Você está na página 1de 12

O ENIGMA DAS TRÊS CARTAS

-roteiro de Coelho De Moraes, baseado na obra de Roberto Arlt-


Personagens: (Sr. Perolet); menino(a) vendedor(a); Irma Perolet;
policial ; Inspetor Kirino ; Detetive Gomes
____________________________
1

CENA UM
EXT, TARDE. CINZENTA
Perolet anda pela rua. Sente que é seguido. Vira-se bruscamente. Mão no
bolso verifica o revólver, com cuidado. Com temor ele se direciona ao
local onde o vulto se escondeu. Alternadas imagens entre Perolet se
aproximando e a coluna onde, supostamente, o bandido se escondeu.
Quando cruza a coluna não há mais vulto, apenas um menino(a) que
vende qualquer coisa. O(a) menino(a) entrega-lhe uma mensagem.
Perolet a lê em off:

PEROLET
“Cruel Perolet, amanhã ou eu depois vou te matar”.

Assustado, suor frio pelo rosto. Olha a menina(o) que o olha. Leva a mão
como se fosse pegar o revolver. Pega uma moeda do colete e dá para o(a)
menino(a). Perolet olha para os lados procurando, e sai, rapidamente].

CENA DOIS
INT. RESIDÊNCIA. TARDEY
Perolet chega à sua casa. A mulher o recebe, arrumando o avental.

IRMA
Chegou cedo hoje.

enquanto retira o capote

Aconteceu alguma coisa?

Perolet vai ao armário e bebe qualquer negócio. Depois, abre uma gaveta
e pega uma carta. A mulher lê:

Perolet, sabemos que você se dedica à espionagem.


Vá embora para seu país ou matamos você.

Irma fica assustada e fica sem fala. Perolet pega a carta da mão dela,
amassa a carta e joga-a no lixo. Detalhar o lixo. Encosta-se no armário,
olha para ela e cruza os braços. Não sabe o que fazer.

CENA TRÊS
INT. CASA E ESCRITORIO DE PEROLET.
Perolet está no escritório. Mexe em algumas caixas, cuidadosamente.
Tocam a campainha, ele estremece, quase deixa cair uma caixa. Irma
2

vem de lá de dentro e abre a porta, recebe uma carta. Se aproxima de


Perolet:

IRMA
Olha!

Ela entrega a carta. Ele a abre com certo cuidado.

PEROLET
Perolet. Sabemos que jogou nossa primeira carta no
cesto de arame. Você está brincando com fogo.

Perolet se levanta.

É a terceira carta. Não sei mais o que fazer.


Não temos empregados.
Como é que descobriram que eu joguei a carta no meu
cesto do escritório?

Irma, a mulher está assustada / vai à janela observar.

Estão me vigiando.

olha pela janela.

E querem me matar.

CENA QUATRO
INT. DELEGACIA. DIA
Plano geral: Conversa de Perolet com um policial que faz anotações. O
policial sorri, divertido, enquanto anota.

PEROLET
... E digo para o senhor que... eu...
desconfio até da polícia, eu confesso...
até da polícia.

POLICIAL
Tranquilize-se, senhor Perolet... fique calmo...

PEROLET
...mas eu não sou um espião... nunca fui...

POLICIAL
amistoso
3

Tranquilize-se...
fica melhor para o senhor que se vá para casa.
Descanse... tudo está anotado...
descanse um pouco...

PEROLET
Mas o senhor tem que entender...

POLICIAL
Não faça caso dessas peças de mau gosto...
isso deve ser coisa de algum de seus concorrentes.
O senhor é uma pessoa conhecida...
bem conceituado... é natural que haja invejosos...

Perolet sai. O policial o olha sair e continua a escrever, divertido na sua


escrita.

CENA CINCO
INT. CASA DO PEROLET. NOITINHA
Perolet e Irma tomam um chá. Ela o serve.

PEROLET
Irma... Resolvi que vou me tranquilizar.
Assim querem os policiais.
Então, vou me tranquilizar...

IRMA
Mas o que é que eles disseram?

PEROLET
Disseram que tudo aquilo não era nada... com eles,
não é nada mesmo...
dizem que...

suspira.

pode ser coisa de algum comerciante velhaco...


um concorrente... para me assustar...

IRMA
balança a cabeça, ansiosa

Por que não você não volta para o Brasil?


Eu ficaria aqui com meus pais, e,
cuidaria dos negócios... se você quiser, é claro...
4

PEROLET
Ora, ora... tenho lá medo desses valentões?

toca a campainha. Eles se olham assustados. A porta. Nervosos. Irma vai


atender. Rosto apreensivo de Perolet. Ela volta com um pacote. Ela vai
para a cozinha. Grita. Peorlet corre para lá. Vê o pacote aberto. Um
objeto metálico.

IRMA
É uma bomba! É uma bomba.

Perolet sente um aperto no coração e cai no tapete desmaiados aos gritos


de Irma.

