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3 O RECÔNCAVO BAIANO: UMA SÍNTESE DA FORMAÇÃO


HISTÓRICA REGIONAL

3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Para compreensão do estágio atual por que passa o Recôncavo baiano, e especificamente o
subespaço em que se localizam os municípios de Aratuípe, Cachoeira, Jaguaripe,
Maragogipe, Muritiba, Nazaré, Salinas da Margarida, Santo Amaro, São Felipe, São Félix,
Saubara, que fazem parte do chamado Recôncavo tradicional, torna-se necessário o exame do
processo de formação dos contornos do que hoje denominamos de Região do Recôncavo
Baiano.

No presente tópico, são analisados os aspectos principais do processo de formação histórica


da Região, os fatores externos e internos que contribuíram para a constituição, expansão e
consolidação de suas fronteiras, assim como as principais características da estrutura
produtiva regional, considerando o que parece consenso entre os historiadores, geógrafos e
técnicos em planejamento do Estado que, “na verdade, o recôncavo nunca fora, seja quanto
ao substrato ambiental, ou à ocupação econômica, uma área uniforme, mas antes um
complexo de sub-áreas especializadas” (Brandão, 1998).

3.2 HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO REGIONAL

“Até quase a primeira metade deste século, as terras em volta d’água – o Recôncavo da
Bahia de Todos os Santos – foram o cenário de um complexo sócio-econômico centrado na
produção e exportação do açúcar e do tabaco, mas incluindo também uma variedade de
outras atividades, distribuídas entre diferentes segmentos de uma região que alcançou mais
de 16.000 km2 , se considerando também o baixo Sul” (Brandão, 1998).

O processo de ocupação do Recôncavo baiano data do século XVI, após a chegada de Tomé
de Souza, com as doações de terra e o início das penetrações para o sertão, quando D. Álvaro
da Costa, armador- mor do Rei de Portuga l recebeu em regime de sesmaria as grandes faixas
de terras localizadas entre as barras dos rios Paraguaçu e Jaguaripe, com mais dez léguas para
o sertão. Inicialmente, no entorno da foz do rio Paraguaçu, surgiu o cultivo da cana-de-
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açúcar. Mais tarde, com a ocupação das áreas situadas mais para o interior, ocupando de
início as áreas de Tabuleiros, circunvizinhas às áreas de cana-de-açúcar, instala-se a lavoura
fumageira.

O povoamento dessa parte do território se iniciou, tal como em todo território brasileiro, a
partir da concessão de sesmaria; dando origem à primeira propriedade, livre de todos os
impostos, onde o plantio da cana-de-açúcar era a principal atividade econômica em
propriedades alienáveis. Era prática da coroa portuguesa, para efetivar a ocupação do
território brasileiro, a divisão de terras em grandes áreas e doá- las a pessoas que se
mostravam capazes de valorizá- las. “Os primeiros povoadores – sesmeiros – deram origem
às velhas famílias portuguesas que não se misturaram, as quais mesmo empobrecidas, não
perderam o orgulho.” (Lins, 1960, p. 16 apud Guerreiro de Freitas, 1999a, p. 73).

O recôncavo baiano, diante da sua situação geográfica, “com uma superfície de


aproximadamente [10.840 km2 ] e uma orla de quase 200 km, aí está um mediterrâneo de
história; e extensos manguezais, enseadas e lagamares, praias arenosas e rochosas, [com]
trinta e cinco ilhas” (Brandão, 1998). Mesmo com a proximidade do principal centro urbano
da província, desenvolveu-se aí um processo histórico-social eminentemente rural, com
esparsas concentrações populacionais. Durante o seu processo de ocupação o Recôncavo
Baiano presenciou, em paralelo às culturas da cana e do fumo, o desenvolvimento de outras
atividades agropecuárias consideradas secundárias, mas que visavam a produção de culturas
alimentícias para o abastecimento do conjunto de cidades que faziam parte do circuito da
produção da cana-de-açúcar, incluindo o principal centro urbano do Estado de então, a cidade
do Salvador.

A partir e por causa da sua formação histórica, o “Recôncavo baiano tradicional é uma área
de forte densidade cultural e histórica, de povoamento notoriamente estável, relativamente
muito urbanizada, com uma configuração fortemente marcada pelas terras de mata fina
(tabuleiros), de planície e por extensos manguezais. Os contrastes físicos correspondem a
formas de ocupação e modos de acesso, bem como a perfis culturais estabilizados” (Pedrão,
s/d), no qual, a “produção do açúcar jamais subsistiu só, mas integrada a um complexo de
atividades espacialmente diferenciadas. A cana ocupava o âmago da região – em torno dos
núcleos de Santo Amaro e São Francisco do Conde, e em sua periferia desenvolviam-se
atividades complementares ao complexo açucareiro, uma especialização que resultou de um
processo de divisão do trabalho no plano regional, paralelo ao das próprias unidades de
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produção” (Brandão 1998). Essa dinâmica possibilitou que as áreas periféricas ao Recôncavo
se especializassem progressivamente e a região, em conjunto, reproduzisse o complexo
econômico do açúcar.

Durante séculos, o Recôncavo baiano acumulou lentamente modos de vida nos quais a
presença localizada e direta da modernização não ameaçava a maioria das práticas
tradicionais e até as reforçava. Esta estrutura se manteve até o final dos anos 40 e inícios dos
anos 50, com a implantação das atividades de exploração de petróleo, que aconteceu em parte
do seu espaço territorial a partir de 1953. A chegada dessa atividade à Baía de Todos os
Santos, que vivia as contrações no seu modo de produção desde meados do século XVII,
devido à crise do açúcar, inicia um processo de mudanças econômicas e sociais no entorno da
capital do Estado.

