rato”, onde você fica andando na rodinha e não está sabendo nem por quê.

Fernando Neubauer | Ecovila Tibá

28
A gente se mudou para as casas que tinham aqui e ficava convivendo, mas
era cada um na sua casa. Era um casal aqui, outro lá. Era que nem na cidade,
só que no sítio. A gente tinha uma relação legal entre a gente, meditava
junto e tal... Mas nunca era mais que quatro, cinco pessoas morando aqui.

Pavita Machado | Comunidade Osho Rachana

29
Tudo leva a gente para um outro tipo de
vida, né? A sociedade já está formada
pra gente se fechar em pequenas células
familiares, e dentro daquela realidade elas
são individualistas ali. Você tem o seu, a sua
família e tal... As comunidades...

30
...têm um trabalho – e é um trabalho difícil, complexo
– de enfrentar um sistema, um padrão de relações
humanas, que está posto há muito tempo, uma herança
histórica. Elas tentam desconstruir um pouco essa
bolha na qual a gente se fechou, essa família nuclear.

Djalma Nery | Estação de Permacultura Veracidade

31
Comunidades Intencionais
Lilian Lubochinski

O desejo de comunidade brota de dentro de muitas pessoas com uma clareza tão límpida quanto o
instinto de preservação da vida brota em qualquer ser vivo, assim como em uma planta que se retorce
para encontrar a luz do sol.
Escuto repetidas vezes a afirmação que “mas, somos muito egoístas” e esta vontade de co-
munidade fica parecendo estar na contramão. No entanto, a manifestação do anseio é ainda mais fre-
quente, mesmo que insegura, mesmo que duvidando, cada vez mais pessoas pedem para participar do
grupo Cohousing Brasil e, assim, atravessando sua incerteza, vão em busca de um caminho para realizar.
Comunidade é uma dimensão afetiva que nos foi sequestrada pelos interesses vigentes na era
industrial e é essencialmente humana: somos/fomos tribos e esta memória está marcada em nosso DNA.
“O tempo do lobo solitário terminou. Reunam-se!” – dizem os anciãos do Povo Hopi em
sua profecia.”1
As comunidades intencionais que estão emergindo agora – além das ecovilas que, em sua
maioria, são comunidades rurais e pressupõem uma economia própria – são urbanas e demandam
mudanças menores nas vidas das pessoas, pois implicam no modo de morar compartilhado através da
aproximação física entre pessoas com afinidades, entre amigos. São grupos onde todos se conhecem
e estão vivendo perto porque escolheram assim estar.

1 http://www.flordavida.com.br/HTML/hopi.html

32
Esta aproximação supre uma necessidade de dar conta não são nem vendidos e nem comprados. Esta mesma qualida-
de mais, de ampliar nossa potência existencial. Inaugura de fato a de relacional existe no ativismo político, por exemplo.
possibilidade de desviar do submetimento total às ‘mercadorias’ Há uma expectativa de horizontalidade: ninguém
como base existencial. Na rotina normativa do capitalismo, nos- manda em ninguém. Como se trata de um fenômeno mais am-
so tempo está todo ocupado em produzir o recurso suficiente plo de organizações sociais, os novos modelos de governança
para poder ‘comprar’ tudo o que é necessário para sobreviver: ganham novos nomes: sociocracia (governo dos sócios), estru-
desde toda a nossa alimentação, passando pelo cuidado com a turas caórdicas.
saúde, a educação dos filhos e, inclusive, a compra de serviços Deste modo, uma subjetividade diferente pode se
dos cuidados para os períodos de fragilidade inerente que é a manifestar, menos submetida ao “outro”, mais conectada em si
infância e a velhice. mesma: e finalmente podemos celebrar a diversidade identitária.
A libertação paulatina desta impositiva compra de tudo Não cabe aqui aprofundar, mas isto está diretamente ligado às
passa pela recuperação da dimensão comunitária que amplia identidades não binárias que rompem com os compartimentos
os espaços onde uma economia diferente, não monetarizada, identitários de gênero, por exemplo.
já acontece. Os cuidados entre membros de um núcleo familiar No budismo essa outra forma de estrutura social é cha-
mada “Terra Pura”. Mencionam as mandalas, apontam para a pos-
sibilidade de recriar novas estruturas mentais onde é possível se
desvencilhar destas formatações desconfortáveis e que geram
um modo de estar no planeta completamente insustentável.
A possibilidade de relações sociais mais próximas e me-
“...nos tornamos muito mais potentes, nos ameaçadoras se revela.
É a mesma proposta que está na base da Comunica-
pois a diversidade dos dons que se ma- ção Não Violenta (CNV) e do que se propõe alcançar com a
nifestam é celebrada e abre lugar para Prática do Diálogo2, ferramentas sociais importantes e que de-
vem ser adotadas.
a roda, para a mandala, uma nova tri- Esta mudança interna de cada pessoa consigo mesma
como ponto de partida amplia a consciência de como é ser um
bo, uma tribo onde não existe mais
o autoritarismo do coletivo.” 2 http://cmq.esalq.usp.br/wiki/lib/exe/fetch.php?media=publico:syllabvs:lc-
f5875:2010:recursos:o-dialogo-david-bohm-andrea.pdf

33
ser único e se desdobra na conquista da capacidade de contar
isso para a outra pessoa: nos tornamos muito mais potentes, pois
a diversidade dos dons que se manifestam é celebrada e abre lu-
gar para a roda, para a mandala, uma nova tribo, uma tribo onde
não existe mais o autoritarismo do coletivo.
Importante fazer notar que esta transição não é auto-
mática e implica na apropriação de diferentes ‘ferramentas’ so-
ciais. Alguns perigos que devem ser evitados:
• Pressupor que a outra (pessoa) pensa igual a você, ou dese-
ja o mesmo que você. justamente por isso, é fundamental
construir a visão coletiva. Mas uma visão coletiva mosaico,
que se compõe das múltiplas visões presentes em cada gru-
po, diferente da tradicional imposição de líderes, ou mesmo
dos estatutos importados de qualquer lugar.
• Entender conflitos como briga. Faz parte das ferramentas o
processo restaurativo que ajuda na resolução de conflitos
como um caminho de superação e aprendizado.
Não é tarefa simples a constituição de uma nova célula
social, de uma comunidade tal qual a desejamos e queremos
hoje, aqui e agora. Mas é também um grande privilégio poder
recuperar algo do rumo de nossas próprias vidas: sermos autoras
e autores de um espaço social que sucede somente aquele da
nossa intimidade maior. Vale observar o quanto a célula familiar
está, ela também, em franca transformação.
Então nos aproximamos, queremos conviver, queremos
partilhar e queremos somar.
Na cidade, nas grandes casas que ficaram vazias e à
venda, sem compradores, pois as estruturas sociais mudaram, o

34
medo aumentou, as famílias ficaram menores e o custo das tra-
balhadoras domésticas, finalmente, aumentou: estão brotando
Lilian Avivia Lubochinski
comunidades intencionais.
Geralmente são jovens que desejam este convívio, de- Tecelã de comunidades intencionais, é arquiteta urbanista, morou em
sejam também ser mais livres e parar de vender suas vidas às um kibutz em 1967. Cursou a faculdade de arquitetura em Israel, quan-
do se iniciou nos estudos de gerontologia. Trabalha amplamente com
corporações. Agrupam-se e alugam estas casas. Compartilham
processos participativos de criação e projetos, design universal (in-
a cozinha, fazem refeições coletivas (nem sempre). Ultrapassam clusivo), sustentabilidade na construção, eficiência energética
o isolamento, a solidão. Sua bolha privativa é um quarto, quando e harmonização ao território.
muito uma suíte.
O modelo que completa este desejo é o cohousing:
aqui a bolha privativa é um pouco maior e dá conta de equa-
cionar a solidão sem perder privacidade. Cada núcleo familiar,
seja do jeito que for, dispõe de, pelo menos, uma cozinha e um
banheiro, além de espaço de estar e/ou dormir. Aqui também,
uma cozinha e um espaço para refeições coletivas e festas são
compartilhados, ou seja, são um bem comum, gerido pelo grupo
que toma decisões consensuais ou por consentimento – nunca
por votação (onde tem sempre perdedores...).
Dependendo do grupo e do espaço disponível, quase
sempre a lavanderia e uma horta serão coletivos. Uma piscina
natural, quartos de hóspedes, uma sala para estudo de música...
A sustentabilidade das edificações é sempre uma preocupação
presente e prioritária. Poder compartilhar um carro ou bicicletas.
Compras coletivas e viagens programadas.
Acima de tudo, um cuidado mútuo: as celebrações co-
letivas e, muito frequentemente, ações na vizinhança, de modo
a ampliar a grande alegria do saber viver com mais sustentabili-
dade, e a solidariedade são desdobramentos fundamentais.

35
Quem Olha para Dentro,
Acorda
Melissa Bivar

Foi numa quinta-feira de março de 2011 que algo se rompeu, definitivamente, dentro de mim. Eu
estava trabalhando para um dos inúmeros projetos de alto impacto socioambiental da empresa
que me empregava nessa época. Era o projeto de construção de um porto que, para continuar
suas obras no ritmo prometido aos investidores, precisava, com urgência, acabar (esgotar) com a
pedreira que se localizava entre a obra na costa, e a comunidade, que teimava em não negociar
sua saída imediata do local (!). Nesse dia, em especial, passei quase 5 horas em uma reunião
interminável, onde eu argumentava questões óbvias sobre proteção e cuidado com a vida que
não deveriam ser necessárias de entrar em pauta de argumentação. Foi muito intenso, difícil e,
intimamente, revolucionário para mim.
Cheguei em casa exausta, passando muito mal, desabando em lágrimas.
Não era a primeira vez que doía. Não era a primeira vez que eu me sentia não mais perten-
cente àquela estrutura. Sempre trabalhei para corporações do setor energético e de infraestrutura.
Empresas que geram alto impacto socioambiental, coisa que fui entender ao longo dos primeiros dois
anos de vivência corporativa. Por conta disso, resolvi estudar e me especializar em Responsabilidade
Social Empresarial e Sustentabilidade de Negócios, onde me encontrei feliz e me sustentei até meados
de 2010, quando eu comecei a questionar o modus operandis de tudo à minha volta. Eu consegui

36
perceber, com uma certa clareza, que tudo no mundo poderia Lágrimas e insônia. Dias seguidos de muita confusão,
ser reconfigurado, se assim nós, sociedade, escolhêssemos. dor interna, onde eu ainda me degladiava com a decisão que me
Nessa época em especial, eu estava trabalhando como tomara por dentro: sair. Lançar-me numa jornada desconhecida,
Gestora Corporativa de Relacionamento e Comunicação com de busca, aprendizados, incertezas e muita fé.
Comunidades, da Diretoria de Sustentabilidade dessa empresa, Percebo, claramente, a importância de ter sido tomada
com um grande portfólio de diferentes tipos de projetos: todos pela decisão. Não foi uma escolha mental e logicamente estrutu-
com enorme impacto socioambiental. Foi trabalhando com rada. Foi uma decisão pela vida, como um todo, decisão calcada
equipes diversas e testemunhando olhares tão singulares e po- em um movimento interno que me impulsionava em direção a
derosos na estrutura hierárquica, que comecei a perceber o quão mim mesma.
frágil pode ser uma sociedade submetida ao poder de decisão de Comuniquei à empresa. Passei quatro meses preparando
uma ou duas pessoas. minha saída, me desapegando dos processos que conhecia tão
Eu já havia constatado que meu tempo dentro do sis- intimamente, me despendindo dos amigos, caros e queridos, da
tema, tal qual como conhecemos, estava chegando ao fim. Mas, rotina, do fluxo seguro de dinheiro e, o mais importante, daquela
como uma boa virginiana, eu estava planejando uma saída es- realidade calcada em poder, hierarquia, altos impactos, menos valia
truturada, de forma que o meu próximo destino já estivesse de- e decisões unilaterais.
finido com clareza para uma saída segura. Foram 14 anos de muito aprendizado, trabalho virando a
Não foi isso o que aconteceu. Um ano se passou, e noite, viagens, o nascimento do meu primeiro filho, sorrisos, lágri-
nada estava claro até o dia dessa reunião. mas, incontáveis projetos, equipes, amigos, dinheiro. Cinco grandes
empresas fizeram parte dessa caminhada, a cada uma tenho um
agradecimento especial e cada uma contribuiu de forma singular
para o início da minha jornada em 2011.
E então, saltei.
Rumo ao desconhecido. Sem saber o que fazer. Mas com
“Não foi uma escolha mental e logicamen- clareza do que eu não queria mais. Iniciei um processo investiga-
tivo onde contei com apoio de muitas pessoas que conheci nessa
te estruturada. Foi uma decisão pela vida trajetória. Pessoas que, como eu, vinham buscando novas formas
de empreender suas vidas, conectando propósito pessoal com
(...) que me impulsionava em direção a mim bem-estar coletivo. Durante esse movimento, ampliei meu campo
mesma.” de percepção do mundo em progressão geométrica, e comecei

37
“A transição não é, e jamais será, em uma
única área de nossas vidas. Ela é integral.
(...) É intenso, desafiador, desconfortável e,
absolutamente, sensacional. Nos reempo-
deramos de nossas vidas. É um caminho
sem volta.“

a compreender o poder de realização que existe quando direcio-


namos nossa energia pessoal com entrega e verdade. Como uma
semente. Em si só, ela tem o poder do vir a ser. Quando germina, ela
se torna vida em ação, e seu poder se multiplica em 20 mil vezes.
Assim percebo cada um de nós no mundo, só quando germina-
mos em nossa verdade essencial, somos capazes de aplicar uma
energia de realização infinitamente maior do que quando somos só
semente e potencial.
Iniciei minha trajetória acreditando que eu estava em tran-
sição profissional. Que eu precisava descobrir em quê e com o quê
eu desejava trabalhar, investir meu tempo e meus conhecimentos
para o mundo. Foi só caminhando, tropeçando, me reerguendo, re-
conhecendo e me conectando à Rede, contando com apoio, crian-
do laços de comunidade, desvendando e resgatando conhecimen-
tos ancestrais que fui percebendo que minha transição era em tudo,
para tudo. A transição não é, e jamais será, em uma única área de

38
nossas vidas. Ela é integral. Diz respeito à mudança de consciência a importância disso em nossas células pode revolucionar o mundo.
existencial. Diz respeito à nossa percepção do território que ocupa- Perceber, verdadeiramente, nosso poder de criação da realidade é
mos, ao ar que respiramos e às alterações celulares que realizamos capaz de definir o rumo da nossa história em poucas décadas.
cada vez que nossos corpos são capazes de processar um novo estí- Hoje, olho para traz com muita gratidão e paz interior.
mulo, que eleva ou altera o nível de consciência individual e coletivo. Construo esse novo caminho a cada dia, renovando minha con-
É intenso, desafiador, desconfortável e, absolutamente, sensacional. fiança no fluxo da vida, na força das conexões em rede, no cui-
Nos reempoderamos de nossas vidas. É um caminho sem volta. dado com as relações, na beleza e diversidade das parcerias e
Consegui lidar com o medo. Somos uma sociedade cons- numa sociedade que estamos cocriando de forma colaborativa,
truída à base de muitos medos. Medos esses que nos mantêm na empática, amorosa e solidária.
linha e controláveis dentro de um sistema estruturado para atender
aos desejos de pequenos grupos. Hoje, percebo que estamos em
pleno despertar coletivo. Aos poucos, cada ser humano está olhan-
do para os seus medos e ressignificando essa relação. Não deixamos Melissa Bivar
de ter medo, apenas aprendemos a dançar com os dragões, não
Mãe do Pedro e da Alice, companheira de vida de um músico fenome-
permitindo mais que eles nos paralizem. nal, Dom Braga, ex-executiva de multinacionais, empreendedora social,
No início, eu esperava ter respostas claras e destino de- formada em Comunicacão Social, pós graduada em gestão de Negócio
finido. Aos poucos, durante a trajetória, fui entendendo que estar Sustentáveis, Designer em Sustentabilidade pelo Gaia Education, facilita-
dora de processos CoCriativos, trabalha e investiga novas economias e
presente de forma plena em cada passo da jornada era a única res-
novas formas de criar, implantar e sustentar negócios e iniciativas
posta possível. Observar e aplicar na vida cada novo conhecimen- para um mundo mais humanizado, colaborativo e justo. Co-
to em potencial, fazendo da vida meu melhor laboratório, gerando fundadora da Social Contemporâneo, um negócio social de
os meus próprios resultados, gerando conhecimento tácito de uma liderança circular que trabalha pelo despertar do senso de
coresponsabilidade dos indivíduos no processo de CoCria-
nova forma de fazer as coisas. ção da sociedade chamando para a mudança intencional.
Assim entrei em contato com um novo mundo. Passei a
estudar e laboratoriar novos modelos de relações econômicas, tra-
balhar com estruturas horizontais de centro vazio, com liderança
circular, passei a dialogar e praticar empatia, cocriar realidades, per-
cebendo nossa responsabilidade de criação em tudo e sobre tudo à
nossa volta. O poder de criar é nosso. Somos todos igualmente res-
ponsáveis por cada situação que admiramos ou criticamos. Perceber

39
Se eu estivesse convivendo só com a minha
família - Glória, Yan e Gabriel -, esse convívio ia
me dar a possibilidade de me ver de uma forma.
Quando a gente abre e convive com muito mais
pessoas, é muito mais rico.
Luiz Aquiles | Ecovila Karaguatá

Nós crescemos num sistema social de separação, viemos da


separação. Então, criar comunidades é voltarmos para a união.

Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga

40
41
Eu sinto que faz parte do nosso instinto natural viver em união e que de alguma
maneira todas as pessoas estão buscando isso quando tentam fazer parte de um
grupo, de um coletivo. Todos nós queremos fazer parte de um coletivo, seja nossa
família, seja nosso grupo de trabalho, sejam os amigos do clube, os torcedores de
um time. Todos estão se unindo de alguma forma.

Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga


O que eu acho que diferencia a vida em
comunidade de uma república - porque uma
república também é um monte de gente
morando junto - é o sonho. Todos nós temos
o mesmo sonho, que é o de ser feliz, trazer
luz, trazer amor e de se realizar.
Damaris Regina | Comunidade Dedo Verde

43
As Ecovilas de Sucesso
do Brasil
Gabriel Siqueira

São as nossas utopias que tornam nosso mundo tolerável. Utopia é a vida real, aqui ou
em qualquer lugar, levada até o limite das suas possibilidades ideais. (...) Com um pouco
de fé e audácia poderemos ainda desarmar as inteligências castradas que se preparam
agora para mascarar a sua insanidade e impotência políticas num sacrifício de toda a
vida aos seus rituais dementes e aos seus Deuses Nucleares.

Nessa vitória, se a alcançarmos, não procuraremos a utopia num horizonte his-


tórico de um futuro longínquo, e muito menos na Lua ou num planeta remoto.
Encontrá-la-emos nas nossas próprias almas e na terra debaixo dos nossos pés,
ainda disponível para alimentar as forças da vida e do amor, e para restaurar no pró-

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prio homem o sentido de suas potencialidades mais continuamente, passando de 200 moradores. Pelos padrões nor-
mais de sucesso, ela certamente seria considerada uma das me-
que humanas. lhores do Brasil. Mas ao investigar a trajetória do grupo, identifiquei
muita insatisfação, conflitos que duravam anos e anos, ausência
de diálogo e escuta profunda e a governança totalmente enges-
Lewis Mumford sada. Tudo isso trazia dificuldades práticas e infelicidade para boa
parte dos moradores. Sob a perspectiva deles, essa comunidade
estava muito longe de ser um sucesso.
“Qual a ecovila de maior sucesso do Brasil que você co- John Croft, australiano criador da metodologia de plane-
nhece?”. Frequentemente escuto essa pergunta. À primeira vista, jamento colaborativo Dragon Dreaming, conta que participou certa
ela parece bastante objetiva. Mas qual a resposta que se espera? vez de um projeto de criação de uma comunidade ideal. O detalhe
Quando se pergunta isso, o que se entende por sucesso? é que essa ecovila foi concebida para durar apenas uma semana.
Ecovilas são inovadoras em múltiplas dimensões. Elas sur- Depois de meses de preparo, a comunidade ideal de John e seu
gem no início da década de 1990 como novos arranjos organizacionais grupo de amigos aconteceu e superou muito as expectativas deles.
das antigas comunidades alternativas. Um dos principais movimentos Depois de 7 dias, aquele nódulo temporário no fluxo da vida chegou
que influenciou o nascimento das ecovilas foi o ambientalismo das ao seu fim. Como não dizer que esse foi um projeto de sucesso?
décadas de 1970 e 80, que contestou duramente o conceito de desen- Suas ondas reverberam até hoje, enquanto escrevo essas linhas.
volvimento como sinônimo de crescimento econômico. Nesse mapeamento de comunidades que fiz, conheci
Na sociedade centrada no mercado, a definição de suces- também um cohousing urbano no sul do país que mantinha uma
so está intimamente ligada ao crescimento econômico. “Quanto série de projetos e empreendimentos. Todo o trabalho e todos os
maior o lucro, melhor.” Quando falamos de ecovilas, normalmente ganhos gerados eram compartilhados. No entanto, apesar da de-
continuamos pensando seu sucesso segundo a “lógica do mais”, po- dicação intensa de seus membros, as dificuldades financeiras eram
rém, em duas outras dimensões: tempo de existência da comunida- constantes na comunidade e existia um desconforto em relação às
de e número de moradores. “Quanto maior, melhor.” Será que isso atividades que geravam maior ou menor – e às vezes nenhum –
é adequado para medir o impacto positivo das ecovilas na vida das retorno financeiro. Eles resolveram avaliar os projetos existentes. A
pessoas, nas comunidades e na sociedade como um todo? comunidade percebeu que um dos principais gargalos para a sobre-
Quando eu estava fazendo minha pesquisa de mestrado vivência econômica deles era o fato de residirem no mesmo local
sobre gestão de ecovilas, pude conhecer de perto diversas comu- em que trabalhavam. A governança da casa se confundia com a
nidades. Uma delas existia há décadas, e sua população crescia gestão dos empreendimentos que existiam ali, além de ocupar um

45
espaço que estava ficando pequeno para a diversidade de projetos tempo. Qualquer tentativa de permanência que vai além destes
que surgiam. O resultado dessa avaliação foi muito disruptivo. limites, está fadada a deteriorar-se em um sistema estruturado
Esse cohousing se reformulou e se tornou um que inevitavelmente asfixia a criatividade individual e coletiva.
coworking, espaço de trabalho colaborativo sem moradia. Des- A possibilidade de criatividade é o verdadeiro empoderamento.
de então, os coletivos que compartilham o espaço já lançaram
uma série de projetos que integram sustentabilidade ambiental e
social à geração de renda distribuída, atingindo muito mais pes-
soas. A horta comunitária, que sobreviveu bravamente durante A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta
anos, mas que era pouco produtiva, foi alugada para uma ONG
o Estado diretamente, uma operação de guerrilha
que trabalha com agricultura urbana orgânica. Se antes ela mal
supria a comunidade, hoje alimenta várias famílias e serve de que libera uma área (de terra, de tempo, de imagina-
suporte à geração de renda para a entidade que a mantém e aos
coletivos que administram o espaço. Segundo a avaliação dos ção) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e
ex-moradores, a experiência de cohousing foi um sucesso tam-
bém: levou-os a um estado mais elevado de consciência pessoal outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la.
e abriu portas que antes não existiam. Dissolveu-se no momento
certo. E para um bem maior.
Uma vez que o Estado se preocupa primordialmen-
O anarquista Hakim Bey fez um estudo histórico sobre te com a Simulação, e não com a substância, a TAZ
os piratas que assolavam os mares do Caribe durante a coloniza-
ção da América. Bey descreve táticas sóciopolíticas que os pira- pode, em relativa paz e por um bom tempo, “ocu-
tas usavam para criar espaços que evitavam as estruturas formais
de controle – algo semelhante ao desejo contido em muitas das par” clandestinamente essas áreas e realizar seus
inspirações que dão origem às ecovilas e outros coletivos. A isso
ele deu o nome de Zona Autônoma Temporária, pois quando
propósitos festivos. Talvez algumas pequenas TAZ
um desses refúgios piratas era encontrado pelas autoridades, tenham durado por gerações - como alguns encla-
deixava de existir instantaneamente.
Na formação de uma TAZ – a sigla vem do título ori- ves rurais - porque passaram despercebidas, porque
ginal em inglês, Temporary Autonomous Zone –, um novo ter-
ritório é criado, com limites tanto no espaço físico quanto no nunca se relacionaram com o Espetáculo, porque

46
nunca emergiram para fora daquela vida real que é
invisível para os agentes da Simulação.

Hakim Bey

Em seu livro Small is Beautiful [O Negócio é Ser Pequeno],


o economista EF Schumacher também contesta a ideia de que mais
é melhor. Para ele, a única maneira de sermos sustentáveis e coe-
rentes é reduzir a escala de nossas ações, focando na suficiência, e
garantindo as necessidades humanas sem perder de vista os limites
biofísicos do planeta.
As comunidades sustentáveis são espaços que permitem a
criação de estilos de vida que integram relações ambientais susten-
táveis e ação social transformadora. Para podermos afirmar o suces-
so desse projeto, precisamos repensar nosso conceito de sucesso,
para além da lógica “maior é melhor”.

Sucesso: substantivo masculino.


1. aquilo que sucede; acontecimento, fato, ocorrência.
2. qualquer resultado de um negócio, de um em-
preendimento.

Dicionário Aurélio

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Cada ecovila é única. Pertence a um contexto social, político ______________________. Finding community: how to join an ecovillage or intentional community. Ca-
nadá: New Society Publishers, 2007.
e econômico específico. Atua na realidade em que está inserida de ma- CROFT, john. Making Dreams Come True: Using Dragon Dreaming To Build An Outrageously Successful
neira singular. Organiza-se e viabiliza sua existência de maneira particular. Project. Australia: Dragon Dreaming Fact Sheets. 2009.
GARDEN, Mary. The eco-village movement: divorced from reality. The International journal of inclusive
Suas práticas e ações administrativas fazem parte de sua essência, de democracy, Vol. 2, No. 3, june/2006.
suas políticas e dos valores e padrões éticos de seus membros. GILMAN, Robert. The eco-village challenge: the challenge of developing a community living in balanced
harmony - with itself as well as nature - is tough, but attainable. In: In Context #29 - Living Together,
A ressignificação de estilos de vida e a criação de uma nova (Summer), 1991.
visão de mundo implicam também na criação de uma linguagem par- IRRGANG, Berendice. A study of the efficiency and potential of the ecovillage as an alternative urban
model. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Territorial) – University of Stellenbosch. África
ticular de imagens e conteúdos simbólicos adequados. Precisamos nos do Sul, 2005
apoiar em novos indicadores para avaliar o sucesso de ecovilas. MUMFORD, Lewis. The story of utopias. New York (EUA): Boni and Liveright, 1922.
SCHUMACHER, E. F.; Small Is Beautiful: Economics As If People Mattered. Canada: Hartley & Marks Pu-
Um exemplo de critérios mais alinhados com a proposta da blishers, 1999.
vida sustentável são os usados pelo Dragon Dreaming, que se inspirou SIQUEIRA, Gabriel. Tensão entre as racionalidades substantiva e instrumental: estudo de caso na eco-
vila Itapeba. Dissertação (Mestrado em Administração) – Curso de Pós-Graduação em Administração.
na Fundação Gaia da Austrália Ocidental para afirmar seu compromis- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. Disponível em: http://irradiandoluz.com.br/
so com o desenvolvimento pessoal, a construção da comunidade e o
serviço à Terra. Para ser considerado um projeto Dragon Dreaming de
sucesso, é preciso ser fiel a esses três princípios, garantindo a sustenta-
bilidade das pessoas envolvidas no grupo, da comunidade onde estão Gabriel Siqueira
inseridas e do planeta como um todo.
Mestre em administração pela UFSC, apoia grupos, coletivos e organi-
Nada menos que uma revolução de alcance mundial faz-se zações a realizar projetos colaborativos usando Dragon Dreaming, So-
necessária para superar a deterioração física do planeta e das condições ciocracia S3 e Design Thinking. Especialista em gestão de ecovilas,
da vida humana, em toda parte. Uma vida humana associada onde pre- morou por 4 anos na Aldeia: Coletivo de Famílias, comunidade
valecem relações ganha-ganha-ganha é imediatamente possível e está intencional sustentável que ajudou a fundar na zona rural de
Itacaré. Hoje, vive com sua esposa e seus dois filhos em
ao alcance de todos que estejam dispostos a levar a melhor sobre a ló- uma ecovila no litoral norte de Ilhéus.
gica de mercado.
Mãos à obra!

BIBLIOGRAFIA

BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. São Paulo: Conrad, 1985.
CHRISTIAN, Diana Leafe. Creating a life together: practical tools to grow ecovillages and intentional
communities. Canada: New Society Publishers. 2003.

49
Transformando Dentro
para Criar ao Redor
Angelina Ataíde

Uma das coisas que sempre definiu a atuação da Comunidade Inkiri Piracanga é a energia da
transformação. Quando cheguei às margens do rio Piracanga, na Península de Maraú (Bahia), não
havia nada. Era uma fazenda de cocos abandonada. Então, desde o primeiro momento, o con-
vite era esse: transformar. Transformar trazendo a vida de volta para aquela terra, mas também
transformar minha própria vida para que eu pudesse fazer dali não só a minha morada, como
também um espaço de realização de sonhos para mim e para quem ali chegasse. Meu objetivo
era criar uma comunidade que vivesse na prática a espiritualidade e pudesse compartilhar essa
experiência com os visitantes.
Aos poucos, isso foi sendo construído com foco na experimentação de novas soluções
para a criação do mundo novo que sonhamos. Uma ‘transformação através da experimentação’
fundada no diálogo entre matéria e espiritualidade que, para nós, é sinônimo de autoconheci-
mento, um dos nossos pilares. Além dele, temos ainda a natureza, as crianças, as artes, a criação
(de realidade) e a vida em comunidade, base tanto do nosso trabalho interior quanto do nosso
trabalho na matéria. Uma coisa não anda sem a outra por aqui.
Para a Comunidade Inkiri, espiritualidade é autoconhecimento, mas também autorres-
ponsabilidade, que é a consciência de que estou onde me coloco e de que tudo o que acontece

50
comigo é resultado única e exclusivamente das minhas ações
e intenções. Essa é a base das nossa atuação na matéria.
Vou dar um exemplo bem prático: um dos nossos acor-
dos aqui é de que “quem fala, faz; quem gosta, ajuda; e quem
não gosta, apoia”. Nessa simples frase, há uma série de energias
presentes, como respeito e união, mas a autorresponsabilidade é
o ponto central. O intuito desse acordo é trazer que uma opinião
vale pouco ou quase nada se não for acompanhada do direcio-
namento da nossa própria força de vontade para fazer acontecer
a mudança. Não existe o apontar de dedos, não existe “o outro”.
Esse é um dos nossos segredos para evitar o desperdício de ener-
gia e, dando um passo além, concentrá-la na mesma direção. A
Comunidade Inkiri é conhecida por criar seus sonhos na matéria
com muita rapidez e essa é uma das nossas chaves-mestras.

“Para a Comunidade Inkiri, espiritualidade é


autoconhecimento, mas também autorres-
ponsabilidade, que é a consciência de que
estou onde me coloco e de que tudo o que
acontece comigo é resultado única e exclu-
sivamente das minhas ações e intenções.”

51
Chegar aí passa primeiro por transformar dentro,
abandonar os velhos paradigmas limitantes e tomar nas
Angelina Ataíde
mãos as rédeas da nossa força criativa, o que inclui reconhe-
cer quando, individualmente, estamos usando essa força para Dedica-se ao autoconhecimento e transformação há mais de 20 anos.
criar separação ou a estamos dissipando em vez de centrá-la Com a fundação da ecovila de Piracanga, vem ajudando a potencializar
o trabalho de muitas outras pessoas. Além de líder da Comunidade Inki-
em nossos objetivos comunitários. ri Piracanga, Angelina é terapeuta e facilita retiros de autoconheci-
É só a partir do nosso “transformar dentro” que con- mento e palestras (Leitura de Aura, Sonhos, Animal Totem, Reiki
seguimos oferecer as bases para uma transformação em Essencial e outros).
conjunto que seja íntegra, livre de contradições. Assim, con-
seguimos gerar união para criar as novas formas de nos re-
lacionarmos com a natureza, com as crianças, uns com os
outros. Somente unindo forças é que conseguimos transfor-
mar a realidade material ao nosso redor de forma sólida e
equilibrada. Este é outro de nossos segredos.
Somos uma comunidade unida pelo nosso trabalho
para materializar pequenos sonhos alinhados a um grande
sonho comum, que é inspirar cada um a viver o seu próprio
sonho a partir da Verdade e, assim, cumprir seu propósito di-
vino aqui na Terra, reconhecendo o Amor em si e no outro.
Acreditamos que, dessa forma, a humanidade poderá nova-
mente viver livre, feliz e em paz.