CENA SEIS
INT. CASA DE PEROLET
Perolet está de cama ou deitado em um sofá. Irma entra apertando as
mãos.

IRMA
Tudo bem com você?

PEROLET
Agora estou melhor.

IRMA
Os policiais levaram a tal bomba para análise...

PEROLET
Alguma novidade, alguma pista?

IRMA
Não se levante...
Trouxeram o laudo enquanto você se recuperava.

PEROLET
Então... ?

IRMA
A bomba consta de um envoltório enegrecido,
de lata, contendo...

cara de muxoxo...
5

contendo uma porção de mousse de chocolate...

PEROLET
Mousse de chocolate?

IRMA
... o laudo continua...
A bomba é totalmente comestível e,
portanto, inócua.
Na verdade é uma bomba de chocolate...
dessas de padaria...

Perolet põe a mão no rosto.

Querido...

preocupada com a vergonha do marido.

... no entanto, no seu interior tinha um bilhete...

ela passa o bilhete...

PEROLET (voz over)


Perolet, te prepara...
você vai receber uma bomba recheada de ferro,
pregos e dinamite.

Fade.

CENA SETE
Inspetor, um tanto nazista, chega na casa de Perolet. Vê o número da
casa. Bate. Entra. Perolet recebe um inspetor. Aperto de mãos. O
inspetor nota IRMA e de vez em quando lança um olhar no corpo da
mulher. A cada olhar ela se cobre com mais pudor.

PEROLET
Inspetor?

KIRINO
Kirino... Inspetor Kirino

bate os calcanhares um no outro


.
PEROLET
Essa é minha esposa... Irma Perolet.
6

KIRINO
batendo os calcanhares, novamente.

Minha senhora.
PEROLET
Nessa grande cidade...
tem alguém que deseja me matar.

O inspetor anota.

Já recebei três cartas.


Parece que ele...
não está mais se contentando com as cartas.

KIRINO
Inimigos! O Sr. tem inimigos?

PEROLET
Não! Não acredito que tenha.
Mas eu sei que essas pessoas querem me fazer mal e
estão informados de todos os meus movimentos.

os três se olham. Irma e Perolet como que pedindo ajuda. Kirino se


levanta.

KIRINO
Prometo trabalhar nesse caso.

sai. Da rua.

Darei prioridade máxima.

última olhada do inspetor no decote de Irma, que se retrai, recatada.

CENA OITO
EXT. RUA
Perolet sai do escritório, topa com outro pacote, maior ainda. Olha para
todos os lados. Tomadas do rosto. Leva o pacote para dentro. Fica na
dúvida se abre ou não. Hesita em cortar os barbantes e no fim, nervoso
joga o pacote pela janela. Do alto ele vê que uma cobra sai de lá de
dentro. Perolet parte para a rua. Pega as cartas que tem no bolso e joga
uma a uma para a rua. De repente para em uma carta. E, abre
atentamente. Imagem do panfleto:
7

A AGÊNCIA JUVE OFERECE SEUS SERVIÇOS AO SENHOR PEROLET. PREÇOS


MÓDICOS. DISCRIÇÃO ABSOLUTA.

CENA NOVE
INT. AGÊNCIA JUVE
Perolet bate na porta com força. A porta se abre. Entra numa sala escura.
O detetive está sentado com os braços sobre a mesa cheia de papeis.
Perolet o cumprimenta. Senta-se.

DETETIVE
uma pessoa muito estranha aos padrões da normalidade. Entre o sinistro
e o amalucado, se possível, estrábico, dono de uma voz de locutor antigo.
Sou o diretor da Agência
e faço minha propaganda através de circulares
enviadas a comerciantes
que figuram no guia telefônico.

Perolet olha em torno, inseguro.

Não se surpreenda com nossas modestas instalações.


O luxo exige despesas que sempre são pagas pelo
cliente.
O que o senhor prefere?
Uma eficiente investigação
ou uma empresa que debitaria os móveis modernos na
sua conta?

PEROLET
Entendo... entendo... O senhor tem razão.
Isso é lógico e honradamente comercial.

DETETIVE
Eis o ponto.

Pausadamente

Eis - o – ponto.
Mas o Sr. Veio aqui para contar sua história.

inclusão de passagem de tempo enquanto Perolet conta, Detetive anota


tudo, inclui aí a trilha sonora, até que o Detive o interrompe.

DETETIVE
Essa bomba... não era uma caixinha com areia?
PEROLET
8

Não... estava cheia de mousse de chocolate.


Mas, como o senhor sabe que era uma bomba falsa?

DETETIVE
Se fosse verdadeira o senhor não estaria aqui.

Perolet faz um movimento em direção ao braço esquerdo, pensativo. O


Detetive, que anota tudo, se eleva num rompante, mirando Perolet e
apontando-lhe o dedo. Olhar sinistro e tolo.

O senhor é doente do coração.

PEROLET
Gaguejando.

Sim, sou doente. Como adivinhou?