Entre o final do século XVII e a metade do século XVIII, as redes fluviais e marítimas se
constituía m no único meio para o ir e vir das pessoas e das mercadorias. O domínio da
natureza ou as tentativas de organizá- la começava m pelas áreas do entorno da Baía de Todos
os Santos e das terras férteis que margeavam os rios da região, mas sem perder de vista a
possibilidade de interiorização, através de trilhas por onde penetrava m as tropas e o gado em
uma expansão gradual para além da Zona da Mata, até as distantes barrancas do rio São
Francisco. Nesse período surgiram as primeiras vilas da Região, localizadas nas
proximidades do mar e as margens dos rios. Destaque para o surgimento das Vilas de Nossa
Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, de Jaguaripe (1693), Santo Amaro de Nossa
Senhora da Purificação e São Bartolomeu de Maragogipe (1724), e novos e sucessivos
desmembrame ntos destas vilas e de Valença (no vale do Jequiriça), no decorrer do século
XIX e XX.

A partir e durante a segunda metade do século XIX, sob a administração imperial ou


republicana, a população do atual Recôncavo vivenciou múltiplos condicionamentos que
promoveram uma dinamização do cotidiano, em povoados e vilas de toda a Região. As
pressões internacionais que combatiam a escravidão no Brasil, a abolição do trabalho
escravo, uma dada retração do plantio da cana-de-açúcar na Bahia, proporcionaram
conjunturas propícias à criação de onze vilas, entre os anos 1872 e 1897: a Vila da Nossa
Senhora da Conceição do Almeida, a Vila de São Vicente Ferrer de Areia, denominação de
1876 do atual município de Ubaíra, a Vila de Santo Antonio de Jesus, a Vila de Nossa
Senhora da Conceição do Curralinho, hoje Castro Alves, a Vila de São Félix, a Vila de Nossa
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Senhora da Conceição do Sapé, a Vila de Santana do Aratuípe, a Vila de São Francisco do


Cajueiro, atualmente Elísio Medrado, a Vila de São Miguel das Matas, a Vila de Capela
Nova de Jiquiriçá e a Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso da Cruz das Almas (Car,
2002).

“O ciclo do açúcar, que se desdobrou com o fumo, a pecuária, a agricultura alimentar, o café,
o algodão, as especiarias, couros e peles, carvão vegetal, caie iras e olarias, as rendas e os
bordados, a cerâmica utilitária e lúdica, criou assim uma complexa tradição cultural, um
tecido social territorialmente diverso e uma exuberante paisagem cons truída. Cada coisa em
seu lugar; havia o Recôncavo da cana, do fumo, da subsistência e dos materiais de
construção, da lenha e da pecuária, que subia até [os municípios de] Pojuca, Catu, Mata de
São João e mesmo Alagoinhas. Primeira rede urbana à escala regional implantada nas
Américas“ (Brandão, 1998).

Entre a abolição da escravatura e a década de cinqüenta do século XX, o Recôncavo baiano


perdeu progressivamente sua antiga importância econômica e política e terminou por quase
isolar-se dos processos que desde então marcaram sua presença no cenário da vida nacional.
A migração de ex-escravos para Salvador significou na prática que suas cidades,
especialmente Cachoeira e Santo Amaro, presenciassem o início de um processo que dura até
nossos dias, de perda de posição de destaque na economia baiana. Seus centros urbanos,
vinculados a cultura da cana e do fumo, se retrairiam e suam áreas periféricas passaram a
viver um processo de marginalização econômica e social.

A perda de importância econômica de um espaço do território histórica e culturalmente


importante do Estado da Bahia é um processo intenso que perdura até a primeira metade do
século XX, no qual o Recôncavo preserva as mesmas formas de ocupação, e vê
desorganizarem-se seus arranjos de produção e reduzirem-se os circuitos de tráfego intra-
regional, por terra e mar, passando a contar com um imenso território ocupado, mas com
tênues relações com outros espaços regional e nacional.

A economia do Recôncavo, como a de todo o Estado da Bahia, passou a ser pautada em um


modelo de intervenção do Estado, fortemente enraizado na política coronelista, no qual o
consenso de uma pequena parte da população orientava as ações do governo, visando a
atender as aspirações das elites locais.
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A partir de meados da década de 50, do século XX, a Bahia – especificamente o espaço hoje
denominado Região Metropolitana de Salvador, seu entorno e áreas do Recôncavo – começa
a apresentar, sobretudo pela ação do setor público, novos fatores de mudança que passam a
alterar seu quadro tradicional. Chegam a esse espaço, pela primeira vez, a energia produzida
pela Companhia Hidroelétrica de São Francisco (CHESF), em Paulo Afonso, localizada no
semi-árido baiano, e as ações de política petrolífera, definidas pelo Conselho Nacional do
Petróleo.

Salvador, até meados da década de 1950, com as marcas de suas contradições econômicas e
sociais, era uma cidade pacata que traziam lembranças de um passado quando capital do país.
Também conhecida como uma cidade de uma rua só, como diziam os jornais da época,
presenciava o início de um processo que a transformaria, e definiria novos caminhos para a
velha “São Salvador”. Estudiosos da história do Estado definem essa rápida modificação da
cidade entre os meados da década de 50 e o início da década de 60 como um exemplo da
chegada à Bahia do discurso modernizador do Governo Kubitschek, quando os grandes
temas nacionais eram discutidos com ardor: o desenvolvimentismo, a questão do Nordeste, a
nova Capital Federal, a chegada da televisão, os novos movimentos artísticos.

No entanto, essas transformações não foram suficientes para modificar o papel que a cidade
do Salvador manteve até a metade dos anos 60: metrópole de uma economia agrícola,
conservando as funções político-administrativas que lhe deram um papel regional. Somente
com o crescimento das atividades da Petrobrás, acompanhada da introdução de mais alguns
elementos de transformação, essa posição se alteraria nas décadas seguintes 1 .