53
O Biorregionalismo e as
Comunidades Intencionais
Cíntia Aparecida de Godoy

O Biorregionalismo foi definido como um sistema político, cultural e ecológico baseado em um sis-
tema de demarcação de áreas denominadas biorregiões ou ecorregiões, que são definidas por carac-
terísticas físicas e ambientais que incluem as condições e o cuidado com a água e com o solo. Este
conceito ultrapassa os limites de uma nação, pois uma biorregião pode englobar áreas de mais de um
país, como, por exemplo, a Biorregião de Cascadia, localizada, em sua maior parte, no estado de Ore-
gon e Washington, no norte da Califórnia, nos Estados Unidos e na Costa Oeste do Canadá.
O Biorregionalismo e as comunidades de pequena escala representam o reconhecimento das
relações ambientais (tanto naturais como sociais) e, por isso, é uma das melhores maneiras de amorti-
zar os efeitos do distanciamento político e científico nas tomadas de decisões, sejam sociais, políticas
ou ecológicas. Isso porque, nestes contextos, as relações ambientais são mais visíveis e as pessoas
estão mais próximas da Natureza e, por isso, são mais sensíveis aos impactos e danos provocados por
suas decisões de consumo e produção. Ainda, em comunidades biorregionais não existe um grande
distanciamento entre as decisões tomadas (quem e aonde são tomadas) e os locais e vidas dos seres e
entes que sofrem as consequências destas decisões, de tal forma que as pessoas têm de conviver com
as consequências ecológicas de suas próprias decisões, incluindo os efeitos sobre si mesmos, suas co-
munidades, vizinhos e descendentes diretos. Por fim, como a democracia só pode ser verdadeiramen-

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te participativa e direta em pequenos níveis, as pessoas estão em em uma região, requer-se uma grande rede de comunicação, pois
posição de ter o conhecimento e a motivação necessários, bem este tipo de comunidade pode gerar diversos tipos de problemas.
como os meios democráticos e comunicativos para tomar boas Ao pensar em comunidades intencionais, não podemos
decisões que reflitam seus próprios interesses a longo prazo, tan- deixar de revisitar a História, pois a ideia de sociedades utópicas
to como os de suas famílias e os de todas as comunidades eco- e ideais não é recente. Muitas foram e são as teorias sobre co-
logicamente definidas. De fato, nestas circunstâncias, interesses munidades que se organizam (e se isolam) para construir formas
aparentemente divergentes podem ser encarados como con- de vidas idealizadas. Os exemplos mais emblemáticos são os da
vergentes e harmônicos, ainda que não idênticos. Atlântida, de Platão, o país chamado Utopia, de Thomas Moo-
Na medida em que os efeitos ambientais dos grandes re, a Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, a Nova Atlântida,
centros modernos raramente são contemplados dentro de uma de Francis Bacon, o Falansterios, de Charles Fourier e, mesmo,
única unidade política – unidade esta, em geral, em conflito com o socialismo utópico de Robert Owen. Também, as ideias sobre
o princípio da participação da população na tomada de decisões, ecoaldeias e/ou comunidades caracterizam-se como utópicas
sobretudo dos mais afetados –, os mais afetados deveriam ter e, seguramente, a origem deste movimento inspirou-se nestes
uma participação proporcional no processo de tomada de deci- modelos clássicos da história e da literatura.
sões. Assim, para garantir o conhecimento sobre as relações am- Conceitos como estes, o biorregionalismo e as comu-
bientais e seus efeitos na grande comunidade global, ou inclusive nidades de pequena escala e/ou intencionais, agora, converti-
dos em movimentos de cadeia e redes globais, podem colaborar
com a construção de relações mais próximas e não hípersepa-
radas, uma vez que favorecem a aproximação entre as pesso-
as que tomam decisões ambientais e sociais e as que sofrem
as consequências destas, o que gera mais responsabilidade e
comprometimento, uma vez que existe mais visibilidade neste
“Em comunidades biorregionais não existe processo, maior proximidade para com a Natureza e, como con-
um grande distanciamento entre as deci- sequência, mais sensibilidade e receptividade, o que, por sua vez,
favorece a construção de relações mais empáticas e de cuidado,
sões tomadas e os locais e vidas dos seres mais democráticas e participativas, de forma direta.
Nas biorregiões brasileiras e em diversos continentes,
e entes que sofrem as consequência destas existem diversas iniciativas para a criação de coletivos, tais como
decisões.” comunidades, iniciativas de transição, permacultura, bioconstru-

55
56
ção, entre outras, que tratam de desenvolver sua autonomia e
sustentabilidade, dentro dos parâmetros possíveis, além de pre-
Cíntia Aparecida de Godoy
servar e restaurar o entorno.
Um dos movimentos mais organizados de comunida- Dra. Cíntia Aparecida de Godoy Ph.D. Coordenadora Institucional e co-
des intencionais – biorregionais, locais, urbanas e rurais – é o fundadora do Instituto Biorregional do Cerrado-IBC, doutora pela União
Européia Doctors Europeus com área de investigação em Assentamen-
Global Ecovillage Network-GEN. Este movimento, que existe há tos Humanos Intencionais e Justiça e Ética Ambiental e embaixado-
pouco mais de 20 anos, está se estruturando, cada vez mais, em ra da GEN no Brasil.
todos os continentes, desenvolvendo trabalhos magníficos em
diversas comunidades, inclusive em regiões extremamente ca-
rentes, como África, América Latina e Ásia.

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Comunidade Ecovila
Karaguatá
Definir algo sempre é um tanto temerário, acaba sendo reducionista, porque o conceito não abarca a
realidade e, de mais a mais, nem mesmo nós que estamos aqui, sabemos exatamente o que se passa,
embora saibamos algo pelo fato de vivenciar e refletir sobre o que este vivenciar nos proporciona.
Neste mosaico que a vida é e o viver em comunidade intensifica o compartilharmos tudo, ou
quase tudo.
A reciprocidade manifesta neste compartilhar acontece num nível muito maior do que ocorre
normalmente na sociedade. Compartilhar não é trocar. Troca mantém a ideia de propriedade. Aqui compar-
tilhamos. Em nossas relações internas não usamos dinheiro, justamente pelo nível de compartilhar que vi-
venciamos; ele tornou-se desnecessário. Não foi algo planejado, simplesmente aconteceu como um evento
do percurso. Ele somente é utilizado em nossa relação externa, com a sociedade que nos envolve.
Aqui vivemos num meio propício para intensificar o acolher a si mesmo, olhar para o que me
faz agir como ajo.
Acolher o outro acontece na medida em que acolho a mim. Perceber-me é um evento impor-
tante no caminho para acolher-me e a observação do que o outro desperta em mim é um indicador
fundamental, é uma oportunidade que mostra onde estou, onde reconhecer-me como individualidade,
não separada, aponta para a consciência do que sou e do todo e o outro é instrumento que, por resso-
nância, desperta o que está em mim.
A vida é complementaridade e a complementaridade vai além do bem e do mal. Ver a luz e
a escuridão que há dentro de si ajuda compreender a natureza de cada um, nos torna compassivos

58
e muito mais flexíveis, aumenta a capacidade de acolher, com-
partilhar e incluir. Comprometemo-nos e nos responsabilizamos
pelo que geramos e consumimos, enquanto passamos pela indi-
vidualidade que nos toca ser.
Aqui a gente vive e reconhece os ciclos, o quanto ne-
cessitamos investir de energia desde o preparar a terra até o ali-
mento retornar a ela como adubo. Nesta prática, experimentar e
observar o ciclo de vida e morte, geração e destruição, ajuda a
reconhecer o sentido de tudo, tomamos consciência, o ser in-
teiro vivencia, resultando em um grau maior de conexão com a
realidade e em muito mais harmonia.
O consumismo é inversamente proporcional à sustentabili-
dade e está diretamente ligado ao desejo. Desejo é instrumento,

“Compartilhar não é trocar. Troca mantém a


ideia de propriedade. Aqui compartilhamos.
Em nossas relações internas não usamos
dinheiro, justamente pelo nível de compar-
tilhar que vivenciamos, ele tornou-se des-
necessário. Não foi algo planejado, simples-
mente aconteceu...”

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olhar para ele não é negá-lo, mas observar e reconhecê-lo. Ele é O sofrimento é uma experiência que acontece dentro
meu? É de quem? de cada um e somente ali pode ser encontrada a sua resolução.
Desejo é um instinto de iluminação que nos impulsiona Percebemos sua relação do sofrimento com a realidade externa
a realizar o estado onde cessa o sofrimento. Se assumir como e que não é determinado por ela, olhamos para dentro através
meu um desejo que me é oferecido social ou culturalmente, cer- do fora. Vamos do outro para si e de si para o todo.
tamente isso não me levará a realizá-lo sem antes passar pela O estado onde cessa o sofrimento não está no prazer,
intensificação do sofrimento. O estado onde cessa o sofrimento lazer, êxtase, felicidade, estes são apenas o pólo oposto da dor.
é a espinha dorsal do nosso viver em comunidade. A solução não está na ação, mas no agir não agindo, no obser-
var. A mente não abarca, é nosso ser que sabe. Observar ajuda
a identificar o sofrimento, reconhecê-lo é um aspecto valioso
do processo, mas não é suficiente, é preciso ir além, seguir ob-
servando e rever nosso conceito de todo e de si mesmo.
Comunidade é instrumento, não solução, é um facilita-
“Aqui a gente vive e reconhece os ciclos, dor no percurso em que vamos mudando nosso nível de cons-
ciência. Quando temos consciência, sofremos menos, dilatamos
o quanto necessitamos investir de energia nossa capacidade de inclusão e nos conectamos com o prazer
desde o preparar a terra até o alimento re- de viver simples e com uma alegria interna muito mais profunda
e natural, sem artifícios, construídos dentro de cada um e se re-
tornar a ela como adubo. Nesta prática, ex- fletindo nas atividades cotidianas.
Temos consciência de que estamos de passagem e
perimentar e observar o ciclo de vida e mor- usufruindo desta impermanência, nos propomos e estamos bus-
te, geração e destruição, ajuda reconhecer cando uma autonomia alimentar maior, produzindo cada vez
mais o que comemos. Para isso utilizamos como instrumentos
o sentido de tudo, tomamos consciência, o mediadores de nossa relação com a natureza muitos princípios
da permacultura, agroecologia, bioconstrução e muitos outros
ser inteiro vivencia, resultando em um grau contidos em ensinamentos de grande sabedoria e valor.
maior de conexão com a realidade e em Independente do princípio utilizado, o que sempre é
soberano é a experimentação.
muito mais harmonia.” Fazer é mais contundente do que falar.

60
Parte do que está escrito aqui é nosso desejo, ainda
não se concretizou na realidade que é. Por isso nosso convi-
Comunidade Ecovila Karaguatá
te para vir e vivenciar conosco a nossa vida. O que podemos
oferecer para quem vem é a experiência de viver conosco em A Ecovila Karaguatá está situada em Santa Cruz do Sul, na cidade de
nossa comunidade. Certamente isso será muito mais revelador Porto Alegre – RS. Atualmente, no espaço físico construído, moram três
famíllias que atuam muito no cuidado: o cuidado consigo, com o outro,
do que estas palavras. com a natureza, com todas as consciências. Praticam meditações,
Estamos sempre abertos a acolher quem nos acolhe. realizam mutirões, produzem papel reciclado, trabalhos na terra
Desde já, e sempre, você é muito bem-vindo! e terapias. São músicos natos e para quem curte tirar um som,
Um grande abraço do povo que, por hora, habita a Eco- vale a pena conferir esse ambiente que respira poesia.

vila Karaguatá.

61
Pode-se dizer que isso aqui é um grande
laboratório, onde a gente tá fazendo uma
experiência de uma maneira diferente de
se organizar em sociedade, baseada na
cooperação, não na competição.
Uma forma de sociedade que não é calcada no acúmulo de bens materiais, mas no compartilhamento deles.
Baseada, também, no autoconhecimento e no entendimento entre as pessoas. Temos um princípio que é
‘a harmonia entre a natureza e as ações humanas conscientes’. Então, a gente procura ver, a cada momento,
como que a nossa ação pode ser harmônica com a natureza, o que inclui também outros seres humanos.

Romeu Leite | Vila Yamaguishi

62
Experimentar uma outra alternativa de convivência que, em vários
níveis, promete apoiar o desenvolvimento pessoal e coletivo
(porque é uma hipótese que a gente está testando). Eu acho que
uma das nossas buscas é esta: conviver com outros seres humanos,
de maneira que consiga tanto me desenvolver, quanto contribuir
para o desenvolvimento do todo.

Digo o todo... é o ‘todo’ mesmo, não só


a nossa espécie. E fazer disso uma prática
e um caminho espiritual.
Diogo Alvim | Ecovila Terra Una

63
Todo mundo que decidiu viver em
Piracanga está aqui para realizar um
sonho, um sonho pessoal.
Esse sonho pode ser criar uma escola, onde as crianças possam ser livres e manifestar toda
a luz delas; para outros, é que aqui tenha uma economia que seja justa e equilibrada para todo
mundo; para outros, é criar sistemas e formas do homem viver em total união e comunhão
com a natureza; para outros, é permitir que diversas pessoas venham para cá para
experienciarem isso; para outros, é a cura… Cada um tem um sonho, o seu sonho de vida,
e depois, juntos, eles formam o que é Piracanga.

Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga

64
A ecovila é uma ferramenta. Se você quer viver no campo e produzir teu alimento,
criar teus filhos num ambiente adequado, com qualidade ambiental, você não
precisa de uma ecovila. Basta ir para o campo, começar a plantar, juntar os amigos,
se for o caso. Você pode tomar essa decisão. Agora, quando você começa a falar
ecovila, na verdade o que você está fazendo é um processo de comunicação.

Eu falo “isso aqui é uma ecovila” e, de


alguma maneira, estou dizendo para as
pessoas que existe um lugar, que pode
apresentar um modelo, que nunca é igual.
Mariana Devoto | El Nagual

65
A gente entra aqui e ‘se sente’. É um lugar com
a nossa energia. Tem os nossos desafios muito
presentes aqui, mas também tem a nossa luz muito
potente. Eu sinto que é um lugar muito acolhedor,
que é um lugar que todo mundo está muito aberto
a receber qualquer um que chega. A gente está
sempre muito entusiasmado com as visitas, com as
pessoas... sempre muito amorosas.

Damaris Regina | Comunidade Dedo Verde

66
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Eu não acho que ecovila seja uma solução...
mas acho que é uma solução. Isso é um
desafio! Na minha experiência existe
muita idealização do que é ecovila, pouca
experiência do que realmente é, sem um
respaldo prático da capacidade de você
sustentar um projeto de ecovila.
Diogo Alvim | Ecovila Terra Una

68
Não é para todo mundo, mas, eu diria, raras confiar em mim como ser humano, eu confio
pessoas podem se realizar fora de comunidade. em ti. Eu confio que dá para trocar e, a partir
Não é para todo mundo, mas é para quase todo dessa troca, aí sim, um mundo novo é possível.
mundo. Eu acho que comunidade pode fazer O jeito que a gente está vivendo, as guerras que
o mundo ficar mais humano, sim. A escolha da a gente está vendo, os absurdos que a gente está
maioria das pessoas por uma vida mais sozinha vendo acontecer no mundo, é porque acabou
é uma escolha neurótica. O homem não é um essa confiança, acabou essa possibilidade. Sim!
ser sozinho: é interdependente, é da natureza Acho que comunidade é uma maneira de viver
humana a troca. Olhe para as crianças. Bote que reestabelece a confiança no ser humano,
um bando de bebês juntos e veja se eles vão reestabelece a confiança na troca, no afeto, no
ficar brincando sozinhos: não vão. Eles vão, amor, que é a base de mover, é a energia que
naturalmente, se procurar. O processo de limpar move o mundo.
neurose é esse: processo de abrir de novo o
Pavita Machado | Comunidade Osho Rachana
coração e voltar a confiar no ser humano. Se eu

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Transition Farms: Ecovilas
e Transições Rurais
Marcos Ninguém

O mundo está em transição e isso é um fato inegável. Poderíamos elencar muitos motivos e esferas
de mudanças que estão em curso, tanto do ponto de vista global como do ponto de vista subjetivo e
individual. O mundo está mudando e as pessoas mudando junto com ele. Dentro dos fatores que de-
terminam a ordem desta transição planetária, os especialistas, tanto da Permacultura, quanto cientistas
renomados, apontam a “crise” como fator motor da transição.
Nas teorias da crise global, os setores mais críticos e decisivos são as mudanças climáticas, o
pico do petróleo e a crise econômica.
As mudanças climáticas são um fato real na atualidade, quando existe hoje no mundo mais exilados
climáticos do que exilados de guerra. Essas mudanças transformam paisagens, ritmos de vida, biodiversidade,
e geram problemas de toda ordem e em todos os setores da sociedade e da vida humana, obrigando go-
vernos e indivíduos a pensarem estratégias a curto prazo para resolverem problemas criados a longo prazo.
Um dos principais problemas, além das catástrofes ambientais geradas pelas mudanças bruscas (terremoto,
furacão, frentes frias e quentes), é a falta de água, que obrigará milhões de pessoas a deixarem seus lares, nas
grandes cidades, em direção a outras regiões abastecidas deste bem imprescindível para a vida humana.
A falta de empregos gerada pela recessão econômica e pela “crise do trilhão”, apre-
senta cada vez mais um cenário de caos e violência urbana, que vai do congestionamento

70
do trânsito ao vagão do metrô, da periferia aos bairros no- e dilatação, no pulmão e no universo, o eterno movimento de
bres da cidade. expansão e retorno.
E, por fim, temos a crise energética que também irá A grande problemática do êxodo urbano é que as pes-
colaborar para o principal fenômeno da história contemporâ- soas que saem da cidade em busca de qualidade de vida, acesso
nea: o maior êxodo urbano já visto pelo homem! Êxodo ur- à água e lugares menos violentos, tendem a levar para as cidades
bano? Sim, êxodo urbano! A realidade se impõe contraditória pequenas e localidades rurais os mesmos hábitos que são alicer-
na dialética da história. A promessa do progresso e das opor- ces da cultura de destruição e desconexão com a natureza e sua
tunidades que fizeram milhões de brasileiros saírem de suas lógica. Como diria Mano Brow, do grupo de Rap Racionais MC´S:
casas e suas terras, da zona rural para as cidades, fará, nessa “Você sai da favela, mas a favela não sai de você”. Assim também
década ainda, o movimento contrário... como a sístole e a di- funciona para a cidade: as pessoas saem da cidade, mas a levam,
ástole, observadas no coração, este movimento de contração culturalmente falando, para a roça, e óbvio que, com ela, todas as
falsas necessidades e demandas desnecessárias.
É preciso uma metodologia que prepare as pessoas
para esse retorno voluntário ou forçado para as zonas rurais,
para que elas não contaminem esses lugares com a cultura do
consumismo ou sobrecarreguem as comunidades locais com
dependências e necessidades de apoio, visto que essas pessoas
“A grande problemática do êxodo urbano não têm mais os conhecimentos necessários para viver da terra,
é que as pessoas que saem da cidade em plantar seu alimento, cuidar de animais e sobreviver sem a zona
de conforto oferecido pelas cidades.
busca de qualidade de vida, acesso a água Se faz também necessário um movimento que ajude
na transição e na criação da cultura de sustentabilidade dessas
e lugares menos violentos, tendem a levar regiões, educando as pessoas que já estão nessas zonas rurais e
para as cidades pequenas e localidades ru- pequenas comunidades, para que cada vez mais adotem hábi-
tos e tecnologias sociais ambientais e preservem o seu espaço,
rais os mesmos hábitos que são alicerces transformando-o em oásis para elas e para os retirantes que vi-
rão das grandes cidades, atrás de abrigo e comida.
da cultura de destruição e desconexão com Parafraseando o permacultor inglês Rob Hopkins, cria-
a natureza e sua lógica.” dor do movimento Transition Towns (Cidades em Transição -

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metodologia para organizar e apoiar as pessoas a desenharem e Resumiria nossa metodologia nestes simples passos:
planejarem o futuro de suas comunidades), nós criamos o Tran- • Investigar muito bem o local onde se quer fazer a ecovila.
sition Farms (Fazendas em Transição) em resposta ao crescente
êxodo urbano e à necessidade urgente de preparar as pessoas • Procurar locais que não estejam em grandes rotas turísticas
das zonas rurais e urbanas para que consigam se adaptar e obter e que sejam de fácil acesso.
sucesso neste processo de mudança. • Evitar criar ecovilas longínquas e em lugares de difícil aces-
Nesse cenário das transições rurais, surge a importância so, buscando atenção às bordas sociais, que são as zonas
de irmos fortalecendo as ferramentas e conceitos já existentes, rurais perto de cidades pequenas, facilitando o acesso e a
tanto na construção de estruturas (bioconstrução), na produção divulgação dos produtos e serviços oferecidos.
de alimentos (agrofloresta), nas relações econômicas (economia • Antes de criar uma ecovila, deve-se implantar um instituto ou
solidária), bem como na resolução dos conflitos (comunicação estação de permacultura, construindo uma casa mãe, ou ocu-
não-violenta e sociocracia). Todas as ferramentas e metodologias par algum espaço público ocioso (que foi o que fizemos com a
devem ser reunidas num planejamento do projeto que atendam Unipermacultura por comodato com a prefeitura local).
os quatro componentes, do design em permacultura: compo-
• O instituto de permacultura será o guarda-chuva da ecovila,
nente estrutural; componentes social e cultural; componente
que vai atrair e albergar voluntários dispostos a trocar traba-
abstrato; e componente local.
lho por conhecimentos.
Destes componentes sentimos que o mais importan-
te a ser desenvolvido é o componente social, que nós chama- • Após ter o instituto de permacultura como sede, é preciso tam-
mos de design social, que é a pedra fundamental na fundação bém dar cursos para atrair pessoas interessadas, recursos eco-
de qualquer projeto a ser inserido num determinado grupo nômicos, doações e para reformar ou construir o espaço.
local. A falta de design social tem sido o fator determinante no • Com o instituto pronto para morar e uma equipe de volun-
fracasso de inúmeros projetos sociais, institutos de permacul- tários, deve-se, em paralelo, iniciar as visitas de campo, indo
tura e das ecovilas. na casa de cada agricultor vizinho, fazendo uma visita psi-
Aprendemos na biologia que todo corpo estranho que cossocial, com um psicólogo voluntário, um arquiteto e de-
entra em um determinado organismo é isolado e depois expul- mais profissionais, numa comissão interdisciplinar para anotar
so do mesmo. Assim também acontece nos organismos sociais todas as demandas na saúde integral daquela família, bem
em relação às ecovilas e institutos de permacultura. Por isso é como realizar uma análise das estruturas elétrica e hidráulica
necessário muito tempo e muito cuidado inicial para a implan- da casa, gestão de resíduos etc.
tação da ecovila.

72
• Com um mapa detalhado das famílias da região e das neces-
sidades por elas elencadas ou analisadas pela equipe, o passo
seguinte é desenvolver projetos para sanar estas demandas e “É preciso uma metodologia que prepare as
criar laços de irmandade com a comunidade. É sempre me-
lhor partir das necessidades das pessoas e não do que a gente pessoas para esse retorno voluntário ou for-
acha que é necessário para elas. Mas como saber a necessi-
dade delas? Através da visita psicossocial interdisciplinar.
çado para as zonas rurais, para que elas não
• A terra demora para responder às primeiras investidas e contaminem esses lugares com a cultura do
plantações. Nesse meio tempo, sabendo das demandas da
comunidade, organizar mutirões de ajuda e cooperação na
consumismo ou sobrecarreguem as comu-
casa dos agricultores para gerar empatia e fazer trocas de nidades locais com dependências e neces-
trabalho por alimentos, numa relação ganha-ganha, criando
uma relação pedagógica de troca de conhecimentos. sidades de apoio...”
• Durante as visitas psicossociais, também visitar terras e novas pos-
sibilidades para ecovilas ou coletivos comprarem para irem morar.
• Adquirir a terra através de cotas e criar um projeto de ecovila. qual associado que adquiriu, através de contrato de compra e
Em nosso caso, desenvolvemos um sistema inovador chama- venda, uma casa na ecovila. A posse da terra é dos associados.
do Consórcio de Ecovilas, inspirado nos consórcios de veículos, • A estação de permacultura proporciona que muitas pessoas
onde todos pagam uma cota periodicamente e a cada período trabalhem voluntariamente na construção das casas da ecovila
de tempo é sorteado uma casa entre os pagantes do consórcio, em troca de estadia ou nos cursos pagos, o que barateia mais
sendo que no final todo mundo será contemplado. Essa tecno- e mais todo o processo. Nossas casas, por exemplo, saíram no
logia proporcionou a compra do terreno, construção de quatro valor de 42 mil reais, incluindo o título de associado na ecovila.
casas e uma agrofloresta com mais de 560 mudas de árvores • As pessoas não podem especular o valor da casa ao re-
no tempo de um ano. Sabemos que é um tempo recorde com- vendê-la, devendo priorizar a venda para a organização do
parado com a construção de outras ecovilas. consórcio ou para a associação de moradores da ecovila
• Com a terra adquirida, a escritura é passada para o nome da pelo mesmo valor que foi adquirida, acrescentado correção
associação de moradores, que deve ter sua ata registrada em monetária pré-acordada. Caso queiram vender para outra
cartório, contendo os nomes dos associados e determinando pessoa, esta deve estar ciente dos acordos de convivência

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ao assinar o contrato de compra, lembrando que nós fize- ções rurais para outros locais e países, e em breve sabemos que
mos contrato de compra e nele está anexado os acordos de seremos um movimento, com metodologia comprovada para
convivência, que criamos como fundadores, fazendo com facilitação, criação e enraizamento de ecovilas e comunidades
que more na ecovila as pessoas que estão de acordo com alternativas, de maneira viral e politizada.
este estatuto, tirando aquela visão de ecovila como clube de Mais do que líderes e grandes personalidades do mo-
amigos que querem morar junto e possibilitando que outras vimento de permacultura e ecovilas encabeçando iniciativas,
pessoas, que não se conhecem, possam morar juntas, desde precisamos urgentemente de metodologias que possibilitem in-
que concordem com o estatuto. Caso alguma pessoa não divíduos protagonistas se organizarem e criarem iniciativas que
concorde, é melhor procurar algum outro lugar que esteja sirvam de modelo à sociedade e que seja um farol para inspirar
de acordo com seus valores e escolhas pessoais. o caminho dos que procuram sair das cidades para morar nova-
• Após as casas serem construídas, a ecovila começa a tomar mente em cidades e povoados pequenos, bem como em ecovi-
forma e já deve ter seu planejamento de autossustentabilidade las e comunidades alternativas.
pronto para iniciar a execução, tanto por plantios (que na minha
opinião deve ser o primeiro a ser feito, sobretudo agroflorestas),
bem como no desenvolvimento de produtos e serviços.
Marcos Ninguém
• Com o instituto de permacultura e ecovila ativos, surge a
possibilidade de virar um centro de educação para a susten- Marcos é designer em Permacultura e bioconstrutor, e tem uma em-
presa de consultoria e projetos sustentáveis. Viajou o Brasil e a América
tabilidade, com universidades alternativas de permacultura Latina dando cursos e vivendo em ecovilas. Atualmente é Diretor da
e escolas de novos modelos de educação, o que atrai mais Universidade Alternativa de Permacultura, Bioconstrução e Ecovilas
gente e mais recursos para toda a região. – UniPermacultura, professor de Permacultura na Pós-graduação
em Permacultura da UFCA, e fundador da Ecovila Dom José.
• Durante todo esse tempo, se o design social foi bem feito, a
comunidade será uma grande parceira no fomento de todo
o processo, tornando tudo mais fluido e harmônico. O que
vemos é que quem chega aqui, agora, gosta mais de ver a
relação que temos com os vizinhos da comunidade de agri-
cultores do que os plantios e tecnologias.
Estamos recebendo pessoas para aprenderem as me-
todologias e poderem levar esta forma de fazer ecovila e transi-

75
Bases para Continuidade
das Ecovilas
Evelyn Zajdenwerg

“Como você pode ter um trabalho grandioso se os pequenos você não faz por inteiro?”
Essa foi a reflexão que li, ao abrir um livro, em um processo de meditação. Tinha feito uma
pergunta ao universo, sobre o meu desejo de viver em uma comunidade, anseio meu já bem antigo.
Esse texto ressoou fundo em mim.
Nessa época, eu vivia nos Pirineus, em Pirenópolis, nos anos 80. junto com uma querida amiga, je-
anne Marie, estávamos desenvolvendo um trabalho com a comunidade local, em uma área rural, e tínhamos
construído uma escola com adobe, por meio de mutirão, já há uns dois anos. Ficamos por um período bem
entregues ao processo da escolinha, e montamos uma biblioteca. Sincronicamente, depois de um mês de
ler aquele texto, uma amiga do Rio de janeiro veio nos visitar e trouxe um folder da comunidade de Nazaré.
Localizada em Nazaré Paulista, hoje em dia, além de comunidade, é uma universidade holística: a UNILUZ.
Apesar de minha amiga não ter visitado Nazaré, achou que íamos gostar de conhecê-la.
Nesse processo, acabei indo para lá com a intenção de passar um fim de semana, mas acabei
passando quinze dias. Como eu tinha muita experiência com plantio, o David, na época focalizador
desse setor, me convidou para atuar lá por três meses, no final do ano, enquanto ele viajava.
Nazaré funcionava com diversos setores, além do plantio: organização e limpeza dos es-
paços comuns e quartos de hóspedes, secretaria e recepção, cozinha, padaria. Todos os dias nos

76
reuníamos em frente ao centro comunitário, após o desje- as decisões. Tive o privilégio de acompanhá-la durante três anos
jum, e em uma roda fazíamos uma harmonização silenciosa e sempre traduzia suas conversas com os hóspedes.
e alguma reflexão para o dia, e cada setor falava de sua neces- Após três meses trabalhando na horta, jardim e pomar,
sidade em relação ao trabalho e número de pessoas. Desta senti internamente que não era para voltar para Goiás. Mas havia
forma, dividíamos os grupos pelos setores. Lá havia o ritmo dentro de mim uma divisão pela responsabilidade com a esco-
diário de meditação três vezes ao dia. la. Sincronicamente, minha amiga Jeanne me escreveu (nessa
A comunidade foi inspirada em Findhorn, na Escócia, época não havia email e nos comunicávamos por carta) dizen-
visitada pelo Trigueirinho que, ao chegar no Brasil, fundou Na- do que tinha tido um sonho, que olhava fundo em meus olhos
zaré, iniciando o processo de construção com oito pessoas. Ele e falava que, se eu não quisesse voltar, que ela cuidaria de tudo,
veio de Findhorn trazendo a americana Sarah Mariott. que eu não me preocupasse. Esse foi, então, o sinal que eu pre-
Após um mês que eu estava na comunidade, o Triguei- cisava para dizer “sim” e me entregar a essa experiência da vida
rinho resolveu sair de Nazaré acompanhado de um grupo de em comunidade.
fundadores para criar outra comunidade em Minas Gerais. Sarah Fiquei morando em Nazaré quatro anos e foi um perío-
ficou em Nazaré até quase o fim de sua vida. Ela nos inspirava do muito intenso e rico, de um processo interior muito profun-
com seus ensinamentos e como mentora, mas não centralizava do. Começamos, então, a trabalhar com as danças circulares:
eu, Jane Vieira Simonet e David Silveira, inicialmente fazendo
um grupo de estudos. A Sarah Mariott havia feito algumas dan-
ças conosco, o grupo de moradores, e nos apaixonamos pelas
danças. Recebíamos pessoas vindas de Findhorn que também
nos ensinavam algumas danças, e íamos estudando os passos
“A comunidade foi inspirada em Findhorn, por meio de livretos publicados lá, que chegavam em nossas
mãos. Nesse processo, íamos montando apostilas, e começa-
na Escócia, visitada pelo Trigueirinho que, ao mos a fazer vivências uma vez por mês, para uma média de 40
chegar no Brasil, fundou Nazaré, iniciando o pessoas que se hospedavam em Nazaré, de várias partes do
Brasil. Gravávamos, na época, fitinhas cassetes e todos que que-
processo de construção com oito pessoas. riam praticar as danças recebiam apostilas e gravações. Isso fez
com que elas se espalhassem rapidamente pelo Brasil. Outras
Ele veio de Findhorn trazendo a americana pessoas que moravam em Nazaré também somaram conosco
Sarah Mariott.” nesse grupo de estudos.

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Os trabalhos do dia a dia da comunidade tinham um sentido de
autotransformação. Tudo que fazíamos tinha uma auto-observa-
ção e um mergulho interior, como uma meditação ativa. Nunca “Nazaré não cobrava um valor determina-
me esqueço do primeiro trabalho que fiz logo que cheguei em
Nazaré: limpando os vidros, a pessoa que estava focalizando a do aos hóspedes pelas vivências, mas sim
atividade, me olhava através do vidro limpo e falava que ele era
como a minha alma, límpida e transparente. Então tudo nos le-
uma doação espontânea. Nesse processo
vava a uma conexão profunda com o Eu Superior. foi muita aprendizagem, pois sempre está-
Em Nazaré, além do viver em grupo, onde as pessoas
mergulhavam na vida comunitária por meios dos trabalhos, de- vamos estudando as leis da Manifestação,
senvolvíamos várias vivências, partilhas, e a vida em comum se
tornava muito rica com essa troca.
para não bloquear o fluxo da prosperidade.”
Um dia também recebemos da Sonia Café, que mo-
rava também em Nazaré, um Jogo da Transformação. Nesse nectados a todo o Universo, que tudo é um campo de ener-
processo de jogar entre nós, começamos a fazer algumas vi- gia que já existe em um plano invisível. Então, ao acessarmos
vências com os hóspedes e acabei indo a Findhorn para fazer essa fonte infinita de suprimento interno, eliminamos o padrão
o treinamento. Não havia ainda o treinamento no Brasil, então de necessidade e passamos a conectar-nos com a abundância.
acabei sendo a primeira facilitadora. Foi uma experiência muita Diferente do processo de atração, que vem de fora para dentro,
profunda e transformadora, que passamos a fazer com regula- a manifestação parte dessa consciência de que a plenitude já é
ridade na comunidade. uma realidade interna.
Nazaré não cobrava um valor determinado aos hós- Foi, portanto, uma experiência transformadora para mim
pedes pelas vivências, mas sim uma doação espontânea. Nesse e para todos que passaram por Nazaré. Sou muito grata por essa
processo, foi muita aprendizagem, pois sempre estávamos es- oportunidade.
tudando as leis da Manifestação, para não bloquear o fluxo da Depois que saí de lá, formei minha família, mas sempre fi-
prosperidade. Isso fazia com que as coisas se sincronizassem de cou em mim o desejo de achar um grupo onde pudéssemos cons-
forma mágica. A todo instante íamos revendo nossos paradig- truir um espaço comunitário, onde pudéssemos viver juntos e com
mas e era incrível como a abundância fluía! os núcleos familiares. Lá era uma vivência mais individual e interior.
Esses princípios têm como base o conhecimento de Depois de muitos anos, acabei encontrando um
que tudo já existe em nossa Fonte Interior e que estamos co- grupo afim e nós estamos construindo uma Ecovila em

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Capivari, chamada Ayrumã. Tem sido uma experiência ex-
tremamente rica.
Evelyn Zajdenwerg
Temos disponível um grupo bem diverso e rico, e aces-
so a várias tecnologias sociais que têm nos ajudado muito a criar Arte-educadora, arteterapeuta, designer gráfica e facilitadora do Jogo da
a base para essa construção. Todas as reuniões têm facilitação, Transformação. Tem uma ampla experiência com comunidades e gru-
guardamos as memórias e consensos de tudo que é decidido. E pos. Hoje atua também com organizações não governamentais com
projetos sociais e voltados para a proteção ambiental das serras de
agora estamos no processo de criar diferentes coordenadorias, Minas Gerais. Tem várias publicações e artigos da própria autoria.
de forma a descentralizar as decisões em cada setor e para fluir o É cofundadora da Ecovila Ayrumã em Serro, Capivari.
processo de forma mais autônoma.
Quando morei em Goiás, vi uma comunidade se for-
mar e se diluir por falta desses conhecimentos, em Pirenópolis. A
primeira coisa que inviabilizou a continuidade dela foi o fato de
estar em terras de um único dono. As pessoas chegaram, cons-
truíram suas casas com bioconstrução, uma escola, apiário, plan-
tio. Ela estava toda estruturada, mas essa centralização fez com
que todos fossem embora e deixassem suas casas, sem nada re-
ceberem do que tinham investido. Isso me fez ver a importância
de ter muita clareza em todo o processo e poder ser, realmente,
uma construção coletiva.
Também em Nazaré Paulista ajudei na formação de
uma comunidade, a Nazaré Criança. Como em Nazaré o foco
não eram os núcleos familiares, algumas famílias se juntaram e
criaram uma comunidade inspirada no modelo de Nazaré, vi-
vendo de doações e criando vivências para os hóspedes. Mas,
por falta de recursos, durou apenas dois anos.
Sabendo de todas as coisas que podem ser empecilho e
com muito mais informações, hoje fica mais fácil e acessível criar
boas bases para garantir a continuidade das ecovilas.