DETETIVE
Sorrindo.

Não adivinhei, meu caro senhor...


não sou dado a essas práticas de superstição...
Dedução... Pura dedução...
A minha espécie detetivesca se fundamenta em
deduções. A questão é simples.
Não houve... nesses atentados...
intenção direta de feri-lo ou matá-lo.
Primeiro, as cartas anônimas,
depois uma bomba de chocolate,
depois ainda um serpente que, decerto,
era uma cobra d’água ou de borracha.
Enfim, seu caso pode ser definido como...
de “agressão indireta”.
Contra quem se acomete uma “agressão indireta”?
Contra quem está doente de algum órgão vital
e pode morrer durante intensa comoção.

PEROLET
Simples e profundo!

DETETIVE
O mestre Holmes bem se orgulharia de seu aluno.
Quem seria beneficiado com a sua morte?
Quem herdaria seus bens?

PEROLET
9

Minha esposa.

DETETIVE
Ela tem vinte anos a menos que o senhor.
O homem que o seguiu,
que escreveu a ameaça no tal papel era, certamente,
o amante dela.
Mas, é claro,
isso tudo ainda é especulação de minha parte.
Estou apenas jogando com os dados. Senhor Perolet,
a investigação completa lhe custará dois mil francos.
Mil à vista e mil na entrega do culpado à polícia.

Perolet está assustado.

Eu o levarei em pessoa,
como prova de minha capacidade e eficiência.

Perolet está mal e aperta o peito.

PEROLET
num sopro de voz, enquanto tira o talão do bolso

Não esperava isso de Irma!

Preenche um cheque.

Tem certeza?

Enquanto dá o cheque, a tremer, o DETETIVE dá de ombros como quem


diz: “Pode até ser, sei lá!”. Então, abre-se a porta e o Inspetor aparece
com 3 policiais.

KIRINO
Finalmente pegamos você, Archibaldo Gomes.
Agora você não escapa.

Detetive não se assusta, dá de ombros outra vez e devolve o cheque ao


assustado Perolet.

DETETIVE
Acho que não terei tempo de utilizar isto,
meu caro senhor.

KIRINO
enquanto se efetua a prisão.
10

Senhor Perolet,
tenho a satisfação de comunicar que...
descobrimos seu misterioso inimigo.
O golpe que estava tramando...
uma secreta armadilha.
Este homem, Archibaldo Gomes,
português de nascimento e vigarista internacional,
esteve empregado, durante certo tempo,
numa companhia de seguros,
tendo a oportunidade de informar-se de todos...
todos os contratos recusados por motivo de doença
cardíaca do proponente.
Pesquisou o senhor. Inventou então,
o ardil de perseguição
e da tal ”agressão indireta”,
oferecendo seus serviços de detetive particular às
mesmas pessoas depois de atemorizá-las com
ameaças.
Tudo o que ele pode ter dito ao senhor é pura
invenção para chocá-lo...
e, matá-lo.
As vítimas sempre acharam que esse homem era um
extraordinário detetive devido às suas lógicas
conclusões...
sempre resolvendo os casos a que se propunha
resolver...
tudo bandalheira.

PEROLET
suspirando aliviado.

Como descobriram?

KIRINO
Nada demais.
Interceptamos algumas de suas cartas pelo Correio. A
sua senhora nos deu mais detalhes sobre mensagens e
bilhetes...
e foi ela quem deu a pista definitiva:
ela nos falou do oferecimento de serviços que a
Agência Juve ofereceu ao senhor.
Tivemos, então, a certeza de estar na presença do
autor da “agressão indireta”,
procurado pela polícia internacional.
Uma discreta vigilância fez o resto.
11

PEROLET
entregando o cheque ao Inspetor.

Senhor inspetor, se não morri até agora,


com essas emoções, acredito que...

KIRINO
Senhor Perolet, fique tranquilo.
Não quero seu dinheiro.
Este é o meu trabalho, do qual muito me orgulho. Os
homens de coração de cristal, como o senhor... são
aqueles que têm vida mais longa.

carregam o detetive preso e saem deixando um Perolet aturdido.

CENA 10
Perolet volta mais contente para a residência. Entra.

PEROLET
depondo suas coisas na mesa.

Irma, pegaram o criminoso.


O nosso amigo inspetor... inspetor Kirino...
fez um trabalho excelente.
Ele chegou na última hora e zás...
Pegou o pilantra...

ao abrir a porta vê que Irma está trepando, de quatro, gemendo, com


POLICIAL. O casal trepante olha Perolet. Perolet olha o casal. Ela dá um
sorriso, babando e gozando. Perolet aperta o peito e começa a morrer,
deslizando para o chão. Põe a mão no coração. Enquanto ela uiva cada
vez mais. É necessário um toque perverso de obscenidade, por isso o fade
out final deve terminar sobre os gemidos dela. De preferência, os seios
dela balançando sobre a cara do Perolet morto.

Você também pode gostar