Esse é um período que diversos autores, entre eles Carvalho e Souza (1980), afirmam ser um
“período de transição, marcado por transformações que, lenta e gradativamente, levam a
economia baiana a superar a estagnação na qual submergia os anos da fase anterior e
permitem o desenvolvimento de seu setor industrial, antes embrionário, bem como uma certa
diversificação da estrutura produtiva da capital do Estado” (p. 72). Isso terá uma expressiva
repercussão, ao transformar a face da capital, única cidade do Estado que, em 1940, contava
com mais de 250.000 habitantes residindo no seu território (aproximadamente 289.000
habitantes segundo dados do IBGE). Desse modo, Salvador se destaca em relação às outras

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A tradicional expressão, assim como o conceito de “metrópole regional”, foi substituída nas três últimas
décadas do século XX pelo conceito de “Região Metropolitana”, inserida em um amplo sistema urbano-regional
de caráter nacional.
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cidades baianas, já que, dos 289 municípios existentes nessa época, 93% possuíam menos de
5.000 habitantes residindo nos seus centros urbanos.

Na escassa bibliografia crítica acerca dos processos econômicos e sociais ocorridos no


Estado desde os anos 50, é unânime a afirmação de que só com a implantação das atividades
de exploração de petróleo, a partir de 1953, no Recôncavo Baiano, a Bahia, que vivia as
contrações no seu modo de produção desde meados do século XVII, devido à crise do açúcar,
inicia um processo de mudanças econômicas e sociais. Na primeira metade do século XX, a
indústria nesse Estado compunha-se basicamente de empreendimentos de produção
alimentícia, têxtil e fumageira.

Conforme Elsa Kraychete (1988), essa indústria apresentava características pouco


diversificadas. Concentrava sua produção no consumo improdutivo, por apresentar bases
tecnológicas pouco avançadas, empregar pequeno volume de capital e contar com um grande
número de pequenas empresas, cuja divisão capitalista do trabalho era mínima. Em tais
moldes, não se verificavam nessa produção industrial mecanismos capazes de promover e
dirigir a ampliação do seu processo de acumulação, bem como de estabelecer parâmetros de
articulações inter-regionais que convergissem para a possibilidade de relações
interindustriais.

Com a energia produzida pela Companhia Hidroelétrica de São Francisco (CHESF), em


Paulo Afonso, possibilitando o suprimento de indústrias implantadas na região Metropolitana
de Salvador e a criação da Petrobrás, com seus campos e refinaria, se abre um novo ciclo de
atividades na região do Recôncavo. Segundo Brandão (1998), no começo da exploração do
‘ouro negro’, pelo final dos anos quarenta, a região compreendia quatro sub-áreas: a área do
massapé, compreendendo parte de Santo Amaro, São Francisco do Conde, Terra Nova e São
Sebastião do Passe, dominada pela produção do açúcar; o alto Recôncavo – tabuleiros ao
oeste dedicados basicamente à produção de fumo e de alimentos, demograficamente densos e
marcados por um processo de intensa minifundização; o baixo Recôncavo, as terras ao sul e a
sudoeste, com maior freqüência de médias e pequenas propriedades, e que se ocuparam mais
preponderantemente com a produção alimentar. Nessas terras eram numerosas as caieiras e
as olarias, até a década de cinqüenta, exportadoras típicas de materiais de construção para
Salvador e cidades próximas; o Recôncavo Norte, demograficamente ralo e marcadamente
isolado das demais áreas da região e da própria capital, apesar de sua vizinhança física, então
dedicado à produção de subsistência e do coco da Bahia e á pecuária extensiva.
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Com a eleição de Antônio Balbino (1955 a 1959), viabilizou-se a idéia de um núcleo


pensante na área de planejamento montado na estrutura do Estado através da Comissão de
Planejamento Econômico – CPE. Passou-se a discutir e recorrer a uma estratégia de ação
modernizadora das estruturas econômicas do Estado, iniciativa que não encontrava
divergências programáticas entre as facções políticas dominantes na Bahia. Balbino emerge
ao poder percebendo as oportunidades que se abrem para sua gestão e as chances concretas
de apoio de instâncias financeiras do Governo Federal. Com essa perspectiva e a
possibilidade de articular um projeto de desenvolvimento local a um projeto mais amplo, de
implantação de uma nova dinâmica econômica regional a partir da Bahia, que poderia
interferir na conjuntura nacional. Um dos pontos altos de sua gestão, e que a distinguia das
anteriores, foi, portanto a criação da Comissão de Planejamento Econômico - CPE, visando
elaborar estudos e projetos que repensassem o Estado, o que retomava uma política iniciada
nos anos 50. Conforme objetivos de sua criação, a CPE traçaria mecanismos de planejamento
para o desenvolvimento de todo território baiano, na perspectiva de incentivar a
diversificação das atividades agrícolas e propor um processo de industrialização ajustado as
condições locais.

Por contar o Estado, exceto em certos segmentos de atividade econô mica da cidade do
Salvador, com uma divisão do trabalho pouco desenvolvida em termos capitalistas (uma gota
d’água no oceano segundo Francisco de Oliveira), essa discussão passa a assumir grande
importância. Os setores dominantes da política e da economia baiana percebem nessa
estratégia de política pública, a possibilidade de manutenção das suas estruturas de
dominação, inclusive de se aproveitar politicamente, das desigualdades e heterogeneidade
regionais no espaço econômico e social do estado.

