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Alveirinho Dias
IMPORTÂNCIA
DA
OCEANOGRAFIA
PARA
PORTUGAL
Universidade do Algarve
Faro
2003
Importância da Oceanografia para Portugal Dias, J. A. (2003)
IMPORTÂNCIA DA OCEANOGRAFIA
PARA PORTUGAL
J. Alveirinho Dias
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Importância da Oceanografia para Portugal Dias, J. A. (2003)
Como se aludiu atrás, para exercer completa Com frequência os navios navegam mais
soberania e para bem gerir tão vasta área, é próximo da orla costeira, fora dos corredores de
imperativo que se ampliem os conhecimentos tráfego marítimo, e não existe ainda um sistema
do que aí existe e dos processos que aí actuam, fiável de controlo do tráfego. Este intenso
o que só pode ser conseguido através de tráfego marítimo exige que o País disponha não
financiamento minimamente adequado à só de um sistema eficaz de controlo do tráfego,
comunidade oceanográfica nacional. mas também que conheça, o mais
profundamente possível, as características
oceanográficas das águas sob jurisdição
portuguesa, designadamente no que se refere à
agitação marítima e ao regime de temporais, às
correntes, e a todos os outros factores que
podem interferir com a segurança da navegação.
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fiscalização das nossas águas (as menos Portugal é fortemente dependente das suas
vigiadas de todas na União Europeia). infra-estruturas portuárias (designadamente no
O intenso tráfego marítimo que cruza águas que se refere ao comércio marítimo, às pescas e
portuguesas implica a existência de elevados à navegação de recreio), verificando-se
riscos de acidentes, que podem ser altamente necessidade de criação de novas infra-estruturas
poluentes. O recente acidente, a 13 de ou ampliação das existentes, o que deve ser
Novembro de 2002, a 65 milhas da costa galega, concretizado com o mínimo de impactes
do petroleiro “Prestige”, que transportava 77 mil negativos para os ambientes costeiros. Os
toneladas de fuel-óleo, e seu posterior principais portos são os de Lisboa, de Leixões e
de Sines, mas têm também grande importância
afundamento, a 19 de Novembro, a 250
quilómetros da Galiza, em fundos de cerca de regional os de Viana do Castelo, de Setúbal, de
2600m de profundidade, muito próximo da ZEE Portimão e de Faro. Há ainda a considerar os
portuguesa, comprova o risco muito elevado vários portos de pesca, de recreio e marinas.
Também neste aspecto o conhecimento das
diariamente existente. Estima-se que este
petroleiro tenha derramado cerca de 15000 características oceanográficas surge como
toneladas de hidrocarbonetos, provocando uma sustentáculo basilar para a correcta gestão deste
catástrofe ecológica, económica e social sem sector de actividades. Efectivamente, a
precedentes na Galiza. Calcula-se que, no minimização dos impactes ambientais adversos
fundo, no interior do casco que se partiu em gerados por estas actividades, a adequada
dois, e que apresenta nove fissuras (quatro na preparação para a eventualidade de acidentes
proa e cinco na popa) permaneçam ainda cerca (nas zonas portuárias ou no mar), bem como a
de 65000 toneladas de fuel. Para fazer face a manutenção e a ampliação da operacionalidade
dos portos só pode ser efectuada através do
eventuais acidentes deste tipo é imprescindível
que o País se dote com meios eficazes de conhecimento científico aprofundado do meio
combate a eventos altamente poluentes e que marinho.
tenha um conhecimento tão aperfeiçoado quanto 4. As Pescas e a Aquacultura
possível das características oceanográficas
A pesca em Portugal é importante fonte de
(físicas, geológicas, químicas e biológicas) da subsistência e desenvolvimento para as
ZEE portuguesa. comunidades costeiras e ribeirinhas. Os hábitos
alimentares portugueses integram uma dieta
diversificada, do tipo mediterrânico, onde o
peixe constitui um dos componentes básicos.
Efectivamente, segundo valores de 1992-94 da
FAO, Portugal detém o primeiro lugar da União
Europeia no consumo per capita de peixe
(62kg/ano)., com quase o dobro do consumo do
segundo maior consumidor, a Espanha
(38kg/ano). É certo que os valores em
quantidade de desembarques em Portugal (Fig.
5) revelam tendência decrescente das capturas
desde 1986, apesar do valor da produção final
total registar crescimento regular de 1986 a
1992, e depois começar a decrescer.
