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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Índice
Direito Administrativo como “Direito Constitucional Concretizado” ........................................... 2
Poder Administrativo ................................................................................................................. 2
Administração Pública e Constituição........................................................................................ 2
Princípio da Legalidade .............................................................................................................. 4
Legalidade e Juridicidade ....................................................................................................... 5
Poderes Discricionários e Vinculados ........................................................................................ 7
Outros Princípios fundamentais da atuação administrativa – na CRP e CPA ........................... 18
“Viagem ao Centro” do DA – Procedimento e Relação Jurídica Administrativa ......................... 23
Das Conceções Clássicas à Atualidade .................................................................................... 23
Natureza do Procedimento ..................................................................................................... 25
Codificação .............................................................................................................................. 29
“Marcha do Procedimento Administrativo na realidade Portuguesa” ................................... 30
Funções do Procedimento na Relação Jurídica Multilateral ................................................... 33
ATO ADMINISTRATIVO ................................................................................................................. 36
Origem e Evolução do Conceito de Ato Administrativo ........................................................... 36
Validade do Ato ....................................................................................................................... 40
Regulamentos – art. 135º e ss. CPA ............................................................................................. 49
Contratos Públicos/Administrativos ............................................................................................ 51
Formas de atuação administrativa que não têm dimensão jurídica ............................................ 51

Regência: VASCO PEREIRA DA SILVA


Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Direito Administrativo como “Direito Constitucional Concretizado”


Poder Administrativo
A Administração Pública é um poder (público).
➔ Um Poder Administrativo1
o Marcello Caetano: define, de acordo com a lei, a sua própria conduta e dispõe
dos meios necessários para impor o respeito dessa conduta e para traçar a
conduto alheia naquilo que com ela tenha relação.
o DFA: sistema de órgãos do Estado e das entidades públicas menores que se
caracteriza pela faculdade de, com base nas leis e sob o controlo dos tribunais
competentes, estabelecer normas jurídicas e tomar decisões, em termos
obrigatórios para os respetivos destinatários, estando-lhe confiado o
monopólio do legítimo uso da força pública (militar ou policial), a fim de
assegurar a execução coerciva quer das suas próprias normas e decisões, quer
das normas e decisões dos outros poderes do Estado (leis e sentenças).

Principais manifestações: poder regulamentar, poder de decisão unilateral, poder de execução


coerciva, poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos, poderes
especiais das autoridades de polícia.

Deste poder administrativo surgem como corolários:


• Independência da Administração perante a Justiça
• Foro administrativo – entrega de competência contenciosa para julgar os litígios
administrativos não é dada aos tribunais comuns e sim aos tribunais administrativos2.

Administração Pública e Constituição


Liberalismo
Direito Administrativo, numa lógica autoritária, tinha uma posição sobranceira sobre o Direito
Constitucional.
➔ “As Constituições passam, o Direito Administrativo fica” (Otto Mayer).
o O importante era o Direito Administrativo, o resto eram mudanças políticas que
não eram relevantes para o Direito Administrativo.
o Direito Administrativo imune às constituições

Anos 50, 60, 70 em diante


Direito Constitucional torna-se um verdadeiro Direito (com a Constiuição de Bohn).

Fritz Wener – Direito Administrativo é Direito Constitucional Concretizado


➢ Mudança de paradigma: passa-se do desprezo do Direito Constitucional para afirmar a
dependência do Direito Administrativo face a este

Peter Häberle – Dupla dependência entre o Direito Constitucional e o Direito Administrativo


– relação dialética em que as grandes linhas que pautam a administração dependem da CRP.

1
DFA: É preferível falar-se em poder administrativo, em vez de poder executivo, pois compreende o poder
executivo do Estado o outro poder público das entidades administrativas não estaduais.
2
Que subsiste por razões de especialização funcional e já não na lógica da infância difícil do juiz-
administrador

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• Direito Administrativo concretiza na lei e no funcionamento da Administração as


grandes opções constitucionais, que se traduzem no modo como a Administração se
organiza e atua.3
• Direito Constitucional para ser realidade concretizada tem de se concretizar através da
Administração – depende da Administração e da sua atuação para se aplicar.

Vital Moreira: a par com o Direito Penal, o Direito Administrativo tem uma forte presença na
CRP. A “constituição administrativa” é direito constitucional administrativo ou direito
administrativo constitucional.
➢ Onde se encontram as bases do direito administrativo.
➢ Direito constitucional formal (e também material), as normas constitucionais
administrativas são direito administrativo material.
➢ Princípios constitucionais da atividade administrativa material – art. 266º CRP
o Concretizados no CPA de forma a robustecer os valores fundamentais que
devem reger toda a atividade administrativa de um Estado de Direito
Democrático.

Hoje em dia há fenómenos de Direito Adminsitrativo Global, não regulados por nenhum Estado:
caso das companhias de aviação e circulação aérea; caso da internet (autorregulada no quadro
do exercício da função administrativa realizada por entidades privadas).

Há também fenómenos Constitucionais de natureza global, se estiver em causa Direitos


Fundamentais.
• Estados podem ser julgados por Tribunais quanto a agressões e lesões aos seus
nacionais
o Nova lógica no quadro de Direito Público que criou normas e princípios que se
aplicam a toda a Administração, como princípios de Direito Global.

Também há uma dimensão regional no quadro da UE – impõe regras aos Estados que têm uma
dimensão constitucional (material).
• Portanto, também há uma dupla dependência entre o Direito Europeu e o Direito
Administrativo: UE estabelece principais políticas públicas em certas matérias (como o
ambiente) que são executadas pelas Administrações dos Estados-membros

Direito Administrativo deixou de estar ligado apenas à lei e passou a depender também da
Constituição, a depender também do Direito Europeu, do Direito Internacional e do Direito
Global.
➢ Ocorreu, pois, uma transformação radical da lógica do princípio da legalidade.

3
Diferentes conforme os tipos de Estado.

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Princípio da Legalidade
Grande contributo dos liberais para o Direito Administrativo.

Concebiam a Administração como realidade limitada – devia atuar o mínimo possível –


assegurar4 a liberdade e a propriedade
Administração Pública do séc. XIX tinha uma lógica agressiva – autoridade toda poderosa que
limitava os direitos dos particulares e usava da força física para impor as suas decisões aos
particulares.
➢ Poder da Administração limitado pela lei5
o Só que em tudo o que a lei não regulava, a Administração podia intervir e decidir
como lhe aprouvesse. 6
➢ Apresentava-se o princípio da legalidade como um instrumento de defesa em face da
Administração, mas muito limitado.
➢ Tem um fundamento democrático e garantístico.

Liberais olhavam para o Direito Público como para o direito de propriedade e tinham uma
conceção real do Direito Público – até naquilo que corresponde à lógica do entendimento da
legalidade7:
• Reserva de lei – domínio em que a lei atuava. Do outro lado da cotada a Administração tinha um espaço
livre em que podia atuar como quisesse. Nenhum ato de categoria inferior à lei pode ser praticado
sem fundamento no bloco de legalidade (DFA)
• Preferência de lei – dentro do domínio em que a lei atuava devia preferir-se a vontade da lei e não a da
Administração, protegendo os particulares. Consiste em que nenhum ato de categoria inferior à lei
pode contrariar o bloco de legalidade, sob pena de ilegalidade (DFA)

Muitos autores ainda utilizam a expressão “livre”


• Mas o poder público nunca é livre – entendimento que não faz sentido dada a
subordinação ao Direito – Administração deve reproduzir no caso concreto aquelas
que são as opções do legislador e as opções do ordenamento jurídico.
o Embora a Administração possa ter margem de manobra pois o legislador não
pode regular tudo. Ex: jornal do ministro, em que quiosque se compra – não
tem de haver lei para isso

o Responsabilidade do Poder Discricionário8 - que implica um maior controlo da


Administração, pois como está em causa a aplicação da lei a um caso concreto,
os tribunais têm uma palavra a dizer.

4
Pela polícia, internamente e pelas forças armadas, internacionalmente.
5
Só que o Parlamento emanava poucas leis (versando a liberdade e a propriedade), portanto, havia uma
grande quantidade de matérias de que a lei não se ocupava e em que a Administração era livre de atuar.
6
VPS: Administração liberal saiu ao pai. Saia ao pai pois era uma Administração agressiva e o paradigma
do exercício do seu poder era o ato de polícia.
• Estado Democrático liberal tinha 2 pais e 2 mães.
o Pais: Hobbes e Rosseuau – Estado com origem democrática mas que depessa se transformava
num leviatã e absorvia todas as vontades individuais
o Mães: Locke e Monstesquieu – Estado com lógica de separação de poderes e garantia dos direitos
individuais.
7
Entendimento dos liberais da legalidade como terreno. Expressões ainda ficaram até aos nossos dias e
que DFA aplica
8
Que Marcello Caetano ainda concebia como uma “exceção ao princípio da legalidade” (há sempre 2
elementos vinculados por lei – competência e fim – sendo enquadrado e condicionado normativamente

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Princípio da legalidade já não se define pela negativa (o que a Administração não pode fazer) e
abarca todos os aspetos da atividade administrativa.
➢ Lei não é apenas um limite à atuação da Administração e é também o fundamento da
sua atuação.
o Princípio da Competência e não da Liberdade.
➢ Conformidade à Ordem Jurídica

Marcelo Rebelo de Sousa


Preferência de lei – Administração não pode contrariar o direito vigente, que em caso de conflito,
se preferirá ao ato da Administração em causa.
• O parâmetro jurídico do controlo da legalidade é todo o bloco de legalidade.
o Atos da administração que o contrariem são ilegais (a Administração tem inclusive
o dever de eliminar as ilegalidades cometidas).
o Problema é qual a conduta a adotar quando há normas conflituantes no interior
do bloco de legalidade – tem de se atender às circunstâncias do caso em concreto
tendo em conta os princípios que orientam o nosso sistema jurídico.

Reserva de lei – atuação administrativa tem que ter fundamento numa norma jurídica (que define
as atuações administrativas possíveis).
• Exprime-se na necessária autoridade do fundamento jurídico-normativo da atuação
administrativa (precedência de lei).
• Tese maioritária em Portugal da precedência total de lei – nenhum ato da
Administração, em qualquer esfera da sua atividade, pode deixar de se fundamentar
na lei.
o Exprime-se na necessidade do mesmo fundamento jurídico-normativo possuir um
grau de pormenorização suficiente para permitir antecipar adequadamente a
atuação administrativa em causa (reserva de densificação normativa).
o Norma habilitante da atuação Administrativa tem que ter determinada densidade
(grau específico de pormenorização, dos pressupostos e dos meios de tal
atuação)

Legalidade e Juridicidade
Administração não está só subordinada à lei que provém do Parlamento, mas a toda a ordem
jurídica – legalidade tem que ser entendida no sentido de juridicidade.
• Lógica mais ampla do que a simples legalidade – vindo da doutrina alemã e por cá
adotada por Rogério Soares, Maria da Glória Garcia.

Art. 3º CPA (e art. 266º/2 CRP) – Administração tem que se subordinar à lei e ao Direito
• Referência ao “Direito” introduz a ideia de juridicidade – todo o Direito que obriga a
administração: direito é o direito supralegal, o direito constitucional, o direito europeu,
o direito internacional, o direito global e é todo o direito infra legal.
• A legalidade também se manifesta na própria atuação da Administração.

o exercício deste poder), juntamente com a teoria do estado de necessidade (hoje há cobertura legal ao
estado de necessidade e relativamente ao não cumprimento dos preceitos do Código) a teoria dos atos
políticos (ao abrigo do art. 3º/3 CRP estes anos não podem ser ilegais)

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o Administração está vinculada aos seus próprios atos – legalidade também é o


respeito pelas próprias atuações.
• Realidade que cabe na subordinação ao Direito que vai desde a ordem jurídica
Internacional aos próprios atos que a Administração pratica.

O que interessa é a legalidade material – implicou a transformação da relação da administração


com as outras fontes de direito, pois a Administração a todas elas está subordinada
➔ Novo modo de entendimento do princípio da legalidade – deixa de ser meramente
formal e tem uma dimensão material de um entendimento de juridicidade.
o Existe também um controlo mais exigente da legalidade – para abarcar todo o
Direito, o juiz em Tribunal tem que ter em conta a ordem jurídica no seu todo.

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Poderes Discricionários e Vinculados


Legalidade é conformidade à ordem jurídica9 quer se esteja numa lógica de poderes vinculados
ou de poderes discricionários.

Na doutrina há 4 posições quanto ao poder discricionário:


1. Marcello Caetano: poder discricionário à margem da lei e do princípio da legalidade, não
podendo ser controlado por Tribunais.
➢ Qualifica-se o ato como discricionário ou vinculado e em função da existência ou não de
“liberdade de decisão da administração”
➢ Conceção clássica que confundia a vontade da Administração com a do agente.

2. Freitas do Amaral: rejeita estes conceitos binários pois qualquer ato administrativo tem
uma margem de vinculação e de discricionariedade10 – olhando os poderes, é o ato específico
que diz qual predomina, pois não há atos totalmente vinculados nem totalmente discricionários.
Permite controlo mais amplo da atuação da Administração – significa que o Tribunal pode
apreciar esses casos, uma vez que os poderes são suscetíveis de controlo jurisdicional
(considerando todo o Direito e os atos vinculados no âmbito do poder discricionário); Tribunal
controla ambos os poderes no quadro da sua tutela jurisdicional.
➢ Distinção não é nos atos, mas sim nos poderes: mesmo os próprios poderes têm essas
duas componentes.
➢ Falava no poder discricionário como livre – VPS crítica pois não faz sentido falar-se de
liberdade quando se alude a vontades normativas de realização do ordenamento
jurídico.
o DFA mudou de posição e hoje concorda com Viera de Andrade quando diz que
a discricionariedade não é uma liberdade, mas sim uma competência, uma
tarefa, correspondente a uma função jurídica11. Não pode fundar na sua
vontade as decisões que toma e o agente não procura só uma solução para o
caso, procura a solução que considere, fundamentalmente, a melhor do ponto
de vista do interesse público.

9
Com este entendimento, abarca-se a ideia de que a Administração está vinculada a todo o Direito e não
é necessário introduzir no nosso ordenamento jurídico o princípio da juridicidade.
10
Atos administrativos são sempre o resultado duma mistura/combinação entre o exercício de poderes
vinculados e poderes discricionários – quase todos os atos administrativos são simultaneamente
vinculados e discricionários, dependendo do aspeto em apreço.
O que faz sentido é indagar em que medida os atos são vinculados e discricionários.
Ex: cobrar imposto é poder vinculado, mas o ato tributário tem ainda uma margem de discricionariedade
pois a Administração pode escolher o momento do dia e da hora a que pratica o ato. A nomeação de um
gestor público é um poder discricionário mas a nomeação em si é um ato vinculado pois há requisitos
mínimos a preencher-se e a competência para a nomeação também tem de ser aferida (competência é
sempre vinculada, mesmo nos atos discricionários) bem como o fim do ato administrativo é sempre
vinculado.
11
Nunca se exclui o caráter jurídico da discricionariedade – mesmo para o aplicador do Direito, cuja
decisão é sempre fundada nos critérios indicados pela lei, embora a concreta definição da fisionomia
relevante do caso exige uma reconstrução que tenha em conta os dados da realidade de facto.
Discricionariedade não é uma liberdade mas um poder-dever jurídico, derivado da lei: só existe quando a
lei o confere e na medida em que a lei o configura; além de se fundamentar na lei, só pode ser exercido
por aqueles a quem a lei o atribuir, para o fim que a lei conferir e de acordo com os princípios jurídicos de
atuação.