As estruturas de poder constituídas no Estado, aproveitando as diretrizes do I Plano de


Desenvolvimento da Bahia, o PLANDEB, elaboradas pela CPE no Governo de Balbino,
preconizava a instalação de um núcleo industrial – petróleo, petroquímica, siderurgia e
metalurgia dos não- ferrosos -, que seria capaz de implementar conexões intersetoriais,
possíveis de se reproduzirem internamente. Surge aqui o primeiro esboço de instalação de um
pólo petroquímico e da Usina Siderúrgica da Bahia – USIBA (Kraychete, 1988), encampada
no I Plano Diretor da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a SUDENE, criada
em 1959 na capital de Pernambuco, pelo Governo Federal, com o objetivo de implantar uma
política de desenvolvimento regional. Com a intensificação da atividade petrolífera,
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gestavam-se planos e estratégias públicas para o desenvolvimento de indústrias de bens


intermediários, inclusive aquelas baseadas no petróleo e na petroquímica, no Recôncavo
baiano, que passa a experimentar, a partir de então uma crescente participação na renda
industrial do Estado.

Nos anos 50, a dinâmica analisada acima representou um ciclo de acumulação na Bahia, que
significou uma alteração profunda no perfil da economia regional, o que pode ser explicado
por dois movimentos sucessivos:

1º) a ampliação da malha rodoviária do Estado, em paralelo ao sucateamento gradual do


parque industrial baiano de produtos fumageiro, alimentício e têxtil, e ao desaparecimento de
empresas de comércio atacadista, instaladas na capital;

2º) a expansão, de forma incompleta, do complexo das indústrias de bens intermediários e de


capital, iniciada com a criação da Petrobrás, que pôs em marcha no Recôncavo uma arrojada
política de inversão em prospecção, extração e refino de petróleo, ensejando, com isso, a
extinção de todo um conjunto de atividades primárias e artesanais, localizadas nas áreas de
prospecção de petróleo, no entorno da Baía de Todos os Santos, sobretudo do complexo
canavieiro e hortifrutigranjeiro do Recôncavo Norte.

A ampliação da malha rodoviária do Estado vem a ser o primeiro redesenho espacial que
começava a se estabelecer, já no final da década anterior, com a ligação através da BR 116,
da Bahia ao Sudeste do País a partir da cidade de Feira de Santana, a construção da rodovia
litorânea –BR 101 e a duplicação da BR 324 no trecho Feira de Santana a Salvador. O vetor
rodoviário iria representar o início de uma proposta de integração do Nordeste à economia
nacional, tão decantada por um segmento da elite econômica brasileira, que sonhava com um
projeto autônomo de desenvolvimento.

Para o Estado da Bahia, o reaparelhamento da Navegação Baiana, da Estrada de Ferro Nazaré


(no Recôncavo) e as rodovias BR 116 e 101, ligando a Bahia ao Sudeste do País,
viabilizaram a ampliação dos espaços urbanos no entorno da Ba ía de Todos os Santos,
através da melhoria dos acessos, aumentando a mobilidade espacial, ao estimular, para além
do litoral, a ocupação de determinados espaços do território baiano. Todavia, semelhante ao
que passou a ocorrer no conjunto do território nacional, essa malha favoreceu processos
migratórios que, principalmente oriundos do Recôncavo Tradicional, levaram ao
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agravamento das desigualdades econômicas e sociais e à concentração da produção e da


circulação de riqueza na área geo-econômica da capital do Estado.

O segundo movimento de redefinição do espaço está relacionado à economia regional, que


começara a se dinamizar com a implantação da atividade petrolífera no Recôncavo Baiano,
no final dos anos 50, tornando-se um marco temporal e espacial expressivo, quando da
implantação da Refinaria Lindulfo Alves em Mataripe. As atividades de construção e
operação da refinaria, aliadas às de exploração, transporte e distribuição de petróleo, embora
majoritariamente desenvo lvidas no Recôncavo, repercutem, sobretudo na cidade do Salvador
e em parte significativa dos municípios que hoje constituem a sua Região Metropolitana.

A partir de 1964, fatos de natureza política no país trouxeram conseqüências de ordem


econômica e social que passam a determinar uma nova dinâmica econômica no Estado. Com
o advento do governo militar, estancou-se um projeto nacional-estatista que tinha sido
abraçado por parcelas dos segmentos sociais organizados da sociedade brasileira. A partir de
então, começaram a ser criadas as condições políticas e institucionais para um novo ciclo de
acumulação capitalista no Brasil, sob a liderança do capital monopolista.

Para ilustrar o processo que estava sendo desencadeado e as interferências do novo modelo
de desenvolvimento econômico na Bahia, e de como sua feição se modificava gradualmente,
é preciso atentar para o fato de que, “no início da década de 50, existiam na Bahia 5.950
estabelecimentos industriais. Em fins da década de 70, 12.671. Um crescimento médio
observado de 112%, ou pouco mais que o dobro, em 30 anos de desenvolvimento” (Oliveira,
1987). O regime instalado no país pós-64, significou para a burguesia baiana um ponto de
ruptura e o inicio do processo de consolidação do desenvolvimento capitalista em curso,
desde o final da década de 40.