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Permacultura é isso: é você utilizar o recurso
que, às vezes, as pessoas não enxergam
como recursos. Tem que usar ele a seu favor.
Você vai tratar ele, dar destino correto,
estimular tua planta para comê-la depois...
Fernando Neubauer | Ecovila Tibá

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A permacultura é uma forma de organizar os ambientes humanos de maneira
sustentável e a mais harmônica possível. Começou a ser utilizada no campo e
nas construções, mas depois foi para todas as áreas em que o ser humano atua.
Compôs-se uma flor muito bonita: no centro são os princípios e a ética – de
forma bastante simples e bem profunda –, com sete pétalas ao redor. Cada
pétala representa uma área da vida humana.

Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga

Hoje a gente tem o composto orgânico. A gente separa o lixo em reciclável,


orgânico e rejeitos (que é o que a gente coloca na rua, pois não se enquadra em
nenhum dos dois anteriores). Então, a gente tem a compostagem dos alimentos
orgânicos, aquecimento solar, um novo banheiro seco, e o Ronaldo já colocou
uma captação de chuva direcionada para as águas das privadas, das descargas.
Cada vez a gente vai aprendendo.

Damaris Regina | Comunidade Dedo Verde

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A Permacultura e as Cidades
Djalma Nery

Ao mesmo tempo que o meio em que vivemos condiciona várias de nossas percepções, ele também
é construído a partir de uma sequência de decisões e caminhos trilhados. Existe uma relação dialética
entre o dentro e o fora: um influencia o outro e é por ele influenciado.
É por isso que a maneira que escolhemos nos alimentar, nos vestir, construir nossas casas, li-
dar com a água etc., influencia diretamente no resultado de quem somos, assim como nossa existência
dá o tom e a cara destas escolhas. É preciso observarmos essas manifestações simultaneamente como
causa e consequência de uma dada conjuntura.
O que são as cidades senão um reflexo material das nossas escolhas individuais e coletivas?
Basta um pouco de sensibilidade para perceber que há algo de errado com a maneira como
nos organizamos, principalmente no ambiente urbano, onde as contradições e problemas se intensifi-
cam e proliferam mais rapidamente.
Por onde começar a mudança?
Alguns defendem que toda mudança parte do indivíduo; outros dizem que as mudanças mais
relevantes são as coletivas, sociais... e desta divergência nasce muito descompasso. Num esforço de
síntese temperado com a vivência em movimentos sociais, em comunidades alternativas e práticas
contemporâneas, sinto que a resposta não está em nenhum dos pólos, mas em algum lugar entre eles:
é preciso promover, simultaneamente, mudanças individuais e coletivas, pois ambas retroalimentam-se.
É claro que as mudanças de maior impacto são as que alcançam mais gente, mas não podemos
descartar a capacidade de disseminação das escolhas pessoais.

82
A permacultura foi uma grande inspiração neste sen-
tido, tanto que não me contentei em vivê-la sozinho. Em 2012,
com mais 40 pessoas, fundamos a Veracidade, uma estação de
permacultura urbana, que visa popularizar e difundir a permacul-
tura e a agroecologia, principalmente em contexto urbano, onde
ela se faz ainda mais necessária. Começamos, então, um pro-
cesso de viver aquilo que dizíamos e dizer aquilo que vivíamos,
buscando construir uma espiral de transformação conectada a
muitos outros pontos.
Acreditamos que é possível realizar uma transição civi-
lizacional a partir de novas possibilidades concretas, demonstra-
das e vividas na prática. Mas não queremos só fazer isso em nos-
so quintal: acreditamos ter capacidade de fazer com que estas
escolhas se tornem cada vez mais populares, transformando-se
em política pública e se difundindo por toda a sociedade. É claro
que não podemos ser ingênuos e descartar a percepção de que
essa transição não se dará sem embate, uma vez que algumas
poucas pessoas se beneficiam diretamente do caos e da miséria,
e constroem seus impérios com base na dilapidação da Terra e
na exploração alheia. Contra este tipo de prática, teremos que
tornar os benefícios de outras escolhas tão óbvios que não mais
será possível fazer mal ao mundo, pois a população, organizada
e convencida, não permitirá.
Acreditamos que permacultura é autonomia, é busca
de reconexão, valorização de conhecimentos tradicionais, com-
bate à terceirização e à mercantilização da vida. É o valor de uso
sobre o valor de troca.
Queremos ver e construir essa outra cidade possível. E
o fazemos dia a dia, mês a mês, ano a ano, nas grandes e peque-

83
Manejo da
Espaço
terra e da
construído
natureza

Posse da terra
Ferramentas
e governo
Ética e e tecnologias
comunitário
princípios
do design

Economia Educação
e finanças e cultura
Saúde e
bem-estar
físico e
espiritual

84
Djalma Nery
“Começamos, então, um processo de
Graduado em Ciências Sociais, mestre em Ciências pelo programa de
viver aquilo que dizíamos e dizer aquilo Ecologia Aplicada da ESALQ/USP. Educador ambiental, social e popu-
lar; professor de sociologia e permacultura. Fundador da entidade
que vivíamos, buscando construir uma ambientalista Veracidade, em São Carlos (estação de perma-
cultura urbana). Coordenador de projetos em agricultura
espiral de transformação conectada a urbana, compostagem e sustentabilidade. Autor do livro
“Uma alternativa para a sociedade: caminhos e perspec-
muitos outros pontos.” tivas da permacultura no Brasil”.

nas ocasiões. A Veracidade é um laboratório de futuros possíveis:


um laboratório de boas práticas. Recebemos pessoas de todas
as partes do mundo para as mais variadas trocas. O principal é
vivermos juntos outras possibilidades.
Queremos te convidar para ser parte desta transição e
tecer com a gente essa teia de luz e de transformação, aqui e
agora, não depois. Que possamos fazer nascer uma outra cidade,
inspirados pela luz de tantos bons conhecimentos como o da
permacultura que é, basicamente, uma maneira de organizar a
vida. Pois se esta que vivemos não serve, transformemos-la!

85
A Saúde e Permacultura
na Ecovila Tibá
Fernanda Martin Catarucci

Falar sobre saúde na Permacultura, filosofia praticada na ecovila Tibá, é algo que vai muito além de pensar em
como combater uma doença. A cultura permanente, que defini o termo Permacultura, nos recorda sobre a
força de transmutação cíclica da vida, onde algo que se transforma, deixando de existir, permite que o novo
surja, em uma cadeia de retroalimentação.
A doença não é vista como o fim ou um inimigo, que precisa ser combatido, mas como um
meio para ampliar a compreensão de nossa existência, permitindo que um ciclo se encerre para que
algo novo floresça.
Os princípios éticos do cuidado com a terra, cuidado com as pessoas e a partilha justa – o núcleo da
Flor da Permacultura –, orientam o pensamento para além do corpo, nos relembrando sobre a importância
da nossa conexão com o outro e a natureza.
Só é possível pensar em saúde na Permacultura se analisamos nossa relação com o meio ambiente,
desde o cuidado em devolver a água como a recebemos até o respeito e carinho com o solo, na forma como
plantamos e descartamos o que comemos.
A construção de relações saudáveis e a partilha de conhecimentos também é uma parte importante
da ética praticada na saúde. A ecovila Tibá é um grande espaço de aprendizado e troca, neste sentido, ao ofe-
recer como proposta de vida crescimento na diversidade, permitindo que diferentes formas de saberes surjam

86
ao mesmo tempo que nutre a necessidade da prática do respeito e espaços e produzimos nossa energia, na busca de resgatar conhe-
tolerância ao que é diferente de você. cimentos ancestrais e unir ao conhecimento da ciência moderna.
Esta Flor com os princípios norteadores, tão desafiado- Na Permacultura, a saúde vem unificada ao bem-estar
ra para a construção da saúde, é desenhada por sete pétalas, espiritual, porque compreende que o corpo físico é um parceiro na
que representam áreas para a atuação da Permacultura: saú- propensão humana de buscar significado, seja por meio de uma vi-
de e bem-estar espiritual; governo comunitário; economia e vência religiosa ou não, nas quatro etapas da vida: nascimento, ma-
finanças; educação e cultura; ferramentas e tecnologias; espaços nutenção da saúde, no tratamento durante o adoecer e na morte.
construídos; e manejo da terra. No nascimento, rituais de acolhimento da mãe e bebê,
As pétalas nos recordam que, para a Flor existir, todas as como o sagrado feminino, parto natural e o incentivo ao aleitamento
suas partes precisam ser observadas. Assim a saúde, além do cui- materno são propostas que ampliam a conexão consigo e vivência
dado de como produzimos o que comemos (manejo da terra) e amorosa com o outro nesta fase.
a relação que estabelecemos entre nós (gestão, finanças, educa- A manutenção da saúde é orientada através de práticas mi-
ção), nos convida para pensarmos em como construímos nossos lenares que acreditam que, gerando um ambiente interno harmonio-
so do corpo e da mente, não existe força para a doença. São técnicas
como a yoga, tai chi chuan e a capoeira, que contêm em suas cos-
mologias a integração do homem e natureza e constituem de forma
integrada as dimensões psicobiológicas, social e espiritual.
Quando o corpo adoece, é indicado o uso de medicinas
“A ecovila Tibá é, nesse sentido, um grande holísticas, que são práticas que estimulam o potencial de reequilíbrio
e cura do próprio paciente, como a ayurveda e a tradicional chinesa.
espaço de aprendizado e troca ao oferecer Certas manifestações sintomáticas podem ser percebidas como ne-
cessárias, sendo parte do equilíbrio dinâmico, provenientes de causas
como proposta de vida crescimento na di- que abrangem o indivíduo e seu modo de vida.
versidade, permitindo que diferentes formas A morte é considerada um estágio natural na interação
contínua entre o indivíduo, seu meio ambiente e sua experiência de
de saberes surjam ao mesmo tempo que existência, que permite aprender e crescer. É defendida a opção em
se requerer a morte digna fora da medicina institucionalizada.
nutre a necessidade da prática do respeito e Na ecovila Tibá são produzidos alimentos orgânicos e eco-
tolerância ao que é diferente de você.” lógicos, através de um processo em que se tenta estabelecer um ci-

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88
Fernanda Martin Catarucci
“Na Permacultura, a saúde vem unificada
É associada da Ecovila Tibá de São Carlos, SP. Mestre em Saúde Coletiva
ao bem-estar espiritual, porque compre- e professora de cursos em medicina chinesa, massoterapia e terapias
naturais há 15 anos. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa da
ende-se que o corpo físico é um parcei- Integralidade do Cuidado em Saúde da FMB e do Grupo de Ma-
peamento de Práticas de Educação Popular e Saúde (MaPEPS)
ro na propensão humana de buscar sig- da UFSCar.

nificado, seja por meio de uma vivência


religiosa ou não, nas quatro etapas da
vida: nascimento, manutenção da saú-
de, no tratamento durante o adoecer e
na morte.”
clo de respeito à água. As construções saudáveis de baixo impacto
ambiental e o uso de tecnologias renováveis promovem conforto e
harmonia na relação com o meio ambiente. São incentivados espa-
ços de escuta ativa, partilha de conhecimentos e o encontro das “pé-
talas” para sonhar e decidir sobre assuntos que afetaram o coletivo.
Na farmácia comunitária e almoços coletivos é possível
acessar diferentes saberes sobre a cura. Nos encontros mensais
terapêuticos e de diferentes religiosidades podemos celebrar
e vivenciar de forma plena a definição de saúde descrita pela
Organização Mundial da Saúde (OMS): um estado de completo
bem-estar físico, mental e social.

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A Escola da Natureza trabalha com o saneamento
ambiental de Piracanga. Os banheiros secos
são uma opção para o saneamento, para as
fezes. Esta foi a melhor maneira que a gente
encontrou de cuidar das nossas águas e levar
fertilidade para o nosso solo.
É essencial para a proteção das nossas áreas o uso de produtos que sejam
biodegradáveis, então a gente cria e produz eles, os fabrica aqui.

Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga

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91
A gente trabalha com o conceito de agricultura orgânica, mas no sentido de
organismo. Originalmente, antes do termo agricultura orgânica estar assim,
digamos, oficializado no Brasil (hoje já existe uma legislação para falar de
agricultura orgânica), a gente chamava isso aqui de “agricultura corpo único”,
que tem a visão de um organismo, um corpo só. Aí tem o órgão da fruticultura,
da horticultura, da avicultura. A gente enxerga isso aqui como um grande
organismo que, como todo organismo, tem vários órgãos.

Romeu Leite | Vila Yamaguishi

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Nós temos comida limpa, sem veneno.
Nós levamos para a cidade o que sobra
e damos para os vizinhos. Eles ficam
assustados: – ‘Alguém dando algo?
É sacanagem?’

Eu olhei e olhei para os meus netos e falei: quero deixar um exemplo


melhor para eles. Entrei nessa onda orgânica, não muito por mim, mas
por amor aos meus netinhos.

Prem Milan | Comunidade Osho Rachana

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Quando a gente fala de agroecologia, você pensa: “como eu vou usar um veneno
que vai descer para o rio e, os caras que estão abaixo, vão receber esse veneno?”
Jamais! E o alimento indo pra mesa das pessoas com veneno? E essa vida toda no
solo que, quando você põe o veneno, está matando? O que se tem feito é criar
plantas fracas e suscestíveis, que não aguentam um insetinho. Aí você tem que co-
locar veneno novamente e fica refém disso. É mais ou menos como o ser humano
que fica tomando antibiótico: ele varre o sistema imunológico dele, e aí, como
você vai querer que ele se recupere de novo depois?

Você tirou tudo, né? Os ruins, os mais ou menos, e os bons também. A gente
tem que preservar essa vida no solo. A planta só está doente porque o solo não
está dando nutrientes para ela. Precisamos dar nutriente e deixar a natureza se
manifestar mais.

Fernando Neubauer | Ecovila Tibá

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Porque não adianta
ser ecologista, comer A gente vê que essa questão de ser sustentável
tem cada vez mais camadas. Cada vez que a gente

tudo orgânico, e percebe que não está sendo sustentável em algum


nível, a gente se volta para as relações, em como a

emocionalmente ser gente se relaciona com as pessoas que trabalham


aqui. A gente vai sempre descobrindo um lugar

podre. para poder ser mais sustentável...

Damaris Regina | Comunidade Dedo Verde

Prem Milan | Comunidade


Osho Rachana

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Autoconhecimento
e Alimentação
Margarita Nüdemberg

Quando começamos a transitar o caminho do autoconhecimento, olhamos para nossa vida e perce-
bemos o caos, tudo aquilo que está em desarmonia. Então, temos a tendência a querer mudar tudo
de uma vez só, criando um ideal e um caminho a percorrer. Mas, ao final, percebemos não ser possível
sustentar tal ideal.
A chave para mim foi quando descobri que o processo de encontrar o equilíbrio pode ser
amoroso. Quebrar com todo ideal, toda meta. Tomar consciência de forma sutil, sem autopunição e
sem se cobrar tanto. Dar passos realistas do mesmo jeito que uma criança nos primeiros anos de vida.
Aceitar nossas possibilidades do momento presente.
Enquanto mudanças recentes vão se enraizando, novas vão surgindo sozinhas: não é traba-
lho forçado. Cada movimento que se enraíza muda o sistema como um todo.
Nossa meta, neste mundo, é acordar do sonho e reconhecer-nos, perceber-nos como seres
brincando nesta terra. Nesse encontro com nós mesmos, descobrimos que só queremos coisas boas
para nós, coisas que fazem bem. Unimos o “eu gosto de” com “isso me faz bem”.
Os caminhos do despertar a nossa verdade são muitos. Um deles – o meu – é a alimentação.
Somos seres de luz vibrando na matéria. Essa energia pode vibrar em diferentes níveis. Quando
cultivamos nossos alimentos, os colhemos e os transformamos com amor em pratos lindos, cheirosos e

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gostosos, elevamos nossa vibração ao mais alto. No entanto, quan- vegano, sou brasileiro, sou católico, sou jovem, sou, sou, sou...
do nossa comida vem processada, a colocamos dentro de um mi- Esta rotulagem dá segurança e, ao mesmo tempo, perda de liber-
croondas e comemos, nossa vibração baixa e adormecemos. dade. Não existe certo ou errado quando estamos conscientes.
Nos últimos 100 anos, a alimentação do homem mu- Estar consciente de teus atos, de tuas possibilidades, de tuas es-
dou radicalmente. Na busca da alimentação em grande escala colhas te liberta. Vivendo em estado de presença, sou livre.
e globalizada, hoje temos a alimentação industrializada. Os ali-
mentos são, dessa forma, produzidos em massa, o que impossi-
bilita a confecção individualizada da alimentação. O que nos dá
vida é a energia dos alimentos, não a matéria. Por isso é impor- Margarita Nüdemberg
tante escolhermos com consciência tudo o que entra no nosso
Chef consciente e coach em mudança de hábitos. Curiosa de nasci-
sistema. Voltar para o lar, para a cozinha ancestral, para a evolu- mento, aprofundou-se em diversas filosofias culinárias: macrobiótica,
ção natural e amorosa do ser humano. veganismo, alimentação viva. Há oito anos, ministra cursos, oficinas e
Uma das principais ideias que nos ensinam desde pe- workshops, guiando os participantes a encontrar sua própria verda-
quenos é a da necessidade de se “encaixar”, de pertencer. Molda- de, descobrir o alimento sagrado, a aceitação de si mesmo e a
abertura de consciência, unindo e satisfazendo nosso corpo
mos-nos em busca disto, mas ainda assim sentimos que precisa- físico, mental, emocional e espiritual, trazendo consciência
mos fazer parte de um grupo para poder respirar tranquilos: sou de nosso impacto, de nossa pegada neste mundo.

“Não existe certo ou errado quando es-


tamos conscientes. Estar consciente de
teus atos, de tuas possibilidades, de tuas
escolhas te liberta. Vivendo em estado
de presença, sou livre.”

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O Elo Perdido da Saúde:
Reconectar, Integrar
e Evoluir
Gustavo Varella

Sem dúvida, durante as últimas décadas constatamos uma revolução no modo como o mundo fun-
ciona e como nos relacionamos com ele. A evolução da nossa civilização, a partir da diversidade cultu-
ral étnica, vem acontecendo ao longo de muitos séculos. Porém, vimos uma mudança expressiva com
a revolução industrial, seguida do processo globalização: uma expansão de todos os sistemas de pro-
dução e a interdependência desses processos. A ciência, com seu aprofundamento e aprimoramento,
trouxe uma carga de conhecimento que mudou os paradigmas dos tempos atuais, modificando nossa
forma de pensar, comunicar, compreender, nos expressar e criar. O acesso à informação é quase ins-
tantâneo e a distância física se tornou um mero detalhe em uma série de transações.
Mas por que a saúde do planeta vai mal? Por que ainda temos indicadores tão ruins e proble-
mas tão graves de saúde, mesmo nos países mais ricos do mundo? Faltam recursos?
Uma das respostas é que perdemos a conexão com nossa ancestralidade, a base sólida da
vida na Terra. Sem ela, o corpo e a terra perdem energia e substância e abre-se um campo fértil

98
para os processos crônicos e degenerativos que vemos hoje em informativo de forma centrífuga, ganhando complexidade e bele-
dia, com status pandêmico. Nosso afastamento da relação di- za nas cores, formas, linguagens. A ciência hoje constata isso com
reta com o meio natural, seus produtos e frutos, colocou a vida exatidão e temos variados exemplos de como a Terra funciona
do nosso organismo em perigo. Uma infinita rede de processos com o equilíbrio dessa rede de relações. Já existe compreensão
decorrentes da nossa vida moderna nos deslocou do contato suficiente para organizarmos, adaptarmos e evoluirmos nossa
íntimo e direto com a Vida: do alimento que comemos, do ar civilização para um modelo coerente, com a visão holística, que
que respiramos, do campo informativo e eletromagnético que compreende esses pontos e funciona nesses paradigmas.
nos envolve (mesmo que ninguém possa ver, dependemos dele). Uma questão muito significativa é como somos in-
Tudo isso passa despercebido diante das variadas demandas e fluenciados, querendo ou não, conscientes ou não, pela macro-
da quantidade interminável de estímulos bombardeados a todo estrutura geopolítica mundial. Esta controla grande parte dos flu-
segundo no mundo moderno. Hoje, o indivíduo perdeu a saúde xos e processos produtivos e organizacionais da “vida moderna“,
e não sabe mais o que ela é. Uma resposta simples e complexa comandando os rumos do planeta e das nações, influenciando
ao mesmo tempo. a nossa saúde e as nossas perspectivas individuais e coletivas.
Estamos ignorando nossa interdependência no plane- Apesar “dessa força de comando”, somos nós – indivíduos – os
ta, a simbiose do grande “Organismo Terra “, o valor de cada ser responsáveis por representar e aplicar um modelo sustentável
no ciclo da vida e como essa rede é rica e deve ser preservada. ao nosso redor, às nossas comunidades, pois são nesses núcleos
Esse planeta evoluiu durante milhões de anos e chegou onde está que germinam e florescem modelos naturais de relação com o
através da intrincada malha de relações cooperativas entre os ele- planeta: formas inovadoras e criativas, simbióticas e ecológicas.
mentos dos vários reinos: vivos e não vivos. Multiplicando suas A saúde integral do nosso organismo vem como uma
alternativas, criando novas estruturas, reverberando o seu campo consequência da busca por requisitos importantes: reconectar
aos nossos hábitos ancestrais de relação com o meio natural,
preservação, manutenção do equilíbrio, contato puro e direto
da relação homem-meio ambiente. É preciso comer uma dieta
fresca, limpa, viva, orgânica, sem processamentos desvitalizado-
res, ausente de químicos tóxicos (corantes, estabilizantes, edul-
“Nosso afastamento da relação direta com corantes, realçadores de sabor, transgênicos) ou outras substân-
cias estranhas ao organismo. Deve-se respirar ar puro e limpo
o meio natural, seus produtos e frutos, colo- todo o tempo, mesmo que seja preciso o uso de filtros. Colocar
cou a vida do nosso organismo em perigo.” o corpo em contato com o meio ambiente e os elementos da

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terra sem isolantes, para descarregar a congestão eletromagné- dendo seus espaços, sua interrelação, que fazem parte do siste-
tica do organismo e se energizar com o campo magnético da ma e promovem o equilíbrio e a beleza da REDE DA VIDA.
Terra (método de aterramento ou Earthing). Utilizar apenas energias limpas e renováveis, abando-
Tomar Sol (dentro dos limites saudáveis). Beber água nando progressivamente as grandes fontes poluidoras. Fomentar
limpa e potável. Largar o sedentarismo, se movimentar, plantar, projetos agroflorestais e de recomposição das matas e outros
cultivar, colher, dividir. Preparar suas refeições e comer sem dis- biomas em perigo (como a Mata Atlântica, por exemplo). Mini-
trações, concentrado. mizar as grandes monoculturas, reaproveitar recursos nos ciclos
Socialmente, a saúde se revela em comunicar com de produção, desenvolver a Permacultura, com a otimização e
clareza, simpatia e verdade. Reconhecer as diferenças entre aproveitamento das riquezas locais. As ecovilas são exemplos
todos e saber aceitá-las, ter compaixão pelo próximo, com- reais e muito promissores. Pensar em modificar modelos econô-
preender o amor como o maior sentimento e unificador do micos vigentes, dividir e compartilhar espaços, processos, bens
TODO e incondicional. No âmbito pessoal, devemos enten- de produção e serviços. Transpor o paradigma monetário e os
der nossos limites, mas termos autoestima e amor próprio sistemas baseados em dívidas e juros.
para determinação dos desafios da vida, reconhecendo que O nosso atual sistema é fruto do caminho que trilha-
estamos numa jornada de evolução e aprendizado. O “olhar mos como humanidade e o curso futuro depende da capacida-
para dentro” da nossa alma através da meditação é uma parte de cooperativa em modificar esta realidade agora. Dessa forma,
fundamental nesse caminho. através do consciente e do inconsciente coletivo, criamos um
Não temos vocação para sermos sozinhos. Vivemos “campo informacional” que vai se manifestar à frente. Os núcleos
para COOPERAR. Sem esse verbo o Universo não existiria. de florescimento dessa nova forma de compreender e operar
Compreender as interrelações entre nós e o Universo nos co- são a base para um modelo geral mais ecológico e sustentável
loca a serviço do TODO. Assim, aceitamos quão pequenos do planeta e com atributos mais humanos, fundamentais à evo-
somos, mas com a FORÇA essencial para mover o mundo, lução do indivíduo e da coletividade – mais espiritualizado.
unir e organizar ações mútuas de assistência pessoal e cole- Para evoluir, também é necessário melhorar os espaços:
tiva, reconhecendo a natureza integrativa do organismo, en- tornando-os mais limpos e ergonômicos, utilizando formas or-
tendendo que somos agentes evolucionários nesse processo. gânicas e materiais não poluidores, abandonando os plásticos, as
É preciso aprender a produzir menos lixo, reutilizar mais, resinas e os polímeros tóxicos do nosso contato direto. Limpar
RECICLAR muito mais. o ar, os mares, os rios, os mananciais com a tecnologia atual.
Cuidar da fauna e flora, considerando TODAS as espé- Produzir alimentos com valores justos, utilizando subsídios, se
cies desse planeta, respeitando suas características, compreen- necessário. Alimentar todos, eliminar os desperdícios. Favorecer

100
o mercado interno e local, fortalecendo pequenos produtores,
compartilhamentos de bens e serviços. Reverter lucro em infor-
Gustavo Varella
mação e educação. Uma economia baseada em trocas e de-
mandas locais. Recompor a natureza nos grandes centros urba- Médico formado pela Universidade Federal Fluminense – UFF, especia-
nos. Dos telhados verdes às fazendas verticais, parques e jardins. lista em Clínica Médica pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira
De repente, trazendo mais pessoas para o campo novamente. – AMIB. Atualmente, trabalha em alguns dos principais hospitais do Rio
de Janeiro. Há 10 anos estuda e pesquisa o campo da Medicina
Por que não? Integral, realizando atendimentos nesta área em seu consultório.
Precisamos incorporar a seguinte noção: a ecologia do
planeta representa o modus operandi desse Grande Organismo.
Subvertê-lo às leis humanas de valor econômico, geopolítico e
estratégico é um caminho para o adoecimento da humanidade.
Ou modificamos o modo como operamos ou não evoluiremos
para um patamar acima, correndo o risco de não sobrevivência
de nossa espécie e de outras também. A nossa saúde integral
deve ser resultado das nossas ações, diretas e indiretas conosco
e com o ambiente (externo e interno): físico, emocional, social
e espiritual. Devemos começar pelas nossas atitudes pessoais,
seguindo para os núcleos familiares e nossa comunidade. Utili-
zando o trabalho cotidiano, se possível, para promover ideias e
ações. Expandir, assim, nossa consciência, em harmonia com
o tempo e o espaço que ocupamos nesse momento: a espécie
mais evoluída do planeta (biológica e socialmente), com capaci-
dade autorreflexiva, na busca por sua longevidade, pela qualidade
da Vida e do TODO que nos envolve. Porque somos todos UM.

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Saúde em Comunidades
Intencionais
Jorge Koho Mello

O conceito de saúde pode ser definido de muitas formas, a partir do referencial que adotarmos para a reali-
dade. Sob o ponto de vista da Organização Mundial da Saúde – OMS, “...é um estado de completo bem-estar
físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”. A partir dessa definição for-
mal, penso que podemos considerar com mais objetividade o que fazer, a fim de viver uma existência mais
plena e significativa. Na minha experiência, uma boa proposta em saúde integral provém das Comunidades
Intencionais. Em termos práticos, uma Comunidade que contemple os requisitos básicos para ser conside-
rada Intencional certamente terá uma visão que possibilite integrar e harmonizar as diversidades das pessoas
que nela participam, honrando a etimologia de sua denominação, através de uma “unidade comum”. Isto
por si só já é um fator higiênico, uma vez que a natureza humana, comprovadamente, se beneficia de um
convívio respeitoso, que possibilite a expressão das individualidades em um ambiente de acolhimento, no
qual os vários aspectos de nossos potenciais encontram espaço para sua manifestação.
Como refere a definição da OMS, muitas vezes uma pessoa é considerada saudável por me-
ramente não estar doente, mas aqui estamos olhando essa questão a partir de um ponto de vista mais
amplo. Se observarmos as origens latinas da palavra saúde, encontraremos salus, que se refere ao es-
tado de um ser inteiro, íntegro, intacto. Assim, ainda que soe paradoxal, sob esse ponto de vista, pode-
mos manifestar saúde mesmo que estejamos sob o efeito de alguma doença, desde que consigamos

104
integrar a experiência desafiadora da desarmonia relativa, através A partir dessas considerações, vejamos um modelo re-
da compreensão e da aceitação, transformando-a em uma pos- ferencial que usualmente é praticado, em alguma medida, pelas
sibilidade de aprendizado profundo sobre a natureza complexa e Comunidades Intencionais, de forma deliberada ou espontânea.
impermanente da realidade. Como primeiro fator higiênico – que mantém e promo-
Claro que isso requer uma visão sistêmica do processo ve a saúde –, teremos a nutrição. Aqui, o primeiro elemento é a
saúde-doença, que possibilite irmos além do reducionismo ha- respiração. Desde o nível físico, é evidente que precisamos respi-
bitual de buscar curar os sintomas sem observar as causas sub- rar para viver. Isto implica em inspirar, acolher o novo, aceitar as
jacentes, as quais usualmente têm a ver com o estilo de vida e as mudanças, e expirar, liberar e desapegar-se do que já cumpriu sua
variáveis ambientais da pessoa que manifesta uma doença, mas missão. E fazer as pausas que ocorrem entre essas duas etapas
que, essencialmente, não está doente. Da mesma forma, pode- indissociáveis. Outro aspecto da nutrição diz respeito aos alimen-
se, assim, exercitar a autorresponsabilidade, no sentido de fazer tos que utilizamos, observando-se os critérios de quantidade e
opções mais adequadas à manutenção e promoção da saúde, e, qualidade. Dependendo da linha de pensamento da Comunida-
deste modo, passar da condição de pacientes ao papel de agen- de, teremos diferentes abordagens para essas questões, mas in-
tes centrais do processo terapêutico. variavelmente encontraremos os critérios de respeito e gratidão a
esses fatores que possibilitam a nossa experiência consciencial.
O segundo fator tem a ver com o movimento. Por vá-
rios motivos, a vida em comunidade estimula que sejamos sau-
davelmente ativos. E assim, também, nos leva a refletir sobre a
importância de respeitar nossos limites, reservando tempo para
o lazer e o não fazer, sem privilegiar a usual tirania da atividade
“Se observarmos as origens latinas da palavra contínua, que leva os seres humanos a buscarem sempre ir mais
saúde, encontraremos salus, que refere ao es- longe e mais rápido, sem questionarem para onde suas vidas
estão orientadas. Um nível mais sutil de movimento diz respeito
tado de um ser inteiro, íntegro, intacto. Assim, a harmonizar nossas existências com os ciclos naturais, com-
preendendo e aceitando os ciclos e as estações que ocorrem
ainda que soe paradoxal, sob esse ponto de no ambiente natural e em nós mesmos.
vista, podemos manifestar saúde ainda que O terceiro fator relaciona-se com os pensamentos, em
termos de concepções e crenças. Não é difícil perceber o quan-
estejamos sob o efeito de alguma doença...” to somos influenciados pelas nossas leituras da realidade. Assim,

105
em um ambiente onde o questionamento é exercido e, inclusive,
estimulado pela diversidade de visões, a tendência natural será
desenvolvermos mais flexibilidade mental e emocional, o que re- “...é fundamental que consideremos de
presenta um fator de saúde, em um mundo onde certamente
não podemos controlar a maioria dos elementos fundamentais forma responsável a possibilidade que te-
da vida. É importante observar que é usual, em uma Comunidade
Intencional, a prática de dar e receber feedback. Isto nos leva, de mos de cultivar e estimular o desenvolvi-
forma orgânica, ao próximo fator higiênico da vida comunitária. mento de Comunidades, onde quer que
O quarto fator diz respeito aos relacionamentos. É evi-
dente o aspecto reflexivo que o universo relacional possibilita. O estejamos. E que tenhamos a sabedoria
primeiro nível de relação que podemos – e devemos! – culti-
var, zelar, é aquele que se refere ao relacionamento com nossas de fazer isso de modo a compartilhar ge-
identidades no mundo: o quanto de gentileza e compreensão nerosamente o benefício de desfrutarmos
dedicamos a nós mesmos. Obviamente, surgimos como pessoas
de forma simultânea e interdependente, por isso, ao aprimorar dessa vida humana preciosa, que nos per-
a relação conosco mesmos, estaremos, de forma natural, aper-
feiçoando nossos relacionamentos interpessoais. E isso é uma mite o sublime poder de fazer opções que
jornada para toda nossa existência. Desse modo, ao nos enga- podem gerar mais saúde e plenitude para
jarmos de forma sincera em uma experiência de vida em Comu-
nidade, estamos também aceitando participar em uma jornada nós mesmos...”
de cultivo de modos mais saudáveis e sustentáveis de relaciona-
mento, o que certamente irá impactar nossa saúde em todos os
níveis de manifestação. de vivenciar aquilo que está além das palavras e das conceitua-
O quinto fator de saúde possível de cultivar em uma ções. Lembro que numa ocasião ouvi de meu professor no Zen
Comunidade é a prática da contemplação. Em algumas Tradi- o ensinamento de que se ainda não podemos compreender essa
ções, isso será denominado de “viver no aqui-agora”, ou viver dimensão de inteireza, não há como alguém nos explicar. E se já
uma existência meditativa ou espiritual. Seja qual for o nome a compreendemos, já não há mais a necessidade de que alguém
atribuído, o fato é que, em última análise, aqui adentramos no nos explique o que quer que seja. Poderíamos dizer que aqui
domínio do inefável, inexplicável em termos racionais. Trata-se está a ligação entre saudável e sagrado, a partir do radical latino

106
salus mencionado anteriormente, o qual tem seu corresponden-
te grego em holos, termo grego referente à totalidade, e origem
Jorge Koho Mello
dos termos holismo, holístico, tão em moda atualmente, e que
foi incorporado ao latim clássico através da transição s’olos. Brasileiro, educador no Gaia Education nas Dimensões Economia e Visão
Nesta breve reflexão, busquei expor alguns elementos de Mundo. Atua profissionalmente como terapeuta de abordagem sistê-
de grande valor e potencial da prática de vida em Comunidade. mica. Reside em Zürich, Suíça, desde 2008. Pratica e difunde o estilo de
vida simples como meio hábil para uma existência plena. É monásti-
Considero importante finalizar dizendo que, na minha opinião, co ordenado no Budismo Soto Zen.
estamos em um momento histórico decisivo para nossa espé-
cie humana. Diante do porte e da complexidade dos desafios
que nos são apresentados, é fundamental que consideremos de
forma responsável a possibilidade que temos de cultivar e esti-
mular o desenvolvimento de Comunidades, onde quer que es-
tejamos. E que tenhamos a sabedoria de fazer isso de modo a
compartilhar generosamente o benefício de desfrutarmos dessa
vida humana preciosa, que nos permite o sublime poder de fazer
opções que podem gerar mais saúde e plenitude para nós mes-
mos e para todos os seres da imensurável Comunidade de Vida,
em todos os planos de manifestação.
Com gratidão e reverência.