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Quando a lei remete para regras extrajurídicas estamos no campo da vinculação – pois ao
remeter para elas, a lei fá-las suas e incorpora-as na ordem jurídica, tornando-as juridicamente
obrigatórias (impondo-as à Administração) em termos tais que a violação dessas normas é, para
todos os efeitos, uma violação da lei que para elas remete. Ex: lei que diz que a Administração
tem de obedecer a regras de ordem técnica
➢ Se a Administração não respeitar estas normas, sofrerá sanção como se violasse
diretamente uma norma jurídica.
➢ Vinculação que só indiretamente é jurídica, mas, não é de todo um caso de
discricionariedade.

O que pode ser discricionário num ato da Administração?


1. Momento da prática do ato – Administração tem a faculdade de escolher o exato momento em
que pratica o ato
2. Decisão de praticar ou não certo ato administrativo
3. Determinação dos factos e interesses relevantes para a decisão – em certas normas jurídicas, o
legislador não define os pressupostos (indicie da existência de um interesse público) de que
depende a atuação administrativa. Hipótese legal tem de ser concretizada em cada caso pelo
agente, através de avaliações próprias, se se verificarem os pressupostos reais da aplicação da
medida.
4. Determinação do conteúdo concreto – discricionariedade de escolha de uma entre várias
condutas possíveis, que se encontram previstas em alternativa na norma
5. Forma a adotar para o ato administrativo
6. Formalidades a observar na preparação ou na prática do ato administrativo
7. Fundamentação ou não da decisão – na maior parte dos casos a lei impõe a fundamentação (mas
não sempre – art. 124º CPA)
8. Introdução de condições, termos, modos ou outras cláusulas acessórias.
Não significa que estes aspetos sejam sempre discricionários.

3. Sérvulo Correia – 2 modalidades de discricionariedade:


• Margem Livre de Decisão – no momento da decisão há várias opções possíveis – Administração
entende que há várias opções possíveis e essa margem de escolha depende da apreciação das
circunstâncias do caso concreto, valorando o caso de acordo com critérios que têm de ser
fundamentados e estão balizados pela CRP;
• Margem Livre de Apreciação – antes de tomar a decisão final
o VPS: Situações podem ser feitas ao mesmo tempo – distinção demasiado formalista.
Expressão “liberdade” devia ser evitada.

3a. Marcelo Rebelo de Sousa


• Norma que densifica totalmente os pressupostos e os meios da atuação administrativa
– norma fechada – vinculação da administração a uma conduta totalmente
predeterminada. São raríssimos os poderes totalmente vinculados.
• Norma que densifica parcialmente os pressupostos e os meios da atuação
administrativa – norma aberta – margem de livre decisão da Administração quanto a
alguns aspetos da sua conduta.

Margem de livre decisão administrativa – espaço de liberdade da atuação administrativa,


conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade, implicando uma parcial autodeterminação
administrativa.

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➢ Não se move num plano de liberdade e está subordinada ao princípio da legalidade pelo
que só pode atuar pelo que é normativamente permitido.
➢ Mas, as decisões administrativas são tomadas no caso concreto, com base em
elementos retirados desse mesmo caso para uma maior justiça e adequação da
aplicação do Direito.

Consequência é a de que o controlo jurisdicional resume-se à aferição do respeito


administrativo pelas vinculações normativas e pelos limites internos da margem de livre
decisão
• Mérito da decisão (oportunidade – utilidade da concreta atuação administrativa na
prossecução do interesse público legalmente definido; conveniência – utilidade da
concreta atuação administrativa na prossecução do interesse público legalmente
definido à luz dos demais interesses públicos envolvidos) não está sujeito a controlo
jurisdicional, ao contrario da legalidade12. Isto devido à separação de poderes.

O Tribunal pode apreciar a razoabilidade com que a Administração preencheu o conceito13. Mas
o Tribunal não poderia intervir na discricionariedade da Administração e vir ele próprio fixar
como se preenche o conceito, teria era que alertar a Administração para ela ponderar o
conceito. Explicita as vinculações legais e aponta o que deve ser tido em conta, mas não vai,
ele próprio, definir o que cabia na discricionariedade da Administração (resulta do art. 71º/2
CPTA). Devolve a questão à Administração para ela decidir, nunca se substitui à Administração
e apenas lhe diz para ela ponderar o ato.14

Subjacente à atribuição da Administração está a formulação de juízos de prognose e a assunção


de riscos decisórios, que os Tribunais não se encontram funcionalmente nem legitimados para
efetuar (pois se controlassem a margem de livre decisão estariam a exercer a função
administrativa)

12
A legalidade de um ato administrativo – conformidade dos aspetos vinculados do ato com a lei aplicável
– pode ser sempre controlada por Tribunais Administrativos e pela Administração.
O mérito de um ato administrativo – conformidade dos aspetos discricionários do ato com a conveniência
do interesse público – só pode ser controlado pela Administração.
13
DFA: Não há, em bom rigor, um controlo jurisdicional do exercício do poder discricionário mas sim um
controlo administrativo sobre o bom ou mau uso do poder discricionário ou, por outro lado, um controlo
jurisdicional sobre o acatamento ou não das prescrições legais que condicionam o exercício de poderes
administrativos que, para além de aspetos vinculados, sejam poderes discricionários.
14
Administração tem legitimidade democrática indireta e Tribunal não é eleito – não têm legitimidade
para controlar o mérito, cujas opções poderiam ser diferentes.
Tribunais controlam a atividade administrativa com base na lei (não no mérito) – mas não substitui a
Administração que é ela que tem de decidir
Ex: cidadão que não goste de obras não pode por ação para CM não fazer mais obras, ela tem legitimidade
democrática para assim decidir. Se não tiver relacionado com a legalidade o Tribunal não pode decidir.

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2 formas da margem de livre decisão:


1. Discricionariedade – liberdade conferida por lei à Administração para que esta escolha
entre várias alternativas de atuação juridicamente admissíveis.
• De ação: agir ou não agir
• De escolha: entre duas ou mais atuações alternativas predefinidas na lei
• Criativa: criação de uma atuação administrativa concreta dentro dos limites jurídicos
aplicáveis.

Deteção de discricionariedade pressupõe uma interpretação normativa.


Discricionariedade deriva da utilização, na estatuição normativa, expressões linguísticas com
significado permissivo ou conceitos indeterminados.
➢ Acórdão STA do Processo 01001/1615 – verbo “poder” não está usado no sentido de se
abrir uma possibilidade, mas no de reconhecimento de uma potência ativa.

Diz respeito à estatuição normativa.


• Mas, também, a abertura das normas que conferem discricionariedade encontra-se na
previsão, na medida em que revela a indeterminação dos critérios de decisão.

Decisor parte do caso concreto para as opções de atuação legalmente conferidas – atividade
que envolve a formulação de juízos de prognose (estimativas cerca da evolução futura de
situações da vida).

Convoca-se a generalidade dos princípios de juridicidade da atuação administrativa para a


atuação discricionária (princípios estes que são vinculações do ordenamento jurídico)

2. Margem de livre apreciação


Resulta da atribuição pela lei, à Administração, de uma liberdade na apreciação de situações
de facto que dizem respeito aos pressupostos das suas decisões (e não, como sucede na
discricionariedade, uma liberdade de escolha entre várias alternativas juridicamente admissíveis
– neste caso temos a autonomia dada à Administração para avaliar os pressupostos fácticos)
➢ Beurteilungsspielraum – teoria que vem desde os anos 50 com Otto Bachof

15
Cujos aspetos a reter são:
1. Conceitos indeterminados na previsão normativa são discricionariedade (que existe
quando determinada norma jurídica não preveja ou não conceda a informação total
sobre os conceitos de que faz menção ao seu aplicador)
2. Não se conseguindo demonstrar que o conceito indeterminado foi mal preenchido
(havendo erro manifesto), a Administração é que tem a prerrogativa de decidir
3. Administração teria que fundamentar as suas opções de forma consistente para o
preenchimento destes conceitos
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Concretização de conceitos indeterminados16: insuscetíveis de redução abstrata – aqueles cujo


conteúdo e extensão são, em larga medida, incertos (Engish)
• Aqueles que estão sujeitos à margem de livre apreciação assentam em 3 aspetos:
1) Apuramento da razão subjacente à utilização – só existe margem de livre
apreciação quando a utilização de conceitos indeterminados decorra dos
limites impostos à função legislativa pela impossibilidade ou inconveniência
da definição exaustiva antecipada dos pressupostos normativos do exercício da
competência;
2) Formulação de um raciocínio funcionalmente adequado à luz do princípio da
separação de poderes – só existe margem de livre apreciação quando a
concretização casuística dos conceitos indeterminados pelo Tribunal
implicasse a usurpação do poder administrativo;
3) Ponderação entre a separação de poderes e os direitos fundamentais dos
particulares – a prevalência do direito dos particulares ditará a necessidade de
controlo jurisdicional e consequentemente a ausência de margem de livre
apreciação (pois nestes casos, o controlo jurisdicional acaba por se tornar uma
imposição do Estado de Direito).17

Liberdade avaliativa
• Se assentar em pressupostos objetivos normativamente fixados então a avaliação é
vinculada;
• Se assentar na avaliação de situações de facto em que a lei confere à Administração uma
última palavra, então estamos na margem de livre apreciação.

16
Cuja utilização não tem sempre como consequência a criação de margem de livre apreciação, se assim
fosse a atividade da administração suscetível de ser controlada pelos tribunais era reduzida. E mesmo
para a Administração há margem de autonomia na apreciação do conceito, mas não decide em abstrato
qual a definição do conceito.
Para DFA:
• Conceitos indeterminados que apenas envolvem operações de interpretação e subsunção da
lei (conceitos-classificatórios: Rogério Soares) – indeterminação é somente condicionada pela
linguagem e solucionável através de raciocínios teorético-discursivos. Ex: quando a lei fala em
período noturno; urbanidade no tratamento e etc.
• Conceitos indeterminados cuja concretização apela a preenchimentos valorativos Objetivos –
averigua as conceções éticas efetivamente vigentes e que enformam o pensamento ético-
normativo do ordenamento jurídico; é possível admitir-se a fiscalização judicial da atividade
administrativa concretizadora do sentido de tais conceitos indeterminados objetivo-normativos.
Ex: saber se combates de boxe ao ar livre atentam contra os bons costumes
• Conceitos indeterminados cuja concretização apela a preenchimentos valorativos Subjetivos –
apela a que a Administração ajuíze com base na sua experiência e convicções. A Administração
tem um “espaço de conformação” em que se autoriza o órgão aplicador do Direito a considerar
como vinculante e justa a valoração por ele pessoalmente tida como justa. Escolha orientada,
pela lei, de alternativas que se extraem da atividade criativa de valoração (individual e
autónoma) dos pressupostos de facto.

17
É sindicável em tribunal quando o particular demonstre que a Administração apreciou os conceitos
indeterminados mas cometeu um erro manifesto de interpretação.

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Avaliação ultrapassa a densificação dos pressupostos da decisão (e a discricionariedade ou


utilização normativa de conceitos indeterminados) pois a avaliação é a decisão. Ex: avaliação de
alunos em exames, decisões sobre aptidões de pessoas para certos cargos e etc.

Diz respeito essencialmente à previsão normativa.


• Mas, acaba por envolver a abertura da estatuição na medida que a decisão
administrativa de agir ou não, aparentemente vinculada pelo texto da norma, está
necessariamente ligada ao resultado da livre apreciação dos seus pressupostos.
o É por isso que a margem de livre apreciação é também margem de livre decisão.
• Tem que haver uma densificação dos pressupostos fácticos à luz da situação concreta
e um teste de adequação da atuação escolhida em relação aos traços da situação
concreta selecionados como relevantes à luz do interesse público prosseguido (e no
campo semântico, dos conceitos indeterminados), envolvendo juízos de prognose.

Órgão decisor densifica os conceitos indeterminados constantes da previsão mediante o


aditamento dos elementos factuais relevantes, de modo a com eles construir uma previsão ideal.

Discricionariedade e Margem de Livre Apreciação visam a mesma finalidade: abertura das


normas habilitantes do exercício do poder administrativo – objetivo legal de conferir margem
de livre decisão pode ser alcançado através destas modalidades.

Se o legislador conferir o poder discricionário havendo conceitos indeterminados que não dizem respeito
aos pressupostos de facto (na previsão) e que constituem discricionariedade (criativa, sendo utilizados na
estatuição), o legislador aponta simultânea e expressamente os seus limites, sobretudo o princípio da
proporcionalidade.

Limites da Margem de Livre Decisão


Só existe na medida que seja conferida pela lei.
Há uma tensão permanente entre a ausência de controlo jurisdicional do núcleo da margem de
livre decisão, imposto pelo seu fundamento político, e a necessidade de tutela das posições
jurídicas subjetivas dos particulares – fronteiras ente a legalidade e o mérito da atuação
administrativa não são fáceis de delimitar.

Dois tipos:
A. Vinculações legais – estabelecidas pelas próprias normas que conferem a margem de
livre decisão e podem dizer a quase todos os requisitos de legalidade específicos de
determinada conduta administrativa. 4 são vinculações permanentes
a. fim a prosseguir com a conduta administrativa habilitada;
b. competência subjetiva para a sua adoção;
c. vontade (normas jurídicas que conferem poderes para a prática de atos
jurídicos);
d. própria existência de margem de livre decisão (não pode ser totalmente
vinculado, se estivermos a falar dum poder discricionário)

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Poderá a Administração fixar, validamente, critérios gerais e abstratos de exercício da sua margem de
livre decisão, de modo a que, verificados determinados pressupostos, venha a adotar uma mesma
conduta? Pode a Administração autovincular-se ao exercício da margem de livre decisão?
Permite minorar a incerteza, imprevisibilidade e insegurança e aumenta a
desburocratização, simplificação e celeridade da atuação. Mas, poderia por em causa o
princípio a igualdade ao petrificar critérios e isso era algo que a lei queria evitar, conferindo
esta margem.
➢ Autovinculação é permitida se os critérios não forem imutáveis e possam
ser revistos (é possível a autodesvinculação); se o decisor puder, à luz das
circunstâncias concretas, ponderar uma diferente solução.

Assumem a forma de regulamentos administrativos de autovinculação que não têm


eficácia externa e não integram o bloco de legalidade – pois não há uma vinculação nos
termos de que a sua violação constitui ilegalidade.18
➢ Não são secretas, mas não há um dever de publicação das instruções de
autovinculação.