Com os incentivos, subsídios fiscais e financeiros colocados à disposição da SUDENE, pelo


Governo Federal, dando exclusividade ao Nordeste brasileiro a partir dos anos 60, a
economia nacional, antes centralizada no eixo Centro-Sul, experimenta um processo de
descentralização de uma parcela de excedent es de capitais para essa região, que passa a
experimentar importante transformação econômica e social. A Bahia, por ser o Estado ligado
às regiões mais dinâmicas do País, através das rodovias BR 116 e 101, dotado de reservas e
recursos minerais, passou a ser um exemplo no Nordeste, do novo modelo de
descentralização e reprodução ampliada do capital em curso na economia brasileira.
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No período pós 1964, ao tempo em que ocorre a (re)composição das forças políticas e
econômicas hegemônicas se verifica na Bahia o início de mudanças do seu perfil
demográfico, ao tempo em que se acentua m as desigualdades econômicas e sociais entre seus
espaços regionais. Para ilustrar, em 1950, somente 25,87% da população baiana residia nos
espaços urbanos do território do Estado. Com as transformações que ocorrem em
determinados espaços do território do Estado, esse percentual ultrapassou os 41% em 1970 e,
segundo o Censo do IBGE, em 1991, 59,1% da população baiana residia em suas áreas
urbanas. Essa dinâmica demográfica do Estado pode ser vista de algumas formas: a primeira,
é que as políticas de implantação de centros industriais e de incentivo ao comércio em
determinados espaços do território do Estado, a partir dos anos 70, não foram suficientes para
mudar o perfil mudar o perfil da sua população de forma imediata; e, em segundo lugar,
percebe-se que, mantendo uma alta taxa da população residindo em suas zonas rurais,
somente no último decênio do século XX, o Estado, contaria com uma população urbana
maior que a rural.

Apesar de ser significativo, esse fato ocorrido a partir de 1991, não representou grandes
alterações na redução das desigualdades regionais no Estado, uma vez que traços do seu
passado, como fortes vínc ulos com o setor primário da economia, insistem em se manter.
Ademais, não se pode considerar esta mudança do perfil demográfico no estado da Bahia
uma novidade nem um fato inusitado, pois, para o SEI (1996), desde 1940, as taxas de
crescimento da população urbana na Bahia são superiores às da população total, sendo ambas
muito distantes daquelas da população rural, cuja dinâmica, ao longo dos últimos 50 anos, já
apontava para perdas absolutas de seu contingente populacional rural na década de 90,
fenômeno que ocorre em escala nacional.

No plano político, a Bahia, a partir de 1964, passou a contar com Governadores que tinham a
responsabilidade de ampliar o projeto nacional em curso a partir de 1964. Desde então,
projetos considerados de importância estratégica, e enquadrados como parte de um plano que
pretendia reduzir as grandes disparidades econômico-sociais entre as regiões do país, seriam
implantados no espaço do Recôncavo, que hoje corresponde a área metropolitana do
Salvador. Pode-se mencionar, dentre esses projetos, o Centro Industrial de Aratu (CIA) e a
Usina Siderúrgica da Bahia, concluídos no Governo Luís Viana Filho (1967-1971); o Pólo
Petroquímico, cujas negociações e definição da localização foram iniciadas na gestão de Luís
Viana Filho e conc luíram-se no Governo Roberto Santos (1975-1979). Consolida-se, a partir
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de então, a mudança de configuração sócio-espacial da capital baiana e seu entorno,


aprofundando sua especialização, sua diferenciação e distanciamento sócio-econômico da
dinâmica de sobrevivência das demais sub-regiões do Recôncavo Baiano.

A criação do Centro Industrial de Aratu, o CIA, na segunda metade dos anos 60, é um dos
grandes marcos do processo de planejamento implantado na região Nordeste e no Estado da
Bahia, em conjunto com o planejamento nacional sob a influência da SUDENE; é também o
coroamento de uma antiga reivindicação de parcelas burguesas constituídas no Estado. Esse
projeto não trouxe os impactos que seus idealizadores imaginaram, porém não se pode negar
que a criação de um centro industrial apontava para a consolidação de uma nova dinâmica de
crescimento e especialização do espaço geo-econômico da capital iniciada com a
implantação da Petrobrás.

Segundo Carvalho e Souza (1980), “é a partir de fins da década de 60, depois que se iniciou a
implantação do Centro Industrial de Aratu, que se pode falar de um crescimento industrial
vigoroso da economia baiana, concentrado em Salvador e nos municípios vizinhos que hoje
formam a sua área metropolitana ” (p.78). O parque industrial metal- mecânico, que então se
constituiu às margens da BR 324, a vinte quilômetros do centro de Salvador, e com a
implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari, converteram- se no vetor dinâmico da
economia regional, comandando uma expressiva diversificação da estrutura produtiva da
atual Região Metropolitana.

Essa estratégia de desenvolvimento baseou-se na possibilidade de atração de indústrias de


porte, nacionais e internacionais, estabelecendo-se o novo perfil dominante na economia
regional. O processo de atração dessas indústrias e de mudança do perfil econômico regional
não observou todas as afinidades ou tendências históricas do Estado no plano econômico, e
uma das conseqüências da incorporação do seu espaço regional ao movimento dinâmico do
capital no plano nacional foi, ao lado de sua periferização, de feição puramente passiva, a
desigual participação das diferentes sub-regiões nesse movimento do capital. (Nelson de
Oliveira, 2000).

O caso da Usina Siderúrgica da Bahia - USIBA, é significativo nessa nova dinâmica. Essa
empresa foi concebida como bandeira de luta de intelectuais vinculados às classes
dominantes, na perspectiva de redirecionar e alavancar o desenvolvimento regional. No
entanto, após ter consolidada sua implantação, a USIBA voltou-se para o atendimento do
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mercado externo. A contribuição do Estado nesse processo foi decisiva, com isenção de
impostos, incentivos fiscais, creditícios e investimentos em capital social e infra-estrutura, e
marcadamente influenciada pelo movimento de capitais no âmb ito nacional.

Assim, a dinâmica de ocupação do espaço econômico, especificamente na atual Região


Metropolitana de Salvador, durante meados dos anos 60 e início de 70, pode ser explicada a
partir da compreensão de que, nesse “processo de industrialização incentivada impulsionado
pela SUDENE no Nordeste brasileiro, um segmento dele se sobressaiu [formado por
unidades produtoras de meios de produção, mormente de derivados do petróleo], em relação
aos demais, pelo seu porte e pelas suas características, tanto em termos espaciais como em
termos setoriais” (Carvalho, 1999), o Pólo Petroquímico de Camaçari – COPEC.