107
Dragon Dreaming e suas
Linhas de Canção
Lizandra Barbuto

“A vida nasceu do fogo, o universo nasceu do fogo” – Karl, na língua aborígine da tribo Noongar.
O fogo é um dos elementos mais importantes para os seres humanos. Por milhares de anos
nos sentamos ao redor do fogo. Os aborígenes chamam esses encontros de karlupgur, onde cada um
cria a própria história, as “linhas de canção”. Este texto começa sobre as linhas de canção do dragon
dreaming, seguindo para uma breve visão do método.
Dragon Dreaming é um método inovador para realizar projetos colaborativos e, também, uma
nova cultura que se forma ao redor do mundo.
A linha de canção do Dragon Dreaming está intimamente conectada à linha de canção de
seu idealizador, john Croft.
O grande encontro que despertou a forte inspiração a john Croft, para uma perspectiva de
educação e de realização integradas, aconteceu em 1978, com Paulo Freire, teólogo, educador, filósofo e
visionário. Esse encontro abriu a percepção de john para a integração dos saberes: o professor que en-
sina também é o estudante que aprende. Paulo Freire oferece o poder das perguntas geradoras cruciais
nos processos coletivos, para fazer emergir a inspiração necessária e o valor de cada pessoa. Desse valor
criado frutificará o comprometimento: o mais importante para superar os obstáculos da realização. Do
diálogo entre a pessoa comprometida e o ambiente, se forma o indivíduo e retroalimenta o ambiente.

108
Logo depois, em 1980, John Croft viveu alguns anos em como uma grande serpente com pelos ao redor da cabeça, mui-
Papua Nova Guiné, para implementar modelos de educação não to similar a um dragão. Uma vez que Waugyl parecia muito difícil
formal. Ali ele descobriu que projetos falham pela falta de com- de ser compreendido pelas pessoas em geral, o símbolo mais
prometimento e comunicação, e, principalmente, pela distância próximo foi o dragão. Assim, em 1991, emergiu definitivamente o
entre quem propõe, quem realiza e quem recebe os resultados. modelo de criação e realização de projetos coletivos chamado
Em 1986, de volta à sua terra natal, a Austrália, inicia a Dragon Dreaming.
Fundação Gaia Australiana para realização de projetos coletivos. Vivienne Elanta, esposa de John Croft, introduziu con-
Depois de alguns anos de experiências e reflexões, emerge o pri- ceitos importantes ao modelo – como a conexão com a Ecolo-
meiro programa universitário que oferece uma visão inovadora gia Profunda e os ensinamentos de Joanna Macy –, para formar
e integral para realizar tais projetos, naquele momento chamado um dos três pilares que sustentam o modelo, o que alguns cha-
Waugyl Dreaming. mam de objetivos do Dragon Dreaming: o serviço a Terra, com-
Waugyl é um animal místico para os aborígenes austra- preendendo a não separação e integração de todos os sistemas.
lianos e, atualmente, as pesquisas provaram a existência desse Para a construção integral e significativa do modelo,
animal na Terra, durante a Era dos Dinossauros. Ele é descrito sustentam os outros pilares, que alguns chamam os objetivos do
Dragon Dreaming. A construção de comunidades que apoiam
os processos e o desenvolvimento do indivíduo, em que a cada
ação torna-se um ser integrado rumo à sabedoria.
Após vinte anos realizando projetos na Austrália, através
da Fundação Gaia, e da morte de sua esposa, Vivienne Elanta, John
Croft começa a difundir os conceitos do modelo pelo mundo.
“O fogo é um dos elementos mais impor-
tantes para os seres humanos. Por milha- O que é Dragon Dreaming?
res de anos nos sentamos ao redor do fogo.
É um modelo inspirador, pois integra importantes conhecimen-
Os aborígenes chamam esses encontros de tos inerentes aos seres humanos. A sequência proposta pelo
modelo de John Croft é um processo natural, que faz parte da
karlupgur, onde cada um cria a própria his- vida sustentável. Esse processo natural se perdeu pela história
tória, as linhas de canção.” humana, com a dominação e poder de alguns, criando o mun-

109
do perde-perde. Pode-se considerar que o processo perde-per-
de começou aproximadamente há seis mil anos, por conta da
mudança climática daquela época e com a institucionalização “Visualizar a vulnerabilidade do projeto pos-
da violência para a competição, devido à escassez dos recursos.
Atualmente, testemunhamos as consequências dessa história, sibilita o diálogo com o ambiente, a retroa-
vivendo em uma sociedade em que o valor está em acumular
recursos, ter o controle sobre o ambiente e sobre os mais fracos.
limentação e desenvolver a capacidade de
Nós, humanos, esquecemos o que é colaboração, sonhar e cele- reconsiderar o plano inicial para rever a estra-
brar, reconhecer a nós mesmos e aos outros.
A cultura aborígene australiana é uma cultura natural- tégia de acordo com as informações do am-
mente ganha-ganha, uma vez que a cooperação deve ser a base
para a sobrevivência em um ambiente hostil como o deserto, por
biente e estabelecer um diálogo fluido entre
isso essa cultura é a inspiração para o Dragon Dreaming. o ambiente, o indivíduo, a teoria e a prática.”
O Dragon Dreaming oferece a possibilidade de constru-
ção colaborativa e retorno à cultura ganha-ganha. A sequência
do processo, como disse, é natural e pode ser aplicada em dife- dia. É a segunda etapa para a construção do planejamento cole-
rentes contextos: desde a um dia do calendário, às fases da vida tivo: momento de considerar alternativas, de criar as estratégias
ou a projetos. apropriadas para realizar todos os sonhos, de testar a vulnerabili-
O sonhar é fase de liberar a imaginação, abrir ao que dade do projeto.
emerge. Pode-se associar também à infância e, em relação às 24 Visualizar a vulnerabilidade do projeto possibilita: o diá-
horas do dia, é a noite de sono e sonhos. Em projetos, é a etapa logo com o ambiente; a retroalimentação e desenvolvimento da
de formar o time que irá sonhar junto, clarear expectativas, cole- capacidade de reconsiderar o plano inicial, para rever a estratégia
tar os sonhos individuais e torná-los de todos, para que as ações de acordo com as informações do ambiente; e estabelecer um
sigam em direção ao sonho comum e coletivo. diálogo fluido entre o ambiente, o indivíduo, a teoria e a prática.
Com a ideia em mente e no coração – que ativa a mo- A partir disto, será possível realizar a fase adulta ou o
tivação –, é possível iniciar o planejamento. Na perspectiva das dia. Nos projetos, é quando o idealizado e projetado se concre-
fases do desenvolvimento humano, esta etapa é a adolescência, tiza. Os bloqueios que emergem nesta fase são por conta da
quando o ser humano começa a projetar definitivamente o que ausência de celebração e de retroalimentação entre as dimen-
fazer no futuro. É o período da manhã, em que será planejado o sões do indivíduo, ambiente, teoria e prática. Nesse momento é

110
preciso estar atento à administração e ao monitoramento, etapas inerente, que completa internamente, por isso Dragon Dreaming
que fornecem os dados essenciais para a reavaliação constante toca os corações, porque faz sentido para a humanidade e traz
e, principalmente, adaptação necessária para seguir o fluxo para propósito para as ações humanas.
a concretização do sonho.
Finalmente, o grande diferencial do Dragon Dreaming
em relação a todos os outros métodos de planejamento de pro-
jetos: a celebração. Será a velhice e a noite, momento de refle- Lizandra Barbuto
xão do que foi realizado e reconhecimento do que foi aprendido.
A celebração é o momento de verificação, consideração e re- Terapeuta Ocupacional, especialista em Desenvolvimento Humano;
Neurociência e Comportamento; Sustentabilidade Integral; e Terapia
flexão, para seguir a roda e continuar sonhando. Nos projetos, a Integrativa. É consultora internacional para projetos alternativos e trei-
celebração será a hora de parar e refletir sobre o feito. Diferente nadora do método Dragon Dreaming. Co-fundadora do Possibilities
do que podemos pensar, a celebração é um processo de intros- Institute. Atua em processos de desenvolvimento humano dire-
cionados à realização com foco sistêmico, atenção ao corpo,
pecção e, por essa razão, está na dimensão do indivíduo. Desta conexão com a natureza e métodos participativos para po-
forma, uma vez feita a reflexão pessoal, será possível abrir ao am- tencializar a sabedoria coletiva.
biente, reconhecer o outro e o realizado, e, daí, se dar conta das
novas habilidades, dos resultados e de alcançar a sabedoria para
perceber o que emerge, os novos sonhos.
Se as etapas foram seguidas e os principais pilares do
Dragon Dreaming foram atendidos, a comunidade estará forta-
lecida. Se o projeto considerou o cuidado com a Terra, emergirá
satisfação e orgulho do trabalho feito, e cada pessoa do projeto
estará em outro nível de percepção de si mesma e do ambiente
que vive. Assim, uma vez que se completa uma volta e iniciam
novos sonhos, percebe-se que não é uma roda, mas sim uma
espiral: a cada nova volta, a cada projeto completo, o indivíduo e
o grupo estarão em um nível de sabedoria maior.
Muitas pessoas, quando se deparam com esse conheci-
mento, sentem como se integrassem algo que já sabiam, e isso é
verdade, conhecimentos holísticos e sagrados trazem algo que é

111
Nós aqui trabalhamos com o sistema que chamamos ‘caixa único’. O que nos sus-
tenta é a agricultura. Tudo que entra de recurso da venda de produtos agrícolas,
que a gente produz aqui, vai para um caixa único. Esse caixa é compartilhado por
todos. Cada um sabe quanto tem nesse caixa. Com sua própria autoconsciência,
regula a retirada e, como a gente tá sempre junto – trabalha junto, mora junto,
come junto e se reúne todo dia –, a gente vai conversando uns com os outros
e usando esses recursos que tem, de acordo com a necessidade de cada um.

Uma coisa a gente aprende com o tempo: quem


pode dizer da sua necessidade é a própria pessoa.
Então, no fim, acaba prevalecendo mesmo
a autoconsciência e autorregulagem do uso
desses recursos.

Romeu Leite | Vila Yamaguishi

112
Aqui temos uma economia semi-
compartilhada: parte tem um caixa coletivo
e parte economia particular. Por exemplo:
dos cursos, entra uma parte do dinheiro para
cada um que participou e, também, para
o coletivo, para comprar comida, pagar as
contas, para as ferramentas...
Marcos Molz | Ecovila Arca Verde

113
A Economia Colaborativa
e o Comum
Felipe Cunha

Como Dan Hofer declarou, “quanto mais nos conectamos e quanto mais nos entendemos, maiores
são as chances deste mundo ser um lugar melhor”. Teremos uma fabulosa capacidade de lidar com
nossos próprios problemas quando nos descobrirmos como comunidades, libertando o potencial ini-
bido e reprimido para a mudança e a inovação.
Considerando que a palavra “economia” vem do grego antigo oikos (eco) e nomus (nomia),
que significa gestão da casa (ou cuidado com a casa), atualmente estaríamos vivendo um pesadelo e
agindo como sonâmbulos. A prática econômica mais utilizada nos últimos séculos (mercantilista, libe-
ral, capitalista e neoliberal) trouxe consigo uma severa negligência ambiental e social/humana, impli-
cando uma crise estrutural generalizada e multifacetada no mundo e um profundo senso de alienação
de si, do outro e dos ecossistemas que vivemos.
No meio desta caótica “crise de sentidos” e do avanço da sociedade em rede, novas formas
criativas de economia estão emergindo, dentre elas a Economia Colaborativa.
A colaboração tem um potencial tremendo para unir pessoas e reforçar a capacidade que
temos de coprodução local, otimização dos recursos, descentralização econômica e o consumo com-
partilhado de diferentes maneiras. Isto impulsiona a vitalidade das comunidades e níveis de liberdade e
autonomia em relação aos sistemas tradicionais.

114
Rachel Botsman define a Economia Colaborativa A Economia Colaborativa está aparecendo com novos
como: “Uma economia construída de redes conectadas de significados, através da tecnologia e das comunidades, sobre
indivíduos e comunidades em oposição a instituições cen- velhos conceitos que tínhamos de compartilhamento, troca,
tralizadas, transformando como podemos produzir, consumir, empréstimo, aluguel, presente e permuta. Ela admite três mo-
financiar e aprender.” Esse fenômeno, da forma como apare- delos de transação: negócios-para-consumidores; pessoas-pa-
ce, está desafiando a forma como enxergamos a propriedade, ra-pessoas (p2p); e negócios-para-negócios. E, também, três
o lucro individual e a capacidade coletiva. Está mostrando o sistemas distintos:
imenso potencial para mudar nossas intenções sobre como • Mercados de redistribuição: redes sociais que permitem a
nos relacionamos economicamente, principalmente como livre troca de bens obsoletos através de uma redistribuição
geramos mais acessos a bens e recursos, e diminuímos algu- para alguém ou outro lugar que precise – ex.: troca, permu-
mas ociosidades do sistema. ta, empréstimo etc. Esse sistema tem o potencial de desafiar
as relações tradicionais entre produtor, distribuidor e con-
sumidor e abalar as doutrinas de “compre mais” e “compre
novo”. Ex.: Tem Açúcar, Freecycle, eBay etc.
• Estilos de vida colaborativos: compartilhamento e troca de
ativos menos tangíveis, como tempo, espaço, habilidades,
“A colaboração tem um potencial tremendo conhecimento e dinheiro. Mesmo ajudando a cortar o inter-
mediário “institucionalizado” (por exemplo: empresas, ban-
para unir pessoas e reforçar a capacidade cos etc.) e oferecendo alternativas, necessita de um alto grau
que temos de coprodução local, otimização de confiança entre as partes. Ex.: Benfeitoria, Zopa, Coursera,
couchsurfing, Believe etc.
dos recursos, descentralização econômica • Sistema de produtos e serviços compartilhados: permite o
e o consumo compartilhado de diferentes acesso de várias pessoas a vários produtos e serviços, sem
a necessidade de posse individual. Esses bens e serviços
maneiras. Isto impulsiona a vitalidade das podem ser dos proprietários de empresas (ex.: carros com-
partilhados, lavanderias, Bike Rio etc.); podem pertencer a
comunidades e níveis de liberdade e auto- pessoas que compartilham ou alugam para outras pessoas
nomia em relação aos sistemas tradicionais.” (ex.: Airbnb); ou serem compartilhados para estender o ciclo

115
de vida de um produto (ex.: Interface Carpet, Patagonia etc.).
Este sistema traz a clara possibilidade de reduzir os resíduos
e o uso de recursos naturais, além de ajudar a atenuar algu- “A Economia Colaborativa está aparecendo
mas cargas intrínsecas da posse (como manutenção, reparo,
taxas, seguros etc.). com novos significados, através da tecnolo-
gia e das comunidades, sobre velhos concei-
Apesar da Economia Colaborativa já ter um papel pro-
missor para mudanças culturais profundas (como, por exemplo, tos que tínhamos de compartilhamento, tro-
renascer o paradigma da cooperatividade), muitas sombras a
acompanham, como, por exemplo: desregulamentação e direi- ca, empréstimo, aluguel, presente e permuta.”
tos do trabalho; apropriação do mercado; iniciativas orientadas
pelo lucro; a manutenção da desigualdade social, entre outras.
Além disso, muitas dessas plataformas atuam como interme- A forma usual que ouvimos falar sobre O Comum é na
diários de outra forma também, porém se destituindo de res- publicação de Garret Hardin A tragédia dos comuns (ou, do título
ponsabilidade em muitos casos. Este conceito é relativamente original em inglês, The Tragedy of the Commons), de 1968. Seu
novo e ainda está longe da maturidade que sua essência pro- ensaio é muito conhecido e amplamente usado para retratar que
mete, cabendo muito diálogo e aperfeiçoamento contínuos. Por quando múltiplos indivíduos – atuando de forma independente
hora, podemos adiantar que as organizações que compõem este e orientados por interesses próprios – compartilham recursos,
fenômeno, a maioria no universo empreendedor, demonstram inevitavelmente estes recursos são excessivamente explorados e
um espectro amplo de intenções: desde “com fins lucrativos” até destruídos. A ideia básica é a de que sempre existirá alguém mais
“sem fins lucrativos”, “lucro básico”, “pró benefício” e, até mesmo, ganancioso que vai arruinar a harmonia coletiva dos recursos
sem transações monetárias envolvidas (aluguel, compra, servi- usados de forma comum.
ços pagos etc.), além de variar desde “construção de valores co- Hardin, no entanto, se limitou a um único cenário e,
munitários” até benefício individual. portanto, fez algumas suposições controversas. Em primeiro lu-
Por outro lado, existe também um “sistema” vernacular gar, ele assumiu que pessoas não são capazes de conversar e
já usado por várias comunidades ao redor do mundo há sécu- resolver seus conflitos e/ou confiar umas nas outras. Segundo,
los para administrar coletivamente os recursos comuns sem a ele postulou que pessoas agem somente em interesses próprios
necessidade de intermediários (governos e o setor privado): o racionais e imediatos. Terceiro, ele se referiu apenas ao acesso
Comum, ou Commons. completamente aberto, em vez de recursos gerenciados em

116
comum. Ele também afirmou que todas as pessoas sempre que-
rem maximizar seu lucro; no entanto, esse comportamento ga-
nancioso pode, na realidade, ter se iniciado depois da criação da
propriedade durante o “cerceamento dos campos”, que destruiu o
espírito coletivo de compartilhamento de recursos. Finalmente, ele
também ofereceu apenas duas soluções: privatização (a criação da
propriedade) ou regulação (pelo Estado e órgãos regulatórios).
Existem outras visões do Comum. De acordo com Eli-
nor Ostrom, as pessoas podem endereçar suas próprias questões
e, em sua visão, no conceito do Comum não há a necessidade
do intermediário (público ou privado) para que as pessoas admi-
nistrem seus recursos e conflitos. Neste sistema, o poder plano,
descentralizado e distribuído de forma mais horizontal é uma
forma de endereçar questões do grupo de forma direta. Assim,
este formato permite menor dependência – ou até nenhuma
– em instituições privadas hierarquizadas, controladas por uma
minoria de elite, ou na esperança de um governo benevolen-
te. Desta forma, todos têm controle e ninguém o tem ao mes-
mo tempo; todas as decisões são feitas pelo grupo, praticadas
e resolvidas pelo grupo e sua governança definida. Tradicional-
mente, o Comum é um termo usado para se referir a recursos
compartilhados e governados por um grupo de pessoas – seja
um grupo pequeno, no nível de uma comunidade local; seja no
nível global, com fronteiras bem definidas, fronteiras pouco claras
ou não definidas – e sujeito a dilemas sociais particulares, que o
próprio grupo precisa cuidar em conjunto, e não através de um
poder central.
No início, “o Comum” era entendido como um conjunto
de recursos físicos – como, por exemplo, terra, água, atmosfera,
“No início, “o Comum” era entendido como
um conjunto de recursos físicos – como,
por exemplo, terra, água, atmosfera, flores-
ta, ruas, praças, ferramentas etc. –, mas cada
vez mais coisas intangíveis também vão sen-
do adicionadas a Economia do Comum,
como conhecimento, linguagem, dinheiro,
informação, cuidar de crianças e idosos etc.”

floresta, ruas, praças, ferramentas etc. –, mas cada vez mais coi-
sas intangíveis também vão sendo adicionadas à Economia do
Comum, como conhecimento, linguagem, dinheiro, informação,
cuidar de crianças e idosos etc. Hoje, a Economia do Comum
está sendo identificada em operações de código aberto, de fonte
coletiva, creative commons, entre outras operações mais mo-
dernas. Os formatos mais comuns de se encontrar o Comum
são as cooperativas e tribos.
Sobretudo, a gestão do Comum pode ser resumida em:
“tudo, sendo produzido por todos, pertence a todos”.
Acredito que a Economia Colaborativa seja parte de
uma mudança cultural profunda que está em curso neste mo-

118
mento e, por isso, não sabemos ainda se ela está seguindo para
uma reforma (ou metamorfose) em suas estruturas mais profun-
Felipe Cunha
das ou não. De fato, a Economia Colaborativa está provocando
mudanças e novos padrões sociais ou, no mínimo, deixando cla- Logo no início da faculdade, ainda cursando Economia, Felipe Cunha se
ro que existem outras formas de endereçar nossas necessida- encontrou com o mundo da Sustentabilidade - entre pesquisa, trabalho
e vida pessoal. Depois, formado em Geografia, foi consultor de sustenta-
des, que transações econômicas baseadas em colaboração são bilidade em diferentes escalas (desde residêncial até industrial) por
possíveis e que ela potencializa desdobramentos em diferentes aproximadamente 10 anos.
formas de trabalho e relações comunitárias.
Foi aí que, em 2013, se formou mestre em Economia para
Transição na Schumacher College (UK) e,então, passou a de-
BIBLIOGRAFIA dicar sua pesquisa a novos formatos organizacionais (e eco-
nômicos) para que recriemos significados em direção a uma
BOTSMAN, Rachel. The Sharing Economy Lacks A Shared Definition. In: http://www.fastcoexist. cultura que faça sentido ser vivida. Hoje, principalmente, fa-
com/3022028/the-sharing-economy-lacks-a-shared-definition. Accessed in: 12/07/2014. Pu- cilita processos coletivos nas mais diversas organizações.
blished in: 21/11/2013
BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. What’s mine is yours: how collaborative consumption is chan-
ging the way we live. Harper Collins Publisher. London, UK. 2010
HESS, Charlotte and OSTROM, Elinor. Understanding Knowledge as a Commons: From Theory to
Practice. Edited by Charlotte Hess and Elinor Ostrom, MIT Press - mitpress.mit.edu/sites/default/
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NEGRI, Antonio; REVEL, judith. Inventing the Common. Original in French from the journal Mul-
titudes. Translation by N. Lavey. http://www.generation-online.org/p/fp_revel5.htm. Published in
13/05/2008.
WEBER, Andreas. Enlivenment: Towards a fundamental shift in the concepts of nature, culture and
politics. Heinrich Boll Stiftung, 2013.

119
Breve Reflexão sobre
Sustentabilidade Econômica
e Finanças em Ecovilas
Diogo Marques Tafuri

Este texto propõe levantar e problematizar questões econômico-financeiras da constituição e conso-


lidação de ecovilas, experiências contemporâneas e heterogêneas de moradia e trabalho (de sociabili-
dade, portanto) que vêm buscando estabelecer relações justas e sustentáveis entre os seres humanos
e destes com o ambiente natural, questionando a dicotomia homem-natureza proposta pelo pensa-
mento eurocêntrico moderno. Para tanto, partiremos de nossa experiência de partilha e construção
coletiva da Ecovila Tibá, em São Carlos, SP, por nós vivenciada de forma bastante intensa nos últimos
cinco anos. Nossa comunidade tem buscado, desde sua origem, construir sua identidade coletiva e
também uma prática cotidiana a partir da experienciação dos princípios éticos e políticos da Perma-
cultura, argumentando a favor de uma forma de vida que se paute pelo cuidado com a Terra, cuidado
com as pessoas, e pela partilha dos excedentes e conhecimentos produzidos pelo trabalho coletivo.
Deste modo, a Tibá tem organizado sua vivência comunitária a partir da Flor da Permacultura e suas 7
pétalas: manejo da terra e da natureza; espaço construído; posse da terra e comunidade; economia e

120
finanças; ferramentas e tecnologias; saúde e bem-estar espiritu- com os fundamentos da Teoria da Complexidade. Trata-se, des-
al; cultura e educação. te modo, de uma questão holística, princípio de que partiremos
Ao contrário do que a divisão em pétalas “temáticas” para propormos uma reflexão sobre o planejamento e a prática
sugere, as questões relativas à viabilidade econômica das eco- de constituição de ecovilas, que tome como eixos de referência
vilas não se restringem apenas aos assuntos tratados pela péta- os seguintes conjuntos de relações:
la da Economia e Finanças, mas envolve os elementos e fluxos • relações entre a busca pela autossuficiência material (jamais
constitutivos de todas as demais pétalas aqui apresentadas, em atingível) e as necessidades atendidas no mercado;
coerência com o que aprendemos com a própria Permacultura e
• relações entre o trabalho realizado pelos membros da co-
munidade dentro e fora da propriedade;
• relações entre atribuições e questões comunitárias e domés-
ticas (sejam individuais, familiares etc.).
Consideramos que o ponto inicial de concretização de
“Nossa comunidade tem buscado, desde um projeto de ecovila – para além da articulação e das reuniões
que precedem a tomada coletiva da decisão de iniciá-lo – de-
sua origem, construir sua identidade coleti- manda, necessariamente, a aquisição, arrendamento ou ocupa-
va e também uma prática cotidiana a par- ção coletiva de uma propriedade, passando pelos momentos de
consolidação do assentamento humano (acomodação in loco de
tir da experienciação dos princípios éticos todas as pessoas envolvidas com o projeto) e de constituição de
uma rotina cotidiana própria a ela, que não mais implique a neces-
e políticos da Permacultura, argumentando sidade de um significativo aporte financeiro de seus membros.
a favor de uma forma de vida que se pau- Optamos em tratar aqui apenas as experiências de
aquisição de propriedade privada (ainda que coletivas) para
te pelo cuidado com a Terra, cuidado com constituição de ecovilas por meio do sistema de compra e ven-
da de terras, deixando para uma reflexão posterior o esforço de
as pessoas, e pela partilha dos excedentes pensarmos a relação entre o movimento de formação de eco-
e conhecimentos produzidos pelo trabalho vilas e a luta pela reforma agrária no Brasil, empreendida por
trabalhadores(as) sem terra. Já em relação aos arrendamentos
coletivo.” de terra como forma de garantir o acesso ao espaço físico para

121
desenvolvimento de uma ecovila, a dificuldade de pensarmos Se todas as pessoas decidirem trabalhar fora da ecovila
em sua viabilidade consiste na instabilidade da posse da terra e para pagar a dívida, altera-se a natureza do projeto em voga,
na fragilidade de um projeto que pode deixar de existir a partir por meio da retirada do elemento “trabalho humano” de um
de qualquer movimento arbitrário realizado por parte do pro- sistema energético no qual as pessoas viveriam na terra, e não
prietário legal em direção à retomada da terra arrendada (assim mais da terra.
como no caso de uma ecovila de um único proprietário). Enten- Por fim, quando uns trabalham dentro e outros fora da
demos que um projeto de ecovila requer estabilidade da ocupa- ecovila, ou na possibilidade do ônus do pagamento da proprie-
ção de um grupo de pessoas em dado tempo-espaço, para que dade recair desigualmente entre os participantes da empreitada,
seja possível realizar ações e objetivos de curto, médio e longo é o caso de refletir como tais decisões incidirão na autogestão
prazo, o que faz com que a compra e a posse legal e coletiva da do grupo, pois corre-se o risco de alguns membros do grupo
terra se constitua como instrumento de garantia de estabilidade utilizarem-se de tais critérios de legitimidade (trabalho na eco-
e perenidade do projeto. vila, pagamento da dívida) para sobressaírem-se em relação aos
Deste modo, uma primeira questão que se coloca para o demais nas discussões e deliberações coletivas.
grupo que pretende constituir uma ecovila refere-se à origem dos A escolha sobre se as estratégias de pagamento da terra
recursos financeiros que serão utilizados para realização da compra serão de natureza comunitária ou particular também condicio-
da propriedade que abrigará a comunidade. O grupo pode possuir narão o formato das ações empenhadas para atingir tal objetivo,
uma poupança advinda historicamente do rendimento do trabalho definindo o lugar das pessoas no projeto e impactando, igual-
de seus membros ou recursos financeiros provenientes de herança mente, na efetividade da autogestão do grupo.
familiar. No caso da aquisição da propriedade via empréstimo no A entrada e ocupação da propriedade também requer um
sistema financeiro nacional, é importante para o grupo discutir e planejamento que leve em consideração a estrutura inicialmente
projetar o modo como ele arcará com a dívida oriunda do crédito disponível (água, energia, espaços construídos etc.), tanto para a
imobiliário, se será com os rendimentos obtidos por meio do tra- acomodação doméstica das pessoas, como para o manejo produ-
balho produtivo realizado dentro da propriedade, fora dela ou pela tivo da terra. Desta disponibilidade inicial de recursos, dependerá o
composição de ambas as possibilidades. nível de investimento necessário para: o aproveitamento produtivo
No primeiro caso, a definição das atividades a serem re- da propriedade; a forma com que o grupo poderá ocupar estru-
alizadas deve considerar sua própria viabilidade econômica, bem turas que porventura já estejam disponíveis na propriedade (casas
como se ela proporcionará um excedente capaz de contemplar as individuais, coletivas etc.); e para que todas as pessoas que fazem
necessidades das pessoas nelas envolvidas e as parcelas do emprés- parte do projeto possam efetivamente residir na ecovila – sem sua
timo realizado (o que não é trivial, dada a magnitude da dívida). substância essencial, as pessoas, ecovila alguma existe. Caso seja

122
124
necessário realizar investimentos financeiros, questões semelhan- estratégias distintas, que não concorram entre si e que se retroali-
tes às discutidas anteriormente com a compra da propriedade apa- mentem em favor do maior equilíbrio do sistema que se propõe.
recerão ao grupo (origem dos recursos, forma coletiva ou individu- Para tanto, além de irmos avançando em direção a uma maior
alizada etc.), e, dependendo das decisões tomadas, novos limites e compreensão de nossa própria experiência, para que possamos
possibilidades surgirão para o desenvolvimento do projeto. tomar decisões cada vez mais acertadas, vale uma atenção espe-
Os diálogos e decisões sobre como os membros da in- cial ao elemento que viabiliza e fornece substância aos projetos de
cipiente comunidade pretendem viver, a partir do momento em ecovila: a autogestão e o caráter coletivo destas iniciativas.
que fundam uma ecovila, constituem-se elementos fundamen- O convívio e a intersubjetividade humana devem ser a
tais para o debate da viabilidade econômica das ecovilas: se au- base para todo tipo de ação que se planeje, que envolva dinheiro
mentando ao máximo o seu nível de autossuficiência material; ou não, afinal, o que vale são as relações entre as pessoas intrin-
se pela geração de renda obtida pelo trabalho realizado na terra secamente ligadas, que são a Natureza.
adquirida; se pela renda oriunda profissionalmente fora dela; ou
por uma combinação destas formas.
A viabilidade econômica de cada projeto produtivo
específico não pode ser tomada como um fato certo de acon- Diogo Marques Tafuri
tecer, mas como uma possibilidade de médio prazo, pois exis- É associado da Ecovila Tibá, em São Carlos, SP. Sociólogo formado pela
tem implicações para que ela aconteça, como a capacidade de Universidade de São Paulo, exerce sua militância política como pesqui-
pagamento de dívidas e de investimentos na propriedade. Se a sador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
estratégia adotada for, essencialmente, de buscar a renda em Federal de São Carlos e como educador popular da Cooperativa de
Trabalho e Assessoria Técnica, Extensão Rural e Meio Ambiente
trabalhos realizados fora da propriedade, o grupo precisará pon- (AMATER).
derar sobre o próprio objetivo da ecovila: se ela será apenas um
local de moradia ou se ela será produtiva de alguma forma, bem
como o modo com que ele suprirá as necessidades de trabalho
reprodutivo inerentes a qualquer propriedade que se adquira, in-
dependente de sua extensão espacial.
Por fim, temos construído um entendimento de que o
desafio da busca pela sustentabilidade (não só econômica, mas
também) de um projeto de ecovila requer exercício criativo e
disposição prática de realização, que permita a composição de

125
A vida na nossa comunidade,
de uma forma prática, tem casas
comunitárias onde vivem pessoas
de todas as idades.
Por exemplo, a casa onde eu vivo, que era a minha casa
pessoal, eu ofereci para a comunidade: hoje é uma
casa comunitária, onde vivem cerca de 20 pessoas. Já
tem outras pessoas que vivem na comunidade, mas
em casas privadas. Aqui nós podemos ter tanto casas
privadas, como casas comunitárias.

Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga

126
127
128
Primeira reunião que a gente fez para organizar a comunidade,
num apartamento na cidade, foi assim: “Fulano quer ficar no
quarto tal... beltrano quer ficar no quarto tal...” No fim das
contas, a gente combinou o seguinte:

‘No início todo mundo mora no


dormitório, para ter realmente uma
experiência de comunidade...’
Todos toparam e, aí, começou.
Pavita Machado | Comunidade Osho Rachana

129
Se você quer ter a sua casa e viver só você
e sua família, numa casa enorme, você
pode, não tem problema nenhum. Não tem
julgamentos, não tem problema. Se você
quer viver numa casa com 20 pessoas, você
também pode, que é o meu caso.
Eu gosto de viver em comunidade, eu adoro! Por mim, eu quero viver com
todos. Por mim, juntávamos todas as casas e todo mundo ia viver junto.

Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga

130
Hoje a gente consegue ter guarda-roupa coletivo:
tem uma quantidade de roupas que todo mundo que
chega aqui pode usar. Pega e, se servir, usa. O que a
gente propõe aqui é que isso não é nem meu, nem
teu: isso é nosso. O fato de ser nosso é algo para ser
desfrutado, não é algo para eu me apossar como
minha propriedade.

Luiz Aquiles | Ecovila Karaguatá

131
Organizações Sistêmicas em
Comunidades Intencionais
Emmanuel Khodja

Organizações Sistêmicas é somente um rótulo, um indicador de conteúdo. Muitos outros bons rótulos
seguem surgindo na busca por apontar horizontes e coordenadas para a exploração de novos territó-
rios de organização coletiva. Rótulos como Organizações Caórdicas, Organizações de Aprendizagem,
Organizações de Centro Vazio, Organizações Teal, P2P, Sociocracia, Holacracia e várias outras “cia’s”
– só para citar alguns – são excelentes fontes de inspiração, que recomendo o estudo para aqueles
interessados em modelos de gestão e auto-organização mais colaborativos.
Proponho, entretanto, que o conceito de Organizações Sistêmicas não seja compreendido como
um modelo de gestão ou uma fórmula a ser implementada. Sua intenção é de, continuamente, abarcar e sis-
tematizar princípios e conceitos que podem ser úteis em processos colaborativos, como a teoria geral dos sis-
temas, física quântica, dinâmica de redes, descobertas da neurociência, pensamento sistêmico, biomimética,
permacultura, autopoiese e sympoiese, estruturas dissipativas, campos morfogenéticos, princípios caórdicos,
e diversos outros. Algo que conecta esses conceitos é que, de alguma maneira, eles se referem a sistemas
vivos ou são compreensões provenientes da sabedoria da natureza (na acepção mais ampla dessa palavra).
Atualmente, está bem difundida a metáfora de considerar as organizações humanas como
organismos vivos, o que torna, não apenas relevante, mas também crucial, a aplicação desses e ou-
tros princípios similares em aspectos de gestão organizacional. Se agrupamentos humanos de qual-

132
quer escala (de famílias a comunidades e corporações) são, não interesse de cada instituição. Ciente desse conteúdo, cada grupo
apenas organismos coletivos, mas também sistemas abertos, pode conscientemente optar por adotar ou adaptar aquilo que
então os mesmos processos que criam e sustentam a vida na lhe for mais proveitoso. Afinal, a diversidade dos grupos, seus de-
natureza podem ser relidos e reconfigurados para sustentarem senhos sociais e propósitos coletivos não permite afirmarmos o
a vida desses “metaorganismos”. Mas, para tal, lembremos que a que melhor serve a cada um.
vida não segue livros, doutrinas ou constituições (como alguns Por outro lado, mesmo as mais diferentes formas de
dos rótulos anteriores sugerem que deva ser feito). Sim, há pa- organização humana costumam vivenciar questões bastante si-
drões que podem ser percebidos e metodologias que podem ser milares que, se não forem conscientemente trabalhadas, podem
replicadas, porém, de forma dinâmica e adaptável, sendo essas facilmente fazer os grupos fracassarem em seus objetivos ou
premissas mais importantes do que as práticas em si. O que é in- mesmo se extinguirem involuntariamente.
contestavelmente vivo nas organizações são as pessoas e nelas Para reduzir esse risco, sabe-se hoje que é necessário
encontra-se a maior fonte de sabedoria a ser utilizada. atentar para aspectos como: ter habilidades adequadas de co-
Sistematizar práticas, instrumentos e metodologias ser- municação interpessoal e não-violenta; aprender a utilizar os
ve apenas de estratégia para criar algo como um vocabulário, conflitos como fontes de conexão; investigar como utilizar po-
um repositório de elementos úteis que favoreçam o desenvolvi- der e autoridade a favor do coletivo; substituir hierarquias es-
mento dos processos colaborativos que desejamos potencializar truturais por heterarquias funcionais; utilizar sistemas de tomada
em nossas organizações. Esse tem sido um dos intuitos do que de decisão distribuídos e inclusivos; fomentar processos de li-
chamo de Organizações Sistêmicas: oferecer um panorama de derança emergentes e circulares; praticar a arte da facilitação;
técnicas e conceitos que podem ser aprofundados conforme o promover metodologias de design participativo; incorporar pro-
cessos criativos de “in-formação” coletiva; estudar modelagens
organizacionais, e muitos outros...
Ter as ferramentas adequadas, o interesse e a dis-
ponibilidade para trabalhar essas questões não é garantia de
sucesso. Porém, estar consciente desses temas (leia-se mi-
nimamente capacitado) é fator primordial para iniciar a jor-
“O que é incontestavelmente vivo nas orga- nada de desenvolvimento dos grupos, criando uma cultura
de sustentabilidade e sinergia em nossas organizações, que é
nizações são as pessoas e nelas encontra-se parte do trabalho que desenvolvo através da abordagem das
a maior fonte de sabedoria a ser utilizada.” Organizações Sistêmicas.

133
Por fim, desejo ser honesto aqui em revelar que, nas
minhas experiências de participação em diferentes grupos –
seja como fundador, integrante, facilitador ou consultor –, te- “Ter a coragem de criar vida em comunidade
nho percebido que um tipo de organização costuma ser ainda
mais complexo e desafiador (o que, para mim, a torna mais in- é sair de nossa zona de conforto doméstica
teressante): as comunidades intencionais. Nomeadas ou não de
ecovilas, esses agrupamentos humanos que, além das relações e abandonar uma aparente (senão ilusória)
de trabalho e produção, incluem aspectos como moradia, edu- segurança de privacidade controlada.”
cação, diversão, desenvolvimento humano e outros, fazem com
que a pluralidade das relações e interações crie um campo de
grupo que demanda por soluções mais integradas e sistêmicas
(justificando mais uma vez o uso desse adjetivo). Ter a coragem de criar vida em comunidade é sair de
Comunidades intencionais, não raro, tendem a se cons- nossa zona de conforto doméstica e abandonar uma aparente
tituir como um pequeno reflexo dos arquétipos e dilemas presen- (senão ilusória) segurança de privacidade controlada. Frequen-
tes em nossa sociedade. Indo além das recorrentes questões que temente, as etiquetas e normas institucionais criam uma dupla
se apresentam nos grupos institucionais (sejam eles de qualquer personalidade em seus integrantes, que adotam comportamen-
natureza), o contexto das comunidades acrescenta cores vibran- tos diferentes em casa e no trabalho – o que pode ser percebido
tes à paleta das organizações. Especialmente por incluírem a mo- no vestuário ou na linguagem verbal e corporal. Mas é muito di-
radia em sua lista de atividades comuns, esses coletivos adicio- fícil “mantermos as aparências” 24h por dia e 7 dias por semana.
nam todo o cotidiano e intimidade de seus integrantes ao sistema Comunidades intencionais criam um contexto desfavorável para
organizacional, que agora precisa incorporar elementos extras, representações não autênticas e oferecem uma chance rara a
como, por exemplo, questões familiares e conjugais, convivência seus integrantes: ser quem você é.
com crianças, princípios ideológicos, práticas de espiritualidade, Apresentando-se como laboratórios de pesquisa em no-
convivência com desequilíbrios de saúde física ou mental, ritmos vas formas de organização coletiva, avessas às normoses sociais
diários, sonhos e expectativas pessoais, gostos alimentares, ani- que impedem nosso livre ser e pensar e, em alguns casos, ausen-
mais domésticos e até, acreditem, estilos musicais. Tudo pode tes do padrão de líderes e liderados, as ecovilas e comunidades
ser motivo de alegria para alguns ou desespero para outros, o intencionalmente interessadas em inovação social criam um ter-
que, repito, torna esses grupos ainda mais fascinantes e ricos para reno fértil para a expressão do potencial humano. Como orga-
estudarmos novas formas de organização e interação social. nismos complexos, elas demandam de suas células individuais a

134
disponibilidade para trabalharem-se internamente e coevoluírem
com o sistema, propiciando um padrão holográfico de atuação. Emmanuel Khodja
Oferecem, assim, a oportunidade de vivenciarmos nos-
so discurso, alinhando teoria e prática, trabalho interno e coleti- Trabalha com uma abordagem sistêmica de sustentabilidade e culturas
regenerativas, promovendo o desenvolvimento pessoal, organizacional
vo, desenvolvimento espiritual e organizacional. Se o zen-budis- e ambiental de forma integrada. Facilitador de grupos e processos, es-
ta Thich Nhat Hanh estiver certo e o próximo iluminado vier na pecialmente interessado em organizações evolutivas e colaborativas.
forma de uma comunidade, não creio que erraremos em rotulá-la Cofundador e primeiro presidente da ONG e Ecovila Terra Una
(.org.br), onde reside desde 2007. Coordenador e educador de
como uma organização sistêmica, um organismo coletivo capaz
programas Gaia Education online e presenciais em MG, RJ e
de atuar favoravelmente em benefício de si, da sociedade e da SP. Fundador da BioSistêmica(.com.br), empresa de consul-
existência como um todo. toria, treinamento e serviços em áreas como mudança or-
ganizacional, design permacultural e processos de transição.

135
Mudança Cultural nas
Ecovilas
Rebeca Roysen

As ecovilas são nichos de inovação cultural. Ou seja, elas propõem mudanças na cultura da nossa so-
ciedade. Quase todos os seus membros decidiram viver em uma ecovila justamente porque já questio-
navam os valores, as normas e as práticas da sociedade de consumo – seja na forma de um questiona-
mento intelectual ou como uma sensação de desconforto, de inadequação. Muitos de nós sentimos que
a forma como a sociedade de consumo estrutura as nossas vidas não nos traz real contentamento e,
assim, fomos levados a buscar outras formas de viver.
O fato de estarmos buscando uma mudança cultural é o que torna a vida em ecovila um
processo intenso de autoconhecimento e de trabalho interno. Mas, o que o autoconhecimento tem a
ver com a mudança cultural? Tudo! A sociedade em que crescemos e fomos educados criou padrões
de comportamento e julgamento que estão profundamente enraizados dentro de nós. A mudança das
práticas, das normas e dos valores exige, portanto, um trabalho de desconstrução de inúmeras coisas que
aprendemos e que nos tornaram quem somos hoje. Essa desconstrução é um processo que se apoia em
um coletivo, que se expressa em uma comunidade, mas que é, essencialmente, um processo interno.
Quando tomamos a decisão de viver em uma ecovila, temos de aprender diversas práticas
novas: o manejo da terra, a bioconstrução, a utilização do banheiro seco etc. Essas técnicas em si são
muito fáceis de aprender. Aqueles que já criticavam a estrutura da sociedade de consumo certamen-

136
te possuem uma grande motivação ideológica em adotar essas que adotamos traz uma contribuição importante para o planeta.
técnicas, especialmente quando adotadas com um grupo que No entanto, corremos o risco de nos tornarmos meros “consu-
compartilha os mesmos princípios da sustentabilidade e da Per- midores verdes”, totalmente alinhados à sociedade de consumo.
macultura. A grande dificuldade que todos enfrentamos quando Para ir além da técnica, o essencial é aprender a confiar nessa
vamos, efetivamente, viver em uma comunidade é aprender a inteligência coletiva que cria soluções criativas e sustentáveis a
viver, pensar, decidir e agir de forma coletiva. partir de um aparente caos. Quando vamos percebendo que o
Fomos programados para sermos individualistas: compartilhamento e a ação coletiva é muito mais difícil, porém,
a termos a nossa renda para podermos comprar as nossas muito mais gratificante do que a ação individual, começamos a
coisas. Fomos programados para decidirmos sozinhos sobre criar uma nova cultura.
como nos alimentamos, nos transportamos, limpamos o es-
paço em que vivemos, enfim, sobre a organização de toda a
nossa rotina diária, da forma como queremos e nos sentimos A importância da identidade
mais confortáveis. Para as pessoas que cresceram dentro des-
sa zona de conforto, a vida em coletivo exige um trabalho coletiva
intenso de mudança interna.
É por isso que a vida em ecovila não é pra qualquer Em qualquer grupo existe algo que a psicologia social chama de
um. Viver em uma comunidade exige que a pessoa esteja aberta “normas sociais”. Essas normas sociais são regras e padrões de
e disposta a expor as suas sombras, a rever os seus comporta- comportamento de um grupo, mas que não são explícitas e não
mentos, a errar e estar constantemente se percebendo e se apri- estão escritas em nenhum lugar. São normas que todos carregam
morando. Viver em ecovila é um trabalho de autoconhecimento dentro de si e que ditam o que é “normal” ou “anormal”, quais prá-
profundo. A intensidade das relações em uma comunidade nos ticas têm valor e quais não têm. Por exemplo, na sociedade de
faz ver muitas coisas sobre nós mesmos, sobre os nossos medos, consumo, trabalhar em uma empresa multinacional, ter um bom
as nossas inseguranças, os nossos apegos. Tudo isso fica visível salário, comprar um carro e um apartamento individuais e vestir-se
para o grupo. Enfrentar essa exposição pode ser desafiador. com roupas limpas e novas são comportamentos “normais” e va-
Esse trabalho interno é o mais importante trabalho que lorizados. Quando uma pessoa decide viver em uma ecovila, ela
podemos fazer. Sem ele, qualquer técnica é uma simples técnica. rompe com inúmeras dessas normas da sociedade de consumo
E a mera inovação técnica, quando não acompanhada de uma e passa a compartilhar, junto com a sua comunidade, normas so-
mudança cultural, vira mais um produto disponível no merca- ciais alternativas. Essas novas normas, muitas vezes, se expressam
do de consumo. Claro que qualquer tecnologia mais sustentável na vida como uma ruptura com a carreira, uma aparência mais

137
“Mudar os padrões e normas enraizados em
nós é um processo lento e muito trabalho-
so. Exige de nós muita paciência, com os
outros e com nós mesmos. Vamos apren-
dendo a não exigir de nós a perfeição.”

“largada”, roupas velhas e sujas de barro, construções mais simples


e espaços compartilhados que não atendem às expectativas de
limpeza que nossas mães e avós gostariam.
Esse rompimento com as normas sociais da sociedade
de consumo, naturalmente, traz inúmeras dificuldades na relação
dos ecovileiros com a sua família e seus antigos amigos. É preciso
muita coragem para romper com as normas predominantes. Daí
a importância da identidade coletiva. Quando estamos em uma
comunidade compartilhando essas novas normas com um grupo,
sentimo-nos fortalecidos para manter a nossa escolha, por mais
que ela seja incompreendida pelos nossos familiares e amigos. A
identidade do grupo traz um apoio moral essencial.
Por isso que é tão importante fortalecermos a rede de
assentamentos sustentáveis. Quando vemos que existem muitas
pessoas que, como nós, estão lutando por essa mudança cultural,
enfrentando os mesmos desafios, nos sentimos mais fortalecidos
em nosso propósito. Cada grupo tem a sua própria maneira e o

138
seu próprio tempo. No entanto, estamos todos buscando a mu- Celebremos juntos tudo o que conquistamos até agora
dança e precisamos nos apoiar e nos fortalecer nessa difícil tarefa. – especialmente, o que conseguimos transformar dentro de nós!
Uma das coisas mais difíceis é transformarmos as nor-
mas sociais da sociedade de consumo que insistem em per-
manecer enraizadas dentro de nós. É comum, no início da vida
comunitária, olharmos para a nossa vida, para as pessoas e o Rebeca Roysen
espaço ao nosso redor com o olhar das antigas normas. Com
Permacultora e pesquisadora. Mestra em psicologia social (USP) e
o olhar dos nossos pais, avós e antigos amigos. Caímos na ten- doutoranda em desenvolvimento sustentável (UnB). Mora com a
tação de julgar o que estamos fazendo, baseado nos antigos sua filha Bebel na Ecoaldeia Aratikum/ IBC.
padrões de conduta que aprendemos na nossa infância. Isso é
natural, principalmente porque não ficamos isolados, mas ten-
demos a transitar entre esses dois “mundos”, essas duas culturas.
Mudar os padrões e normas enraizados em nós é um
processo lento e muito trabalhoso. Exige de nós muita paciên-
cia, com os outros e com nós mesmos. Vamos aprendendo a
não exigir de nós a perfeição. Estamos todos aprendendo a viver
de novo em coletivo. Estamos todos no doloroso processo de
desconstrução da antiga cultura dentro de nós. Ninguém está
pronto pra viver em comunidade. Precisamos, sim, estar dispos-
tos e abertos para aprender juntos. Cada um terá o seu processo
pessoal, os seus medos, apegos e inseguranças para trabalhar. E
nós, como grupo, precisamos nos apoiar. Precisamos entender o
processo de cada um sem julgamento e com muito amor. Pre-
cisamos nos acolher e celebrar a nossa coragem em estarmos
dando esses pequenos, mas lindos, passos na direção de uma
cultura mais solidária e sustentável. Oro pra que os nossos filhos
e as futuras gerações possam herdar esse nosso trabalho e te-
nham a possibilidade de enraizar dentro de si novos padrões: os
de doação, compartilhamento, coragem e amor.

139
O Segredo da Comunidade
é a Confiança
Pablo Bedmar Soria

Integrei-me à ecovila itinerante Caravana Arcoíris por la Paz há mais de 20 anos. Desde então o mundo
tem sofrido transformações tecnológicas inigualáveis, uma verdadeira revolução das comunicações e
da informação. Às vezes, ficamos tão preocupados com acontecimentos do outro lado do mundo que
não percebemos o que acontece do nosso lado. Podemos perceber que muitas dessas informações
chegam selecionadas e interpretadas para criar certa tensão, um ambiente ilusório de medo que man-
tém vivo o paradigma que domina a sociedade atual. Esse paradigma se baseia em valores de compe-
titividade, exploração, acumulação, consumismo e individualismo, nos afastando cada vez mais da Na-
tureza, das outras pessoas, de nós mesmos, de nossas verdadeiras necessidades, propósito e emoções.
A primeira comunidade indígena que conheci foi a dos Ngöbe Goblé em Costa Rica. Na Ca-
ravana, a cada pouco tempo vivíamos um “reset tecnológico e social”, convivendo algum tempo numa
tribo, ou numa ecovila. De certa forma, a experiência nas duas é similar. Existe um sentimento de per-
tença ao lugar, uma irmandade tribal difícil de explicar que tem sido objeto de muitos estudos. Longe da
civilização, os sentidos se potencializam, entramos em sintonia com o espírito da comunidade, com as
mesmas necessidades e ritmos, e o paradigma muda.
No modelo civilizatório dominado pelo paradigma do medo, a crise existencial é estrutural. A
insatisfação geral com o modo de vida se traduz em doenças somáticas, mentais e conflitos para uma

140
grande maioria das pessoas, sobretudo para os que ficam abai- damentado na reconexão com si mesmo, no reestabelecimento
xo da faixa de pobreza. Por outro lado, a vida em ecovilas é um de relações saudáveis entre as pessoas e na reestauração da Na-
convite a sonhar e construir um outro mundo. Abre alternativas tureza degradada. Isto resulta numa simplicidade voluntária. Este
a pessoas que buscam a transição para um outro modelo fun- modelo parte de pequenas comunidades rurais, onde é mais fácil
refazer estas conexões, por mais que existam também mode-
los bem sucedidos em cidades e entornos virtuais. Este paradig-
ma do “Cuidado das Relações” é sistêmico, baseado em valores
como a colaboração, o respeito, a partilha justa, o cuidado, a em-
patia e a compaixão como base para um sistema que favoreça a
vida em harmonia, em alegria, em Paz.
“Em minha experiência morando, visitando Em minha experiência morando, visitando e estu-
e estudando ecovilas, encontrei dois tipos dando ecovilas, encontrei dois tipos de pessoas atraídas por
este modelo: algumas chegam fugindo, e continuam fugin-
de pessoas atraídas por este modelo: algu- do e reproduzindo seus medos porque permanecem presas
a eles; outras chegam procurando por realização, pois seus
mas chegam fugindo, e continuam fugindo sonhos são maiores do que o paradigma abandonado. Es-
e reproduzindo seus medos porque perma- tas últimas se transformam em semeadores de esperança e
de comunidade. São os “Portadores de Sonhos” no poema de
necem presas a eles; outras chegam procu- Gioconda Belli.
Cheguei à conclusão de que há um “segredo” co-
rando por realização, pois seus sonhos são mum e invisível, porém perceptível, que alicerça o sucesso
maiores do que o paradigma abandonado. nas ecovilas e comunidades indígenas: as relações de con-
fiança. Confiança sadia. Faço esta pontualização porque pode
Estas últimas se transformam em semeado- resultar confuso que a confiança cega, em que colocamos
nas nossas crenças, em pessoas que admiramos ou em uma
res de esperança e de comunidade. São os vontade superior, possa resolver todos os nossos anseios e
‘Portadores de Sonhos’ no poema de Gio- problemas. Não funciona assim. A confiança não consiste
em pular ao desconhecido com fé; e sim em dar passos co-
conda Belli.” nhecendo as próprias potencialidades e os possíveis desafios.

141
A confiança nasce como uma frágil e bela flor cultivada com
carinho, que se dá e se recebe entre as pessoas, se rega dia-
riamente com intenção e partilhas e se fortalece, conhecendo “A figura contemporânea do Facilitador ser-
e aprendendo do entorno e das forças naturais que nele inte-
ragem. Só assim poderá crescer de forma saudável e dar frutos, ve a um propósito coletivo, deve ser um ar-
sendo transmitida de geração em geração. Mas para tudo isso,
para lidar com uma comunidade de pessoas únicas e inigualá-
quiteto social com domínio dos processos e
veis, num jardim florido e brilhante de confiança, necessitamos com habilidades de liderança ao serviço do
começar com bons processos.
Os bons processos fazem bons amigos. Os processos grupo, de forma a guiá-lo nos diversos ca-
são a forma em que nos relacionamos em um determinado en-
torno social. Envolvem acordos, procedimentos, dinâmicas... e
minhos possíveis rumo às metas propostas.”
têm um propósito determinado: o de facilitar que aquele grupo
de pessoas atinja seu objetivo. Quando bem usados podem aju- culos de Danças, Dragon Dreaming, Conselhos de Visões, entre
dar a construir comunidade, assim quando como negligenciados outros, todos focados no cuidado das Pessoas e das suas neces-
podem confundir, cansar, dispersar e dividir os grupos. Sem eles sidades. O que também chamamos de Permacultura Social.
os propósitos se vêm inalcançáveis, os caminhos difíceis e as for- Na Ecovila Huehuecoyotl, uma das mais belas e bem
ças fracas. Os processos evoluem e abrem passo a outros novos, sucedidas no México, nasceu o IIFAC (Instituto Internacional
vão se constituindo como parte da cultura e tradições do grupo. de Facilitação e Mudança). Foi fundado por Beatrice Briggs e
Como Facilitador de processos, sou frequentemente procurado é pioneiro em desenvolver e divulgar processos de grupo a
por grupos frustrados com seus processos por falta de resultados, nível global. Foi também em “Huehue” que nasceu a Caravana
por escassez deles e por falta de familiaridade. Por isso é tão im- Arcoíris por la Paz, Living and Learnig Center da rede Global
portante conhecer, usar e cuidar dos processos do grupo, tanto de Ecovilas GEN, onde me formei como permacultor, facilita-
como cumprir com as responsabilidades individuais e coletivas. dor e capacitador do IIFAC, aprendendo, treinando a centenas
Com o propósito de construir confiança, tomar ex- de pessoas e ajudando a diversas ecovilas a integrar proces-
celentes decisões, celebrar, prevenir e resolver conflitos no sos nas suas dinâmicas sociais. Criamos e apoiamos redes
mundo comunitário, algumas Ecovilas aprenderam, promo- nacionais como a rede venezuelana, colombiana ou chilena
veram e desenvolveram processos e dinâmicas, como Con- de Ecovilas, e internacionais como ENNA e CASA. Estas redes
senso, Facilitação, Fórum, Comunicação Não Violenta, Cír- internacionais continuam divulgando suas experiências pelo

142
mundo, como exemplo vivo de sustentabilidade e servem
de inspiração e fôlego para as ecovilas mais novas, como na
Pablo Bedmar Soria
Ecovila Ayrumã, aos pés do pico Itambé, no interior de Minas
Gerais, onde trabalhamos resgatando o sentimento comuni- Instrutor de Permacultura, facilitador de processos grupais do
tário que ainda perdura entre as vizinhas comunidades com Instituto Internacional de Facilitação e Mudança (IIFAC), artivista para a
Paz e gestor de projetos culturais. Coordenou a Caravana Arcoíris por la
raízes indígenas e rasgos quilombolas. Paz, entre 1997 e sua finalização, em fevereiro de 2009. Atualmente
Em Ayrumã, a Facilitação é um elemento essencial participa da cocriação da Ecovila Ayrumã em Capivarí, MG.
para que os bons processos sejam bem guiados e os grupos
atinjam seus objetivos. Mas não devemos confundir esta fun-
ção com a de Líder, Chefe, Guru, ou qualquer outra que indi-
que autoridade centralizada com poder de decisão, numa vi-
são feudal. A figura contemporânea do Facilitador serve a um
propósito coletivo, deve ser um arquiteto social com domínio
dos processos e com habilidades de liderança ao serviço do
grupo, de forma a guiá-lo nos diversos caminhos possíveis
rumo às metas propostas. Quanto mais facilitadores haja no
grupo, e mais rotativa seja esta função, mais resiliente será.
Por essas razões, costumo dizer que os três elemen-
tos que formam a base de qualquer coletivo são: o cuidado
das pessoas, dos processos e das metas. Estando os três bem
equilibrados, farão crescer a confiança e o sucesso da comu-
nidade. Não é milagre, o segredo é semear confiança.

143
Águas de Dentro e de Fora
Juliana Faber

A água é a fonte da vida, a água é uma manifestação do sagrado e eterno feminino,


que está fora e está dentro de nós. Quando olhamos para a água desprovidos dessa
visão espiritual, nós a tratamos como um mero objeto material que tem uma finali-
dade específica de matar a sede, de banhar nossos corpos. Mas não é só isso. É esse
esquecimento desses valores espirituais que faz com que a gente destrua o sagrado
feminino: poluindo, jogando lixo, desperdiçando. É urgente que enxerguemos a
água espiritualmente. Só quando realizarmos esse resgate é que conseguiremos
proteger os mananciais de água do nosso mundo.

Sri Prem Baba

144
Somos seres líquidos. Mais de 70% do nosso corpo é água e é
esse líquido que faz tudo em nosso corpo fluir, é o que tudo
dissolve e também irradia todas as informações. Aliás, a água é “As águas são nossos sentimentos, são nos-
a maior irradiadora de informações do planeta. A vida huma-
na está diretamente conectada à qualidade das nossas águas so fluxo. Como tratamos a água fora reflete
dentro e fora, e já temos evidências efetivas de que as energias
vibracionais humanas – pensamentos, palavras, ideias, músicas
o quão rígidos ou maleáveis somos dentro.
– afetam a estrutura molecular da água. Como tratamos nossos sentimentos? Como
Informações sobre como cuidar da água não faltam,
mas por que ainda estamos tão distantes desse líquido tão deixamos a vida fluir? Se cuidamos dos nos-
sagrado? Assim como perdemos nossa conexão com a terra,
também perdemos com a água, e mesmo quando nos propo-
sos sentimentos, das nossas emoções, se
mos a cuidar das águas, em geral só nos lembramos de fechar deixamos a água fluir dentro, ela poderá fluir
a torneira ou de plantar árvores perto das nascentes. Como po-
demos mergulhar mais profundamente nas nossas águas den- fora também.”
tro e fora?
As águas são nossos sentimentos, são nosso fluxo.
Como tratamos a água fora reflete o quão rígidos ou maleáveis num espaço de gratidão: tenho água, limpa, pura e que me puri-
somos dentro. Como tratamos nossos sentimentos? Como fica diariamente. Infelizmente, não deixo de lembrar também de
deixamos a vida fluir? Se cuidamos dos nossos sentimentos, das todos os seres, humanos ou não, que perderam o acesso à água
nossas emoções, se deixamos a água fluir dentro, ela poderá pura e, nesse instante, além da gratidão, renovo o forte desejo de
fluir fora também. contribuir para que nossas águas se tornem cada vez mais limpas
Quem já passou longos períodos sem beber água sabe e nos purifiquem cada vez mais.
o quanto o primeiro gole após esse período é sagrado, é a melhor Em determinado momento do meu caminhar, esse
água do mundo, o líquido mais precioso. A lembrança de ter vivi- sentimento veio com tanta força que resolvi dedicar minha vida
do sete dias sem sorver uma gota sequer me faz voltar a esse es- a isso, a sensibilizar as pessoas a se (re)conectarem com a água.
paço de valorização da água. Procuro diariamente fazer esse exer- Percebi que diariamente poluímos nossas águas, dentro e fora,
cício de sacralizar cada gota, ao ouvir a chuva, ao ligar a torneira, sem percebermos. Usamos produtos nocivos, tanto para nosso
ao ver o mar, o rio, ao me banhar. Esse exercício me faz entrar corpo, quanto para a terra e a água. Foi daí que surgiu o propó-

145
sito de reverter essa situação. Foi daí que nasceu a Plante!, que Nunca duvide da capacidade de um pequeno grupo
é a manifestação desse amor por Gaia, a Terra, através do fei-
tio de produtos biodegradáveis e da sensibilização das pessoas de dedicados cidadãos em mudar os rumos do pla-
para o cuidado das águas, dentro e fora. Esse projeto se dedica
a tornar os produtos biodegradáveis acessíveis às pessoas e a neta. Na verdade, eles são a única esperança de que
sensibilizá-las a mudar seus hábitos em relação à água.
É algo muito simples, que começa por olhar nossos isso possa ocorrer.
hábitos individuais. De onde vem o xampu, creme dental, sa-
bonete e outros produtos que utilizamos todos os dias? Como
Margaret Mead
limpamos nossas casas ou lavamos nossas roupas? É nos deta-
lhes do cotidiano que temos a possibilidade de mudar o mun-
do. Pelo nosso exemplo vamos tocando pessoas e seguindo o
caminho do beija-flor que, mesmo dispondo só de uma goti-
nha, não cansa nunca do seu propósito de apagar o incêndio, e Juliana Faber
continua persistente na sua jornada. Dedica-se a sensibilizar as pessoas para a conexão profunda com as
Tem momentos que, quando olho para a inconsciên- plantas e a água, dentro e fora. A Educação Ecológica, Permacultura, a
cia humana e para a imensidão deste propósito, me pergunto: produção de cosméticos e outros produtos naturais são as formas
de manifestar essa conexão. Viveu em Institutos de Permacul-
será que é realmente possível reverter essa situação? Será que tura (IPEP-Instituto de Permacultura da Pampa e IPEC- Insti-
conseguiremos, enquanto humanidade, voltar a cuidar e a amar tuto de Permacultura do Cerrado) por sete anos e praticou
verdadeiramente a água? Após alguns segundos de dúvida, me com grandes nomes da Permacultura, irradiando por cur-
vem a imagem do nosso amado planeta Terra, a imagem de sos e vivências o que tem vivido. Na Comunidade Inkiri,
criou a marca Plante!, de produtos de higiene pessoal
um ser coberto com água e nuvens... e a dúvida desaparece. já e limpeza biodegradáveis, e onde é guardiã do Templo
não me sinto só, pois sei que existem milhares de pessoas na das Águas – núcleo de cuidado das águas e de soluções
mesma caminhada, com o mesmo propósito, um propósito de em pequena escala. É uma apaixonada pela vida e pela
Natureza, e pela simplicidade procura inspirar as pessoas
amor e cuidado. E me vem novamente uma frase que dá forças para a comunhão com a Terra e a conexão com sua natureza
ao meu caminhar: interna e externa.