B. Limites imanentes da margem de livre decisão – princípios jurídicos da atividade


administrativa plasmados na CRP e no CPA

Redução da Margem de Livre Decisão a Zero


Da incidência das vinculações legais e dos limites imanentes da margem de livre decisão pode
resultar que, para determinado caso concreto, passa a existir apenas uma decisão
juridicamente admissível.
➢ Em abstrato a lei dá poder discricionário, mas, perante um caso concreto, só há uma
solução possível – tendo em conta os factos da situação, a Administração só tem uma
hipótese de agir, mesmo que teoricamente se concebam várias. Perante o caso concreto
só existe uma. Ex: casa está em mau estado e ou se demole ou se requalifica. Como está
mesmo má e não há tempo para obras, a Administração só pode seguir a solução da
demolição.
➢ Vinculação que não está estabelecida, à partida, pela lei – art. 71º/2 CPTA

18
≠ DFA: A própria Administração elabora normas genéricas em que enuncia os critérios a que ela
obedecerá na apreciação de cada caso futuro – Administração tem poder discricionário mas decide
autovincular-se. Os atos que praticar a despeito das normas que ela própria elaborou serão ilegais, porque
violam normas estabelecidas pela própria Administração que constituem uma autovinculação do poder
discricionário. Fundamentalmente pode mudar o critério de decisão, pois o interesse público é variável
(art. 152º/1/d CPA). Autovinculação não pode ter eficácia externa (desrespeitando art. 112º/5 CRP) e
interpretar, integrar, modificar e etc. qualquer preceito legal que confere poder discricionário.

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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

4. Vasco Pereira da Silva – Concorda que dentro de cada poder há as 2 margens de decisão.
Indica um 3º momento inicial: Interpretação da lei (que é também um ato discricionário na 1ª
margem de responsabilidade da Administração – aplicador cria o Direito no caso concreto).
Interpretação da norma não é uma realidade vinculada.
➢ Administração começa por interpretar a norma, fazendo escolhas com base no texto da
norma – está vinculada ao texto, mas as escolhas com base na interpretação são no
âmbito discricionário.
Muitas vezes estes momentos são ao mesmo tempo e compreendidos na mesma lógica –
coexistem num continuum

Baseia-se numa interpretação culturalista do Direito e rejeita o pensamento positivista (do séc.
XIX), que entendia só haver uma única interpretação da lei, sendo, portanto, um poder
vinculado. Mas isto não é assim e a primeira escolha é a escolha da interpretação da lei, e
começa logo aí a discricionaridade da Administração Pública.

• Autores culturalistas (Balkin) afirmam que as normas são interpretadas culturalmente –


intérprete vinculado à norma mas, ao interpretá-la, exerce uma discricionariedade na
forma que a lê (ao interpretar a realidade o intérprete cria-a).
• Direito encarado como uma arte cénica que depende da interpretação dada

Há um texto, há uma lei, que tem de ser interpretada e tem de ser aplicada – tudo isso implica
uma realidade recriadora e que permite distinguir como em cada poder há aspetos
discricionários e aspetos vinculados, em que as coisas se misturam num quadro de uma
decisão que é da responsabilidade da Administração, mas que os Tribunais podem sempre
controlar, em todos os aspetos vinculados.

Mesmo nos casos em que a escolha está vinculada, há uma margem mínima do que se pode
fazer. Mas, se não se cumprir os aspetos vinculados há uma ilegalidade.

É preciso interpretar a norma e é a partir de conceitos indeterminados que temos a


discricionariedade, depois há uma margem de apreciação seguindo-se a margem de decisão.
➢ Escolhas determinadas pelas vinculações legais – são marginadas pelas opções do
legislador.

Controlo do poder discricionário – Tribunal controla os vínculos desse poder discricionário.


➢ Pois qualquer poder tem aspetos vinculados e outros discricionários – opções queridas
pelo ordenamento jurídico face a essas situações.

Como entender a discricionariedade e a vinculação:


“Ingredientes:
• 6 ovos
• 100 g de presunto
• 30 g de manteiga
• Uma grossa fatia de pão saloio, com 1,5 cm de espessura
• Sal e pimenta
A expressão “saloio” fala dum pão local, regional, dum pão de uma determinada realidade – portanto
é um pão que pode ser o pão alentejano, o pão de Mafra, pode ser qualquer pão que tenha características
que tenham a ver com esta realidade. Portanto, se eu fizer isto com pão Bimbo, eu estou a fugir à receita,
mas, se fizer com pão alentejano ou pão de Mafra, o gosto será diferente, mas dentro da receita. Ou seja,

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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

discricionariedade e vinculação – eu não posso escolher pão de forma nem papo seco, porque isso é
vinculado, mas, tenho a possibilidade de escolher pão alentejano, pão da padeira, pão de segunda, mil e
uma coisas.
Fatias têm que ter 1,5 cm de espessura – e isto é vinculado. É que se tiver 1,4 cm ou 1,6 cm não tem
problema, já se tiver 1 cm ou 2 cm é que fica diferente. Ou seja, mesmo aqui em que há vinculação, esta
vinculação, apesar de tudo, ainda permite uma ligeira margem de escolha, mesmo que a escolha esteja
muito limitada. É uma escolha que pode na prática não existir e ser limitada a zero.
Ovos. São ovos de galinha, não posso fazer isto com ovos de codorniz ou outra coisa do género. Agora
se são ovos de galinha do campo, ou da cidade, ou das criadas em aviário, ou criadas numa casa de família,
é uma escolha. Eu não posso é utilizar ovos de codorniz, se não estou a violar a receita. É a mesma coisa
que a Administração perante uma lei, tem a mesma margem de escolha e a mesma possibilidade: se eu usar
ovos de codorniz eu vou estragar a receita, se eu não cumprir essa regra vincula, eu estou a cometer uma
ilegalidade. Portanto, tenho margem de escolha em relação a todos os aspetos discricionários, não tenho
margem de escolha em relação aos aspetos que são vinculados.
Trinta gramas de manteiga, não serve margarina, não serve planta, mas manteiga pode ser de vários
tipos e vai condicionar a escolha, pode ser a manteiga rançosa, dos Açores ou então podem ser aquelas
manteigas que não sabem a nada- O gosto vai ser diferente, mas isso cabe a mim a escolha, cabe a mim a
receita, é a minha criação enquanto intérprete de direito e aplicador da lei. Já se eu usar margarina eu estou
a violar a receita, se eu não cumprir a regra vinculada eu estou a desrespeitar a lei.
Há sempre uma margem de escolha, e aspetos vinculados, a escolha nunca é total e nunca é livre, é
uma escolha balizada pelas opções do legislador, e uma escolha que tem sempre aspetos vinculados, aspetos
estes que nunca podem ser postos em causa (podem decorrer de princípios constitucionais).
Aquilo que eu fiz foi uma interpretação, que agora vai ser necessária quando apreciar as coisas com as
quais vou fazer esta receita, decididindo em função da realidade concreta.
Corte o presunto em pequenos cubos, deite-os na manteiga derretida, e deixe-os torrar durante dois a
três minutos. Cortar o presunto em cubos, cubos é razoavelmente vinculada, e portanto, se eu cortar em
pedacinhos demasiado pequenos, eu estou a estragar a receita, estou a fugir à vinculação. Se forem
retângulos, não calculo que haja grande problema por causa disso, até porque ninguém nos disse quantos
centímetros têm os cubos, isto corresponde à minha escolha, isto corresponde à minha discricionariedade
ao fazer esta receita.
Deite-os na manteiga derretida, tenho que derreter manteiga, e deixe-os torrar durante dois a três
minutos. O que é que é torrar? Torrar não é alourar, aí tenho um conceito indeterminado que tenho de
começar por interpretar. Não nos diz se o lume é branco ou se o lume é no máximo, e isso vai ter
consequências, até no modo de saber se são dois ou três minutos, e portanto eu vou deixar aquele presunto
na frigideira até que ele tenha uma cor castanhinha, se é castanho mais claro ou castanho mais escuro, a
opção é minha, se continua da cor do presunto, vermelho vivo, ou se fica preto, a receita está estragada, e
portanto a minha escolha baliza-se entre estes dois aspetos vinculados, e a minha escolha existe dentro da
possibilidade do castanho escuro ou do castanho claro, o negro é ilegal e o vermelho é também ilegal.
Corte quatro lascas de uma fatia de pão saloio e aloure-as na mesma frigideira.
Barre um prato côncavo para ir ao forno. Barre, deve ser com manteiga, mas não dizem, será que pode
ser margarina, será que pode ser banha de porco, temos que interpretar? Ora bem, um prato côncavo, se eu
em vez de um prato concavo usar um pirex, não deve haver problema, aqui a palavra chave é ir ao forno, a
forma do prato é relativamente discricionária, portanto é uma matéria da minha responsabilidade.
Disponha neste prato as fatias finas de pão, deite sal e pimenta. Sal e pimenta? Quanta? Não diz.
Conceito indeterminado que gera um problema de interpretação, gera um problema de apreciação e gera
um problema de decisão, aqui temos pura e simplesmente, deite sal e pimenta. Se eu não deitar sal e se não
deitar pimenta estou a violar a regra. Se eu deitar a mais estou a estragar o prato. São os dois limites da
vinculação. Porque eu já sou um cozinheiro experimentado e já é a segunda vez que faço esta receita, vou
tomar ainda o cuidado de não deitar muito sal, porque o presunto já tem sal. Isto não me é dito! Eu sei
porque fiz várias vezes, já experimentei e sei que isto tem consequências no prato. Se eu deitar mais sal
para além de presunto corro o risco de deitar sal a mais. E eu não quero deitar sal demais. E temos aqui
uma margem de discricionariedade que resulta da prática culinária, resulta de eu já ter feito esta experiência
no outro dia e ter chegado a essa conclusão.

15
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Depois disso “Parta os ovos, separando as gemas das claras”.


“Bata as claras em castelo pouco firme.”. Pouco firme é um conceito totalmente indeterminado. Em
primeiro lugar, tem de ser interpretado. Depois vai gerar uma margem de apreciação ao bater as claras. E
uma margem de decisão quanto a saber se está ou não de acordo com a receita. é algo que é da minha
responsabilidade no quadro da interpretação desta norma discricionária, sendo certo que é preciso bater. Se
não bater as claras em castelo, não tenho receita, estou a violar os poderes que são determinados.
“Misture tudo e coloque sobre o pão.”. “Distribua por cima os cubos de presunto.”.
“Coza durante oito a dez.”. Oito a dez é uma coisa diferente. E não diz qual é a temperatura. Devia
dizer qual é a temperatura. Era muito mais fácil se ele dissesse a temperatura. Como não diz qual é a
temperatura tenho de ser eu.
Ora bem, aquilo que estivemos aqui a fazer é o que faz a Administração perante qualquer problema.
As escolhas são sempre limitadas e determinadas pelas vinculações legais, nunca há liberdade de escolha.
As escolhas são sempre marginadas pelas opções do legislador e estas opções estabelecem responsabilidade
e é sempre possível controlar os aspetos vinculados em todos os poderes. No fundo, os tribunais podem
controlar tudo, só que em relação às questões discricionárias o controle incide sobre os aspetos vinculados
no exercício do poder discricionário.
A diferença entre o poder vinculado e o poder discricionário é que se se trata de um poder vinculado o
tribunal controla integralmente a produção daquele resultado, se ele não se verificou estamos perante
ilegalidade, se o poder é discricionário o tribunal controla os vínculos do exercício daquele poder
discricionário.”

Conclui-se que os próprios poderes têm aspetos vinculados e aspetos discricionários – não o
próprio ato.
➢ Existem 3 momentos: quando Administração interpreta a norma, quando a
Administração aprecia as circunstâncias de facto e as valora no quadro da lei e quando
a Administração decide/faz a escolha balizada pela lei.
➢ Lógica evolutiva entre a interpretação e a decisão – aplicador do Direito precisa de saber
em que aspetos a decisão é sua e em que aspetos é vinculada

Administração encontra limitações muito fortes (nos novos princípios do CPA, inclusive) que
alargam o âmbito de controlo da legalidade.
Ao nível da Competência
tem de existir sempre pois os órgãos administrativos atuam no quadro das suas legítimas
competências. Nunca há discricionariedade nisto. Pode haver discricionariedade no momento
em que se exerce a competência.

Incompetência dentro da mesma pessoa coletiva, dentro das mesmas atribuições da pessoa
coletiva – menos grave – Relativa – sanção da anulabilidade
Incompetência na utilização de competências na falta de atribuições – mais grave e fora da
mesma pessoa coletiva, invade-se competência alheia – Absoluta – ato administrativo é nulo
Distinção tem a ver com o facto de estarem a ser prosseguidas competências
diferentes (relativa) ou atribuições diferentes (absoluta).
Distinção importante que marca uma dimensão de ilegalidade que é sindicável em
Tribunal.

16
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Ao nível do Fim
Normas têm fins que justificam a existência dos poderes da Administração e se se extravasa esse
fim há ilegalidade – a prossecução de um fim diferente do fim de interesse legal gera a
ilegalidade da decisão administrativa
VPS não gosta da expressão: Desvio de Poder, mas esse é o nome que se dá quando não
se prossegue os fins que a lei prescreve.

2 manifestações da ilegalidade da preterição do fim legal


Mais grave – Absoluta – prosseguição de um fim privado; nulidade (além do crime de corrupção
– DFA)
Menos grave – Relativa – prosseguição de outro fim de interesse público; anulabilidade
Ambas são ilegalidades mas diferentes formas desta modalidade

Administração explica porque decide – daí que a prova seja mais fácil no Direito Administrativo
do que no Direito Penal, olha-se à fundamentação da Administração e através dessa
fundamentação podemos ver onde apanhamos a Administração em falta.

Antes a doutrina ficava pelo controlo da competência e pelo controlo do fim e dizia que tudo
mais era da responsabilidade da Administração e o Tribunal não podia sindicar.
➢ É preciso acrescentar todas as vinculações autónomas que decorrem dos princípios que
regem a Administração.
➢ Vínculos autónomos que existem sempre e permitem ir além da própria legalidade e
controlar o mérito.
➢ Princípios constitucionais são imediatamente aplicáveis e vinculam diretamente a
Administração.

17
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Outros19 Princípios fundamentais da atuação administrativa – na CRP e CPA


CRP – art. 266º/2
Princípio da Igualdade
DFA: Impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente
o que é juridicamente diferente, na medida da diferença: proibição de discriminação e
obrigação de diferenciação (discriminações positivas).