Segundo dados estatísticos da Direcção-Geral
de Pescas e do Instituto Nacional de Estatística,
Fig. 4. Imagem de satélite, da ESA (European
a pesca nacional actual diminuiu de cerca de
Space Agency), obtida a 17 de Novembro de 2002, 50% em relação ao período anterior a 1986,
em que se vêm nitidamente os derrames tendo a diminuição sido muito mais importante
provenientes do acidente com o petroleiro Prestige. em águas internacionais e de países terceiros
(70%) do que em águas nacionais (25%). Em
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actuar com eficácia caso esses riscos se É quando a erosão costeira começa a ameaçar
concretizem. Aliás, não existem ainda, no País, património construído que, por via de regra, se
mapas de vulnerabilidade e de riscos costeiros efectuam intervenções tendentes a salvaguardar
credíveis e cientificamente suportados. esse património. Nestes casos constata-se que,
Verifica-se erosão costeira na generalidade do sistematicamente, são as consequências (as
tendências de recuo da linha de costa) que são
litoral português (fig. 6), a qual assume aspectos
preocupantes em mais de 30% da sua extensão. combatidas. Praticamente nunca se tenta
Raros são os locais onde se verifica avanço da resolver a situação actuando ao nível das causas
linha de costa (isto é, acumulação sedimentar), (das quais, a principal é, indubitavelmente, a
estando estes fenómenos sistematicamente deficiência de abastecimento sedimentar ao
associados a grandes estruturas transversais litoral, induzida pelas actividades antrópicas).
(principalmente molhes de entrada em portos) Consequentemente, o litoral português encontra-
que interrompem a deriva litoral. Nestes casos, se, desde há várias décadas, num processo de
essa interrupção da deriva litoral que propicia a forte artificialização progressiva, sendo as
acumulação sedimentar, induz, forte estruturas fixas (esporões, paredões, etc.),
intensificação da erosão costeira a sotamar. É o apelidadas de “protecção costeira”, já uma
que se verifica, por exemplo, em Aveiro, na constante em vastas extensões do litoral. É uma
Figueira da Foz, na zona da barra de Faro-Olhão tentativa, condenada à partida, de tornar estático
e junto à foz do Guadiana. aquilo que, por natureza, é profundamente
dinâmico, com a consequente perda de
potencialidades intrínsecas às zonas costeiras. É
uma guerra contra a Natureza, na qual se sabe, à
partida, que se podem vencer algumas batalhas
mas em que a derrota final é certa.
Nos últimos anos, nalgumas áreas, com
relevância muito especial para o Algarve e,
neste, para a zona da Ria Formosa, têm-se
ensaiado, com sucesso, novas abordagens, mais
consentâneas com as características naturais das
zonas costeiras. Tal abordagem baseia-se em
intervenções tendentes a manter o dinamismo
do litoral, mantendo, tanto quanto possível, as
suas potencialidades. É o que
internacionalmente é, com frequência, referido
como “Building with Nature”, em que as
intervenções têm como filosofia básica “dar
uma ajuda à Natureza” e “tornar a Natureza uma
aliada”, e não a de “lutar contra a Natureza”.
Esta abordagem envolve realimentações de
praia, reconstrução dunar, plantação de espécies
endógenas desses locais, relocalização de
habitações e outras estruturas, etc. etc. Todavia,
a expansão deste tipo de actuação, que começa a
ser vulgar em muitos países desenvolvidos,
esbarra, entre outros, com interesses vários
instalados, com carências de conhecimentos
sobre a matéria por parte de muitos dos orgãos
de gestão, e com falta de sensibilização das
Fig. 6. A erosão costeira, traduzida em recuo médio populações.
anual da linha de costa, em Portugal. Adaptado de
E no entanto, embora tal não seja, infelizmente,
Ferreira et al. (in press).
do conhecimento generalizado da população,
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importante (o único rio que desagua na Nazaré é totalmente inesperada e imprevista, a descoberta
o pequeno Alcôa). de vida abundante e desconhecida (vermes,
amêijoas e mexilhões gigantes) na dependência
dessas fontes hidrotermais submarinas.