147
Tornar-se Presente – uma
Comunidade em Silêncio
Produtivo
Terra de Rudá

Vivemos tempos compulsórios de relações. Estranhas relações. Por questões afetivas, ideológicas
ou de simples empatias entre extratos sociais afins, pessoas que nunca se viram, e, talvez, jamais
venham a se conhecer de fato, travam relacionamentos que vão do frugal à mais intensa troca. Se
podemos dizer, vivemos um tempo de comunidades. Comunidades disseminadas a cada intenção
que surge e pede expressão – WhatsApp, facebook, twitter, linkedin... são plataformas que assinalam
tempos de novas interações. Não importando a qualidade desses vínculos, o que percebemos é o
desejo intenso em se estar conectado com algo ou alguém, como se nada pudesse ser perdido
nesse relógio tirânico que nos cobra uma visibilidade resguardada pela distância ou o esquecimento
imputado àqueles que não aderem à rede. Talvez, a solidão disfarçada de relação seja menos cruel
do que a solidão com os odores claros da rejeição. Fica a pergunta: é possível que tecnologia e pro-
fundidade convivam em bom termo?
Percebendo que um impulso de emergência, juntamente com uma ansiedade normatizada,
nos acometem a cada conexão em qualquer de nossos androides, tablets, notebooks, a Terra de Rudá

148
propôs uma requalificação de nossos “vínculos-cliques”. Que tal
meditarmos juntos, pensarmos juntos, crescermos juntos? Em
dezembro de 2014, abrimos um Campo de Potência através das “Talvez, a solidão disfarçada de relação
redes sociais chamado Tornar-se Presente, em que o principal
fundamento, nesses tempos de dispersões institucionalizadas, seja menos cruel do que a solidão com os
é “estar Presente naquilo que se está fazendo”.
Todas as segundas-feiras, das 18h às 18:10h, as quar-
odores claros da rejeição. Fica a pergunta:
tas-feiras, ao acordar, por cinco minutos, algumas das mais de é possível que tecnologia e profundidade
400 pessoas em quatro grupos do whatsapp e mais de 3000 no
facebook comungam de um Silêncio cada vez mais consciente. convivam em bom termo?”
Nas sextas-feiras, no horário de almoço de cada um, sugerimos
uma invocação de agradecimento ao alimento e sua potência
nutridora. Além das datas equinociais e solsticiais, nas quais, ao sem religião. Enfim, colocar Presença onde há uma espécie
longo de sete dias, meditamos juntos em alinhamento com a de terceirização do nosso gesto no mundo.
posição do sol na entrada de cada estação. Toda semana, as Em nosso percurso, pessoas entram nos grupos visan-
meditações são inspiradas no céu astrológico e no Calendário do trabalhar sua atenção no sentir, no olhar, no falar, no calar e
da Luz (sistema baseado nas informações que a Luz traz a cada no pensar. Enquanto outras saem por não desejarem o ônus do
dia, segundo o seu ângulo de incidência e o I Ching – o livro Trabalho Interior ou por não encontrarem fórmulas fáceis im-
das mutações da milenar tradição chinesa). Esses temas de re- portadas de religiões institucionalizadas. No entanto, também
flexão remetem a novos olhares. observamos uma troca de conhecimento e cooperação que se
Temos por objetivo fazer contato, observar com estabelece espontaneamente entre os participantes, além de
atenção a nós próprios, trocar impressões sobre os temas relatos frequentes sobre ganhos e mudanças posturais ocorri-
propostos semanalmente, comungar este Campo de Potên- das a partir da prática do Tornar-se Presente.
cia, essa egrégora consciencial que visa aperfeiçoar nosso Sentimo-nos gratos por habitarmos o nosso tempo.
estado de Presença no dia a dia. Alguns assuntos permeiam Independente da indisponibilidade da agenda de cada um, nos-
nossa comunidade: crescimento emocional; a natureza do sos encontros acontecem em qualquer lugar, a qualquer hora,
ego, do Ser e suas relações de interdependência; a desidenti- em qualquer situação. É a vitória da Vontade do Ser sobre as
ficação da nossa própria história de vida; a Arte como potên- demandas compulsórias cotidianas que nos adiam a um futuro
cia craqueladora de clichês posturais e uma espiritualidade idealizado. Afinal, Tornar-se Presente é o antídoto contra o de-

149
150
sejo de manipulação do outro sobre nós e de nós sobre o outro.
A Comunidade Tornar-se Presente é o alimento que clareia o
Terra de Rudá
olhar, assenta a Vontade e potencializa o Gesto.
A Terra de Rudá é um núcleo de terapeutas e fabula- Terra de Rudá é um núcleo de terapeutas do Rio de Janeiro que, há
dores do Rio de janeiro que, ao longo de uma década, expe- uma década, trabalha com o objetivo de criar condições psicoespiritu-
ais para que no interior do indivíduo, órfão de si, possa emergir a
rencia o diálogo entre a Psicologia, a Arte, o Conhecimento, Potência em Ser, construtora de um humano em acordo com
a Natureza e a Espiritualidade. Através de retiros de imersão, o seu tempo. Natureza, Psicologia, Arte, Filosofia, Política,
workshops, cursos, palestras, vídeos e textos, procuramos fa- Espiritualidade são alguns instrumentos utilizados em pa-
cilitar a interação entre os diversos campos do conhecimento lestras, cursos, seminários, workshops, intervenções e
retiros em que as questões da alma podem ser tocadas
humano. Criamos um sistema de abordagem que contempla pelo afeto da Consciência.
o processo de integração psicoespiritual entre os desvios que
assediam o ego e seus apetites e o incorruptível que É em cada
um de nós. Nomeamos de Psicologia do Numinoso este pro-
cesso de nos tornarmos quem de fato somos, ou seja, luz e
sombra em franca e lúcida afetividade.

151
A questão hierárquica, de ter umas pessoas decidindo o que todo mundo iria
fazer, começou a ser questionada, pois não estava funcionando para ninguém.
Ficava muito pesado para quem estava nessa posição de decidir as coisas, pois
levava muita projeção das pessoas. Era como se ficasse o pai e a mãe ali e os
filhos todos bravos, com cara que “tem que obedecer”. A gente viu que aquilo
ali estava barrando o crescimento pessoal de todo mundo, então, em função
dos conflitos e das dificuldades que a gente estava vendo, nós começamos a
questionar o sistema e resolvemos mudar. Foi um processo longo de mudança,
porque ninguém sabia para onde deveríamos ir. Quando comecei, eu tinha um
modelo na cabeça e apliquei aqui, mas, daí para mudar, não tinha modelo. Isso é
o barato da coisa! Foi um caos, entende? Acaba com o modelo e vamos ver o que
acontece. E aí, o que aconteceu, foi que cresceu.

Pavita Machado | Comunidade Osho Rachana

152
A gente tem nossa líder, Angelina. Ela começou tudo isso. Ela foi a primeira que sonhou
com tudo isso. Então, ela abriu as portas para a gente realizar muito dos nossos sonhos.
A gente honra muito o papel que ela tem aqui e reconhece a autoridade que ela tem
aqui, sobre esse lugar.

Não é uma autoridade repressiva,


imposta. É uma autoridade
reconhecida por nós, uma autoridade
muito amorosa.
Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga

153
Ela é uma grande mãe. Está sempre
pronta para ouvir o que a gente está
falando e também coloca muitos limites
quando a gente viaja.
A gente se sente muito grato por ter uma pessoa que está olhando para o todo, e depois, como tem
diferentes núcleos, diferentes projetos, também tem líderes em cada um dos projetos. O líder vai sempre
dialogar, sempre cocriar. Ele vai à frente, mostrar o caminho e dialogar também. Ele está olhando e está com a
autoridade energética daquele processo.

Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga

154
As decisões são sempre tomadas em consenso com as pessoas que moram aqui, sobre os rumos que a gente vai
tomar, as ações que a gente vai fazer, sempre procurando que essas ações sejam harmônicas com a natureza e,
também, procurando um olhar um pouco mais adiante, não se prendendo somente aos resultados imediatos ou
da minha geração, mas pensando: “Essa ação que eu vou fazer agora, será boa pra mim e para os outros,
não somente nessa geração, mas para o resto da vida?” Isso é um grande balizador para a gente.

Cada vez que a gente vai fazer uma ação,


procura pensar se essa ação realmente vai
trazer harmonia e felicidade ao longo
do tempo.
Romeu Leite | Vila Yamaguishi

155
Muita gente pergunta, “como vocês fazem com resolução de conflitos?” Ok, alguém
tem um conflito, se o conflito pode ser resolvido entre duas ou outras pessoas, as
pessoas que estão no conflito, as pessoas vão tentar e é ótimo resolvam. Se não é
possível, vão buscar alguém que podem ajudar, alguma pessoa na comunidade que
possa ajudar. Se ainda não é possível, vão buscar a liderança.

Angelina

156
Nós temos alguns acordos dentro da comunidade que
sustentam muito a vida interna, o trabalho interno.

Um deles – que é o que eu sinto que a


comunidade mais trabalha bem, que tem uma
força – é o acordo que a gente tem de viver a
verdade. Toda reunião, toda partilha, não tem
uma coisa que fica embaixo do tapete.
Bruno Perel | Comunidade Dedo Verde

157
Nós também temos acordos de convivência. Usamos os quatro acordos do Miguel Ruiz,
que é um Mestre Xamã. A gente usa muito esses acordos. A impecabilidade com
a palavra: aqui em Piracanga a gente busca não fofocar, não mentir. A gente usa o poder
da palavra para criar coisas que sejam lindas, que sejam para o Todo, com muito cuidado
com a palavra. Não fazer suposições: sempre quando queremos saber alguma coisa,
a gente pergunta.

Se eu quero saber se você está


chateado comigo, vou te perguntar,
não vou perguntar para seu vizinho,
vou perguntar para você.

158
Também não vou ficar imaginando que você está minha casa e você não foi, não vou achar que é algo
chateado comigo porque você não me deu “bom pessoal comigo. É a sua história: você não foi e está
dia”. Vou te perguntar se você está chateado comigo. tudo bem. E o último acordo, que facilita todos os
O terceiro acordo é não levar nada para o pessoal: outros, é: estamos fazendo o nosso melhor, então, se
se você falou de um jeito que eu não gostei, eu sei em algum dia a gente faz alguma suposição, a gente
que isso é um processo seu, uma história sua, e não não vai se matar por isso.
é alguma coisa pessoal comigo. Então, eu respeito a
Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga
sua história, respeito o seu processo e não vou ficar
chateada porque, enfim, te chamei para você ir na

159
A vida comunitária é muito boa.
Parafraseando uma pessoa daqui, são muitos
espelhos. Você enxerga muito suas sombras
nos outros, você consegue traçar perfis
olhando nos outros, então é uma oportunidade de crescimento muito grande, porque você
tem que aceitar, ceder, e também exercer a sua voz, seu ponto de vista. Aqui, a gente tem
uma espécie de mote, que é ‘crescer na diversidade humana’. A gente acredita que o mundo
é diferente, as pessoas são diferentes, temos criações diferentes. Cada um aprendeu a fazer as
coisas de uma determinada maneira e, quando você coloca todo mundo junto, às vezes sai
faísca, mas aí tem como resolver o conflito e tentar trazer a harmonia na palavra.

Fernando Neubauer | Ecovila Tibá

160
Muita gente pergunta: “Como vocês fazem com
resolução de conflitos?” Se o conflito pode ser
resolvido entre duas ou mais pessoas, as que
estão em conflito, elas vão tentar, e é ótimo
que resolvam. Se não é possível, elas irão buscar
alguém na comunidade que possa ajudar. Se ainda
assim não é possível, irão buscar a liderança.

Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga

161
A gente começou com os adultos a fazer o ritual do bastão da fala, que é um círculo
da fala sagrada. Os indígenas costumam utilizá-lo em seus encontros, em suas
rodas de conversa. Esse ritual privilegia a escuta atenta e a fala do coração, então,
quando alguém está falando, todo mundo fica em silêncio absoluto, busca silenciar
não só a sua voz, mas também suas agitações internas, para poder ouvir de verdade
o que aquela pessoa está falando.

162
Quem ouve presenteia quem fala com essa
audição atenta, e quem fala presenteia quem
ouve com as verdades do seu coração, e aí
se sente tranquilo, seguro para poder dizer o
que brota de dentro, sem se preocupar com
julgamento, com retaliações. Essa é a proposta
desse círculo.
Ana Claudia Fugikaha | Ecovila Tibá

163
Se você tem dificuldade com uma pessoa
e age como a grande maioria, que é “não
olho mais pra ti”, termina o relacionamento,
isola aquela pessoa (para nunca mais ter que
olhar para cara dela), simplesmente troca
de calçada e tal... aqui na comunidade é
impossível fazer isso.

164
Tu convives com a pessoa que está sentada ao seu coisa de ti e de mim (que eu também sou ser humano,
lado no café da manhã e terminou o relacionamento tenho sentimentos e tal), e a amizade entre a gente vai
anteontem, entende? Tu vais ter que encarar o aprofundar. Se eu te ignorar porque eu não gostei do
sentimento que tem a respeito disto, vais ter que limpar que tu fizestes, e eu não tenho coragem de te falar, a
ele pra conseguir conviver. Isso é muito rico, porque o amizade da gente vai acabar. É muito importante lidar
que as pessoas fazem quando elas isolam um amigo com as questões que estão atrapalhando a amizade,
que estão ‘putos da cara’, um relacionamento? Ela que são os conflitos. É isso que a gente procura
fecha uma parte do seu coração, anda na vida com fazer, mas às vezes fica difícil fazer pessoalmente, e
essa parte do coração fechado. O próximo amigo que aí leva para a comunidade, e a comunidade ajuda as
incomodar, fecha mais um pouco. Daqui a pouco tem pessoas a enxergarem. ‘Olha só o que tu tá falando, tu
tantas portinhas fechadas que não cabe mais um grande tá viajando nisso e tanana...’ É uma assessoria coletiva
amor ali, entende? Se não faz isso, por exemplo, se tu para resolução de conflitos.
pisas nos meus calos, aprontas, faz uma sacanagem
Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga
comigo e eu fico ‘puta da cara’ e te falo, eu vou até o
fim. Talvez tu enxergues que pisou na bola e, daí, isso
vai te dar uma informação, que tu vais enxergar uma

165
O Despertar de Valores
Comunitários para a Construção
de uma Nova Justiça
Isabela Dantas

A rotina nos tribunais, nas salas de audiências, nos cartórios, lá onde nossa necessidade de justiça
comumente agoniza em meio a pilhas de papel e automatismo, tem revelado em minha experi-
ência como advogada, há alguns anos, que o sistema formal de jurisdição mostra-se bem pouco
eficaz para possibilitar uma abordagem efetiva dos conflitos. Na dinâmica das relações humanas,
que existem muito além dos autos processuais, o judiciário se faz presente como ordem auto-
ritária e violenta, com a função de resolver litígios – fazendo-os silenciar à força – e não lidar
com os conflitos, que pulsam em suas raízes. Não é por outra razão que, independentemente de
haver uma decisão judicial (favorável ou não), as relações, que já chegam ao judiciário abaladas,
continuam se deteriorando, adoecendo e, comumente, acabam por produzir novos litígios, novos
processos, provocando novas ordens autoritárias, violentas e ineficazes, em uma verdadeira ro-
da-viva de sofrimento que segue perpetuando estratégias insustentáveis na tentativa de alcançar
alguma justiça.

166
Por entender que muitas demandas que chegam ao Comunicação Não-Violenta, para trabalhar com os conflitos a
Judiciário têm origem em conflitos ainda não acessados, enco- partir dos desafios da linguagem e das relações humanas.
bertos por vínculos afetivos desgastados e relações repletas de Neste percurso de investigação, observo que uma
mal-entendidos, comecei a me sentir profundamente frustrada e mediação tem mais chances de nos ser útil quando o faci-
triste ao perceber que a advocacia, como a conhecia até então, litador se abre ao desconhecido sobre o conflito e busca se
não me oferecia condições de contribuir para que a necessidade aproximar da singularidade de cada uma das pessoas envol-
de justiça fosse efetivamente atendida na vida daquelas pesso- vidas, e suas necessidades – ao invés de focar em um acordo
as. Por isso, aos poucos, comecei a me afastar daquele Direito (imaginariamente) favorável sobre o que quer que esteja em
formal e, em 2012, acabei me encontrando com a mediação. A disputa –, em uma aposta persistente no cuidado das relações
perspectiva de poder contribuir para a humanização dos meios humanas. O empenho para criação deste espaço seguro, de
de lidar com conflitos, cuidando dos laços pessoais e sociais nes- escuta e diálogo, onde os afetos e as necessidades implicadas
te campo da Justiça, foi um chamado que me reaproximou do no conflito podem ser acolhidos e cuidados, me fez perceber
Direito, agora em uma articulação com a Psicanálise e com a que o sentido último (e primeiro) da prática da mediação é, na
verdade, (re)formar comunidade.
Em nossa sociedade, principalmente nos grandes
centros urbanos, o estímulo constante ao consumismo, ao
individualismo, ao imediatismo, acaba contribuindo para um
afastamento significativo das pessoas de valores que são fun-
“O empenho para criação deste espaço se- damentais à Vida, como cooperação, solidariedade, confiança;
e cuja presença marca a diferença fundamental entre um mero
guro, de escuta e diálogo, onde os afetos agrupamento humano e uma comunidade. Diferente de ou-
tras organizações sociais, o organismo de uma comunidade
e as necessidades implicadas no conflito comporta um sistema de valores que contribui para o fortaleci-
podem ser acolhidos e cuidados, me fez mento de um sentido de pertencimento e um reconhecimento
entre as pessoas através de suas humanidades. Uma experiên-
perceber que o sentido último (e primei- cia comunitária convida à atenção ao outro, ao ambiente e ao
cuidado das relações (com o outro e com o ambiente) com o
ro) da prática da mediação é, na verdade, propósito de manter íntegros estes laços, para manter íntegra e
(re)formar comunidade.” viva a própria comunidade.

167
Neste sentido, entendo que a prática da mediação nos
oferece a oportunidade de resgatar valores comunitários na me-
dida em que, através dela, lidar com o conflito pode se tornar
uma investigação para um aprendizado compartilhado – sobre
isso que nos afasta –, e não um mero procedimento “técnico-jurí-
dico-interdisciplinar” para resolver “problemas” ou buscar respos-
tas – sobre o que fazer ou quem tem razão. Na dimensão da Vida,
tenho experimentado a mediação inaugurando novos espaços
no corpo da sociedade que nos convida à cocriação de um siste-
ma de justiça outro, mais dialógico, restaurativo e sustentável, no
qual as pessoas e suas relações em conflito passam a ser o foco
da nossa atenção, e não mais aquilo que está em disputa.
Esta construção de sentido, juntos, no campo da lingua-
gem, é o que tenho entendido como a abordagem não violenta
dos conflitos. Os princípios da não violência surgiram no início
do século XX, no movimento liderado por Mahatma Gandhi para
independência da Índia, e inspiram inúmeras iniciativas que visam
à desconstrução do uso da violência (real ou simbólica) nas re-
lações e a promoção de ações voltadas à conquista de objetivos
sociais e políticos em prol da liberdade e da democracia. Foi ins-
pirado nestes princípios da não violência que Marshall Rosemberg
identificou haver uma “abordagem específica da comunicação –
falar e ouvir” que nos leva a um exercício de responsabilização
pela vida, nos permite desenvolver confiança e uma maior aten-
ção a tudo que pode cuidar de nós mesmos e dos outros. A este
propósito de comunicar, que busca estimular a empatia, a com-
paixão e criar condições para promover a transformação de situa-
ções de conflito em oportunidades de conexão intra-interpessoal
e sistêmica, Marshall deu o nome de Comunicação Não-Violenta.

168
Deste modo, entendo que o exercício da mediação, por
meio de práticas dialógicas, não adversariais e não violentas, re-
Isabela Dantas
presenta apenas um recurso – entre tantos outros – que pode
ser utilizado para fortalecer as relações humanas, resgatar práti- Advogada, psicanalista e mestre em Sociologia e Direito pela UFF, onde
cas ancestrais de boa convivência e colaboração, e fazer nascer desenvolveu a pesquisa “Mediações e os desafios da transmissão no
campo do Direito: Educação para uma nova Justiça a partir da ética e
um novo senso de comunidade em nossa sociedade – não de- do diálogo” e investiga, desde 2014, práticas dialógicas apoiadas em
vendo ser confundida com uma técnica ou instituto jurídico. Comunicação Não-Violenta.
Enquanto via para restabelecimento da palavra, a me-
diação tem se revelado para mim como experiência a ser inven-
tada a cada novo conflito, na sustentação de um espaço seguro
onde a verdade possa ser expressa, possibilitando o encontro
com nossa dualidade, com nosso não saber, com nossa huma-
nidade. E neste novo caminho pela mediação, experimento a
alegria de estar engajada na co-construção de uma justiça mais
humana e responsável – pela vida e por aquilo que se diz. Ob-
servo que as palavras que nascem desse encontro não produ-
zem efeito de mediação por definir um acordo, simplesmente: a
mediação se realiza com a criação da própria palavra, divina por
ser gerada na comunhão das forças que nos homens escolhe
cuidar da Vida, e resultam não em um ganha-ganha de ordem
material, mas em um ganho mútuo que se revela no encontro e
na potência criativa junto ao outro.

169
A gente entende que todo conflito que existe
nas nossas relações, nos nossos espaços de
trabalho e em tudo, que todos os conflitos
que a gente vivencia, tem a ver com algum
conflito interno, alguma coisa que está
acontecendo dentro da gente.
Maíra Sagnori | Comunidade Inkiri - Piracanga

170
171
A direção que a gente vai hoje não é que o outro
resolva o meu problema, mas é que cada um busque
dentro de si a solução do seu problema. O conflito
deixa de existir quando dentro de mim eu resolvo ele.
Não é eliminando o polo oposto que vai resolver o
problema, pois sempre surgem conflitos.

Luiz Aquiles | Ecovila Karaguatá

172
Eu acho que podem ter momentos mais tensos, momentos menos tensos, mas o que sobra no fundo, no fim das
contas, é a intenção. Então, eu acredito que as pessoas que estão aqui, que moram aqui hoje, todas elas têm a
intenção de viver em amizade, em harmonia. A gente não enxerga muito essas diferenças como conflitos: diferenças
são diferenças, não são necessariamente conflitos porque tem diferenças. É interessante a gente aprofundar nessas
diferenças e procurar a origem dessas diferenças e respeitar todas elas. Eu acho que, se a gente vê as diferenças
simplesmente como diferenças, fica muito mais leve do que deixar que a diferença se torne um conflito.

Quanto mais a gente puder ressaltar


as diferenças e conviver com elas,
mais divertida se torna a vida.
Romeu Leite | Vila Yamaguishi

173
Caravana Nômade Asas
e Raízes
Guto do Mato

Asas para voar e Raízes para firmar, assim nos inspiramos na vida nômade, seguindo em caravanas, ora jun-
tos com a tribo, ora na solitude. Aprendendo e refletindo sobre autoconhecimento e nossa conexão com a
Mãe Terra, seja vivendo nas estradas, nos caminhos, no acolhimento de surpresas e bênçãos que chegam
a todo momento, ou seja, vivendo em comunidades, ecovilas, na terra, no mato, semeando, colhendo, se
integrando à natureza. Assim é o fluxo das caravanas que surgem, unem pessoas, promovem encontros,
tecem conexões, realizam trocas em tantos sentidos, que inspiram liberdade.
Nossa missão em Caravana é sermos tripulantes das naves, ônibus e kombis cósmicas, coloridas,
cada uma com sua identidade, cada uma zelada com muito carinho pelos seus condutores, copilotos e
tripulantes. Ser tripulante de uma Caravana é ser uma pessoa comunitária, consciente, íntegra, interativa, que
participa do fluxo e expressa sua função na Caravana, sua potencialidade, seu dom, seu talento, sua felicida-
de! Assim, refletimos como é o Ser Comunitário, tripulante da Grande Nave Mãe Terra Gaia Pachamama!
A Caravana Arco Íris pela Paz é uma ecoAldeia nômade que, com 20 anos em circulação, já
conectou milhares de pessoas, comunidades, aldeias, ecovilas, bairros e cidades. Desde seu místico
surgimento, em 1996, no México, com Alberto Ruz, a Caravana Arco Íris pela Paz já percorreu mais de
18 países, centro e sul americanos, e realizou muitas ativAções, compartilhando saberes, sentimentos e
visões que colaborem para a sustentabilidade ambiental. Em 1996, a Caravana recebeu no Brasil a mis-

174
são de ser Ponto de Cultura Itinerante, o que levou a Caravana a
conectar os pontos de cultura de todo Brasil. A sementinha Arco
Íris estava nascendo no Brasil e segue hoje viva, honrando sua
missão de luz, paz, amor, harmonia e unidade!
Atualmente, a Caravana Arco Íris vem tecendo e cola-
borando com encontros e festivais conscientes, que despertam
o sentimento de união, integração e sustentabilidade. Seguin-
do inspirad@s pelo chamado do Condor, chamado do Beija Flor,
conselhos biorregionais, chamado pé na terra, chamado biore-
gional, encontro do movimento comunitário alternativo no Bra-
sil, encontros da família ArcoÍris, encontros e ações (mutirões,
bioconstruções, plantios...) em Agroecologia e Permacultura, en-
contros do Conselho de Assentamentos Sustentáveis das Améri-
cas (CASA), manifestAções Artevistas e tantos outros movimen-
tos que a Caravana já polinizou e floresceu!
Na Caravana temos campanhas permanentes para se-
guir conectando e polinizando os caminhos, oferecendo ofi-
cinas de agroecologia e bioconstrução, educação ambiental,
coleta solidária de roupas, livros, brinquedos, utensílios e ali-
mentos para distribuição em comunidades e aldeias necessi-
tadas, o apoio e fortalecimento aos campesinos, agricultores
familiares, comunidades tradicionais e povos indígenas, guardi-
ões das águas e das sementes puras, colaboração no encanta-
mento da educação alternativa em escolas para crianças, jovens
e adultos, apoio e incentivo às terapias holísticas e medicinas
naturais, redes de consumidores e produtores conscientes e ao
veganismo, apoio ao caminho devocional e conexão com a
espiritulidade e a permanente boa vontade em se unir para a
ascensão harmônica planetária.

175
176
Guto do Mato
“Ser tripulante de uma Caravana é ser uma
Permacultor, engenheiro florestal, guardião de sementes e das águas,
pessoa comunitária, consciente, íntegra, in- membro fundador da Aldeia da Mata Atlântica RJ e focalizador da péta-
la de agroecologia e permacultura da Caravana Arco-íris pela Paz, com
terativa, que participa do fluxo e expressa formação em design de sustentabilidade pelo Gaia Education, conselhei-
ro da pétala nômade do Conselho de Assentamentos Sustentáveis das
sua função na Caravana, sua potencialidade, Américas (CASA). Txai no projeto permacultura nas aldeias, atual-
mente vem realizando projetos de permacultura social, apoian-
seu dom, seu talento, sua felicidade! Assim, do e contribuindo no planejamento, desenho e criação de
ecovilas, implantação e manejo de sistemas agroecológicos
e bioconstrução de casas sustentáveis, saneamento ecoló-
refletimos como é o Ser Comunitário, tripu- gico e casas nas árvores.

lante da Grande Nave Mãe Terra Gaia Pacha-


mama!”

Tod@s são bem-vind@s a embarcar e contribuir como


tripulantes na Caravana, e em tantas outras caravanas circulantes
e nômades, inspirando novas formas de nos relacionarmos com
o planeta, de modo cooperativo e integrado, realizando intercâm-
bios culturais, trocas espontâneas de saberes e aprendizados e co-
nexões entre tod@s aquel@s que estão abert@s, dispostos e com
coragem para dar as mãos e juntos gerarmos a abundância e feli-
cidade que queremos ver na Terra!!!
Ahooow Metakuiasse (por todas nossas realAções) hauxx
hauxxx brilhando com todas as cores! Vamos junt@s! realizar to-
dos nossos Sonhos!!!

177
Navegando em uma
Ecovila Itinerante pelo
rio Amazonas
Henny Freitas

Projetada para desfrutar uma viagem de aventuras através do maior sistema fluvial do planeta Terra, a
expedição Barco Íris é uma contribuição para um futuro intencionalmente sustentável. É o exemplo de
um sonho coletivo esculpido em realidade entre pessoas multiculturais sobre uma casa flutuante, uma
escola experimental e o palco de um teatro consciente.
Zarpamos seis meses depois de intensa preparação. O local escolhido foi Coca, região ama-
zônica do Equador. Cruzamos fronteiras de quatro países, das cabeceiras montanhosas dos Andes ao
Oceano Atlântico: Equador, Peru, Colômbia e Brasil. Ministramos oficinas em 10 etnias indígenas e 90
comunidades diferentes – tudo para passar a ideia de sustentabilidade. Vinte e um tripulantes de dez
países diferentes participaram em diversas etapas – da construção à navegação – do que se tornou
uma jornada épica. Trezentos e trinta e três dias depois e cerca de 4.500 km navegados chegaríamos
à Belém do Pará para encontrar o mar.
Fomos vistos como uns permativistas delirantes (para não dizer loucos) sonhando em
construir um barco reciclado de garrafas PET feito com as nossas próprias mãos no meio da floresta

178
Amazônica. Quando olho para trás, percebo que a premissa é os resíduos recolhidos das comunidades e dos rios, produzimos
verdadeira, já que todos nós, marinheiros de primeira viagem, roupas, marionetes e artigos de malabarismo.
desconhecíamos a linguagem náutica. Em comum, tínhamos o Assim, nossas performances teatrais ganhavam adere-
desejo de experimentar navegar o rio mais caudaloso do mun- ços e conseguíamos promover intercâmbios que integrassem
do e conhecer comunidades ribeirinhas no caminho. E qualquer o conhecimento nativo frente à problemática do uso indevido
que fosse o trajeto, nunca passaríamos despercebidos, já que, do “lixo”. A receptividade? Imprevisível! Em alguns lugares, aque-
além do teto estampado com as cores do arco-íris, navegáva- la sensação de um ponto de interrogação do tipo: “quem são
mos a 7 km por hora. As crianças sempre conseguiam nos ultra- esses malucos vestidos de saco plástico e o que estão fazendo
passar com suas canoas... e faziam isso sempre! na minha aldeia?” era inevitável. Também tivemos momentos
Nossa missão, então, passou a ser audaciosa: chamar gratificantes daqueles quando se diz a si mesmo: “valeu a pena”,
a atenção do mundo para a regeneração planetária. Para isso, seguido por: “faria tudo de novo!”.
agimos como portadores de mensagens levando e trazendo
propostas de preservação e conservação da natureza para Cú-
pulas e Fóruns Sociais Mundiais. Essa era a chance que tínhamos Permacultura a bordo
de introduzir o conceito de uma sustentabilidade programada,
uma contrapartida positiva aos maus hábitos de contaminação Optamos por reativar o modo de se comunicar através de men-
do solo, da água e do ar. E fizemos isso através de teatro im- sagens dentro de garrafas (neste caso de plástico!) como um ape-
provisado, da projeção de filmes, de palestras, oficinas e confe- lo à forma exacerbada com que transformamos recursos naturais
rências nas áreas da reciclArte e do consumo consciente. Com em embalagens descartáveis. E continuamos apelando para di-
minuir a velocidade da luz com que decisões mundiais irreversí-
veis são tomadas em relação às questões ambientais.
Como exemplos para promover o conceito “zero lixo”
(do consumo ao descarte), algumas ações permaculturais foram
tomadas: plantamos 30 árvores nativas e frutíferas com a ajuda
do composto produzido a bordo de um banheiro seco; capta-
“Nossa missão então passou a ser audacio- mos água da chuva do teto do barco em tambores de 50 litros
cada; carregamos as baterias das câmeras (fotográfica e de vídeo)
sa: chamar a atenção do mundo para a re- em um painel solar flexível; acoplamos um alternador no motor
generação planetária.” para produzir energia elétrica e, assim, alimentar nossas luzes led;

179
cultivamos jardins verticais com especiarias, vegetais e remédios
naturais para tripulantes e visitantes; cozinhamos comida vegeta-
riana no fogão cuja lenha provinha de galhos secos da selva e em
pontos de construção nas cidades.
Ora remado por sete pessoas, outrora por um motor a
diesel modificado para funcionar com óleo de cozinha usado,
nosso trimaran foi construído a partir de galões de 220 litros fe-
chados a vácuo, madeira de reflorestamento e bambu, colhidos
e replantados por nós e nossos amigos equatorianos. A primei-
ra parte da viagem – do Equador ao Peru – seguiu rio adentro
com o impulso da correnteza. Como não tínhamos freios, a única
maneira de parar a nossa ecovila flutuante era pular nas águas e
amarrá-la em uma árvore às margens do rio.
Acordávamos com o nascer do sol – exceto o “guardião”
do dia. Por questão de segurança, além de evitar eventuais visitas
indesejadas de animais selvagens a bordo, de tempo em tempo
nosso guardião usava um longo remo para verificar o nível da
água com a finalidade de evitar ficarmos presos à lama caso o
nível da água baixasse abruptamente. Mas nem sempre isso foi
possível, já que nossos guardiões “cinderelas” adormeciam como
pedras em serviço!

Barco Íris vive


A Expedição Barco Iris pela Amazônia teria sido em vão não fosse
o contato com os ribeirinhos. Foi o sorriso no rosto das pessoas,
o calor com que nos receberam, os ensinamentos compartilha-
dos, o intercâmbio cultural, a troca de conhecimentos... e a for-

180
ma orgânica com que tudo aconteceu que me fizeram perceber
essa como sendo uma das melhores experiências da minha vida.
Henny Freitas
A presença do meu pai na expedição também teria sido
uma ótima desculpa para eu fazer tudo de novo. Ele foi um dos Jornalista, fotógrafa, permacultora e educadora ambiental. É cofunda-
tripulantes da nossa ecovila itinerante e aceitou os desafios do dora, conselheira e coordenadora de comunicação da rede CASA Latina
(Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina) e articula-
rio e as condições naturais de se viver numa casa flutuante: cole- dora da Rede Novos Parques, São Paulo. Mestra em empreendedorismo
tou e cortou lenha, participou de discussões com lideranças indí- (University of Buckingham, Inglaterra) e cofundadora do projeto Earth-
genas, sentou-se em cerimônias circulares, ajudou a contar um Code (Código Terra: www.earthcode.org), investigou e documen-
tou mais de 200 comunidades intencionalmente sustentáveis
conto ilustrado cocriado com crianças amazônicas, tirou fotos,
na Europa, Oceania e América Latina. Baseada nessa investi-
filmou, pilotou... e o mais importante para mim: compreendeu gação in loco, escreveu a dissertação: “É viável uma Cidade
aspectos de uma íntima relação com a natureza. Sustentável?”. Germina conferências, oficinas e cursos nas
Assim como meu pai, para viver o Barco Íris, tive que áreas da Permacultura, Design Social, Sociocracia, Reci-
clARTE e Consumo Consciente. Difunde o conceito “zero
sair da minha zona de conforto. Acreditei no meu sonho mes- lixo” e continua documentando comunidades étnicas, al-
mo quando muitos me diziam que era uma loucura e contribuí ternativas e convencionais pelo mundo.
plantando sementes para germinar um futuro intencionalmente
sustentável. Depois de ter experimentado novos padrões de uma
realidade em uníssono com a Mãe Terra, me sinto inspirada para
aprender mais. Hoje quero ir além do estágio embrionário deste
novo paradigma. Quero poder superar a barreira da satisfação
pessoal e conseguir sonhar de olhos bem abertos um bem co-
mum para ajudar a cocriar um novo Código para a Terra. Vida
longa ao Barco Íris. Vida longa ao Código Terra!

181
A comunidade estará sempre passando por
quatro etapas, é algo circular. Começa com
a ‘Ilusão’: é tudo amor, tudo perfeito, tudo
são flores... uma ilusão, né?
Quando você chega, se encanta com o lugar, as pessoas soam lindas, a natureza é maravilhosa e a comunidade
é perfeita. O segundo passo é a fase ‘Tu’: “porque tu isso, tu aquilo... ah! não, porque tu porque tu porque tu
porque tu”... O Scott Peck diz que nesta fase é o momento em que muitas comunidades acabam, quebram, não
passam dali, porque entram em muitos conflitos. Depois dessa fase, se a comunidade consegue passar por esse
momento, chega a fase do vazio, a etapa ‘Eu’. A quarta fase é a ‘Comunidade Verdadeira’ e, aí, entra de novo na
Ilusão, e assim vai, porque cada pessoa que chega vai viver esses processos.

Francesco Pommerening | Instituto Arca Verde

182
183
É a mesma coisa quando uma pessoa se encontra ‘Eu’, a terceira, é uma fase muito boa, pois é a fase
com outra: tem toda aquela paixão, aquele de nos trabalharmos interiormente, de utilizarmos
entusiasmo. A comunidade é a coisa mais maravilha a comunidade ou o relacionamento como um
do mundo! A primeira fase é a fase da paixão, do trabalho interior, como um espelho. “Deixa eu ver
entusiasmo da paixão, onde nos unimos. É ótima, o que eu preciso fazer dentro de mim, em vez de
maravilhosa, mas não dura sempre. As pessoas julgar o outro.” Eu me trabalho dentro e não uso
começam a criar comunidades e aí fica todo a separação como um meio de fugir do trabalho
mundo muito entusiasmado. Depois começam interior, porque depois vamos recriar tudo de novo.
a viver juntos, trabalhar juntos, desistem muito
Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga
facilmente e se separam. Não se separem! A etapa

184
Uma cidade está organizada para ser uma comunidade: só falta trazer essa consciência.
Um prédio com tanta gente morando junto, ele pode ter essa essência de comunidade.