Princípio da Proporcionalidade
Permite controlar o próprio modo como é exercido o poder discricionário.
Envolve 3 aspetos:
• Adequação (medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe
atingir);
• Necessidade (além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida
administrativa deve ser, no universo das medidas idóneas, aquela que em concreto lese
em menor medida os direitos e interesses dos particulares);
• Equilíbrio (benefícios que se esperam alcançar com a medida administrativa adequada
e necessária, têm de suplantar os custos que ela acarretará)necessidade, adequação,
não prejuízo excessivo.
• Ex: se há fogo na baixa de Lisboa é ilegal que, em virtude disso, proíba os barcos de
entrarem num porto do Algarve

Três realidades, que permitem controlar integralmente as decisões administrativas,


designadamente aquelas que correspondem ao exercício do poder discricionário. Se uma
decisão for desnecessária, essa decisão é ilegal, essa decisão viola a lei e como tal pode ser
conhecida de um tribunal.
Antes deste princípio eram questões de mérito e agora são questões de proporcionalidade.

Princípio da Justiça
Menos aplicabilidade à partida. Significa que as decisões do ordenamento jurídico além de
cumprir a lei têm de cumprir o valor da justiça.
Decisão injusta é ilegal. Ex: orçamentos prevêm medidas que têm a ver com necessidades
anuais; num ano orçamenta-se uma medida tributária para fazer face a certa despesa
emergente nesse ano; no ano seguinte se já não se prever essa determinada despesa, a medida
não pode ser orçamentada – já não é justo e os motivos que presidem a essa medida já não se
verificam.

DFA: Conjunto de valores que impõe ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de


dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana..
➢ Justiça vai além da legalidade e impõe esse dever à Administração – princípio
fundamental do artigo de onde derivam os outros subprincípios que nele se
integram. Referente fundamental da ordem jurídica considerada no seu todo.

19
É positivo que o legislador tenha colocado novos princípios, o que reforça a expressão dos mesmos no
ordenamento jurídico.
➢ VPS critica a adoção de noções restritas desses princípios – leva a que se interpretem de forma
mais expansiva (recorrendo à CDFUE para alguns)

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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Princípio da Imparcialidade
Administração Pública deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em
critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas funções
específicas.
2 vertentes:
• Negativa (art. 69º a 76º CPA);
o Administração não pode decidir se tiver algum interesse na causa – não se
podem favorecer pessoas do mesmo partido político, família, clube de futebol,
seita religiosa – mesmo que seja a pessoa mais adequada para o caso! Não podia
ser ele a decidir e teria que ser outro órgão a decidir, que de facto poderia
escolhe-los, mas não foi ele. Os titulares dos órgãos não podem nunca intervir
em decisões que lhes digam respeito, ou que digam respeito a algum dos seus
familiares – é passível da decisão ser anulada (pois a decisão é ilegal)
• Positiva (dever da Administração ponderar todos os interesses públicos secundários e
os interesses privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da
sua adoção – deteta-se essa ausência de ponderação através da análise da
fundamentação do ato decisório)

Princípio da Boa Fé
DFA: Surge pela necessidade premente de instalar um clima de confiança e
previsibilidade no seio da Administração Pública.
➢ Concretização possibilitada pelo princípio da tutela da confiança legítima e
princípio da materialidade subjacente.

CPA
Legislador pega nos princípios constitucionais e concretiza-os mais a fundo.

Princípios de Dimensão Material


Princípio da Boa Administração – art. 5º
É Direito Constitucional Europeu, pois o princípio da boa administração está regulamentado na
Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
➢ Visão restritiva face à solução europeia – só contempla a eficiência, economia e
celeridade – não entende como uma regra ética, que serve de fundamento para todas
as lesões graves decorrentes de um procedimento administrativo.20

Nº2 está deslocado pois é regra de organização e não regra de funcionamento da


administração.

Princípio da Igualdade – art. 6º


Legislador resolveu alargar o elenco de situações em que não pode haver discriminação,
explicitando o que estaria implícito pela CRP.

20
Legislador andou bem ao consagrar a boa administração (era irrelevante consagrasse ou não, porque
não consagrando haveria sempre a aplicabilidade da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
que é Direito Constitucional Europeu, mas ao consagrar esclareceu essa dúvida), só que consagrou em
termos restritivos.

19
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Princípio da Proporcionalidade – art. 7º


A necessidade não aparece autonomizada – é uma das condições essenciais da
proporcionalidade.
➢ O princípio está lá e tem de ser entendido em termos amplos.
Para se aplicar o princípio da proporcionalidade tem que se atender ao fim da medida
administrativa.
➢ O fim é que justifica o exercício da competência.

Princípio da Justiça e Razoabilidade – art. 8º


Não estão diretamente ligadas – a justiça tem a ver com critérios valorativos, a razoabilidade
tem a ver com a concordância daquilo que se diz.
➢ Não há problema em aparecerem juntas e significa que o legislador introduziu aqui uma
dimensão importante.

Princípio da Imparcialidade – art. 9º


Ideia de que não deve haver interesses próprios na decisão.

Princípio da Boa Fé – art. 10º


Legislador aqui segue com a ideia de que aquilo que está em causa é a proteção dos particulares
que devem confiar na palavra da Administração.

Princípios de Dimensão Procedimental


Princípio da Colaboração com os Particulares – art. 11º
Administração deve atuar em estreita cooperação com os particulares, prestando-lhes
informações e esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber
as suas sugestões e informações.

Princípio da Participação – art. 12º


Colaboração e participação são faces da mesma moeda.
O direito de audiência dos particulares é corolário deste princípio – realidade inultrapassável na
lógica da participação em que Administração atende ao interesse público e ao do particular.
Administração está a obrigada a consultar o particular antes de decidir sobre ele.

Princípio da Decisão – art. 13º


Sempre que o particular se dirija à Administração, ela tem o dever de lhe responder – particular
tem direito de resposta e se não for dada pode ir a Tribunal exigi-la. Pode não responder
favoravelmente, mas tem de responder

Sem resposta há uma omissão – que é uma ilegalidade que pode ser impugnada em Tribunal
(pois a Administração tem dever de praticar um ato – o de responder);
➢ O contencioso administrativo serve para reagir contra ações e omissões
(comportamento da Administração)

Deixou de existir a ficção do ato tácito de indeferimento – legislador em 2004 foi ao encontro
das posições doutrinárias que o criticavam e diziam que a Administração poderia ser condenada
por omissão.

20
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

VPS: não faz sentido continuar a existir o ato tácito de deferimento – apesar de se dizer que é
positivo, pois era um “sim” da Administração. No entanto, não protege o particular pois não
acautela valores de segurança jurídica com o “sim” explícito que o assegura – o que protege os
particulares é ter uma resposta. Ex: ter alvará para construir é um sim.

Nº2 é para os “chatos profissionais” – se a Administração já respondeu não tem de


responder de novo – se não se alterarem as situações de facto ou de direito, o
particular não tem direito a outra resposta.

Princípios aplicáveis à Administração Eletrónica – art. 14º


Vai ao encontro das críticas de MRS e VPS que há anos criticavam o CPA por estar feito para atos
em papel e em que a informática não era regulada.
Acompanha assim as novas necessidades e realidades – cada vez mais a administração atua
através de meios informáticos que dão origem a atuações administrativas
Visão acertada de que a informática pode produzir atos administrativos, ao haver
intervenção humana de inserir dados nos programas de computador – uso de meios
informáticos substitui a atuação administrativa e produz atuações administrativas
através do computador em resultado da atuação dos operadores do computador.21

Legislador peca por defeito e não regula efetivamente esta realidade – se os meios manuais e
eletrónicos fossem igualmente acessíveis deviam se ser equiparados

DFA: Não impõe este modelo da Administração eletrónica, proclama-se apenas uma
preferência por ele – criou-se uma habilitação normativa genérica para a utilização pela
Administração dos meios eletrónicos e prevê uma regulação de alguns aspetos
estruturantes da utilização dessas vias (o que contribui para a segurança jurídica)

Princípio da Gratuitidade – art. 15º


Existe com moderação.

Princípio da Responsabilidade – art. 16º


DFA: Tem a ver com as matérias da Responsabilidade da Administração que sempre
esteve regulado em legislação autónoma.

21
Hoje em dia é assim mas o Direito reagiu com muita resistência à realidade informática – uma coisa era
a técnica e outra era o Direito.
a lógica de consideração dos fenómenos informáticos obriga a trata-los como fenómenos jurídicos e a
fazer a equiparação entre as atuações informáticas e as atuações administrativas, portanto o que está em
causa tem a ver com esta realidade.
Ex: semáforos – quando atravessam o sinal verde estão a responder a uma realidade que é produzida por
um computador e que produz uma atuação administrativa, que é geral, porque se destina a todas as
pessoas que passam naquele sitio e que é concreta: porque estão a passar naquele sitio, naquele
momento. VPS: é um ato que, sendo geral, é um ato concreto e, portanto, geral e concreto em simultâneo, e está
realidade condiciona o comportamento das pessoas, porque há o regulamento que corresponde à programação
daquele sinal de trânsito e que manda passar de amarelo a vermelho e, de vermelho a verde de tantos em tantos
segundos – esta programação corresponde a um regulamento administrativo, e depois o funcionamento do sinal de
trânsito corresponde a um ato plural, um ato que tem uma multiplicidade de destinatários mesmo se passa num sitio
concreto, e estar lá o sinal de transito não é a mesma coisa que estar lá um sinaleiro, porque se estivesse o sinaleiro,
estaríamos perante um ato concreto e que se aplicava àqueles particulares que estavam ali naquele momento.

21
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

➢ Seria mais interessante um “princípio de responsabilização” – como


accountability e informação regular da opinião pública, bem como o dever de
prestar contas por parte dos órgãos da Administração de forma pública.

Princípio da Administração Aberta – art. 17º


Resulta da europeização e globalização do Direito Administrativo.
Princípio conexo com o seguinte.

Princípio da Proteção dos Dados Pessoais – art. 18º


Tem de se tratar a informação diferente de forma diferente.
➢ Se se trata de uma informação relativa aos particulares, esta informação deve ser
fornecida, mas apenas aos interessados - aqueles que tenham uma posição jurídica que
lhes permita aceder a essa realidade.
➢ Se se trata de alguma informação de interesse público então tem de ser tornada pública.

Temos de distinguir o que é aberto e o que não é, apesar de existirem zonas de fronteira.
➢ É preciso distinguir muito bem entre aquilo que é o principio da administração aberta
que tem a ver com a publicidade de tudo aquilo que seja matéria de interesse público
com tudo o que seja informações pessoais em que aí há uma regra de confidencialidade
e uma regra de privacidade porque da defesa dos direitos das pessoas (só se pode dar
acesso desses dados a quem tiver um interesse legítimo na sua divulgação).

Princípio da Cooperação leal com a UE – art. 19º


Administração na Europa trabalha em rede, uma vez que o Direito Administrativo é Direito
Europeu Concretizado – há uma dependência do direito da União Europeia em relação às
administrações públicas dos países da União

DFA: Previsto de forma restritiva pois requer a previsão expressa no direito da UE sendo
que o campo útil do princípio seria a previsão, de forma aberta, dum dever de
cooperação leal mesmo na ausência de regra a fixar e determinar em concreto o âmbito
da cooperação.

22
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

“Viagem ao Centro” do DA – Procedimento e Relação Jurídica


Administrativa
Das Conceções Clássicas à Atualidade
O positivismo é “filho tardio” do período liberal – surge no Direito Administrativo na sequência
do período liberal.
➢ Construiu-se uma catedral que procurava explicar todos os problemas essenciais do
Direito Administrativo

Ato Administrativo
Construções doutrinárias clássicas, positivistas, tinham o Ato Administrativo como centro.
• Protagonista do Direito Administrativo e todo o Direito Administrativo se reportava ao
Ato Administrativo – definição autoritária da posição do súbdito face à Administração
(Otto Mayer)
o Administração definia o direito em termos que se permitia a execução mesmo
contra a vontade dos particulares.

Quando começa a surgir o Estado Social, o Ato Administrativo cristaliza-se – construção do


passado, duma Administração agressiva, que tardiamente irrompia.

Ato era tudo e todas as coisas – em função do Ato criava-se todo o Direito Administrativo,
mesmo no domínio processual (não havia partes e a Administração estava na mesma posição
hierárquica que o juiz)
➢ Realidade que se mantém até aos anos 80 em Portugal – lógica do “ato definitivo
executório” (Marcello Caetano).

Quando se está a cristalizar a centralidade do Ato, a Administração está a mudar para uma
Administração prestadora (e a lógica clássica que alberga a construção do Ato Administrativo
como centro do Direito Administrativo não tinha em conta o ato prestador).
• Ato perde protagonismo e passa a ser uma realidade entre outras – Administração
moderna pode escolher a forma de atuação mais adequada – passa-se “da farda única
do ato administrativo para o pronto-a-vestir da atuação administrativa”.
• Ato deixa de explicar tudo e desloca-se do centro – crise do Ato com a sua perda de
centralidade, leva a uma crise do próprio Direito Administrativo que procura um novo
centro.
o Doutrina procura um novo centro, i.e., realidade que existisse em todos os
fenómenos do Direito Administrativo e com importância fundamental para a
conceção do Direito Administrativo

Procedimento como centro


Doutrina italiana conclui que todas as decisões são preparadas e há procedimento antes de
qualquer forma de atuação – há procedimento por detrás de qualquer atuação.
➢ Realidade mais frequente que o ato.
➢ Procedimento permite explicar o exercício do poder.

23
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Relação Jurídica como centro


Doutrina alemã conclui que a relação jurídica é a figura que existe nos direitos substantivos e
no direito adjetivo e no Direito Administrativo também existem relações da vida social
tuteladas pelo Direito = relações jurídico-administrativas22.
➢ Também integra o procedimento.
➢ Todo o Direito Administrativo é pautado por relações jurídicas.

VPS
A lógica do centro só pode ser tendencialmente aceite23.
A haver centro ele é a Relação Jurídica Administrativa – existe em todos os momentos
do Direito (substantivo e adjetivo) e enquadra-o.
➢ Ligação constituída pelo direito entre dois ou mais sujeitos (Bauer)

Faz ainda sentido haver centro?


Não. Podem haver vários centros – realidade Administrativa é policêntrica e depende de onde
se olha para a realidade, que está em permanente transformação e pode haver um foco na
relação ou no procedimento.

Devido à Administração infraestrutural, a relação jurídica hoje tornou-se multilateral e


qualquer decisão administrativa afeta uma multiplicidade de destinatários – há vários sujeitos
que são afetados pela decisão administrativa.
➢ Sendo afetados, estabelecem com a Administração uma relação jurídica administrativa.

Conceito operativo de realidade mais comum e frequente: Relação Jurídica Administrativa


Multilateral24

DFA
Não é possível fazer uma construção dogmática adequada do Direito Administrativo, nos
quadros dum Estado de Direito Democrático, sem reconhecer e utilizar amplamente,
sempre que for caso disso, o conceito e a teoria da relação jurídica administrativa. Mas,
não esgota a parte geral do Direito Administrativo e não é o conceito central do Direito
Administrativo.

22
Relação jurídico-administrativa: toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou
privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas
de direito administrativo.
23
Pois o entendimento de centro, como realidade positivista, não faz qualquer sentido-
24
Francisco Paes Marques: relação administrativa multipolar
➢ VPS: o que acontece no Direito Administrativo não é uma relação entre pólos e sim um feixe de
relações entre todos os sujeitos (que podem ser múltiplos, tanto do lado da Administração como
do lado dos particulares). As relações jurídicas administrativas não são fechadas.