Para a Região do Recôncavo Baiano, a instalação da atividade de transformação de Petróleo


significou o primeiro passo no sentido do rompimento com uma tendência histórica de
articulação centrada na esfera da circulação, promovida pelo capital mercantil e pelo capital
industrial comandada pelo Centro-Sul. O que significaria a fase inicial do processo de
especialização do espaço de concentração da indústria baiana, que explicita sua relação de
complementariedade com a estrutura industrial sediada no centro-sul e das grandes empresas
estrangeiras “aí instaladas, que se inserem como um ‘enclave’ na economia baiana, no
processo de expansão do capitalismo industrial na economia brasileira” (Carvalho e Souza,
1980, p. 79).

Depois de construído o Centro Industrial de Aratu, gestam-se as bases para implantação do


Pólo Petroquímico de Camaçari, que modifica e cria outras perspectivas na forma de relação
mantida até então com o mercado nacional. Entre a metade dos anos 60 e a década de 80, o
Estado apresenta uma dinâmica de crescimento considerada nova, viabilizada em um
determinado espaço do território baiano: a área metropolitana da capital se prepara para esse
novo quadro econômico de especialização espacial. Uma novidade, uma vez que a Bahia,
“desde o final do século XIX, ao invés de um confronto com sua decadência sociocultural,
viu-se envolvida numa série de mistificações que passaram a ocupar o lugar das fontes e a
servir de justificativas para uma possível percepção acerca do que vinha se passando no seu
interior”. Na Bahia, a “estagnação, mais do que uma ameaça, era um dado concreto,
ameaçando o tecido social como construído pelos seus grupos hegemônicos” (Nelson de
Oliveira, 2000).
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Portanto, os processos e intervenções públicas, ocorridos a partir de meados dos anos 60, -
como a instalação do Centro Industrial de Aratu e do Pólo Petroquímico de Camaçari, a
implantação dos Projetos de Irrigação no Vale do São Francisco e, mais recentemente, no
final de 70, a expansão da fronteira agrícola nacional para a Região Oeste, e a implantação do
Pólo de Papel e Celulose no Extremo-Sul, no final dos anos 80 –, é resultante de um processo
de transformação e redefinição e/ou aprofundamento de certa vocação regional, vindo a
culminar com a “modernização” das relações econômicas e sociais nos espaços geo-
econômicos estimulados por estratégias de políticas públicas.

Apesar da importância e dos resultados positivos criados pela dinâmica econômica em


exame, que resultaram na implantação de novos segmentos do setor industrial no Estado, não
se produziram efeitos significativos na sua estrutura social. O quadro atual de configuração
econômica da Bahia é completamente diferente do existente nas décadas compreendidas
entre 50 e 80. As intervenções públicas tornaram-se cada vez mais restritas e mais
direcionadas para determinados setores. “É nesse cenário que aspectos de um passado recente
são substituídos por propostas que levam em consideração as renúncias fiscais e de
financiamentos postos à disposição dos capitais postulantes, em cond ições nas quais a grande
maioria das matérias-primas, das matérias auxiliares e dos meios de reposição do capital fixo
continuarão a provir do Centro-Sul e do exterior – ostentando elevados custos e tempos de
circulação”, diz Carvalho (1999).

A instalação da montadora automotiva da FORD nos arredores do município de Camaçari e a


instalação de pólos turísticos, como no Litoral Norte (Complexo Sauípe), e no Litoral Sul
(Porto Seguro/ Santa Cruz Cabrália) ilustra muito bem esse emblema que é a economia
baiana a partir do final dos anos 80 e durante toda a década de 90. Os principais setores
industriais baianos são produtores de bens intermediários, vinculando a economia local à
nacional, e o que se apresenta de “novo” – a fábrica da FORD e os Complexos Turísticos –
não colocam e nem vislumbram a possibilidade de eliminação das desigualdades Regionais
nem dos expressivos e crescentes índices de desemprego e exclusão social no Estado da
Bahia.

Não há dúvida de que as principais vertentes do desenvolvimento da economia baiana aqui


analisadas dos anos 50 até 80, como o petróleo, a petroquímica, a moderna agricultura
irrigada, a produção de grãos no Oeste e o Pólo de Papel e Celulose no Extremo Sul,
contribuem no rumo da desconcentração do processo econômico. No entanto, esses setores
27

apresentam baixa capacidade para determinar mudanças mais amplas e expressivas na


economia baiana. Tais atividades têm impacto limitado e localizado, implantadas em
“decorrência de ações múltiplas no campo institucional, partindo de dois pressupostos
básicos: por um lado, da necessidade de ruptura com a inércia estrutural numa região
demarcada por forte peso oligárquico onde, paradoxalmente, as antigas oligarquias,
sobretudo agrárias, já não desfrutavam de peso mais do que simbólico ou repressivo; por
outro, da articulação da Bahia às possibilidades reprodut ivas de ‘milagre econômico’ que se
anunciava no plano nacional, para o que reformas administrativas, como as de 1967, haviam
preparado o essencial das suas bases institucionais e legais” (Oliveira, 2000).

Nesse sentido, a economia baiana, inclusive seu segmento industrial, encampa um processo
que leva o Recôncavo e o entorno da Região Metropolitana de Salvador – responsáveis pela
maior parcela do PIB estadual –, a transformarem-se em uma região com altos índices de
pobreza e violência, chegando a apresentar, a partir dos meados da década de 90, “uma queda
de 9,66% na sua taxa relativa de riqueza estadual, embora tenha obtido um incremento de
13,23% na sua taxa de crescimento relativo de famílias pobres no total do Estado” (Porto,
2000).