Posteriormente, foram descobertas muitas outras
fontes hidrotermais submarinas associadas aos
riftes, designadamente na Crista do Pacífico
Oriental (East Pacific Rise), onde pela primeira
vez os cientistas puderam observar ao vivo, a
bordo do submersível norte-americano Alvin, as
surpreendentes comunidades que vivem na sua
dependência. No entanto, até à década de 90 do
século XX, nada de semelhante tinha ainda sido
detectado no oceano Atlântico. Compreende-se,
assim, o grande impacte que a descoberta do
Fig. 10. O canhão submarino da Nazaré.
campo “Lucky Strike”, em águas açoreanas, teve
na comunidade científica.
Definindo-se a menos de 500m da costa, o troço
inicial deste canhão submarino apresenta A intensa actividade da comunidade científica
orientação WSW, formando profundo entalhe internacional que se seguiu à descoberta, em
na plataforma continental. A cerca de 6km da 1992, do “Lucky Strike”, localizado a 1730m de
costa inflecte para NW, voltando à direcção profundidade, conduziu à detecção dos campos
WSW a cerca de 12km da Nazaré, acabando por “ Menez Gwen” (em 1994, a 840m de
se orientar para W no troço terminal, profundidade), “Rainbow” (em 1997, a 2300m
desembocando na Planície Abissal Ibérica a de profundidade), e “Saldanha” (em 1998, a
cerca de 5000m de profundidade. Com 170km 2200m de profundidade). As actividades de
de comprimento, constitui verdadeira garganta investigação, neste domínio científico,
submarina até mais de 2000m de profundidade. continuam bastante activas, pelo que não será de
estranhar que, no futuro próximo, surjam
10.8. Hidrotermalismo Submarino notícias de novas descobertas.
Foi em 1992 que, durante um cruzeiro científico
norte-americano, ao efectuar dragagens no
fundo oceânico, num segmento da Dorsal Médio
Atlântica, se recolheram fragmentos de
chaminés hidrotermais e seres vivos típicos
destes interessantes ecossistemas. A descoberta
foi absolutamente casual, isto é, foi um “golpe
de sorte”, e por essa razão este campo
hidrotermal, localizado na ZEE dos Açores, foi
baptizado de “Lucky Strike”. Fig. 11.
Localização dos campos hidrotermais
submarinos localizados na ZEE dos Açores
Desde o início dos anos 70 que muitos
investigadores defendiam a existência de fontes A investigação neste domínio, quer pelos meios
hidrotermais em profundidade, nas zonas dos envolvidos, quer pela tecnologia de ponta que é
riftes, onde o magma, com temperaturas preciso utilizar, é tipicamente uma investigação
superiores a 1 000ºC, está a chegar à superfície, em consórcio. No caso específico dos trabalhos
para constituir nova crusta oceânica. Assim, não na ZEE dos Açores, a comunidade científica
foi uma surpresa completa quando, em 1977, portuguesa tem desempenhado um papel de
investigadores descobriram fontes hidrotermais elevada relevância, sendo mesmo, nalguns
quentes a profundidades da ordem de 2 500 casos, de liderança. Este é outro domínio em
metros, no rifte dos Galápagos, ao largo do que a Ciência nacional, se devidamente
Equador. Surpreendente foi, até porque financiada (como, até certo ponto, se tem
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Esta zona de fractura foi identificada, pela Para oriente abandona-se o domínio oceânico e
primeira vez, em 1971, pelo sonar de pesquisa entra-se no domínio continental. A sismicidade
lateral de longo alcance GLORIA, e por essa torna-se mais difusa estendendo-se por uma
razão é conhecida pela designação de "Falha de faixa com mais de 500 km de largura,
Glória". Tem comportamento assísmico, o que correspondendo à colisão continental entre a
tem sido interpretado como resultado possível África e a Eurásia. A fronteira de placas entre a
de deslizamento assísmico ao longo da zona de Eurásia e a África cruza as margens continentais
fractura, ou como reflexo dos intervalos de ibérica e africana, passando as placas a interagir
recorrência dos sismos que aí ocorrem serem por colisão continental na zona bético-rifenha,
longos, superiores ao período de registo da incluindo o Mar de Alboran e a cordilheira do
sismicidade instrumental, devido à reduzida Atlas. A colisão continental processa-se
taxa de movimentação neste acidente tectónico. essencialmente por deformação entre numerosos
Todavia, em 25 NOV 1941, registou-se um blocos litosféricos delimitados por falhas que
sismo de grande magnitude (8,4), com epicentro atravessam toda a litosfera continental,
localizado junto à extremidade oriental da falha desenhando um mosaico de microplacas cuja
de Gloria, cujo mecanismo focal indica interacção complexa origina sismicidade difusa,
desligamento direito, perfeitamente compatível com hipocentros predominantemente
com a atitude daquele acidente. É possível que o superficiais, mas também com ocorrência de
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Grandes crescimentos nos teores na atmosfera poderá ser entre 1,4 e 5,8ºC mais quente do que
são também detectados noutros gases de estufa, em 1990.