Uma empresa pode ter essa essência de


comunidade. Não precisa ser como a gente
aqui, que tem uma casa. Eu sinto que isso
é um caminho.

Bruno Perel | Ecovila Dedo Verde

185
As comunidades na cidade têm
um desafio dobrado, que é
‘ressensibilizar’ as pessoas para as
interações humanas.
A gente tem que ir profundo nessas questões: por que as pessoas estão na rua?;
por que as pessoas têm problemas?; por que as pessoas estão em situações
desproporcionais? etc. As comunidades no campo têm o diferencial de ter uma
coesão ali – formada pela própria família, pela grande comunidade que está criando
aquele ambiente –, e às vezes tem menos confrontos com a ‘lógica dominante’ que
existe fora dali. As comunidades na cidade têm esse ‘confrontamento’ mais constante,

186
porque a gente está aqui na Veracidade conversando,
convivendo, tem uma unidade, tem um projeto de
mundo, de vida, uma sensibilidade, mas do portão pra
fora é outra dinâmica: você começa a receber outros
estímulos e tem que reagir a eles.

Djalma Nery | Estação de Permacultura Veracidade

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Danças Circulares
Bruno Perel

Quem já participou de uma roda de Danças Circulares talvez tenha observado que, ao encerrar uma
vivência com as danças, as pessoas permanecem em roda e, na maioria das vezes, em silêncio ou em
celebração, abraçando quem está próximo. Não há pressa em ir embora. Ao contrário, o que parece é
que todos querem estender esta experiência. Certa vez, após encerrar uma roda que eu conduzia na
cidade de São Paulo, uma voz dentro de mim revelou que o motivo de ninguém desejar ir embora era
que o grupo se re-conectou com a essência de tribo, de união, e que ir embora era voltar para uma
vida sem ritualística e separado do todo. Partilhei o que eu havia sentido e o resultado foi de grande
ressonância e comoção entre todos, acompanhado também de frustração por alguns que relatavam
ter que voltar para sua realidade.
Afinal de contas, que realidade é esta que não desejamos voltar? Quem criou esta realidade
que estou inserido?
Ir fundo nestas respostas nos faz olhar de frente para nossa auto-responsabilidade, o que é
libertador, pois só desta forma podemos nos empoderar de nossos sonhos, dons e talentos para cons-
truir o mundo que queremos estar. E vejo que é a partir da jornada interior, em busca de verdade, que
estão se formando tantas comunidades.
A Dança Circular honra as tradições de todos os povos e é no movimento destas danças que
vão sendo criadas diferentes mandalas, cada qual com sua energia, símbolos e intenções. Quem dan-
ça experimenta no corpo diferentes movimentos do que está habituado e diferentes ritmos, abrindo
espaço para a diversidade fluir no seu corpo.

188
Danças mais fortes atuam no corpo mais denso, dissolven-
do as couraças – defesas que criamos no nível corporal para prote-
ger-nos das intensidades de traumas vividos na nossa vida, grande “Temos o potencial de viver nosso corpo
parte ligadas à infância. As danças meditativas e introspectivas che-
gam nos corpos sutis e nos ajudam a conectar com nosso espírito como um corpo-templo, um instrumento
(Self) e, neste ponto de silêncio e livre da compulsão do pensar, é que
este Eu Verdadeiro retoma a guiança e assume o leme, nos levando
de acesso ao nosso Eu Superior, mas para
a profundos insights. Às vezes nos conduz à luz da compreensão, isso precisamos habitá-lo, o que seria dizer
através de imagens esquecidas do passado, para resgatar pedaços
da nossa alma que ficaram presas e congeladas. estar disponível a sentir os movimentos da
São muitos os benefícios e poder terapêutico das Danças
Circulares. Talvez, o mais forte de todos, seja o de trazer a pessoa
vida em toda sua intensidade.”
para a Presença, para seu corpo.
Uma reflexão que pode ser feita é: ‘’Quando não estou pre-
sente e não habito meu corpo, quem habita?’’ pliam sua experiência na Dança Circular. Começa-se a ter uma
Temos o potencial de viver nosso corpo como um corpo- dimensão energética do que se passa na roda e na vida.
templo, um instrumento de acesso ao nosso Eu Superior, mas para A vibração gerada através das músicas e danças ajudam
isso precisamos habitá-lo, o que seria dizer estar disponível a sentir a alinhar os chakras e a limpar energias que não pertencem à
os movimentos da vida em toda sua intensidade. Mas, há muitas vibração essencial.
forças dentro de nós e fora de nós que nos seduzem a estar para fora. Aprendemos que a energia de união, amor, alegria e
A Dança Circular pode ser conduzida de tal forma que paz que geramos dançando não somente cura a nós, mas ajuda
seus participantes sintam-se em união, acolhimento e seguran- a curar todo o planeta. Um caminho iniciático e devocional co-
ça. Este ambiente protegido possibilita que muitas defesas cria- meça a ser relembrado dentro de nós.
das pelo medo e pela insegurança caiam. Neste estágio, a roda Para encerrar, deixo o poema-oração de Santo Agosti-
torna-se um lugar onde as pessoas podem aprofundar seu sentir nho que transmite o que meu coração quer compartilhar.
e perceber com clareza o que se passa no seu interior e nas re-
lações com os outros.
Quando estão enraizados no próprio Ser, abre-se um
portal para novas percepções e canais de consciência que am-

189
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Eu louvo a Dança
Bruno Perel

Eu louvo a dança, pois ela liberta o ser humano Fundador da Comunidade Dedo Verde; psicólogo clínico; especialista
em arte do movimento; formado em biopsicologia; pós-graduado em
do peso das coisas – une o solitário à comunidade. análise bioenergética e membro CBT do International Institute for
Bioenergetic Analisys; coreógrafo e focalizador de Dança Circular
Eu louvo a dança, que tudo pede e Sagrada. Encontrou no corpo a conexão com a vida, com a es-
sência, e todas as possibilidades de transmutar, curar, acolher
tudo promove; saúde, mente clara e amar. Tem paixão em criar, trazer novas perspectivas, des-
cobrir o que há além do que pegamos emprestado, além
e uma alma alada. dos sonhos enlatados.
Dança é a transformação do espaço, do tempo e
do ser humano, este constantemente em perigo
de fragmentar-se, tornando-se somente
cérebro, vontade ou sofrimento.
A dança, ao contrário, pede o homem inteiro,
ancorado no seu centro.
A dança pede o homem liberto, vibrando
em equilíbrio com todas as forças!
Eu louvo a dança!
Ser humano, aprenda a dançar!
Senão os anjos do céu não saberão
o que fazer de você.

Santo Agostinho

191
Conexão Humana
Pavita Machado

Todos nós passamos por uma infância de privações. Por mais conscientes e evoluídos que tenham
sido nossos pais, nesse nosso mundo neurótico não há adultos completamente equipados para co-
nectar totalmente com seus filhos e, assim, prover todas suas necessidades. Ainda que tenhamos gran-
des teorias sobre como criar nossos filhos, cada ser humano recém-chegado vem com sua própria
gama de especialidades, necessidades, potencialidades e fragilidades. A “receita” que se aplica a uma
criança pode não ter sucesso com outra, até porque crianças não são bolos...
Assim, todos nós crescemos carregando uma boa dose de frustrações e vazios em nosso ser,
na maior parte das vezes encobertos de muitas camadas de sentimentos reprimidos e empurrados
para o porão do inconsciente. Acontece que, para uma criancinha recém-chegada a este mundo,
cheia de confiança e inocência, a simples desatenção ou falta de cuidado, seja ele físico ou afetivo,
representa uma grande dor, tensão, desespero. E tudo isso fica com a gente, que, ao crescer, cuida de
ir mantendo todo esse pesar bem escondidinho até que nós mesmos não tenhamos mais conheci-
mento dele. Só que gato escaldado não pisa na água fria... ao nos relacionarmos com outras pessoas
na vida, especialmente com as que nos tocam mais profundamente, soa aquele estranho alarme infor-
mando que “há perigo!” Ele soa sob a forma de desconfiança, de ciúme, de insegurança, de reagir ao
que o outro traz antes mesmo de tentar entender... e realiza eficazmente sua função de nos manter à
distância dos outros seres humanos. Assim, vamos crescendo e tecendo este mundo de desconexão
humana e o encobrimos por uma falsa conexão virtual, onde todos são representações farsescas de si
mesmos, sem chance para a troca humana que realmente vai satisfazer nossa alma.

192
A velocidade enlouquecida em que vivemos é apenas para fazer isso em cima de uma máquina, de frente à parede
um reflexo desta desconexão, pois, se pararmos, corremos o ou à janela (de onde dá pra avistar toda a poluição e feieza da
maravilhoso risco de sentir, e é justamente disto que estamos cidade)! Quantas das nossas crianças treparam em árvores?
constantemente fugindo. E, por não sentirmos mais as simples Quantos de nós usamos nossos corpos com prazer e vigor no
maravilhas da vida, estamos buscando a reposição artificial des- nosso dia a dia?
ta adrenalina em diferentes formas de “fast-feel” – e viva a vida E o sexo? Se faz com o corpo, né? E me explica como
virtual, a pornografia, a escalada pelo poder e dinheiro, as drogas é que corpos endurecidos, desvitalizados, fracos e tensos vão
lícitas e ilícitas, a terapia das compras... conseguir se entregar às alturas e profundezas da sexualidade
Tem saída? Tem. Mas não tem atalho, tem que sentir de humana? Agradeça ao nosso modo neurótico de viver pela
novo. Isso implica cavar todas as camadas de frustração, dores, ejaculação precoce, impotência, frigidez, incapacidade de ter
medos e raivas que fomos acumulando e escondendo dentro orgasmo etc. Ah, mas não faz mal, tem viagra, cyalis, brinque-
de nossos corpos que, com isso, vão perdendo a capacidade de dinhos, fantasias, teorias modernas que defendem que sexo
relaxar, de curtir, de gozar. Já reparou que nossa vida moderna tá “nem é tudo isso mesmo”...
cada vez mais organizada para deixar o corpo de lado? Pode me chamar de utopista mas, não querer concordar
Agora, para que possamos caminhar, veja bem, ca- com o viver de um jeito enlouquecedor, eu chamo de sanidade.
minhar, temos que nos trancar numa sala e pagar a alguém E é essa sanidade que se busca diariamente aqui na
Comunidade Osho Rachana. Veja bem, eu disse que se bus-
ca! Temos plena consciência de que este processo de desen-
louquecimento é um trabalho de uma vida inteira. Porque o
mundo está organizado para enlouquecer, então precisamos
de um compromisso em estar atentos para percebermos os
“E o sexo? Se faz com o corpo, né? E me ex- momentos em que abrimos as pernas para o sistema e, para
daí, voltarmos aos trilhos. E nisto é fundamental estar junto
plica como é que corpos endurecidos, des- com pessoas na mesma busca. Quando eu piso na bola e
escorrego pra dentro da minha loucura pessoal, tem muitos
vitalizados, fracos e tensos vão conseguir se amigos na volta pra me dar uma mãozinha e me mostrar o
entregar às alturas e profundezas da sexuali- que tá acontecendo.
A convivência e conexão com outras pessoas têm
dade humana?” esse poder de curar as feridas da falta de confiança que car-

193
regamos desde a infância. Quando a gente era criancinha, era
muito fácil se apaixonar pelos amigos, lembra? Era um amor
tão puro e intenso, não se pensava no futuro, na possibilidade
de traição ou de ser machucado. A gente era feliz! Aprender a
desconfiar, a se dar pouquinho para não se ferrar, a “se fazer”
para o outro gostar, só fez da gente miseráveis e vazios. E
quer saber? Estar de coração aberto e confiar no amor e na
amizade não tem nada a ver com o outro ser digno de con-
fiança ou não. O que faz a gente feliz é amar, ser amado é só
um bônus track... ou por acaso você se amarra em ter pessoas
loucas por você as quais você não ama?
Numa comunidade como a nossa, a gente procu-
ra se relacionar a partir da verdade de cada um. Isso nem
sempre é super lindo e pacífico. Às vezes, a verdade é que
nossas opiniões ou vontades são diferentes, e aí temos que
lidar com isso. Às vezes, pisamos na bola sem perceber, e aí
o outro sente raiva, tristeza, e temos que lidar com isso. Es-
colhemos vivenciar nossas emoções ao invés de reprimí-las
ou “sublimá-las”, pois consideramos que os sentimentos são
temperos da vida humana e não os rejeitamos. A tristeza traz
profundidade; o medo, atenção; a raiva traz poder, e a alegria
e o amor trazem expansão. Queremos tudo que a vida é, de
verdade, sem exclusão.
O que acontece quando se vive assim é que brota natu-
ralmente aquela qualidade de se importar com o outro. Quando
alguém não está bem, não passa despercebido e, o que numa
vida isolada poderia levar meses para se resolver, acaba moven-
do rapidinho e soluções vão aparecendo, seja para uma questão
financeira, ou de relacionamento, familiar etc.

194
Pavita Machado
“Estar de coração aberto e confiar no amor
Mãe de dois filhos e terapeuta há mais de vinte anos, adoro viver com
e na amizade não tem nada a ver com o gente. Percebi que, à medida que as pessoas vão recuperando seu co-
ração através da terapia, elas naturalmente querem compartilhar e viver
outro ser digno de confiança ou não. O que em troca umas com as outras. Depois de 9 anos vivendo na Huma-
niversity, na Holanda, voltei ao Brasil e iniciei uma nova fase na
faz a gente feliz é amar, ser amado é só um Comunidade Osho Rachana, que hoje conta com mais de 60
adultos construindo a vida que o coração pede. Juntinhos.
bônus track...”

Eu acredito na vida em comunidade como uma solução


eficaz para um mundo que está tão profundamente desconecta-
do da natureza. Num momento em que a discussão é de quem
é o direito de explorar o óleo que unta as entranhas do planeta,
e ganhar muito dinheiro com isso – ao invés de se perceber que
este óleo é parte da Terra e ela precisa dele lá, onde está, untan-
do suas entranhas, como alguns cientistas tentaram alertar, sem
sucesso... –, estamos a caminho de destruir o planeta. Em troca
de quê? Dinheiro? Poder? Olha, se as pessoas estivessem vivendo
vidas felizes e realizadas, não haveria ponto algum nestes absur-
dos. Poder, dinheiro, prestígio algum vão preencher este vazio de
conexão, de sentimento, de vida real, e por isso a corrida por estes
pobres substitutos não vai parar nunca.
Mas cada um faz a sua parte e qualquer mudança co-
meça por mim. Então fico grata de poder compartilhar minhas
ideias com vocês aqui neste artigo, mas dá licença que vou ali
curtir meus amigos um pouco, que o sol tá lindo ali fora ;)

195
Ecologia e Espiritualidade
Angela Varella

Desde as civilizações mais antigas até a atual, quando o homem se reunia socialmente ao redor do fogo
para olhar o céu, basicamente três questões ocupavam seus pensamentos: Quem sou eu? Qual o meu
lugar neste universo? E o que eu vim fazer aqui?
Estas mesmas perguntas persistem até hoje, porque ao longo de uma existência – a partir de
uma visão holística, que integra planeta e humanidade – o que mais importa para dar sentido à vida é
conseguir ter noção da real identidade nesta rede, experimentar o senso de pertencimento e reconhecer
o seu propósito nesta jornada.
Tais questionamentos parecem funcionar como um lembrete à nossa espécie: todos nós faze-
mos parte de uma Teia muito maior e mais complexa. Cabe a nós a responsabilidade pela promoção e
manutenção do equilíbrio dela, já que o homem foi contemplado com um sistema cognitivo muito mais
complexo e especializado do que as outras espécies. Devemos compreender que a harmonia do Todo
depende da integração entre as Partes, nos permitindo experienciar a Diversidade e a Unidade.
Viver sob esses preceitos nos permite experimentar a Ecologia no seu conceito mais básico:
Ecologia é a interrelação, a integração da multidiversidade do ambiente que nos rodeia, permitindo a sus-
tentabilidade e o equilíbrio em todos os níveis.
Esse comportamento ecológico pode ser observado ao longo de um grande período na história
da humanidade, enquanto prevaleceu uma Visão Mística do Mundo.
Nesta visão, as Tradições Ancestrais acreditavam que toda essa experiência humana no planeta
emanava de um Deus. Acreditava-se que Homem e Natureza estavam integrados, logo era completa-

196
mente natural agregar todos os Reinos e observar todos os Ciclos, crença, Natureza e Cosmos eram sagrados. Em tal contexto
o que por fim expressava uma visão sistêmica da vida. não cabia o pensamento onde ser humano e meio ambiente
Esta Visão Mística também se evidenciava na obser- estivessem dissociados.
vação do Cosmos. O homem, ao olhar o céu para observar as Na busca para compreender a integração de toda
estrelas e outros corpos celestes, de alguma forma tentava des- esta Teia da vida – fosse olhando para fora, na relação com
vendar essa relação entre Céu e Terra, o que acabava por fazê-lo o meio ambiente, ou buscando uma compreensão maior so-
relacionar, mesmo que inconscientemente naquele momento, a bre o que ele vivenciava internamente – a Ecologia acabava
projeção entre Macro e Microcosmos. sendo contemplada como um pilar da existência. Isto evi-
Enquanto prevaleceu tal visão, o ser humano tam- denciava a visão Sagrada do Mundo e a conexão do ser hu-
bém foi levado a observar além dos aspectos físicos e ma- mano com o Divino, que o levava a experimentar as diversas
teriais da sua existência. Esta busca pela compreensão dos dimensões da espiritualidade.
aspectos mais sutis que envolviam sua vida o fazia acreditar Ao mesmo tempo, essa conexão o ajudava na compre-
na possibilidade de se assemelhar ao Deus Criador. Nesta ensão da interdependência que rege a Vida. O Planeta e toda a
diversidade que ele abriga é um só organismo.
O acesso à visão da multidimensionalidade (espiritua-
lidade) do ser facilitava a visão da interdependência da vida no
meio ambiente (ecologia). O homem se percebia integrado a Teia
da vida, o que permitia um relacionamento de harmonia e res-
“Com relação ao Cosmos, ele tinha o hábito peito com a mesma. Isso o ajudava a voltar seu olhar para dentro
de si mesmo e encontrar o Divino na diversidade de aspectos que
de se sentar, juntos aos seus pares, ao redor ele abrigava – e ainda abriga – e é capaz de expressar.
Este olhar que, para dentro observa a multidimensio-
do fogo e observar o céu com suas estre- nalidade do ser, e para fora, observa a multidiversidade da rede,
las e todo o seu movimento e na falta de é a Consciência – o Observador Atento. A partir disto, podemos
considerar que quando a Consciência focaliza para fora, ela per-
uma ‘ciência’ para desvendá-lo (o Cosmos), cebe a Ecologia e, para dentro, ela percebe a Espiritualidade.
Toda vez que esse olhar “mais atento” se dirige em qual-
o aspecto divino da humanidade vinha pre- quer das duas direções – para dentro ou para fora –, a Espiritualida-
encher este ‘espaço’” de e/ou a Visão Ecológica florescem, se ampliam e se consolidam.

197
198
Assim vinha sendo em nossa civilização, até que, quatro
séculos atrás aproximadamente, a Ciência veio instalar uma nova
visão de mundo. A visão Científica veio em busca da Verdade “Nesta transição evolucionária é fundamen-
Absoluta, que pudesse ser conceituada, quantificada, classificada
e, com isto, começou a promover uma segmentação na manei- tal que nos re-conectemos com a Ecologia
ra de percebermos o mundo. Aquela Visão Mística, com ideias
espirituais e divinas, onde tudo era integrado, começou a perder
e a Espiritualidade que darão sustentação
espaço para a visão cartesiana, que buscava explicar a realidade para a evolução do Planeta e da humanida-
para além da percepção dos sentidos, acreditando que tudo de-
veria ser capaz de ser submetido à lógica e a racionalidade para de respectivamente.”
ser aceito e reconhecido.
Com esta mudança de visão, Deus foi deslocado
do lugar central que ocupava na Visão Mística de Mundo. O cativos para o desenvolvimento da humanidade, mas foi
Cosmos e o ser humano passaram a ocupar este lugar cen- grande a perda de proximidade do humano em relação a
tral, representando a influência do Macro e do Microcosmos, si mesmo, assim como da consciência de pertencimento
respectivamente. Ambos passaram a ser considerados como a essa grande rede do planeta. Tal perda o fez acreditar,
determinantes na manifestação da vida. por um bom tempo, que a Terra era apenas um objeto a
Uma fragmentação na relação do ser humano com o ser explorado e que ele tinha este domínio por conta do
meio ambiente começou a se manifestar a partir desta mudança conhecimento que vinha alcançando.
de paradigmas. Aquele Mundo Sagrado começou a se esfacelar Não demorou muito para o poder e a ganância quase o
e, consequentemente, também a Visão Ecológica de inter-rela- fazerem esquecer do seu lugar e da sua função nesta Teia.
ção e sustentabilidade. A visão Sistêmica deu lugar à Visão Me- Mais uma vez podemos ver Ecologia e Espiritualidade
canicista, onde tudo é visto “por partes” e que supõe que nem entrelaçadas. Mas aqui foi a perda da conexão que contribuiu,
sempre, necessariamente, se inter-relacionam. tanto para o afastamento da visão espiritual, quanto para a perda
A conexão que o ser humano experimentava consigo da visão integrada do humano com o meio ambiente.
mesmo também começou a se fragmentar, promovendo sua des- A visão do humano moderno, contemporâneo, ten-
conexão com relação ao seu lugar e função nesta rede da vida. de a ser dissociada.
Certamente, neste período em que houve predo- Ao longo desses quatro séculos, homens e mulheres
mínio da Visão Científica, observaram-se avanços signifi- deram alguns passos para trás no caminho da sua evolução

199
“Para Gaia, a Ascensão promove o resgate
da Sustentabilidade em toda a sua perfeição.
Para o ser humano, é a re-condução à sua
condição Espiritual, o despertar da Consciên-
cia Holística e da plenitude enquanto Inteli-
gência Cósmica.”

espiritual e, considerando que somos seres espirituais viven-


do uma experiência neste projeto de humanidade, houve de-
salinhamento de seus principais propósitos. Agora é neces-
sário que resgatemos nossa conexão para nos realinharmos
com o movimento de ascensão.
O planeta também se mostrou desconectado no seu
equilíbrio. Atacado na sua capacidade de se auto sustentar,
teve sua configuração alterada, não conseguindo mais se ex-
pressar como o “paraíso” que é em potencial.
Felizmente, parece que estamos fadados a evoluir, e
para uma dimensão mais elevada, onde o desafio da integra-
ção já se encontra superado. Nesta transição evolucionária
é fundamental que nos re-conectemos com a Ecologia e a
Espiritualidade, que darão sustentação para a evolução do
Planeta e da humanidade respectivamente.

200
Então, no momento do processo civilizatório em que
nos encontramos, Ciência e Espiritualidade se reúnem e se com-
Angela Varella
plementam a partir da integração das suas visões.
Há neste momento um Ciclo Cósmico muito importante Se formou em Medicina (UFRJ), com especialização em Psiquiatria So-
acontecendo com o Sistema Solar. Ele está completamente envol- cial (ENSP), Medicina Ayurvédica (Instituto de Medicina Indiana do Rio
de Janeiro) e Medicina Integral, sob a preceptoria do Dr. Eduardo
to por um Cinturão de Fótons, o que se traduz como um período Almeida (Instituto ARZT). Na busca por autoconhecimento, há
que promove um grande despertar da consciência para todos os décadas vem integrando os conhecimentos de Ciência e Es-
seres. Essa Consciência nos ajudará a compreender melhor a Di- piritualidade e sua visão é sustentada por novos paradigmas.
versidade e a Unidade que espelhamos ao mesmo tempo.
A busca por Ecologia e Espiritualidade nunca foi tão
significativa em nossa civilização. Basta olhar ao redor e ver
como as pessoas têm expressado um verdadeiro desejo de se
reunir e se reconectar com a Natureza. O despertar da consci-
ência ecológica, os movimentos em prol da sustentabilidade e
os diferentes grupos que se reúnem em novas comunidades
são apenas exemplos de um grande movimento de re-cone-
xão, para dentro e para fora, para cima e para baixo.
Conscientes ou não, estamos todos engajados num
grande movimento de Ascensão. O atual movimento da Ordem
Cósmica é a ordem maior que nos rege neste momento.
Esta é a Era de Aquário! Era de Luz que ajudará o planeta
Terra e todos os homens que estiverem conectados com a as-
censão, a passarem por uma mudança de frequência.
Para Gaia, a Ascensão promove o resgate da Sustentabi-
lidade em toda a sua perfeição. Para o ser humano, é a re-condu-
ção à sua condição Espiritual, o despertar da Consciência Holísti-
ca e da plenitude enquanto Inteligência Cósmica.
Gratidão...
A oportunidade é única!

201
Quando você olha pelo ponto de vista de que
cada ser humano realmente é luz, percebe que
tem muita luz em São Paulo, tem muita luz no
metrô, tem muita luz onde tem muita gente!
É só uma questão de perspectiva. Não que seja sempre fácil: muitas vezes, quando eu tenho que pegar um carro
e ir até a zona leste para pegar material de construção para obra, existe uma resistência para pegar o trânsito. Essa
visão não fica ‘ligada’ o tempo inteiro. Às vezes tem o cansaço, a vontade de entrar na cachoeira, por exemplo.
Mas, tudo que São Paulo oferece, compensa. Todas as possibilidades que têm aqui, as pessoas lindas que têm
aqui, o acesso que tem aqui, faz com que nosso sonho se fortaleça.

Damaris Regina | Comunidade Dedo Verde

202
Viver aqui é uma intensificação da experiência de
vida, que deveria ser natural. Se eu estou sozinha num
apartamento e quiser me anestesiar de televisão, de
internet, de álcool, de comida... é muito fácil. Aqui na
comunidade, não, porque tem amigos me enxergando,
estão vendo que eu não estou legal, e ficam me
puxando, me enxergando, me ajudando.

Pavita Machado | Comunidade Osho Rachana

204
O campo alimenta a cidade e pode manter o equilíbrio ambiental, dependendo do
manejo, e a cidade subsidia esse intercâmbio intelectual, esse crescimento de vivências,
essa grande mudança educacional. Isso é indispensável para fazer essa junção entre o
homem do campo e a cidade,

para poder encontrar o ponto onde essas


duas culturas se encontram, sem que
uma fique com medo da outra, sem que
não saibamos como podem se relacionar.
Mariana Devoto | El Nagual

205
Vida em Comunidade
e as Florestas
Maíra Sagnori

Viver em comunidade é um caminho para a unidade, para a compreensão de que somos um, e com
isso nossas ações estão interconectadas e operando por um todo. Sobretudo, notamos que o alinha-
mento das nossas intenções e ações em um coletivo potencializa nosso poder pessoal de ação, assim
como fortalece e transforma a nossa ação coletiva no mundo. Falo de comunidades intencionais que
se desenvolvem em ecovilas, pois surgem da união de propósitos e produzem novas formas de atua-
ção do homem no planeta. Falo também das comunidades tradicionais, que possuem valores e cren-
ças que as mantêm conectadas ao seu ambiente, a ponto de experimentarem esse sentimento de uni-
dade, e isso, da mesma forma, define muitas das suas práticas e relações com o ambiente e as relações
sociais. Inclusive, hoje, muitas dessas práticas são inspiração para as novas comunidades sustentáveis.
As florestas são nosso grande patrimônio como humanidade: nos provêm de todos os recur-
sos necessários, como água, alimento, madeira, medicinas etc. Chegamos a um momento em nossa
história em que se faz necessário plantar floresta para a sobrevivência da humanidade. Após tanta
devastação, que ainda segue ocorrendo, ostentamos o posto de espécie mais incoerente do globo,
ao desertificar a Terra de nossos próprios recursos. Mas, toda moeda tem duas faces: nosso poder
destrutivo é de igual proporção ao nosso poder de criação e, assim, podemos criar e manejar florestas
abundantes – nós que temos o telencéfalo super desenvolvido e o polegar opositor.

206
Qualquer um que viva em uma grande cidade pode
sentir que não há mais espaço no mundo e os recursos estão
escassos nos ambientes urbanos. Depois de séculos de êxodo
rural, o campo desertificado e as cidade inchadas, é natural que
o fluxo se inverta, assim como vemos em ecologia as oscila-
ções populacionais de outras espécies. E como muitos de nós
estamos optando por deixar as cidades, outros tantos estão
trabalhando para trazer a natureza de volta a um lugar de des-
taque. Temos, por exemplo, ações de organização social como
as comunidades urbanas, ocupação de praças e espaços públi-
cos, mutirões de agricultura urbana, entre outras, que também
transformam a relação do homem com o ambiente.
A Comunidade Inkiri é um bom exemplo de êxodo
urbano para uma ecovila, no sul do estado da Bahia, isolada
em uma península. Essa comunidade se criou, e está sendo
mantida, a partir de um grande sonho: o de manifestar o Amor
na matéria, e por muitos sonhos pessoais, de cada um que
se dedica a fazer real a transformação global que queremos
ver no mundo. Seja plantando, produzindo solo a partir dos
nossos resíduos, criando sistemas inteligentes de tratamento
das nossas águas, educando nossas crianças, repensando nos-
sa economia, vivendo nosso trabalho interior, dançando, cozi-
nhando... tudo é feito com a intenção maior de reconhecer e
manifestar o Amor aqui, expressando o que já existe dentro de
cada um de nós.
O núcleo Natureza Inkiri atua em Piracanga, em estu-
dos e ações práticas, que tornam nossa ocupação comunitária
bem-vinda ao ecossistema em que escolhemos estar. Além do
trabalho de gestão ambiental que desenvolvemos na comu-

207
208
Maíra Sagnori
“E como muitos de nós estamos optando
Bióloga pela UFRJ, se envolveu em projetos de agrofloresta, educação
por deixar as cidades, outros tantos estão ambiental e resgate da cultura tradicional caiçara. Vive há 6 anos na co-
munidade e ecovila Inkiri – Piracanga, onde se dedica à Escola da Na-
trabalhando para trazer a natureza de volta a tureza, projeto que faz a gestão ambiental de toda a comunidade
e centro Inkiri. Realiza terapias de leitura de aura e facilita rodas
um lugar de destaque.” de danças circulares.

nidade, oferecemos também programas de formação técnica


em Permacultura e vida em comunidade. Dessa forma, a ex-
periência Inkiri, ativa no cotidiano da comunidade, oferece o
aporte técnico e conceitual para aplicar esses conhecimentos
em outros contextos.
Parece que não estamos sozinhos nessa. Nós, que que-
remos ver o Amor se manifestar na matéria, comunidades inten-
cionais, ecovilas, ONGs, pessoas que nem sabem, estão contri-
buindo para esse processo de resgate da nossa cultura ancestral.
É a mesma sabedoria que nos leva a sentar ao redor do fogo e
honrar os elementos da natureza, de dançar em roda nos olhan-
do, de permitir que a energia circule entre nós, observando esses
padrões naturais se manifestando em nós, em cada célula do
nosso corpo e também em nossas relações. Aí nos rendemos:
somos natureza.
A Comunidade Inkiri sonha junto com este livro, desde
a sua gestação no filme. Somos um!
O Amor em mim saúda o Amor em você.

209
O fato de ter encontrado o lugar onde me
vejo crescendo, envelhecendo e morrendo
me trouxe calma. Me vejo morrendo aqui
mesmo, envelhecendo aqui, subindo esses
morros, tendo mais filhos aqui.
Isso não significa que me vejo preso aqui, pelo contrário. Hoje me sinto mais livre, porque eu tenho um porto,
um canto para onde posso voltar: tenho minha casa. Agora minhas asas parecem que estão maiores, para eu
voar mais alto se eu quiser, porque eu tenho pra onde voltar, digamos assim...

Diogo Alvim | Ecovila Terra Una

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A estrutura é o de menos... a gente poderia morar na cidade, cada um com seu emprego, fazendo
outras coisas, e se reunindo, dividindo a renda que cada um recebe no seu emprego, da mesma
forma como fazemos aqui. Materializamos desta forma (Vila Yamaguishi) porque a gente gosta de
agricultura e acha que esse contato com a natureza, que trabalhar com os elementos da natureza,

é uma maneira muito didática, para


nós e para outras pessoas, de como
viver em harmonia com o planeta.

Romeu Leite | Vila Yamaguishi

213
A revolução que eu procuro, talvez, esteja
bem dentro de mim.
Ana Claudia Fugikaha | Ecovila Tibá

É como se a gente tivesse conseguindo criar, juntos, aqui, um espaço que nos
faz acordar, nos faz relembrar uma memória, uma memória nossa, uma memória
humana. A gente não cria nada novo, mas a gente desperta uma coisa muito
antiga da nossa espécie, que é a capacidade de conviver junto, trabalhar e
transformar a realidade.

Diogo Alvim | Ecovila Terra Una

214
Quando tu vais se trabalhando, vais se
abrindo, vai dando vontade de viver uma vida
mais legal, mais criativa, mais natural, com
mais amor, com mais energia, com mais
consciência.
Damaris Regina | Comunidade Dedo Verde

215
A gente realmente acredita que podemos viver
nossa essência o tempo todo. Viver a essência está
muito ligado a reconhecer quem você é e poder
atuar com aquilo que você veio fazer.

Bruno Perel | Comunidade Dedo Verde

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Lembramo-nos de quem somos e nos tornamos
humanos de novo: ser humanos, ser irmãos, ser
amigos, ser amorosos.

Angelina Ataíde | Comunidade Inkiri - Piracanga

Que mais pessoas possam


viver essa experiência de viver
em comunidade!

Bruno Perel | Comunidade Dedo Verde

219
Aprendizagem Autodirigida
em Comunidade
Renata Gomez

(...) a única decisão verdadeiramente ética é cada um tomar para si a responsabili-


dade de sua própria existência e da de seus filhos.