3.3 O RECÔNCAVO HOJE: À GUISA DE CONCLUS ÃO

A partir de um recente processo de espacialização, visando apresentar formulações de


diretrizes mais precisas, e definições estratégicas diferenciadas, a Secretaria de Planejamento,
Ciência e tecnologia – SEPLANTEC, órgão central de planejamento do Governo do Estado
da Bahia, realizou uma nova regionalização do Estado, na qual a Região do Recôncavo
baiano passou a ser constituída por 33 municípios 2 , possuindo uma superfície de 10.840 Km2 .

Do ponto de vista ambiental e da história de sua ocupação, essa nova classificação de


Recôncavo, adotada pela SEPLANTEC, abrange diversas áreas com características
diferenciadas, e não se restringe somente aos massapés da cana-de-açúcar de Santo Amaro ou
aos tabuleiros de fumo de Cruz das Almas e, nem tampouco, às zonas litorâneas no entorno

2
Amargosa, Cabaceiras do Paraguaçu, Castro Alves, Conceição do Almeida, Cruz das Almas, Dom Macedo
Costa, Elísio Medrado, Governador Mangabeira, Muniz Ferreira, Santa Terezinha, Santo Antônio de Jesus, São
Miguel das Matas, Sapeaçu, Varzedo (municípios que fazem parte da área de transição entre o Recôncavo
tradicional e áreas de tabuleiro), Jiquiriçá Laje, Mutuípe, Ubaíra (municípios que fazem parte da área do Vale do
Jiquiriçá e foram incorporados como áreas do Recôncavo), Brejões, Itatim, Milagres e Nova Itarana (municípios
que fazem parte da área de Caatinga e Planalto e foram incorporados como áreas do Recôncavo)
28

da Baía de Todos os Santos (CAR, 2000), área conhecida e denominada de Recôncavo


Tradicional, constituída por onze (11) municípios 3 .

Com a nova espacialização, passaram também a fazer parte do Recôncavo diversas áreas com
características diferenciadas, a exemplo das áreas intermediárias entre o litoral e o semi- árido
(zonas conhecidas como tabuleiros e de transição); zonas de caatinga e de planalto; e, áreas
do Vale do Jequiriçá, com elementos marcantes, caracterizados por conjunto de serras (CAR,
2000). Contudo, sua população encontra-se concentrada nas sub-áreas do Recôncavo
Tradicional e dos Tabuleiros de Transição, que apresentaram a partir do Censo do IBGE de
1970, percentuais sempre superiores a 80% do total da população regio nal, conforme se pode
observar na tabela em anexo.

Mesmo sendo a Região mais urbanizada do Estado e ocupando uma posição de destaque na
História da Bahia, por ser uma área que apresenta características físicas e culturais
peculiares, é consenso, inclusive nos documentos oficiais do Governo do Estado, que no
quadro econômico e social atual, o Recôncavo no seu conjunto destaca-se por apresentar
elevados coeficientes de desemprego e sub-ocupação. A falta de investimentos novos,
suficientes para propiciar o crescimento ou mesmo a sustentação da sua economia faz parte
de um dos elementos indicativos dessa situação. O setor produtivo regional, no seu conjunto,
apresenta pouca expressividade, devido a “um longo e permanente processo de estagnação
econômica, expresso através de uma complexa crise” (CAR, 2000).

No raiar do século XXI, “a composição do parque industrial [à exclusão do sediado na


Região Metropolitana do Salvador] é caracterizada por unidades pouco intensivas em capital,
com baixo aporte tecnológicos, pouco integradas às cadeias produtivas e com uma restrita
capacidade gerencial, além de apresentar pequena capacidade geradora de emprego. As
industrias de maior importância são as unidades produtoras de papel e papelão” CAR, 2000),
concentradas no município de Santo Amaro, hoje em crise e em vias de extinção.

A partir dos finais dos anos 60 e meados dos anos 70, com a existência de um sistema viário
consolidado, ligando o Recôncavo à Região Metropolitana de Salvador, que experimentava
um crescimento baseado na expansão do setor urbano- industrial, parte significativa da mão-
de-obra disponibilizada na Região do Recôncavo tenderia a migrar para o mercado de

3
Aratuípe, Cachoeira, Jaguaripe, Maragogipe, Muritiba, Nazaré, Salinas da Margarida, Santo Amaro, São
Felipe, São Félix, Saubara.
29

trabalho em Salvador – principal centro urbano da região. Essa dinâmica permitiria o


estabelecimento de novos vínculos interurbanos, já que a Região Metropolitana de Salvador
descentraliza, por além do espaço urbano, suas atividades comerciais e industriais, e têm-se o
inicio do seu processo de especialização e o aprofundamento da divisão social do trabalho de
que participa no Estado. Transforma-se em um dos principais centros receptores de
investimento e de mão-de-obra desocupada, em boa parte oriunda do Recôncavo.

Esse processo de especialização, que ocorreu na Região Metropolitana de Salvador, tratado


de forma sintética na primeira parte desse trabalho foi a partir dos meados dos anos 60,
incentivado pela SUDENE, modificando o perfil espacial do Recôncavo e fazendo com que
sua economia tradicional como a cana e o fumo, aprofundassem uma crise já de antes
iniciada.

Em Salvador, por sua vez, modifica-se a estrutura do emprego, com o crescimento baseado
na expansão da economia urbano- industrial, acompanhada de importante incremento do setor
terciário, que juntamente com a expansão de atividades, como comércio, turismo, serviços
públicos e financeiros transformariam a Região Metropolitana em uma área mais urbanizada
mais dinâmica e receptora de mão-de-obra de outras regiões do Estado.