designadamente no que se refere ao metano Em Portugal Continental, segundo o Instituto de
(emitido pela queima de combustíveis, pelos Meteorologia, desde meados do século XIX que
intestinos dos ruminantes, pelos campos de a tendência para aumento da temperatura média
arroz, pelas lixeiras, etc.) que, desde 1750,
anual do ar (fora da influência urbana) tem sido
registou um acréscimo de 151%, ao N2O (que de 0,0074ºC/ano, havendo sinais de que a taxa
aumentou 8%) e aos CFCs/freons (que não de aumento da temperatura do ar tem vindo a
existiam antes de 1930). Sobre estes últimos, é crescer. No que se refere às temperaturas
de referir que o CFC-11, por exemplo, é 12 000 máximas, o aumento médio tem sido de
vezes mais eficaz como gás de efeito de estufa 0,0161ºC/ano (fig. 14).
do que o CO2.
marinho tem vindo a subir a taxas médias da funcionado quase ininterruptamente até à
ordem de 1,5mm/ano, havendo indícios de que actualidade. Essa série maregráfica é uma das
essa subida se acelerou nas últimas décadas. mais longas do mundo, apresentando, ainda, a
Segundo o IPCC, prevê-se um aumento do nível vantagem de ser uma estação “oceânica”, isto é,
médio das águas do mar de 2 cm a 10 cm, por não instalada num estuário ou corpo lagunar,
situação esta que, até há poucos anos, não era
década, nos próximos 100 anos. As causas desta
elevação relacionam-se com a elevação da frequente a nível mundial.
temperatura atmosférica, a qual provoca fusão A análise da série maregráfica de Cascais revela
dos gelos (nos glaciares de montanha e nas que, entre 1882 e 1987, o nível médio do mar
calotes) e expansão do volume das águas subiu, em média, 1,3 mm/ano. Todavia,
oceânicas. considerando apenas o período 1920-1987, a
As consequências desta elevação do nível taxa de subida foi de 1,7mm/ano (fig. 16).
marinho poderão ser catastróficas em todo o
mundo. Se a subida for da ordem de um metro
durante este século, vários dos estados-ilha do
Pacífico acabarão por desaparecer e áreas muito
grandes de terrenos costeiros serão inundados.
Quando se tem em atenção que essas áreas são
precisamente as mais produtivas do ponto de
vista agrícola, e das quais muitos países (por
exemplo, do sudoeste asiático) são altamente
dependentes, começa-se a percepcionar a
dimensão real do problema.
Em Portugal, observações realizadas em 5
estações costeiras indicam que a taxa de
variação da temperatura passou de 3ºC por
século nos últimos 40 anos para 6ºC por século
nos últimos 20 anos. Tal provocou já o
aparecimento de espécies de águas mais quentes Fig. 16. Variação do nível médio do mar na estação
na nossa costa, como, por exemplo, o sargo do maregráfica de Cascais (adaptado de Dias &
Senegal, e têm tendência a reduzir a Taborda, 1992).
biodiversidade. A comparação da variação do nível médio do
mar em Cascais com a evolução da temperatura
média à superfície do Atlântico Norte permite
deduzir que a causa principal dessa elevação do
nível marinho é, muito possivelmente, a
expansão térmica do oceano, isto é, o aumento
de volume das águas marinhas devido a
elevação da sua temperatura (fig. 17).
Se o nível médio do mar se elevar um metro até
ao final deste século, as implicações para
Portugal não serão tão dramáticas como as que
Fig. 15.Médias anuais da temperatura da água do se verificarão nos países em que a cota média é
mar à superfície em Leixões (adaptado de muito baixa, como acontece, por exemplo, no
www.meteo.pt).
Bangladesh, nas Maldivas ou na Holanda. No
Pode afirmar-se que as variações do nível médio entanto, deve-se considerar que estes impactes
do mar em Portugal são bem conhecidas. Tal se adicionarão aos que já se estão a verificar
deriva do facto de, em 1882, ter sido instalado com grande intensidade, e que são induzidos por
em Cascais um marégrafo, o qual tem
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