Bill Mollison

O que aconteceu depois daquele primeiro momento em que olhei para a minha filha, tão dependente
nos meus braços, foi completamente diferente de tudo o que eu já tinha vivido até então. Insights
deliciosos, mas também preocupações que nunca tinham me incomodado, agora faziam parte de
qualquer devaneio meu sobre a existência, o futuro, o aqui e agora. De um dia para o outro, minha
vida se tornou um suceder sem fim de tarefas, na sua maioria nunca antes desempenhadas, ou nem
sequer percebidas. Diante das minhas inseguranças e frustrações, fui me dando conta de que a vida
social convencional urbana, essa das famílias nucleares que vivem suas relações mais afetivas de forma
bastante privada e evitam muito delas dentro de instituições, é muito pobre em exemplos e modelos.
E, é preciso dizer, em companhia também.

220
Percebi que sem a tribo para nos apoiar e oferecer um
modelo cultural estável e continuamente cocriado através de
séculos de experiência, ficamos tão perdidos no desempenho “Isso acontece porque os seres humanos
de cuidados básicos com os filhotes da nossa espécie, que nos
tornamos desesperadamente prontos para aceitar qualquer vêm ao mundo equipados com o melhor
tipo de conselho e adquirir qualquer nova solução plástica e
eletrônica que nos prometa algum alívio – e partilhe conosco
dispositivo de aprendizagem já concebido:
ao menos um pouquinho dessa missão que parece sobre-hu- a disposição para brincar.”
mana. Senti, com profunda tristeza, que a sabedoria sobre os
mistérios da criação estava sendo perdida a cada geração de
pais que lutam, sozinhos e anônimos, entre as paredes da sua gem já concebido: a disposição para brincar. São inúmeras as
casa, para acalentarem seus bebês. pesquisas que hoje nos ajudam a entender como as crianças
Feliz e espantosamente, apesar da nossa tosca ha- aprendem e que exaltam os benefícios que a brincadeira autô-
bilidade e rede de apoio falha, crianças são bichinhos dana- noma (ou seja, auto-iniciada e autodirigida) traz para o desen-
dos e maravilhosos que crescem e aprendem sem parar. Elas volvimento das inteligências1. Já há bastante evidência cientí-
desabrocham, mesmo em condições adversas, e é impossí- fica de que os pequenos aprendem mais e melhor sem terem
vel impedir que ajam como cientistas geniais o tempo todo. sua atenção direcionada, quer dizer, sem serem ensinados2.
É incrível observar o desenvolvimento de um bebê. Não há Neurocientistas mostram que o entusiasmo é o tão cobiçado
dúvidas sobre a sua determinação em entender como o mun- fertilizante do cérebro, que aumenta e fortalece as suas cone-
do funciona e dominar todas as habilidades percebidas como xões3.
úteis para explorá-lo. Garra e persistência são a parte visível de Você pode fazer sua pesquisa para ter essas informa-
um processo interno que obedece a um comando ancestral, ções com muito mais profundidade – e talvez até descobrir
aperfeiçoado por bilhões de anos, que os impele a expandirem por que quanto mais complexa a espécie animal, mais tem-
os limites dos seus corpos e buscarem compreender o espaço po seus filhotes passam brincando. Não vou usar muito mais
ao redor. É com atenção plena e imensa curiosidade que as
crianças buscam se erguer, engatinhar, caminhar, falar, obser-
var, interagir... 1  PETER GRAY. Freddom to Learn, 2013
Isso acontece porque os seres humanos vêm ao 2  ALISON GOPNIK. The Gardener and The Carpenter, 2016.
3  GERALD HUETHER. How we learn. Disponível em < http://www.gerald-huether.
mundo equipados com o melhor dispositivo de aprendiza- de/content/international/audio_and_video/

221
222
das minhas poucas linhas te convencendo disso. O que eu vim ressante se multiplicam por mil quando ela é aliada ao convívio
mesmo dizer aqui dentro deste livro é que, diante dessa visão de com um grupo estável e consistente. Reconhecer-se como par-
aprendizagem e observando meus filhos crescerem, brincarem te de uma comunidade real, que passa tempo junto, compartilha
livremente e aprenderem, notei que se os ambientes sociais ur- significados, tem projetos em comum e os celebra, é uma ques-
banos estão longe de oferecer a riqueza e a diversidade de rela- tão de saúde emocional básica, tanto para os pais – que também,
ções necessárias para que nós aprendamos sobre como sermos vejam só, adoram bater papo, trocar e aprender – como para as
pais (além de muitas outras coisas), tampouco oferecem a rique- crianças, que, conforme crescem, precisam ter seu porto seguro,
za e a diversidade de relações que a enorme fome por aprender ofertas de atividades e exemplos de como se expandirem.
das crianças ansia. Tudo isso acaba soando meio como a boa e velha brinca-
Quando meu companheiro e eu decidimos cofundar deira de rua na vizinhança, certo? Sim! Nada de novo ou de revo-
uma comunidade intencional, e nos mudar de mala, cuia e crias, lucionário, a princípio. Em culturas de caçadores e coletores, a vida
já sabíamos que as escolas – em sua imensa maioria – não são já era assim: crianças brincando o tempo todo e adultos por perto
ambientes que proporcionam tempo, espaço e a qualidade de cuidando de suas tarefas. Como vários dos aspectos da Permacul-
atenção necessários para que as crianças brinquem em paz e si- tura, a pedida pela brincadeira livre em área realmente comunitária
gam explorando seus verdadeiros interesses. Também já sabía- é uma síntese entre práticas tradicionais (alinhadas com as neces-
mos que um ambiente natural – com água, terra, pedras e plantas sidades autênticas humanas) e o conhecimento científico atual (no
– ofereceria o melhor dos espaços para o desenvolvimento sen- caso, sobre como a aprendizagem acontece e se potencializa).
sorial e motor, e que o cultivo de um bom vínculo com pais pre- A triste notícia é que, em termos mundiais, vem aconte-
sentes, carinhosos e atentos, era parte essencial dessa alquimia, cendo nas últimas décadas um significativo e contínuo decresci-
oferecendo o porto seguro de onde as aventuras poderiam partir mento das oportunidades de brincadeira verdadeiramente livre.4
com coragem e retornar com confiança. Além disso, estávamos Isso se deve a vários motivos, e você já pode imaginar alguns.
certos de que as atividades em que a família se envolveria – cons- Mais preocupante do que a falta de espaços nas cidades destina-
trução, colheita, plantio, convivência com vizinhos, que iam de dos a encontros despretensiosos, para mim a principal razão para
europeus a nativos quilombolas etc. – já estariam recheadas de o tempo de brincadeira estar diminuindo é a popularização da
biologia, geografia, matemática, sociologia, linguística e muito visão escolarizada do desenvolvimento infantil, que entende que
mais, suficientes para o aprendizado deles por um bom tempo. a aprendizagem só ocorre se as crianças tiverem suas ativida-
O que confesso que não sabíamos, e que só se tornou des planejadas e dirigidas por adultos. E aí, além do aumento do
visível para nós com o passar de alguns anos, é que os benefícios
gerados pela liberdade para aprender em um entorno rico e inte- 4  PETER GRAY. Freddom to Learn, 2013.

223
tempo que as crianças passam nas escolas, até o tempo de lazer
é cada vez mais planejado e estruturado, com aulas de esportes,
educação ambiental e até com recreações onde são ensinadas “Em outras palavras, a maior parte do con-
brincadeiras de rua! Nada contra os adultos brincantes, é certo
que eles têm seu lugar nesse rico processo de aprendizagem. teúdo aprendido, definitivamente, não é o
Mas é necessário atentar para o fato de que os resultados obtidos
durante o processo de desenvolvimento dependem da qualida-
que é deliberadamente ensinado. É o que é
de do entorno, e as imperfeições desse entorno não podem ser vivido e compartilhado, o que é feito e per-
reparadas com conteúdo teórico bem-intencionado5. Em outras
palavras, a maior parte do conteúdo aprendido, definitivamente, cebido.”
não é o que é deliberadamente ensinado. É o que é vivido e
compartilhado, o que é feito e percebido.
A boa notícia (ufa!) é que quando um grupo de pessoas seus filhos em tempo integral, quero dizer, sem terceirizações do
se dispõe a dar o passo de cocriar algum tipo de comunidade onde serviço. Isso pode ser conseguido através de diferentes arranjos
intencionalmente rompe com hábitos e paradigmas contemporâ- dentro da família e da vizinhança, mas a possibilidade de adultos
neos que vão na contramão da vida, tem a oportunidade de criar trabalharem em casa e com horários flexíveis, ao menos a maior
um entorno protegido e mais saudável, no qual as crianças pos- parte do tempo, é um fator importante. Também conta pontos a
sam circular com liberdade, segurança e a guiança respeitosa de nosso favor que os adultos parceiros têm interesse em conversar
quem já está há mais tempo nesse mundo. Podem também criar sobre seus filhos e prazer em estarem presentes em eventuais
um cotidiano do qual as crianças sejam parte inalienável, onde os reuniões para trocar impressões e clarear conflitos. Assim, pode-
pais possam e devam estar engajados em uma rotina produtiva mos afinar nossas ações no sentido de assumirmos nosso papel
que os satisfaça, mas que também acolha as necessidades dos de liderança enquanto pais, melhorar os espaços e acordar limi-
pequenos de espaço adequado e atenção genuína. tes e regras do convívio social. Não posso me esquecer de men-
Na nossa experiência de viver em uma comunidade na cionar que os visitantes e voluntários que recebemos são uma
zona rural, onde vivemos em casas familiares e compartilhamos fonte interessantíssima de variedade cultural e de introdução de
áreas comuns, tivemos a sorte de nos unir a famílias que têm novas habilidades.
como prioridade manter certa disponibilidade para cuidar dos Dessa forma, cuidamos e enriquecemos coletivamente
a qualidade do nosso entorno: cultivando vínculos, selecionan-
5  REBECA WILD. Libertad y Límites: Amor e Respeto, 2006. do, na medida do possível, os estímulos a que as crianças estão

224
expostas (aqui entram, por exemplo, os limites que as próprias
famílias e comunidades geralmente adotam, como alimentação
Renata Gomez
saudável e baixo ou nenhum uso de mídia de massas) e assu-
mindo uma postura não diretiva. É assim que temos o privilé- Psicóloga e mãe de duas crianças que têm a sorte de aprender em liber-
gio de ver as nossas crianças criarem brincadeiras infinitas com dade. Cofundei a Comunidade Aldeia, onde, por 4 anos, recebi famílias
do mundo todo e crianças quilombolas locais, e produzi eventos sobre
enredos complexos, conhecerem plantas e animais, comunica- Aprendizagem Autônoma. Apoio pais em conversas individuais e
rem-se em diferentes idiomas, alfabetizarem-se (para poderem grupos de puerpério e educação consciente. Integro o Projeto
brincar mais ainda) e desenvolverem um monte de outras habili- de Educação da comunidade Fazenda Aritaguá e a rede de
famílias Baobá.
dades particulares que eu precisaria de muito mais páginas para
te contar. Sem currículos, sem aulas, sem pressão.
Talvez, iniciar uma ampla comunidade de aprendiza-
gem pareça um sonho ousado e grandioso que não cabe no seu
contexto de vida atual. Mas, quem sabe, uma caixa de areia no
seu quintal (um cesto de blocos na sala também é ok, viu?) e um
convite para o seu vizinho vir tomar um cafezinho, enquanto as
crianças brincam, seja um bom início. Eu acredito que sim. Ao
conhecermos nossa vizinhança, iniciamos uma rede que benefi-
cia a família toda. E lá vão as crianças, mais uma vez, nos levando
para o caminho do bem ;)

225
Coaching e Educação – o
Caminho é para Dentro
Márcia Taliyaki

Durante 8 anos da minha vida, fui professora particular de Ensino Fundamental e acompanhei muitos
adolescentes e famílias. Pude ver de pertinho o funcionamento da instituição escola, muitos professo-
res, direção e tudo mais que envolve o sistema educacional. Paralelo à minha atividade profissional de
professora, no período da noite eu cursava faculdade de Direito e, então, vivia o outro lado: ser aluna.
E logo que me formei, além de advogar e atuar na política institucional da Ordem dos Advogados, me
aventurei em mais uma sala de aula e fui atuar como professora de Direito Administrativo em cursos
preparatórios para concurso público. Durante estes anos, pude experimentar, estudar e debater muito
sobre o universo educacional, e assim começar a formar minhas próprias opiniões a respeito do assunto.
Anos mais tarde, tive o privilégio de passar por um processo de Coaching que provocou o
início de uma profunda transformação em minha vida, de dentro para fora. E foi aí que desejei muito
aprender aquelas ferramentas e levá-las pra sala de aula! Viver aquele processo foi ter a oportunidade
de enxergar algo da educação que eu ainda não tinha acessado, mesmo com toda a experiência, es-
tudos e debates.
No lugar da “verdade” de que temos uma educação que formata, que provoca autoexigência,
competição, estresse e sentimento de punição, construí a “verdade” de que está tudo bem. Fomos edu-
cados e ensinados assim, bem como nossos professores, pais e avós. Ensinados que a felicidade está fora

226
de nós, assim como a prosperidade e o conhecimento. Ensinados abundância ganham espaço em nossa vida, e eu já posso parar
que precisamos nos rechear de informações e conhecimentos para de “correr atrás” dos recursos e conhecimentos para “atrair” aquilo
“correr atrás” dos nossos recursos, ter casa, carro, família, marido/es- que quero e mereço desde a construção do meu mundo interno.
posa, filhos, diplomas, empregos, títulos, e tudo isso, para buscar a E assim, a partir da minha curiosidade em seguir es-
tão sonhada felicidade. tudando e pesquisando o tema, descobri que já existiam várias
A partir da experiência Coaching, enchi meu coração iniciativas e pessoas muito maravilhosas discutindo o assunto, e
de compaixão por mim e por todos, e compreendi o que mui- outras despertando o interesse e aumentando o time para, juntos,
tos ensinamentos ancestrais já diziam desde sempre: que tudo cocriarmos e desenvolvermos um novo paradigma de educação,
está dentro de nós, tanto a felicidade quanto a sabedoria. E que dando vazão às nossas muitas inquietações e uma vontade imen-
quando essa sabedoria é acessada e praticada em alinhamento sa de nos reinventarmos para viver uma “grande virada”, cheios de
com aquilo que viemos fazer nesta vida, toda a prosperidade e vontade de acessar todos estes ensinamentos ancestrais que nos
foram entregues há tanto tempo, e adaptá-los numa linguagem
moderna e atual para serem praticados por nós e pelas novas ge-
rações para a construção do presente e futuro da nossa sociedade.
E então, diante de tantas evidências, descobertas e dar-
se contas, me rendi aos encantos do Coaching e fui estudar e
“...quando essa sabedoria é acessada e pra- me formar nesta nova profissão, que tantas pesquisas aponta-
vam como a profissão que mais crescia e seguiria crescendo nos
ticada em alinhamento com aquilo que vie- próximos anos. Coaching é uma ferramenta de comunicação
provocativa. Promove um diálogo direcionado ao futuro, onde o
mos fazer nesta vida, toda a prosperidade e mais importante é buscar a sabedoria interna do coachee (clien-
abundância ganham espaço em nossa vida, te), até que ele descubra seu sonho, desperte sua missão e se
empodere de viver sua história, sem enquadramentos nem for-
e eu já posso parar de “correr atrás” dos re- matos pré definidos. Viver seu sonho autêntico, encontrar sua
verdade, entrar em contato com seus dons e talentos, e cami-
cursos e conhecimentos para “atrair” aquilo nhar a jornada com base em seus valores genuínos.
que quero e mereço desde a construção do Me encantei com a possibilidade de uma ferramenta
educativa, e logo percebi que esta poderia ser uma forma de
meu mundo interno.” educação mais consciente, uma educação “de dentro pra fora”,

227
onde o professor pode ensinar de forma mais questionadora do
que apenas a entrega de conteúdo para “encher” o aluno de co-
nhecimentos que não sabemos “se” e nem quando ele vai utilizar. “aprender a ser humanos quer dizer com-
Pode provocar, instigar, criar curiosidade, reflexão...
Assim como pode direcionar, coordenar, supervisionar, preender que aprendemos muito com nos-
e tudo isso, mantendo a autonomia daquele que aprende. Uma
autonomia que quanto mais preservada, maior o engajamento,
sos erros, e por isso, errar pode e deve ser
criatividade e responsabilidade por parte de todos os envolvidos. encarado como algo natural. Com menos
E agora, não mais em sala de aula como professora,
mas vivendo do meu sonho de treinar pessoas e líderes como peso e mais compaixão por nossa condição
Coach, gosto de imaginar que nossos “alunos”, bem como todos
nós que estamos aprendendo na jornada da vida, estamos vi-
humana, que nem sempre acessa a respos-
vendo um salto quântico: de estudantes passivos, que recebem ta de tudo, mas que se houver dedicação
conteúdo formatado e pré-definido, para estudantes ativos, que
escolhem o que querem estudar com base em seus interesses suficiente, pode encontrar tudo dentro de si
genuínos, com base em uma investigação de sonhos, propósito,
sentido de vida. Com base na escuta profunda e ativa a respeito
mesmo.”
dos talentos de cada um. O que você gosta de fazer? O que você
passa horas fazendo e nem percebe? Quais são suas fortalezas? pois este novo modelo de educação tem por propósito despertar
O que te enche de energia e te motiva? a sabedoria interna do aluno/coachee, privilegiar quem ele é e
E como eterna professora, vejo que o professor passa a deseja verdadeiramente ser. Confiar que todos temos respostas
ocupar um papel muito mais de “facilitador”, ou seja, aquele que internas aos questionamentos externos, bem como perguntas in-
facilita o aprendizado e a compreensão. E aqui há uma mudança ternas a serem feitas para o mundo que nos rodeia, numa busca
de “centro” da educação, pois o professor que antes era respon- autêntica da essência ao invés de uma busca programada do ego.
sável por entregar seu conteúdo que foi exaustivamente estuda- E desde a minha experiência, percebi que para dar os
do e pensado, agora entrega muito mais que isso: entrega aten- próximos passos rumo a esta Grande Virada, é preciso virar uma
ção, amor, escuta ativa, paciência, entre outros. Uma verdadeira chave interna em cada um de nós: assumir efetivamente a res-
entrega em prol do desenvolvimento interno do outro, e certa- ponsabilidade da mudança que queremos ver no mundo. Sair
mente, uma entrega muito mais humana, humilde e silenciosa, do paradigma de buscar culpados para o passado ou obstáculos

228
para realizar o presente, sejam eles o Governo, economia, po-
líticos, ou qualquer outra figura que ainda prefira formar seres
Márcia Taliyaki
formatados ao invés de seres questionadores, para entrar no pa-
radigma de que todos nós podemos e somos educadores das Márcia Corrêa Taliyaki, Master Coach, especialista na humanização de
novas gerações; educadores desde o nosso exemplo, a nossa lideres. Líder de produção e instrutora aprendiz de Coaching Express
Condor Blanco no Rio de Janeiro. Para fazer valer a passagem
congruência, o nosso serviço incondicional e generoso, onde o por este Planeta, há que aprender a SER humano.
nosso maior legado deixa de ser as nossas respostas e passa a ser
as nossas perguntas. Onde assumimos que não só os professo-
res de sala de aula e os pais são os responsáveis pela educação
das crianças, jovens e adultos, mas todos nós que somos exem-
plos dos nossos próprios valores e história.
Para onde vejo que vamos com tudo isso... humaniza-
ção. Estamos caminhando para ensinar às pessoas a serem hu-
manos autênticos e não mais robôs programados. E aprender a
ser humanos quer dizer compreender que aprendemos muito
com nossos erros, e por isso, errar pode e deve ser encarado
como algo natural. Com menos peso e mais compaixão por
nossa condição humana, que nem sempre acessa a resposta de
tudo, mas que se houver dedicação suficiente, pode encontrar
tudo dentro de si mesmo. Somos fontes inesgotáveis de amor
e sabedoria do Criador. Somos seres ilimitados e totais! Somos
parte da natureza e tão abundantes quanto ela. Somos próspe-
ros, sábios e livres, e a felicidade mora dentro de cada um de nós!

229
Um Novo Mundo é
Possível, Necessário e já
está Acontecendo
Aline Satyan

Você sente que tem algo de errado numa vida solitária em apartamento, onde os vizinhos não se co-
nhecem? Acha que não faz sentido pagar conta de luz, água e gás para uma só pessoa? Gostaria de
compartilhar almoços, confidências e, quem sabe, até uma horta orgânica com outras pessoas? Você
se pergunta se a vida em sociedade foi sempre assim?
Ao longo da história, a humanidade já experimentou diversas formas de habitação, desde
assentamentos na zona rural à criação de grandes centros urbanos. Longe de serem uma resposta mi-
lagrosa a evidentes problemas sociais e ambientais da nossa época, as ecovilas propõem uma reflexão
sobre a nossa forma de habitar o planeta. Segundo a definição adotada pela Rede Global de Ecovilas,
tratam-se de “comunidades urbanas ou rurais formadas por pessoas que se esforçam para integrar o
ambiente social cooperativo com um estilo de vida que não cause danos ao meio ambiente”1.

1 http://gen.ecovillage.org/

230
Mas nem tudo são flores. A convivência entre pes- um ambiente acolhedor para o desenvolvimento humano e
soas com diferentes necessidades, histórias de vida e visões um estilo de vida com menor impacto à natureza. É claro que
de mundo quase sempre pode beirar o conflito. Os desafios esta forma de vida em comunidade não é exatamente nova.
econômicos de se levar uma vida com propósito e realizar Pelo contrário: as ecovilas buscam resgatar experiências de
trabalhos com significado, em um mundo guiado pelo capital, convivência, manejo de recursos naturais dos povos tradicio-
não são simples. O abandono de certos hábitos e confortos, nais e se inspirar nos ciclos da natureza, em busca deste res-
tão naturalizados na nossa vida quase automática nas cida- gate de formas de vida mais coerentes.
des, nem sempre é tão fácil. Compartilhar conhecimento é fundamental para a cria-
Por isso, as ecovilas e comunidades intencionais têm ção de novos paradigmas. Neste sentido, há dez anos a Rede
se propagado ao redor do mundo, há mais de quarenta anos, Global de Ecovilas criou o currículo Gaia Education, um conjunto
como um verdadeiro laboratório, buscando a combinação de de conteúdos, experiências e ferramentas para criação e fortale-
cimento de comunidades. Presente em mais de quarenta países
ao redor do mundo, no estado do Rio de Janeiro está sendo
experimentado, desde 2013, o formato Gaia Jovem2. Para mim,
o grande diferencial do Gaia é despertar uma nova visão sobre
a nossa relação com o planeta, com as pessoas à nossa volta e
“Ao longo da história, a humanidade já expe- com nós mesmos. Mas, e depois de toda essa transformação, o
que você faz quando abre os olhos?
rimentou diversas formas de habitação, des- É essa pergunta que me move a colocar a mão na mas-
sa e realizar o Gaia Jovem Serrano3, imersivo de educação em
de assentamentos na zona rural à criação de sustentabilidade no sítio Vale de Luz, com participantes de 14 a
grandes centros urbanos. Longe de serem 21 anos de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, São Paulo e Juiz de
Fora. Parte do programa Nest do Gaia Education, o Gaia Jovem,
uma resposta milagrosa a evidentes proble- segue as mesmas bases de seu currículo, adaptado para a rea-
lidade dos jovens brasileiros. Sua proposta é despertar agentes
mas sociais e ambientais da nossa época, as de transformação de suas realidades pessoais e da comunidade
ecovilas propõem uma reflexão sobre a nos-
sa forma de habitar o planeta.” 2 www.gaiajovem.com
3 www.facebook.com/gaiajovemserrano

231
onde estão inseridos, através de uma nova visão de mundo so-
bre seus estilos de vida social, econômico e ambiental.
Mais do que capacitar jovens com habilidades téc-
nicas para solucionar problemas de sua região, o propósito
deste programa é despertar o potencial de transformação de
cada um, através de dinâmicas em grupos, jogos cooperati-
vos, debates inovadores, aulas práticas em meio à natureza,
bioconstrução, plantio, arte, música, elaboração de projetos, e
ferramentas de desenvolvimento pessoal e coletivo. Utilizan-
do recursos para ajudar o jovem a encontrar equilíbrio entre
seus talentos, necessidades e dúvidas, buscamos estimular a
conexão com seu Eu Interior, motivando o indivíduo na bus-
ca de seu potencial coletivo.
Após passar pelo curso, os jovens voltam para suas
casas com a missão de realizar projetos em suas comuni-
dades. E, uma vez por ano, se encontram no Festival Gaia
Jovem, um espaço de cocriação e celebração, que tem por
propósito manter a chama do Gaia acesa em cada um de nós.
No Gaia Jovem, o processo é um fluxo contínuo: não
tem fim, tem finalidade.
Ou seja: o Gaia transborda para intervenções artísti-
cas na comunidade, saraus de talentos, feiras de troca, ofici-
nas criativas nas escolas, criação de hortas coletivas no bairro,
meditação coletiva no parque, mutirões de embelezamento
do sítio, registro audiovisual do processo. A criatividade vai
longe e a potente força do coletivo é nosso combustível.
O convite que este novo – novo? – paradigma de
comunidade faz é questionar se certos padrões sociais, eco-
nômicos, ecológicos e de visão de mundo, que nos parecem

232
tão óbvios no dia a dia, são realmente as únicas formas de
nos relacionarmos e habitarmos o planeta. O verbete “ecovi-
Aline Satyan
la”, na wikipedia, sugere que “os modelos de sustentabilidade
desenvolvidos ao longo de mais de 40 anos pelas milhares Eu sou curiosa e apaixonada por colaboração criativa e sustentabilidade.
de ecovilas ao redor do mundo formam um grande banco Canceriana e carioca, gosto de ser educadora, facilitadora de grupos e
cozinheira vegana. Empreendedora da Txai Design de Experiências, nos
de dados de soluções aos atuais problemas da humanidade últimos anos tenho cocriado o programa de educação em sustenta-
e fonte de riquíssimas experiências que podem ajudar a re- bilidade Gaia Jovem e o espaço de vivências Casa Txai em Lumiar
conectar as pessoas à Terra, numa forma que permita o bem e colaborado com a casa coletiva a.casa, no Rio.
estar de todas as formas de vida e futuras gerações.”
Acredito que, despertando esta nova visão de mun-
do, nos tornamos mais conscientes de nosso papel na socie-
dade. Por isso, fico muito feliz de fazer parte da publicação
deste livro e espero que com ele você encontre o seu com-
bustível para manifestar o que veio fazer neste mundo.
É uma forma de experimentar, na tentativa e erro,
mas, sobretudo, coletivamente a célebre frase de Bertold Bre-
tch: “Nada deve parecer natural nem impossível de mudar”. Eu
acredito que este novo mundo não só é possível, mas neces-
sário e, sobretudo, já está acontecendo. Venho observando
e explorando isso intensamente na minha casa coletiva, nos
projetos que faço parte, nos relacionamentos amorosos… E
tudo sempre volta para este mesmo ponto: como equilibrar
tarefas, processos e relacionamentos, compreendendo as di-
ferentes habilidades e necessidades de cada um e do contex-
to, mantendo a energia dos indivíduos e do grupo em seguir
realizando novos paradigmas?
Acho que se eu encontro essa resposta, já estou
pronta para iluminar e/ou desencarnar, então sigo na pergun-
ta. Grata por fazerem parte desta caminhada :-)

233
Mapeamento de Ecovilas e
Comunidades Intencionais do Brasil
Este livro contempla um panorama parcial das Ecovilas e Comunidades
Sustentáveis no Brasil. Existem muitas outras pessoas e iniciativas super
importantes para a rede que não estão presentes nesta obra.

Honrando a importância de todas iniciativas, segue um mapeamento


realizado por Gabriel Siqueira em seu site Irradiando Luz, feito no ano de
2015. É uma relação de 99 ecovilas e comunidades intencionais.

Link do mapeamento na internet:


irradiandoluz.com.br/2015/10/ecovilas-e-comunidades-no-brasil

Chapada dos Veadeiros (GO): 11 comunidades e ecovilas


Associação Cúpulas de Saint Germain (Alto Paraíso, GO:
Cidade da Fraternidade (Alto Paraíso, GO)
Comunidade Osho Lua (Alto Paraíso, GO)

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Ecovila Arco-Íris (Cavalcante, GO) Vale do Amanhecer (Planaltina, DF)
Ecovila Vale Dourado (Alto Paraíso, GO) Templo da Deusa – Wiccan Village – (Brasília, DF)
Flor de Ouro (Alto Paraíso, GO)
Fundação Arcádia (Alto Paraíso, GO)
Fundação Ordem Santo Graal – Cavaleiros de Maytréia (Alto Chapada Diamantina, BA: 5 comunidades
Paraíso, GO) e ecovilas
Fazenda Bona Espero (Alto Paraíso, GO)
Instituto Quinta Essência (Alto Paraíso, GO) Comunidade Campina (Palmeiras, BA)
Quilombo Kalunga (Cavalcante, GO) Ecovila Barriga da Onça (Rio de Contas, BA)
Fazenda Riachinho (Rio de Contas, BA)
Lothlorien – Centro de Cura e Crescimento (Palmeiras, BA)
Pirenópolis, GO: 5 comunidades e ecovilas Rodas do Arco-íris (Palmeira, BA)

Comunidade FraterUnidade (Pirenópolis, GO)


Fraternidade Espiritualista Vale Dourado (Pirenópolis, GO) Costa do Cacau: Ilhéus e Itacaré, BA:
Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (IPEC) 5 comunidades e ecovilas
(Pirenópolis, GO)
Santuário Vagafogo (Pirenópolis, GO) Abracadabra (Itacaré, BA)
Terra Nostra (Pirenópolis, GO) Aldeia (Itacaré, BA)
Comunidade Solaris (Ilhéus, BA)
EcoComunidade Inkiri de Piracanga (Itacaré, BA)
Outras comunidades e ecovilas em Goiás Ecovila Piracanga (Itacaré, Bahia)
e no Distrito Federal: 7
Comunidade Asha (Goiânia, GO) Outras comunidades e ecovilas da Bahia: 3
Goiasnat – Associação Goiana de Naturismo (Aragoiânia, GO)
Cidade Eclética Fraternidade Universal (Santo Antônio do Ecovila Caminho de Abrolhos (Nova Viçosa, BA)
Descoberto, GO) Fundação Terra Mirim (Simões Filho, BA)
Ecovila da Montanha (São João D’Aliança, GO) Vila Hippie de Arembepe (Arembepe, BA)
Ecovila Santa Branca (Teresópolis, GO)

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São Paulo, SP: 8 comunidades e ecovilas Sul de Minas Gerais: 9 comunidades
Amaradia (São Paulo, SP) e ecovilas
Casa dos Hólons (São Paulo, SP) Agrovila Carrancas (Carrancas, MG)
Casa Jaya (São Paulo, SP) Céu do Gamarra (Baependi, MG)
Ecobairro Vila Mariana (São Paulo, SP) Ecovila Águas de Contendas (São Lourenço, MG)
Ecocasa Ateliê da Luz (São Paulo, SP) Figueira (Carmo da Cachoeira, MG)
EcoHouse Natingui (São Paulo, SP) Fundação Harmonia (São Tomé das Letras, MG)
Ecovila São Paulo (São Paulo, SP) Mato Dentro (São Lourenço, MG)
Morada da Floresta (São Paulo, SP) Picada (São Tomé das Letras, MG)
Sociedade Brasileira de Eubiose (São Tomé das Letras, MG)
Interior e litoral do estado de São Paulo: 12 Vale do Matutu (Aiuruoca, MG)

comunidades e ecovilas
Outras comunidades e ecovilas em Minas
Comunidade de Nazaré (Nazaré Paulista, SP)
Comunidade Nova Gokula (Pindamonhangaba, SP) Gerais: 5
Ecovila Clareando (Piracaia, SP) Cipó / 4 Cantos do Mundo (Belo Horizonte, MG)
Ecovila Corcovado (Ubatuba, SP) Ecovillage Viver Simples (Itamonte, MG)
Ecovila Cunha (Cunha, SP) Fazenda Ananda Kirtana (Juiz de Fora, MG)
Ecovila UR (São Roque, SP) Sete Ecos (Sete Lagoas, MG): FIC
Estância Demétria (Botucatu, SP) Terra Una (Liberdade, MG)
Estação Bem-te-vi (Mogi das Cruzes, SP)
Flor do Anhumas (Campinas, SP)
Parque e Instituto Visão Futuro (Porangaba, SP) Rio de Janeiro: 5 comunidades e ecovilas
Solo Sagrado (Guarapiranga, SP)
Ecovila Tibá (São Carlos, SP) Aldeia da Mata Atlântica (Aldeia Velha, RJ)
Vila Yamaguishi (Jaguariuna, SP Mirako Concept (Rio de Janeiro, RJ)
Vale do Pavão (Visconde de Mauá, RJ)

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Pindorama Atlantic Forest Institute (Nova Friburgo, RJ) Cura do Planeta (Fortaleza, CE)
El Nagual (Magé, RJ) Ecocentro Bicho do Mato (Recife, PE)
Ecovila Belém (Belém, PA)
Ecovila Felicidade (João Pessoa, PB)
Santa Catarina: 8 comunidades e ecovilas Ecovila Spa da Alma (Tibau do Sul, RN)
Ajubaí Eco Comunidade (Alfredo Wagner, SC) Povoado Mato Grosso (Loreto, MA)
Aldeia Arawikay (Antônio Carlos, SC) Praterra (Boa Vista, RR)
Céu do Patriarca São José (Florianópolis, SC) Sabiaguaba (Fortaleza, CE)
Ecovila Alto-Quiriri (Campo Alegre, SC) Vila Nova do Alagamar (Pindoretama, CE)
Ecovila Encostas da Serra (Santa Rosa de Lima, SC) Yvy Porã (São Pedro de Alcântara, SC)
Ecovila Sítio Cristal Dourado (Florianópolis, SC)
Sítio dos Sonhos (Águas Mornas, SC)
Yvy Porã (São Pedro de Alcântara, SC)

Rio Grande do Sul: 7 comunidades e ecovilas


Instituto Arca Verde (São Francisco de Paula, RS)
Associação Ecológica Portal do Sol (São Francisco de Paula, RS)
Ecovila Pessegueiro (São José dos Ausentes, RS)
Ecovila Rainha da Floresta (Caxias do Sul, RS)
Ecovila Sítio das Águias (Ivoti, RS)
Nossa Ecovila (Três Cachoeiras, RS)
Sítio Gravatá (Itapuã, RS)

Outras regiões: 11 comunidades e ecovilas


ABRA144 (Manaus, AM)
Comunidade Doze Tribos (Londrina, PR)

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