24
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Natureza do Procedimento
A partir dos anos 70 o procedimento ganha dimensão nova no quadro do Direito Administrativo
– obriga a considerar a sua dimensão relevante.
➢ Não só na decisão mas na formação da decisão.

Noção de procedimento – art. 1º CPA (não era obrigado a dá-la e se calhar era aconselhável não o fazer).
• Não obriga a doutrina e não tem consequências por si só – definições legislativas servem
apenas para ajudar a explicar o âmbito de aplicação das respetivas normas e não têm
opção doutrinária.
• Construção que corresponde a uma das visões do procedimento – autonomia relativa
dos fenómenos procedimentais.
o Fórmula parecida à que se usou em Itália.
o Criticada já desde 1991 mas mantida em 2015: visão ultrapassada
subalternizadora do procedimento em face das formas de atuação da
Administração.
o Definição de acordo com o modo como o legislador olhou para o procedimento
– traduz-se em normas jurídicas que espelham esta realidade.

4 orientações doutrinárias fundamentais acerca da natureza procedimento administrativo –


diferentes visões acerca do procedimento administrativo.

1. Construção negativista – França – legislador não precisava de se preocupar com


procedimento pois ele não tinha relevância;
• Relevante era o ato
o E o olhar para o ato do ponto de vista do contencioso administrativo = processo
administrativo (releva a ótica contenciosa de compreensão dos fenómenos
administrativos)

Não era considerado juridicamente o procedimento que levava à toma de decisões, não era
valorizado autonomamente
➢ Ao apresentar-se o ato administrativo não referiam nem os procedimentos nem as
formalidades, só importava a forma
o Ótica contenciosa conduz a que se trate conjuntamente a forma e as
formalidades (e só na referência às formalidades é que se considerava o
procedimento administrativo).
o Confusão entre forma e procedimento (desde Laferrière)

Legislador português não adota esta posição mas cometeu ato falhado que tem os vícios desta
conceção negativista:
• Art. 161º/2/g – legislador, como La Ferriere, fala em atos que careçam em absoluto de
forma legal (referência à forma tem de ser entendida como abrangente do
procedimento)
o Falta a referência ao procedimento e não está autonomizada no âmbito da
teoria da nulidade25

25
Apesar de estar a regular o procedimento ele não dá a devida importância ao fenómeno do
procedimento e não considera as causas procedimentais

25
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

2. Conceção Substitutiva do Procedimento em relação ao Processo = Alternatividade do


Procedimento em relação ao Processo – teorização positivista em que se equipara ato
administrativo às sentenças
• Poder administrativo era equivalente ao poder jurisdicional – procedimento e processo
são duas faces da mesma moeda – trauma do Administrador-juiz
• Leva a construir-se o procedimento como realidade processual.
o Marcello Caetano: Procedimento à imagem do processo em que a atividade da
Administração seria, em larga medida, processual – visão monista

VPS: procedimento é a forma da função – cada função tem o seu procedimento.


• Função jurisdicional tem o processo (mais rígido e estereotipado);
• Função administrativa tem o procedimento (Administração tem que tomar decisões
para satisfazer necessidades coletivas pelo que deve ter maior margem de apreciação
dos factos – não se exige que seja rígido e varia em função das diferentes circunstâncias;
Administração pode ter que usar procedimentos abreviados em questões urgentes)
Nem a natureza das funções são idênticas nem os atos.
• Não faz sentido dizer que o procedimento deve ser entendido como forma
processualizada (contra DFA26) – não têm que ser iguais porque o que está em causa é o
exercício de funções diferentes.
o Não deve haver teoria processualista do procedimento.
▪ Ofende a separação de poderes e não há nenhuma continuidade entre
um e outro.
o Procedimento – tomada de decisão da Administração e com função autónoma
• Rogério Soares: “procedimento administrativo e processo jurisdicional não são duas
espécies do mesmo género, mas sim dois géneros diferentes, irredutíveis um do outro”

Influência desta corrente foi tão grande que CPA 1991 utilizou nos trabalhos preparatórios duas
outras versões que eram processualistas, organização que considerava que a base do
procedimento era de natureza processual.

3. Posição CPA 2015 – autonomia subalternizada/relativa/limitada do procedimento às


formas de atuação administrativa.
• Procedimento destina-se à execução da vontade dos órgãos da Administração Pública
• Autonomia meramente relativa

Art. 1º - inspirado em Sandulli – construção dúplice e contraditória:


• por um lado é visto como fenómeno autónomo e estruturalmente distinto do processo
contencioso quer das figuras a que dá origem (ato e regulamento);
• por outro lado surge como realidade funcionalmente subordinada em relação às formas
de atuação administrativa (mais ao ato).
o Procedimento deve ser regulado autonomamente porque é relevante mas
depende das formas de atuação administrativa.

26
Que já não fala em processo administrativo gracioso (Marcello Caetano) mas não questiona a identidade
da natureza do processo e do procedimento. O procedimento é modalidade de processo

26
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Visão subordinada do procedimento – por um lado autónomo e por outro lado uma realidade
funcionalizada à decisão administrativa.

Influência de algumas codificações – como as que surgiram na Alemanha nos anos 60.
• Vem de uma norma alemã muito criticada no quadro das invalidades procedimentais
em que se há violação de procedimento, mas tal não afeta o ato, considera-se
irrelevante o procedimento (se o ato tivesse a solução adequada não interessava se o
procedimento tivesse sido respeitado).
o Influenciou norma do legislador português – art. 163º/5 CPA
▪ VPS: Como se pode saber que o ato é idêntico se não se seguiu o
procedimento? Não há forma de comparar se o interesse foi
prosseguido.
▪ Até na Alemanha, de onde veio a norma, se consideram exceções:
direitos fundamentais (Gerlish diz que qualquer direito fundamental
implica uma garantia de procedimento – não é possível aplicar uma
decisão administrativa se não houver garantia dos direitos
fundamentais. Se não forem respeitados, a norma é inconstitucional)
▪ Art. 163º/5 só pode ter sentido útil se for limitado – é preciso que se
diga que isto não pode valer contra qualquer direito fundamental dos
particulares
▪ Freitas do Amaral vs. MRS (e VPS) – o facto de estar em causa um direito
procedimental consignado pela CRP implica que esta norma nunca
possa ser aplicada, quer seja nula quer não.
➢ Perspetiva VPS: por um lado há que limitar a norma a um
conjunto de soluções mínimas para não violar direitos
fundamentais processuais e procedimentais e mesmo em casos
que não haja essa lesão, tem que se adotar conceção restritiva
sob pena de se estar a violar a CRP e a lei.

VPS: naquilo que é relevante, o procedimento é desconsiderado – desrespeitando o


procedimento mas chegando a solução material boa, então não interessa o respeito pelo
procedimento.
➢ O procedimento pode ser desrespeitado e posto em causa.

4. Procedimento como Realidade Autónoma – procedimento é válido em si mesmo e deve


ser regulada dentro dessa importância e dentro dessa realidade autónoma
➢ Posição mais moderna de vários autores (maioria da doutrina alemã e italiana)

VPS: procedimento deve ser considerado de um modo autónomo e não apenas em função do
seu resultado final, para além de que deve consistir numa realidade flexível e adaptável às
circunstâncias
• Rogério Soares: procedimento é o conjunto de atos funcionalmente ligados com vista a
produzir um certo resultado, um efeito final único – noção funcionalista que entende o
procedimento como a forma da função administrativa

27
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

VPS: procedimento vale por si mesmo enquanto instrumento de correção e eficácia das
decisões administrativas, assim como de garantia de proteção antecipada dos direitos dos
particulares, e não vale apenas em razão dos resultados a que se possa chegar – procedimento
tem valor próprio e não pode ser afastado.
• Dimensão da multifuncionalidade do procedimento, não é só realidade funcionalizada
e dele decorrem múltiplas funções27:
A. Função Legitimadora – órgãos administrativos têm legitimidade que decorre do
cumprimento das regras legais e precisa de ser completada com uma
legitimação que decorre do procedimento, através da participação dos
particulares na elaboração da tomada de decisão;
B. Função Racionalizadora – o procedimento racionaliza a tomada de decisão da
Administração
▪ Decisão é resultado de uma racionalização da atuação da
Administração.
▪ Realidade procedimental é instrumento organizativo da Administração
e estabelece não apenas uma realidade formal, mas contribui para a
decisão como realidade material;
C. Função de Determinar/Construir o Interesse Público – relacionado com a
aplicação das normas àquele caso concreto, comparando-se diferentes
interesses públicos e os interesses privados.
▪ Administração considera os diferentes interesses públicos e privados de
forma a decidir. Ex: construção de uma ponte – tomada de decisão e
qual a melhor realização do interesse público depende do ministro que
toma a decisão – ambiente que no menos poluente, finanças no mais
barato, economia no melhor das margens.
▪ Procedimento serve também para se conhecer os interesses privados a
serem tidos em conta. Ex: Quercus fez queixa no TJUE na construção da
Ponte Vasco da Gama – fez bem, porque serviu para se apurar todos os
interesses na questão
▪ Interesse público não é algo abstrato e é construído no procedimento,
na lógica de procurar uma decisão que por ser mais informada é mais
adequada.
▪ Participação dos particulares introduzem elementos novos para a
tomada de decisão e é algo que só pode acontecer no procedimento
Administração cria relação com os particulares para se eles quiserem
participarem com a Administração no quadro das decisões
administrativas.
D. Função de Tutela Preventiva dos Particulares – Particular pode intervir antes
que a atuação da Administração ameace os seus direitos. Antes de particular ir
a Tribunal, a Administração já tem que considerar o interesse e como o
particular vai ser afetado.

Quando forem preteridas as regras procedimentais há invalidade do ato administrativo.

27
No quadro da valorização do procedimento há conjunto multifuncional desempenhadas pelo
procedimento e só podem ser desempenhadas por eles – não se pode descartar pois descartar-se-iam
essas funções.

28
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

• O ato administrativo interessa como forma de atuação mas também como realidade
construída pelo procedimento.
A. Não interessa só o resultado final.

Codificação
Em Portugal pela primeira vez em 1991, na sequência da CRP 1976 estabelecer essa tarefa.
➢ Codificação tardia que seguiu modelo germânico de ter uma codificação alargada e que
trata de mais coisas do que as matérias procedimentais.

3 conceções possíveis acerca da importância do procedimento e da necessidade da codificação:


A. Perspetiva Negativista: versão maioritária em França
a. Avessos à codificação. Valorizam as são boas sentenças.
i. VPS: entrou em crise pois há muitos autores valorizarem
autonomamente o procedimento e o Conselho de Estado ter compilado
as sentenças e elaborado um CPA
b. Correntes processualistas – sem codificações, sendo a alternativa a Justiça
administrativa
B. Perspetiva Maximalista: modelo dos anos 70 e 80 que continua a ser utilizado em
Portugal, Alemanha, Espanha
a. Relevância e autonomia dos fenómenos procedimentais
b. Amplitude de matérias tratadas – muito além da regulação estrita do
procedimento, incluindo matérias de caráter substantivo
i. Além de se regular o procedimento regula-se também aspetos
materiais.
ii. Vários capítulos e um deles chamado Procedimento.
iii. Há mais princípios substantivos do que princípios procedimentais.
iv. Termos regras gerais sobre todo o Direito Administrativo – não é
necessariamente mau desde que sejam adequados.
v. Modelo que se tem alargado numa lógica de procurar uma
c. Codificações amplas do procedimento são complementares e não alternativas
da Justiça administrativa
C. Perspetiva Minimalista: visão eficaz italiana28 – Cassese, Nigro
a. Lógica que não convém regular tudo e deve haver leis que regulem os aspetos
principais do procedimento administrativo.
b. Deveres de natureza procedimental sem invadir zonas substantivas.

28
Funcionou em Itália e quase que viviam sem Governo pois a Administração Pública funciona muito bem.
Toma decisões neutras e imparciais que fogem aos controlos partidários e Administração ganhou um
prestígio que se impõe aos próprios governos.

29
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Saber qual o melhor modelo depende de cada país e de cada circunstância.


“Marcha do Procedimento Administrativo na realidade Portuguesa”
Parte III do CPA – Procedimento Administrativo
Título I – Regime Comum (normas aplicáveis a todo e qualquer procedimento
Administrativo)
Relaciona-se com o título II (normas específicas) pelo art. 96º e ss.

Procedimento Administrativo – sequência juridicamente ordenada de atos e


formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da
Administração ou à sua execução.
➢ Noção legal no art. 1º/1 CPA

Princípios fundamentais do procedimento administrativo


• Caráter documental • Princípio da colaboração da
• Simplificação do formalismo Administração com os particulares – art.
• Natureza inquisitória 11º CPA
• Princípio da desburocratização e • Direito de informação dos particulares
eficiência – garantir a eficácia da ação • Participação dos particulares na
administrativa; evitar a burocratização; formação das decisões que lhes
aproximar os serviços públicos das respeitem – art. 267º/5 CRP
populações; assegurara a celeridade das • Princípio da decisão – art. 13º CPA
decisões administrativas; garantir a • Princípio da gratuitidade – art. 15º CPA
economia das decisões administrativas; • Princípio da proteção dos dados
utilização de meios eletrónicos pessoais – art. 18º CPA
• Princípio da cooperação leal com a UE –
art. 19º CPA

Espécies de procedimentos administrativos


A quem cabe desencadear o procedimento administrativo – art. 53º CPA:
• Procedimentos de iniciativa pública
• Procedimentos de iniciativa particular – mediante a apresentação de um requerimento
à Administração

Critério do objeto:
• Procedimento decisório – têm por objeto preparar a prática de um ato da
Administração. Podem ser de 1º ou 2º grau.
• Procedimento executivo – têm por objeto executar um ato da Administração

• Procedimento administrativo comum – regulado pelo próprio CPA e que deve ser
seguido em todos os casos em que não haja legislação especial aplicável
• Procedimento administrativo especial – regulados por leis especiais (embora se
subordinem aos princípios da atividade administrativa do CPA e outras normas que
concretizem preceitos constitucionais)

Tendo em conta art. 32º/10 CRP quanto à natureza punitiva ou não do ato final do procedimento
• Procedimento administrativo sancionatório – dá lugar à prática de um ato punitivo
• Procedimento administrativo não sancionatório – não dá lugar a ato punitivo

30
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Procedimento decisório de 1º grau


Procedimento tendente à prática de um ato administrativo primário.
6 fases:
1. Fase inicial – dá-se início ao procedimento administrativo.
a. Se for por iniciativa pública tem de ser comunicado às pessoas que podem vir a
ser afetas e que sejam nominalmente identificáveis (art. 110º/1).
b. Se for por iniciativa particular (art. 102º-109º CPA) deve apresentar um
requerimento escrito ou por correio eletrónico (contendo o prescrito pelo art.
102º/1, se não satisfizer usa-se art. 108º para que os particulares corrijam essas
deficiências, pois algumas não o podem ser oficiosamente).29

2. Fase da Instrução – destina-se a averiguar os factos que interessem à decisão final e,


nomeadamente, a recolher as provas que se mostrarem necessárias (art. 115º-120º
CPA). Fase dominada pelo princípio do inquisitório (art. 58º) em que se recolhem
provas e realizam-se diligências para a decisão. Pode haver auxílio administrativo (art.
66º CPA) e pareceres (art. 91º e ss.).
a. Direção da instrução (art. 55º) – cabe ao órgão competente para a decisão final
(art. 55º/1) mas há 3 hipóteses distintas:
i. Diretor do procedimento é delegado do órgão decisório (regra geral do
art. 55º/2) – assim quando o órgão decisório decidir está mais distante
dos factos apurados, sem ideias pré-concebidas pelo que a decisão será
mais imparcial (tomará melhor decisão perante o caso por estar mais
distante dele, não tem pré-conceitos);
ii. Orgão decisório é diretor do procedimento, dirigindo pessoalmente a
instrução quando houver disposição legal, regulamentar ou estatutária
que o imponha– há imposição de delegação de competências no art.
55º/2 e se não delegar tem de fundamentar porque não delegou
naquele tipo de procedimento;
iii. Direção de certas diligências instrutórias podem competir a um
subdelegado (art. 55º/3).
b. Administração procurará, pelo princípio do inquisitório, ter decisão legal e justa
(art. 58º)
c. Pode haver audiência do particular cujo requerimento tenha dado origem ao
procedimento ou contra quem tenha sido instaurado – mera diligência
instrutória por direito de participação ou defesa (exerce uma função de
contraditório relativamente a factos que tenham vindo a ser apurados), não
cabendo na fase seguinte.
d. Atende ao princípio da imparcialidade (na vertente positiva e negativa).