Quanto ao espaço territorial denominado Recôncavo, a maior parte das suas cidades, dos seus
espaços e de seus habitantes permaneceram presos a elementos da reprodução social e da
organização do cotidiano. Os fluxos centralizados nos valores econômicos gerados pelos
pólos industriais e pelas atividades turísticas, no entorno da metrópole pouco agregaram em
riqueza e modernidade ao Recôncavo como um todo. Alguns poucos espaços do seu território
regional e dos processos produtivos, nele existentes, interagiram com a atualidade e dentre
eles podemos citar: 1. o vinculado à citricultura, na região Planaltina do Recôncavo, centrado
principalmente nos municípios de Cruz das Almas e Santo Antonio de Jesus ; 2. a
constituição de complexos agro- industriais da avicultura em alguns municípios (Amélia
Rodrigues e Conceição de Feira); 3. Uma pecuária moderna voltada para a produção de leite,
na parte norte do Recôncavo; 4. O ramo industrial de papel e papelão, com unidade de
produção de celulose localizada em Santo Amaro, e a implantação recente da MASTROTO,
indústria de beneficiamento de couro localizada em Cachoeira e da AVIGRO, de
beneficiamento de frangos, situada em Conceição da Feira.
30

Por fim, no intuito da possibilidade de compreender o “enigma” presente no Recôncavo,


percebe-se que todas as situações e colocações abordadas apontam para a evidência de uma
profunda contradição entre a situação atual, suas potencialidades e vocações históricas. A
mudança do quadro atual pressupõe a mudança nos comportamentos dos diversos agentes
econômicos e sociais envolvidos na dinâmica econômica do Estado, dentre eles o poder
público estadual e as municipalidades, sem o que suas chances de transformação e
modernidade ficam mais distanciadas, em suas possibilidades de materialização.
31

Tabela 1
Taxa de Taxa de Taxa de
Cres. Cres. Cres.
População População População
Município/Região/ Médio Médio Médio
Total Total Total
Estado Anual Anual Anual
(a.a. %) (a.a. %) (a.a. %)
1970 1980 1970/1980 1980 1991 1980/1991 1991 2000 1991/2000
ESTADO 7.493.437 9.454.346 2,35 9.454.346 11.867.991 2,09 11.867.991 13.066.764 1,07
Amargosa 24.443 25.211 0,31 25.211 28.026 0,97 28.026 30.748 1,04
Aratuípe 8.167 7.475 -0,88 7.475 7.811 0,40 7.811 8.376 0,78
Brejões 9.920 10.634 0,70 10.634 13.041 1,87 13.041 15.324 1,81
Cabaceiras do Paraguaçu - 11.890 - 11.890 14.523 1,83 14.523 15.546 0,76
Cachoeira 27.382 27.953 0,21 27.953 28.290 0,11 28.290 30.324 0,77
Castro Alves 46.716 26.582 -5,48 26.582 26.773 0,07 26.773 25.293 -0,63
Conceição do Almeida 21.854 18.407 -1,70 18.407 18.542 0,07 18.542 18.865 0,19
Cruz das Almas 28.814 38.358 2,90 38.358 45.858 1,64 45.858 53.049 1,63
Dom Macedo Costa 5.140 5.472 0,63 5.472 3.904 -3,02 3.904 3.747 -0,46
Elísio Medrado 8.628 7.713 -1,11 7.713 7.839 0,15 7.839 7.849 0,01
Governador Mangabeira 12.941 17.004 2,77 17.004 17.859 0,45 17.859 17.163 -0,44
Itatim - 10.300 - 10.300 10.039 -0,23 10.039 12.685 2,63
Jaguaripe 10.147 10.874 0,69 10.874 13.840 2,22 13.840 13.412 -0,35
32

Jiquiriçá 8.604 9.358 0,84 9.358 11.763 2,10 11.763 13.614 1,64
Laje 14.635 15.732 0,73 15.732 18.319 1,39 18.319 19.583 0,74
Maragogipe 41.038 41.260 0,05 41.260 38.811 -0,55 38.811 40.322 0,43
Milagres 8.864 9.018 0,17 9.018 9.298 0,28 9.298 12.103 2,97
Muniz Ferreira 6.007 6.049 0,07 6.049 6.280 0,34 6.280 6.941 1,12
Muritiba 28.133 19.232 -3,73 19.232 24.534 2,24 24.534 30.653 2,50
Mutuípe 15.009 17.327 1,45 17.327 20.491 1,54 20.491 20.462 -0,02
Nazaré 21.780 23.599 0,81 23.599 25.954 0,87 25.954 26.376 0,18
Nova Itarana 5.841 6.992 1,81 6.992 6.636 -0,47 6.636 6.677 0,07
Salinas da Margarida 6.366 7.766 2,01 7.766 8.891 1,24 8.891 10.372 1,73
Santa Terezinha 16.879 6.982 -8,45 6.982 8.860 2,19 8.860 8.689 -0,22
Santo Amaro 46.411 50.494 0,85 50.494 54.160 0,64 54.160 58.394 0,84
Santo Antônio de Jesus 39.726 46.784 1,65 46.784 64.331 2,94 64.331 77.340 2,07
São Felipe 19.205 17.667 -0,83 17.667 20.107 1,18 20.107 20.220 0,06
São Félix 13.253 15.243 1,41 15.243 12.182 -2,02 12.182 13.706 1,32

São Miguel das Matas 10.441 9.777 -0,65 9.777 9.311 -0,44 9.311 10.001 0,80
Sapeaçu 12.629 12.939 0,24 12.939 15.192 1,47 15.192 16.449 0,89
Saubara - 7.437 - 7.437 8.016 0,68 8.016 10.121 2,62
Ubaíra 16.883 18.208 0,76 18.208 20.809 1,22 20.809 20.577 -0,12
Varzedo - 6.378 - 6.378 8.662 2,82 8.662 8.668 0,01
RECÔNCAVO SUL 535.856 566.115 0,55 566.115 628.952 0,96 628.952 683.649 0,93
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