3. Fase da audiência dos interessados – concretiza o princípio da colaboração da


Administração com os particulares e o da sua participação, elencados no art. 11º e 12º
CPA, que refletem uma orientação constitucional do art. 267º/5 (art. 121º-125º CPA).

29
No final de qualquer fase pode ser necessário que se tomem medidas provisórias (art. 89º) que podem
caducar (art. 90º).

31
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

a. Obrigatória em todos os tipos de procedimento – modelo de administração


participada em que o interessado é associado ao órgão administrativo
competente na tarefa de preparar a decisão final.
b. Administração goza de poder discricionário quanto à modalidade (oral ou por
escrito) de ouvir os interessados.
c. Consequências da falta desta fase: vício de forma por preterição de uma
formalidade essencial que leva a uma ilegalidade.
i. Nulidade – art. 161º/2/d; Anulabilidade – art. 163º/1 ?
➢ DFA: anulabilidade, seguindo a jurisprudência do STA que não
inclui a audiência dos particulares no catálogo de direitos
fundamentais, que são direitos mais diretamente ligados à
proteção da dignidade da pessoa humana).
d. O direito de audiência só é efetivo em função de objeto bem determinado –
projeto de decisão.
i. É sobre esse projeto (daquilo que a Administração vai decidir) que a
Administração ouve os particulares, antes da Administração adotar a
decisão.

4. Fase da preparação da decisão – Administração pondera adequadamente o quadro


traçado nas fases anteriores, analisando tudo (art. 125º-126º CPA).
a. À luz dos elementos recolhidos nas 3 primeiras fases, a Administração prepara-
se para decidir (por despacho, se órgão singular; por deliberação, se órgão
colegial, após reunião).
b. Se for insuficiente a instrução deve ordenar-se novas diligências (art. 125º).
c. Diretor do procedimento formula proposta de decisão (art. 126º)

5. Fase da decisão – fase que termina o procedimento (art. 93º). Pode terminar pela
prática de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato (art. 126º).
a. Aplicam-se as regras dos art. 135º e ss. que disciplinam genericamente o
regulamento, ato ou contrato administrativo conforme o caso.
b. Prazos: art. 128º e 129º.
c. Outras causas de extinção do procedimento: art. 130º a 133º.30

6. Fase complementar – prática de atos e formalidades posteriores à decisão final do


procedimento (registos, arquivamento de documentos, sujeição a controlos internos e
etc.).
a. Notificação aos interessados: art. 114º e ss. – ato material para dar a conhecer
a decisão = condição de eficácia do ato31, i.e., capacidade de produzir efeitos
no mundo do direito

30
Atos Tácitos: art. 130º - situações em que a lei atribui ao silêncio da Administração um determinado
significado (de deferimento) do qual advêm efeitos jurídicos. Sujeitos ao regime dos atos constitutivos de direitos.
➢ Criticados por VPS
31
Não de validade, pois nos seus elementos intrínsecos é totalmente perfeito

32
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Atuação da Administração Pública sem pleno respeito pelas formas legais do


procedimento
• Estado de Necessidade (art. 3º/2 CPA + art. 19º e 266º/2 CRP) = situação de autêntica
necessidade a resolver + natureza imperiosa do interesse público a defender +
excecionalidade da situação + ausência de alternativas menos gravosas.
• Urgência = todas as situações da vida real em que, pela sua especial gravidade ou
perigosidade, a Administração Pública tem o poder legar de efetuar uma intervenção
imediata, sob pena de, se for mais demorada, se frustrar a possibilidade de atingir os
fins de interesse público postos por lei a seu cargo. Os procedimentos administrativos
de urgência traduzem formas simplificadas de agir.

Procedimento decisório de 2º grau


Procedimento de reclamação, de recurso hierárquico ou tutelar – garantias administrativas dos
particulares

Funções do Procedimento na Relação Jurídica Multilateral


Funções do procedimento são diversas:
A. Função de decisão informada – função de conseguir trazer a informação necessária
para uma correta decisão
• Material fáctico relevante para a decisão (através da fase instrutória)
B. Funções de concertação – particulares são afetados pela Administração e a
Administração tenta pacificar a sua relação com esse particular perante os vários
interesses envolvidos.
• Procedimento é plataforma para integração e coordenação dos vários
interesses envolventes dessa decisão administrativa.
C. Função de articulação – procedimento tem relevância quanto a um possível processo
contencioso junto dos Tribunais Administrativos.
• O procedimento distingue-se do processo, mas, é inegável e útil que haja esta
função, pois, quando o particular intenta uma ação para fazer valer os seus
direitos ele não a apresenta como o momento zero, uma vez que ele
previamente já se relacionou com a Administração e a ela se dirigiu
i. Tribunal não pode ignorar o que o procedimento já apurou e estas fases
(procedimento e processo) estão funcionalmente ligadas.
ii. Procedimento é essencial para a prova feita no processo contencioso.

O procedimento afeta relações jurídicas multilaterais entre a Administração e os


particulares
• Francisco Paes Marques: prefere o conceito de Relação Multipolar porque é conceito
mais restrito – refere-se a pólos de atuação, uma série de interesses contrapostos que
se posicionam perante a Administração.
o Em comum há o facto de haver uma relação que excede a relação bilateral
(paradigma no Estado Liberal, incomportável com o Estado Social).

33
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Anos 50: ato administrativo com eficácia em relação a terceiros/efeito duplo – dirigido a um e
que vai afetar terceiros
Anos 70: começa a trabalhar-se no âmbito da relação jurídica multilateral – abrangia a relação
que se estabelecia entre Administração e concreto destinatário e outros sujeitos também
afetados por tal.
➢ Relação jurídica abrangia de forma mais omnicompreensiva a relação entre a
Administração e os sujeitos que eram visados pela atuação Administrativa (diretamente
e indiretamente).
➢ Pelo menos há uma relação triangular: Administração no topo e na base os interesses
dos particulares em colisão.

Administração Pública no exercício das suas competências vai afetar uma multiplicidade de
interesses e não apenas de um único destinatário.
• “Não só dos destinatários mas também de terceiros”
o VPS e Paes Marques não gostam porque eles não são verdadeiramente terceiros
– estão no raio de alcance do poder de atuação/conformação da
Administração, todos são destinatários da ação administrativa.
o Muitas vezes há sujeitos que à partida não estão reconhecidos nem
determinados, mas, são todos considerados destinatários pois a atuação da
Administração vai conformar também a sua esfera jurídica e não só daquele
que suscitou a incitativa.

Como se transpõe esta relação administrativa multilateral para o procedimento administrativo?


➢ Atividade administrativa está essencialmente procedimentalizada, pelo que essa
relação multipolar é procedimentalizada.

CPA faz contraposição entre:


• Órgão competente para a decisão (da Administração Pública)
• Órgão responsável pela direção do procedimento,
• Interessados – sofrem os efeitos da decisão que venha a ser tomada com o
procedimento (podem ser públicos ou privados)

Como se constituem?
Temos que olhar para as regras de legitimidade do art. 68º
➢ Titulares de direitos e interesses legalmente protegidos têm estatuto de interessados na
decisão decorrente do procedimento administrativo.

Quando a iniciativa é dum particular e advém do requerimento que faz à Administração, adota
uma prerrogativa que o enforma como interessado.

Aquele que se considerar afetado pelo procedimento desencadeado por outrem também se
pode constituir como interessado no procedimento, sabendo que ele está em curso
➢ Precisa de alegar/provar um direito ou interesse legalmente protegido, dado por norma
jurídica que lhe dá esse direito subjetivo específico, distinto do interesse geral da
comunidade.
o E se não sabem que o procedimento está a ocorrer?

34
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

▪ Administração tem o dever de notificar os particulares que à partida


podem ser afetados pela decisão a adotar no procedimento – art. 110º
CPA
▪ O que é “nominalmente identificadas”?
• Disposição que tem dado polémica em Itália. Jurisprudência
tem aceite que se as pessoas pertencerem a um círculo
claramente identificável eles também devem ser notificados,
tem de haver um mínimo de determinabilidade.
• Administração tem de fazer um esforço, pelo princípio do
inquisitório, de desenvolver diligências para identificar essas
pessoas.
• Se depois a decisão for adotada sem a participação de todos os
interessados pode haver invalidade que venha a ser apontada
para a anulação da decisão).
• Extensível no art. 68º/2 – abarca aqueles que querem ser
interessados mas que não têm direitos ou interesses no âmbito
do art. 68º/132 (legitimidade procedimental pode ser ilusória
pois pode não ser plena – o CPA faz depender a garantia dos
particulares a norma que confira direitos aos particulares).

32
Doutrina que comentou CPA 1991 falava dos interessados obrigatórios (de 1º grau) – com todos os
direitos procedimentais; interessados facultativos (de 2º grau) – constituição no procedimento não era
obrigatória pelo que não levava à invalidade do resultado da decisão administrativa.
➢ Vantagem: se algum não estiver presente no procedimento não há invalidade automática da
decisão adotada.
Faz sentido esta distinção? Não faz e CPA não os distingue.
➢ Considerar que todos eles sejam interessados obrigatórios não significa que a decisão da
Administração não possa vir a ser aproveitada caso haja alguma falta.

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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

ATO ADMINISTRATIVO
Devido ao desenvolvimento dos conceitos de Procedimento e Relação Administrativa
Multilateral, que não devem de ser encarados como omni-explicativos como no tempo do
positivismo jurídico, surge uma crise das construções em que o Ato Administrativo era o centro.
• Otto Bachof: ato administrativo é uma fotografia instantânea de relações jurídicas em
movimento.

Origem e Evolução do Conceito de Ato Administrativo


Modelo do ato administrativo evoluiu tendo em conta a evolução dos modelos do Estado.
VPS: a conceção clássica de ato administrativo deve ser rejeitada e o ato administrativo tem
de ser reconstruído à luz da realidade atual.

O que caracterizava o ato administrativo em cada momento?


Estado Liberal – Administração Agressiva, com o paradigma do ato polícia.
• Otto Mayer: comparava às sentenças. Ato que definia o direito aplicável aos particulares
no caso particular – definição de direito de forma coativa e que podia ser imposta ao
particular.
• Hauriou: comparava ato aos negócios jurídicos. O que caracterizava o ato eram os
privilégios exorbitantes da Administração – privilégio decisório (definia o direito);
privilegio executório
o Mesma noção mas expressa de forma diferente.

Marcello Caetano definia o ato administrativo como:


➢ Ato definitivo e executório;
o Tripla definitividade:
▪ Material – porque definia direito feita no caso concreto;
▪ Vertical – tomado pela autoridade suprema da Administração;
▪ Horizontal – no quadro da desvalorização do procedimento, que era
irrelevante e tudo o que interessava era a decisão final como última
vontade da Administração.
o A isto acrescia a suscetibilidade de execução coativa do ato.
➢ Dupla definição das características do ato administrativo que só desapareceu
definitivamente em 2004 com a reforma do contencioso administrativo.

Críticas VPS
1. Administração não tem de definir o direito, quem o faz é o juiz.
• Administração apenas utiliza o direito para a satisfação de necessidades
coletivas.
• Os efeitos jurídicos do ato não correspondem a nenhuma definição do direito.
2. Não é mais o Governo que apenas decide, há desconcentração da Administração e
multiplicação de pólos decisórios.
• Qualquer órgão dotado de competência pode praticar atos administrativos.
3. Procedimento é juridicamente relevante e interessam todas as decisões tomadas no
decurso de um procedimento.
4. Não há nenhuma noção executória no ato administrativo

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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

• Não existe na maioria dos atos administrativos, que são favoráveis aos
particulares.
• E há mesmo casos em que a execução forçada está proibida por lei. Ex: sanções
pecuniárias e execução coativa por dívidas.

Realidade já não cabe na definição clássica do ato administrativo.

Estado Social – Administração Prestadora, lógica do ato favorável, que atribui vantagens aos
particulares.
• Não cabia na lógica tradicional do ato de polícia.
• Administração prestadora que presta bens e serviços também na lógica do ato
administrativo.
• “atos constitutivos de direitos” – o que hoje em dia ainda é mais amplo

Estado Pós-Social – Administração Infraestrutural, nova transformação do ato no quadro das


relações multilaterais com eficácia múltipla.
• “atos com eficácia em relação a terceiros” – mas os particulares deixam de ser
considerados terceiros e são sujeitos na relação jurídica multilateral, daí se dizer que o
ato tem eficácia múltipla.

É necessário encontrar conceito de ato administrativo capaz de compreender todas estas


realidades – conceito amplo que permita explicar todos os tipos de atos administrativos e tudo
o que se passa ao nível da realidade do ato administrativo.
➢ Conceito de ato administrativo deve ser suficientemente amplo para abarcar todos as
realidades de atos administrativos dos nossos dias: atos polícia, administração
prestadora e administração infraestrutural.

VPS: noção ampla e aberta do CPA é adequada para reproduzir o conceito de ato
administrativo nos dias de hoje – cabem os atos de definição de direito (que hoje são uma
minoria mas ainda existem atos de polícia) e todos os atos prestadores e infraestruturais.
Discussão doutrinária quanto ao artigo:
• Noção restritiva de ato regulador
• Noção ampla e aberta de ato administrativo

Elemento chave da noção é a produção de efeitos jurídicos.


• Legislador não obriga que os atos sejam de definição do direito.
• Dizem respeito a um indivíduo numa situação jurídica concreta/determinada.
• Expressão neutra e adequada que afasta traumas do passado.

Formulação do art. 148º CPA é adequada, mas há dois pontos em debate:


1. Expressão “decisão”
• DFA entendia que este termo implica a comparação do ato administrativo às decisões
judiciais, daí serem atos definidores de direito;
• VPS entende que esta expressão é amplo e neutro e não tem nenhuma dimensão
redutora e no quadro da teoria sociológica da decisão, entende-se que ela é atividade
comum a todas as realidades institucionais.

37
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

• DFA era adepto de noção ampla do ato administrativo, embora reduzido para efeitos
contenciosos numa aceção de apenas ato definitivo executório. Na edição mais recente
mudou de opinião, devido às mudanças no quadro da realidade administrativa
portuguesa.
• VPS: ato definitivo e executório é conceito absurdo que já não faz qualquer sentido
desde que a CRP afastou esse entendimento (revisão 1989), embora o sistema já estava
cheio de exceções e que já tinha afastado com a prática da justiça administrativa (o
contencioso estava aberto a outros atos que não eram definitivos, dizendo-se que isso
era uma exceção33;).
• Rogério Soares: não interessa se o ato é suscetível de execução coativa ou não, interessa
apenas se produz efeitos ou não.
o Mas o ato tem que ter algo de regulação, efeito de regulação em que há efeito
jurídico novo, que acrescenta algo de novo à ordem jurídica (tese da Escola de
Coimbra).
o VPS: não tem de haver nenhum efeito novo (efeito regulador) e basta que sejam
os efeitos já previstos na lei – artigo do CPA não fala em ato regulador.

2. Expressão “externos”
• DFA: novo CPA vem introduzir a referência à sua aptidão para produzir efeitos externos
– como já defendia Rogério Soares – atos administrativos produzem efeitos jurídicos no
setor do ordenamento jurídico geral, constituindo ou modificando relações
intersubjetivas, alterando as relações entre o ente público e o particular.
o Atos internos não são atos administrativos pois não assumem relevância no
ordenamento geral, aquele que tutela as relações entre figuras subjetivas
autónomas.
• VPS preferia noção do CPA anterior pois legislador resolveu colocar a tónica da questão
na parte do caráter externo da questão – dizendo que os atos internos não são atos
administrativos.
• Conceito a meio caminho entre a posição de Marcello Caetano/DFA e VPS.34
o VPS: Distinção não serve para nada e não mudou absolutamente nada na noção
de ato administrativo, pois a produção de efeitos jurídicos são forçosamente
externos, já que diz respeito a uma realidade que produz efeitos para fora –
produção de efeitos é algo que tem haver com a produção de efeitos na
realidade jurídica.
o Não faz sentido dizer que os atos internos têm regime privilegiado.

33
Dizia-se “o contencioso só está aberto aos atos que são o termo do procedimento”, mas, estava aberto
a todos os outros que, não sendo o termo, terminem uma parte especial do procedimento, ou seja, está
aberto a todos os outros menos aqueles que são o final do procedimento; e depois dizia-se “se o ato
excluiu alguém, apesar de este ser um ato inicial, ele já é definitivo para alguém e, portanto, é outra
exceção”; o sistema estava com tantas exceções que a regra já não existia
• Se se diz que “só são admissíveis contenciosamente os atos definitivos, com exceção de todos os
que não são definitivos”, que correspondem a uma realidade que é quase igual a todos os outros,
significa que esse não é um critério legal, portanto, não fazia sentido continuar a utilizar esse
critério, que, de resto, já tinha caído em desuso pela própria prática da justiça administrativa e
pelo próprio funcionamento do contencioso administrativo.
34
Efeitos práticos desta tese de Mário Aroso de Almeida diz que os projetos de urbanismo não são atos
administrativos – mas isto produz efeitos e podem ser levados a Tribunal (VPS)

38
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

o Distinção entre externos e internos é inútil porque o que interessa é se os


efeitos que se produzem dentro da Administração extrapolam dela e aparecem
no exterior (o que de facto acontece).
o Casesse: distinção completamente inútil pois todos os atos internos são atos
externos porque produzem efeitos jurídicos e têm efeitos em relação a outros.
▪ VPS preferia que não estivesse lá a palavra externa – mas estando, está
ligada aos efeitos e mesmo que eles se produzam no interior dizem
respeito a toda a ordem jurídica.
o VPS: não há vantagens entre esta teoria intermédia. Não há nenhuma alteração
com a reforma de 2015. Discorda da posição tradicional do ato definitivo
executório, discorda do conceito de ato regular, discorda do conceito de atos
com efeito externo.

VPS: não têm razão aqueles que dizem que a palavra “decisão” implica noção restrita de ato
administrativa nem têm razão aqueles que dizem que a palavra “externos” também reduz o
conceito de ato administrativo.
➢ Legislador adotou noção ampla e aberta, não se tendo que substituir à doutrina na
elaboração de conceitos e deve limitar-se a elencar as situações em que se podem
aplicar os conceitos.

DFA
Ato administrativo é o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder
administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada
para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela
Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
• Ato jurídico – conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos
• Ato unilateral – provém de um só autor, cuja declaração é perfeita (acabada, completa)
independentemente do concurso de vontades de outros órgãos ou sujeitos de direito.
o Por vezes um ato administrativo depende da aceitação de um particular
interessado, mas essa aceitação funciona apenas como uma condição de
eficácia do ato e não integra o conteúdo do próprio ato, nem é condição da sua
existência ou validade.
o Ampla participação dos particulares no procedimento não o torna um contrato
pois a decisão última do caso concreto cabe sempre à Administração, que
manifesta a sua vontade própria
• Ato praticado no exercício do poder administrativo – praticado no exercício de um
poder público, ao abrigo de normas de direito público e para o desempenho de uma
atividade administrativa de gestão pública
• Ato de um órgão administrativo – que têm a competência, definida na lei, investindo-
os com poderes de autoridade para praticarem o ato
• Ato decisório – só é ato administrativo a decisão final do caso visando produzir efeitos
jurídicos diretos no ordenamento, os atos preparatórios desenvolvem apenas uma
função auxiliar aos atos administrativos e são apenas atos instrumentais, atos jurídicos
menores não produtores de efeitos jurídicos diretos no ordenamento geral, embora
com autonomia funcional
• Ato que versa sobre uma situação individual e concreta – conteúdo individual e
concreto (não geral e abstrato como o regulamento)

39
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Natureza Jurídica do Ato Administrativo


• Negócio jurídico – não se pode aplicar ao direito público pois este não assenta na
autonomia da vontade e sim na construção de uma vontade normativa;
o Move-se no campo da licitude ao passo que o ato administrativo move-se no
campo da legalidade
• Aplicação do direito, funcionalmente entendido como sentença judicial – ato
administrativo desempenha função administrativa e a sentença desempenha função
jurisdicional;
• Natureza própria suis generis com caráter específico, enquanto ato unilateral de
autoridade pública ao serviço de um fim administrativo35

Validade do Ato
No Direito Administrativo há diferença importante entre regras de validade e regras de eficácia.
• Diferença em relação ao Direito Privado, onde é costume ligar a eficácia à validade.
o No quadro do Direito Administrativo não é isso que sucede, devido à natureza
da função administrativa.
o A existência da função administrativa obriga a dissociar a legalidade
(conformidade do ato administrativo com o ordenamento jurídico) da
produção dos efeitos jurídicos.

Validade – aptidão intrínseca do ato administrativo para produzir os efeitos jurídicos


correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a
ordem jurídica.
• A lei formula, em relação aos atos administrativos, um certo número de requisitos de
validade que a lei exige. Se não se verificarem esses requisitos o ato será inválido.
o Invalidade – inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de
uma ofensa à ordem jurídica.

Eficácia – efetiva produção de efeitos jurídicos pelo ato, a projeção na realidade da vida dos
efeitos jurídicos que integram o conteúdo de um ato administrativo.
• Para o ato ser eficaz tem de cumprir todos os requisitos de eficácia exigidos pela lei.
o Ineficácia – fenómeno da não-produção de efeitos jurídicos num dado
momento.

Requisitos de validade do ato administrativo


Exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos do ato administrativo para que
ele possa ser válido:
1. Sujeitos – autor (que tem de o praticar no âmbito das suas atribuições, por um órgão
com competência para tal e concretamente legitimado para esse exercício) e
destinatários
2. Forma (modo pelo qual se exterioriza a conduta voluntária em que o ato se traduz) e
Formalidades (trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correta
formação da decisão administrativa) – todas as formalidades prescritas por lei são
essenciais e se não for respeitado o procedimento administrativo há ilegalidade do ato;
art. 150º CPA exige forma escrita para todos os atos administrativos – pode ser forma

35
Nova posição de DFA

40
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

simples (aquelas em que a exteriorização da vontade de um órgão administrativo não


tem modelo especial exigido por lei – despachos) ou forma solene (o escrito tem de
obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido – decretos e portarias)
3. Conteúdo e objeto – tem de ser possível, determinado, idóneo e etc.
4. Fim – o fim prosseguido pelo órgão administrativo tem de coincidir com o fim legal (o
fim que a lei teve em vista ao conferir os poderes para a prática do ato – aquele interesse
público cuja realização o legislador pretende quando confere à Administração um
determinado poder de agir).
a. Só é relevante no caso de atos praticados no exercício de poderes discricionários
pois no domínio dos atos vinculados o fim não tem autonomia e não é relevante.

Requisitos de eficácia do ato administrativo


Exigências que a lei faz para que um ato administrativo, uma vez praticado, possa produzir os
seus efeitos jurídicos.
• Devido ao princípio da imediatividade dos efeitos jurídicos o ato produz efeitos desde o
momento da sua prática (art. 155º/1).
• Exceções no art. 156º e 157º.
• Exige sempre a notificação e/ou a publicação – art. 158º a 160º

Invalidade
Durante muito tempo considerava-se que a única fonte de invalidade era a ilegalidade – todo o
ato administrativo ilegal era inválido e todo o ato administrativo inválido o era por ser ilegal.
Hoje em dia há outras fontes de invalidade.
Outras fontes de invalidade: ato pode ser inválido, e portanto nulo ou anulável, por
razões que nada têm a ver com a sua ilegalidade (pode ser por motivos comuns ao
direito privado como o erro, dolo, coação, simulação e etc.)
➢ Nesse caso o ato é ilícito e há pelo menos quatro casos: ato administrativo
não viola a lei mas ofende um direito subjetivo ou interesse legítimo dum
particular; ato administrativo viola um contrato não administrativo; ato
administrativo ofende a ordem pública ou os bons costumes; ato
administrativo contém uma forma de usura.
➢ Também pode haver vícios da vontade se particular engana Administração
que age por dolo ou pratica ato sob coação. A vontade da Administração
deve ser sempre livre e esclarecida.

Ilegalidade do ato administrativo – quanto o ato é contrário à lei (entendida como todo o
bloco de ilegalidade).
• Pode assumir várias formas: vícios do ato administrativo (formas específicas que a
ilegalidade do ato administrativo pode revestir).

41
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Vícios do Ato Administrativo


Vícios de Origem Histórica36:
1. Usurpação de poder – ilegalidade orgânica – vício que consiste na prática por um órgão
administrativo de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder
moderador (presidencial) ou do poder judicial, excluído das atribuições do poder
executivo.
a. Administração invade a esfera de outro poder público
b. Vício por violação da separação de poderes. Art. 161º/2/b
2. Incompetência – ilegalidade orgânica – vício que consiste na prática, por um órgão
administrativo, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão
administrativo (não sai do âmbito do poder administrativo e invade apenas outra
autoridade administrativa e não outro poder do Estado)
a. Absoluta – quando um órgão administrativo pratica um ato fora das atribuições
da pessoa coletiva ou do ministério a que pertence
b. Relativa – quando um órgão administrativo pratica um ato que está fora da sua
competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma
pessoa coletiva
c. Pode haver incompetência em relação à matéria (poderes conferidos em
relação ao assunto), hierarquia (poderes conferidos em relação ao lugar
hierárquico), lugar (poderes conferidos em relação ao território) e tempo
(poderes conferidos para serem executados num certo período de tempo)
3. Vício de forma – ilegalidade formal – consiste na preterição de formalidades essenciais
(vício procedimental) ou na carência de forma legal (vício de forma em sentido estrito).
Tem 3 modalidades:
a. Preterição de formalidades anteriores à prática do ato – na fase do
procedimento
b. Preterição de formalidades relativas à prática do ato
c. Carência de forma legal
4. Violação de lei (stricto sensu, pois em sentido amplo todas são violações da lei)37 –
ilegalidade material – consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as
normas jurídicas que lhes são aplicáveis.
a. É a própria substância do ato administrativo que contraria a lei.
b. Surge muito no exercício de poderes vinculados
5. Desvio de poder – ilegalidade material – consiste no exercício de um poder discricionário
por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou
ao conferir tal poder. Pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (que
efetivamente é prosseguido pelo órgão administrativo) – apura-se fim legal, observa-se
o fim real e determina-se se há ou não discrepância
a. Desvio de poder para fins de interesse público – órgão administrativo visa
alcançar fim de interesse público diverso daquele a lei impõe

36
Classificação em vícios resulta da História, corresponde à evolução histórica francesa com alargamento
progressivo dos vícios.
37
De forma a que nenhuma ilegalidade fique excluída de fiscalização contenciosa pelo facto de a lei
estabelecer tipologia oficial de vícios, a violação de lei é vício residual, “vala comum” onde cabem todas
as ilegalidades insuscetíveis de reconduzir a qualquer um dos outros vícios.

42
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

b. Desvio de poder para fins de interesse privado – órgão administrativo não


prossegue um fim de interesse público e sim de interesse privado

VPS: lista ilógica que não esgota os vícios existentes e deixa muito a desejar, do ponto de vista
científico. É desnecessária pois em nenhuma lei desde os anos 80 se fala nestes vícios. O que a
ordem jurídica portuguesa exige é que haja um pedido e uma causa de pedir – particular não
tem de invocar os vícios nem se tem de utilizar esta lista.
• André Gonçalves Pereira: teoria dos vícios é absurda – lógica de fazer corresponder cada
um dos vícios a um aspeto do ato administrativo está viciada pois o mesmo aspeto do
ato pode dar origem a mais vícios (competência dá origem a 2 vícios); vício de forma é
chamado a desempenhar uma função que não é dele38, pois corresponde a duas
realidades do ato administrativo (procedimento e forma); aspeto material é dividido e
cria-se uma falsa distinção (violação de lei transformação em violação DA lei – não tem
qualificação e cabem todos os atos ilícitos).
• De fora ficam os vícios de vontade da Administração.
VPS: esta qualificação era incompleta pelo que se deveriam considerar outros vícios que não
estes. Só discorda de Gonçalves Pereira quando este queria autonomizar o vício de falta de
causa.

Hoje em dia nada obriga a que se utilize esta qualificação, mas continua a ser usada.
Identificar os vícios é a forma de identificar a causa de pedir.
VPS utiliza sempre a designação lógica, embora por vezes admita que se possa aludir
historicamente aos vícios.
➢ O importante é qualificar elemento material e isso não passa pela teoria dos vícios do
ato administrativo.

Eficácia no quadro do DA está desligada da legalidade e tem consequências no quadro da teoria


das invalidades do ato administrativo.
• Há situações em que há atos administrativos válidos mas ineficazes – são produzidos
pelas normas da ordem jurídica e cumprem requisitos de validade mas não os de eficácia
(ex: quando não é comunicado aos destinatários do ato, não é publicado e etc.)
• Também podem haver atos inválidos (não conforme com a lei) que produzem efeitos
até ao momento da anulação – eficácia retroativa da sentença ou declaração da
anulação (se não existir e o ato não for posto em causa, continuam vigorar). Há casos
de situações manifestamente ilegais mas que continuam a produzir efeitos se o ato não
for impugnado.
o Pelo princípio da proteção da confiança deve admitir-se que se produzam
efeitos de um ato inválido e por outro princípio de proteção dos particulares um
ato pode não ser eficaz, apesar de ser válido.

Qual a sanção que a ordem jurídica dá?


Critério segundo o qual a cada um dos vícios tanto pode ser a nulidade como a anulabilidade.
(dá para as duas qualificações embora o vício de incompetência absoluta tem sempre
nulidade)39

38
Pois não se autonomizava o procedimento.
39
Correspondência entre vícios e formas de invalidade
• Usurpação de poder = nulidade

43
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Um ato administrativo pode ser ilegal por se verificar apenas um dos vícios ou vários (eles são
cumulativos).

Basta uma realidade dicotómica? É preciso criar-se outras categorias?


VPS: lógica binária resolve todos os problemas do ordenamento jurídico português.
Não faz sentido haver a figura da inexistência40. Há situações de nulidades por natureza e
legislador não tem que declarar expressamente todas as causas da nulidade. Mudança no artigo
não afasta as nulidades por natureza, pois nº2 continua a ser construído a título meramente
exemplificativo.

Art. 161º CPA estabelece noção ampla e aberta de nulidade e no nº2 faz numeração
exemplificativa e não taxativa – seja qual for o vício, o que qualifica como nulidade ou
anulabilidade é a gravidade do ato em causa
Ver o elenco do artigo que correspondem aos vícios.

Não há regra quanto à nulidade ou anulabilidade, tem de se atender ao caso concreto.

Consequências da ilegalidade – sanções que a ordem jurídica determina para os atos


administrativos ilegais.
➢ Formas de invalidade – art. 161º-163º CPA

Nulidade
• Forma mais grave da invalidade
• Ineficaz desde o início – ato nulo não tem apetência para a produção de efeitos jurídicos
e se produzir efeitos jurídicos têm-se como não produzidos. Em casos excecionais eles podem
produzir alguns efeitos a título putativo, apesar dos efeitos não serem válidos, consideram-se como tal por exigências da
boa fé.
• Insanável pelo decurso do tempo (art. 162º/1) e nem por ratificação (art. 164º/1) –
invocável a todo o tempo.
• Podem ser reformados ou convertidos (art. 164º/4)
• Particulares e funcionários públicos têm direito a desobedecer a atos nulos. Particulares
têm direito de resistência passiva (art. 21º CRP)
• Pode ser conhecido, impugnado e declarado a todo tempo (art. 162º/2)
• Também pode ser conhecida por qualquer órgão administrativo (art. 134º/2)
• Natureza meramente declarativa da declaração de nulidade – tribunal não anula um ato
nulo, apenas declara a sua nulidade.

• Incompetência absoluta = nulidade


• Incompetência relativa = anulabilidade
• Vício de forma = nulidade nos casos previstos e anulabilidade nos restantes
• Violação de lei = anulabilidade excepto o do art. 161º/2
• Desvio de poder para fins de interesse público = anulabilidade
• Desvio de poder para fins de interesse privado = nulidade
40
DFA: A Inexistência continua a fazer sentido pois ela dá-se quando faltam elementos estruturais
constitutivos que permitem identificar um tipo legal de ato administrativo. E o ato nulo é viciação
particularmente grave de um elemento. Na inexistência faltam requisitos mínimos de identificabilidade.
Na prática os regimes assemelham-se.
Ver Irregularidade – ex: art. 48º/2

44
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Anulabilidade
• É juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado (art. 163º/2)
• Sanável pelo decurso do tempo (art. 164º/1) logo, se não for anulado dentro de um
certo prazo torna-se um ato inatacável.
o Mas se ninguém fizer o pedido do afastamento ou a Administração tomar a
iniciativa de os afastar, os atos continuam a produzir efeitos. Continuam a ser
ilegais e será sempre possível ir a tribunal para pedir a verificação da legalidade,
mas enquanto isso não acontecer eles vão produzir efeitos.
• Só pode ser impugnado num tribunal administrativo
• Tem efeitos retroativos e tudo se passa na ordem jurídica como se o ato nunca tivesse
sido praticado
• Regra geral – art. 163º/1; só é nulo pelo art. 161º/1, isto por razões de certeza e de
segurança da ordem jurídica pois com o tempo o ato fica sanado e isso faz com que
deixe de pairar uma dúvida sobre os atos da Administração.~
o VPS: é um disparate, não há convalidação, o particular pode continuar a pedir
ao Tribunal a restituição dos seus direitos porque o ato continua a ser ilegal –
passar o prazo significa que o particular não pode afastar o ato da ordem
jurídica, mas, ainda pode pedir sentença em tribunal para que os seus direitos
sejam acautelados à luz da ilegalidade desse ato.
▪ Essa ideia da convalidação vem de Marcello Caetano em que se
equiparava o caso julgado ao caso decidido.
▪ Prazo de impugnação é meramente adjetivo e o particular pode sempre
fazer valer os seus direitos.
▪ Ex: um ato inválido que não contava certo tempo de trabalho aos
funcionários é descoberto 40 anos depois quando se vai pedir a
reforma. Já não se pode pedir o afastamento desse ato da ordem
jurídica mas os particulares podem fazer valer os seus direitos e que
esse tempo conte para o pedido da reforma.
▪ CPTA: Ato já não pode ser impugnado porque passou o prazo mas o
particular pode levar o caso a juízo de forma a que se condene a
Administração (considera o ato ilegal para efeitos de condenação da
Administração)

Sanação de Atos Administrativos Ilegais


Transformação jurídica de um ato ilegal num ato inatacável contenciosamente.
Fundamento jurídico é a necessidade de certeza e segurança na ordem jurídica – vida jurídica
era impossível e atividade económica e social ficaria paralisada.

Opera por:
• Ato administrativo secundário (art. 164º)
• Pelo decurso do tempo – quando há prazo na lei para se puder impugnar
contenciosamente.

Revogação (art. 165º/1) e Anulação (art. 165º/2) Administrativa


O tratamento diferenciado destas duas situações não significa que o sistema não possa ser comum – há
regras que se aplicam a uma e que também se aplicam à outra.

45
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Atos administrativos de conteúdo negativo com efeito de fazer cessar os efeitos de um ato
anterior (afasta os efeitos jurídicos produzidos por um ato anterior).
➢ Não tem nenhuma dimensão de natureza positiva e é um ato que afasta um ato
administrativo.
➢ DFA: atos são de natureza negativa, ou destrutiva e através deles o órgão administrativo
extingue os efeitos de um ato anterior, por ilegalidade, inconveniência, ou a título de
sanção, e com isso destrói ou elimina da ordem jurídica uma determinada decisão.

Pode ser por razões de mérito – Administração descobriu uma melhor forma de realizar o
interesse público.
Pode ser por ilegalidade – Administração, vinculada ao princípio da legalidade, está a reparar a
ilegalidade de um ato que produziu.
Diferença quanto ao motivo determinante / finalidade quanto ao ato de conteúdo
negativo altera os efeitos do ato, se há eficácia retroativa ou não:
mérito – não; ilegalidade – sim

O autor do ato revogatório exerce uma competência dispositiva idêntica à que está na origem
do ato revogado, desenvolvendo, ao revogar, uma função de administração ativa.
➢ Fim do ato é a prossecução do interesse público atual, tornado possível com uma
reapreciação do caso concreto e fazendo cessar os efeitos jurídicos do ato anterior.
Implica juízo de mérito da Administração, fundamento é a inconveniência.

O autor da anulação administrativa exerce um poder de controlo, em vista da reposição da


legalidade, e não uma competência dispositiva material.
➢ Fim do ato é a reintegração da legalidade violada, através da supressão do ato que a
ofendeu. Implica juízo sobre a legalidade, fundamento é a invalidade do ato.

Revogação tem eficácia ex nunc e anulação tem eficácia retroativa ex tunc.

Espécies de revogação e anulação são aferidas à luz de dois critérios:


1. Critério da iniciativa – espontâneas (revogação oficiosa e anulação oficiosa) quando
praticadas pelo órgão competente independentemente de qualquer solicitação de
quem quer seja; provocadas quando motivadas por requerimento de um interessado
(via reclamação ou recurso administrativo – art. 169º/1)
2. Critério do autor – retratação (pelo autor do ato); ato praticado por outro órgão
administrativo

Os atos administrativos podem ser modificados – a modificabilidade é característica própria do


ato administrativo, em contraste com a imodificabilidade da sentença judicial transitada em
julgado.

Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativa


➢ Atos nulos – não tem aptidão a produzir quaisquer efeitos jurídicos
➢ Atos cujos efeitos já tenham sido destruídos – através de anulação contenciosa e etc.
➢ Atos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem todos produzidos ou esgotados

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Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Condicionalismos aplicáveis à revogação


➢ Art. 167º/1 – atos livremente revogáveis
➢ Art. 167º/1/a, c – atos de revogação proibida
➢ Art. 167º/1/b, 2 – atos de revogação condicionada (mediante verificarem-se
determinadas condições); tem que se harmonizar a necessidade de proteger a confiança
legítima que o administrado depositou em certo ato com a necessidade de adaptar a
regulação jurídica nele contida às reais exigências do interesse público.

Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa


Fundamento exclusivo da anulação administrativa é a invalidade do ato.
Está sujeita a prazos no art. 168º
VPS: o art. 168º volta a estabelecer limites em relação ao prazo e que não permitem a
flexibilização dos prazos. Administração ao anular está a repara ruma ilegalidade que
cometeu, portanto não se deve manter meramente devido a um prazo.

Efeitos jurídicos da revogação


Art. 171º/1
Revogação opera para o futuro mas o autor da revogação pode atribuir-lhe eficácia retroativa

Efeitos da anulação administrativa


Produz efeitos retroativos mas o autor da anulação pode atribuir-lhe mera eficácia para o futuro
- art. 171º/3
Anulação retroage os seus efeitos jurídicos ao momento da prática do ato anulado.

Competência para a Revogação e para a Anulação administrativa


➢ Art. 169º/2 e 3 - autor do ato
➢ Art. 169º/6 - pode haver anulação pelo órgão competente, mas não podem revogar
➢ Superior hierárquico em conformidade com o art. 197º/1
➢ Delegante - art. 194º

Posição do legislador foi ao encontro das critica de VPS ao CPA anterior e alargou o exercício da
competência para revogar e/ou anular.
Na revogação é preciso saber quem tem competência – quem praticou o ato, o superior
hierárquico, o delegante em relação aos atos do delegado e o órgão que tem tutela revogatória
gozam desses poderes.
Quem deve ser considerado o autor do ato?
• DFA: órgão que efetuou efetivamente o ato mesmo que seja incompetente, o titular da
competência não poderia revogar porque não o praticou
• Gomes de Andrade e Marcello Caetano: só o órgão competente é que poderia revogar.
• VPS: discorda de todos. Devem-se juntar as duas perspetivas e quer o autor do ato, quer
o órgão materialmente competente devem gozar da competência revogatória.
Solução que agora está no CPA (art. 169º/1 e 3)

Forma e formalidades da revogação e da anulação


Paralelismo das formas – tanto as formalidades como a forma do ato revogatório ou anulatório
apuram-se por referência às formalidades e à forma do ato revogado ou anulado. Os atos
administrativos desfazem-se pela mesma forma por que são feitos.

47
Sebenta Administrativo II – 2016/2017 DNB

Há o dever de anular dos atos, com fundamento no Estado de Direito democrático onde a
Administração Pública está subordinada aos princípios da constitucionalidade e da legalidade.

Ato administrativo pode ser suspenso por um de três modos distintos: por força da lei, por ato
administrativo e por decisão de um tribunal administrativo.

Outras disposições:
A. Retificação - ato administrativo secundário que visa emendar os erros de cálculo ou de
erros materiais contidos num ato administrativo primário anterior.
B. Ratificação - ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um ato
inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia.
C. Reforma - ato administrativo pelo qual se conserva de um ato anterior a parte não
afetada da ilegalidade.
D. Conversão - ato administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um ato
ilegal para com eles se compor um outro ato que seja legal.

Regras de execução – art. 175º e ss.


Legislador afastou a regra da executoriedade.
➢ Legislador de 2015 consagra a regra geral da execução de atos administrativos pela via
jurisdicional. A Administração só pode impor coercivamente nos casos expressamente
previstos na lei.
Legislador proíbe a execução das obrigações pecuniárias e isso deve ser feito pelo tribunal.

Reclamação e recursos administrativos


VPS: problema está em que o legislador admite que quer um quer outro têm que ser necessários.
Este regime, no que corresponde à necessidade, é inconstitucional e põe em causa o acesso à
justiça do art. 268º CRP; viola separação de poderes; viola princípio da descentralização.

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Regulamentos – art. 135º e ss. CPA


É forma de atuação da Administração.
• Distingue-se da lei devido a aspetos formais e orgânicos
• Distingue-se do ato por ser geral e abstrato
o Regulamento – ato de execução sucessiva e que se destina a vigorar para o
futuro
o Ato – temporalmente consegue-se fechar quem são os destinatários
• Distingue-se do contrato, que também é individual e concreto e resulta de encontro de
vontades.

Geral e abstrato
• Pluralidade de sujeitos definida de forma abstrata e que dizem respeito a uma série de
destinatários.
• Esses destinatários não são suscetíveis de serem determinados em concreto.
• Não há só uma situação da vida a que se aplica aquela situação e sim uma multiplicidade
de situações a que se podem aplicar.

VPS: geral OU abstrato


• Podem haver situações individuais mas abstratas, aplica-se a um só destinatário mas
tem um caráter abstrato. Ex: PR, aplica-se a todo e qualquer sujeito que esteja naquela
situação; Presidente da Câmara, a norma não é sobre o Chico Manel que está naquele
cargo, é para todo e qualquer sujeito que esteja.
• Pode haver generalidade mas sendo concreto. Ex: todas as lojas de Lisboa devem por na
montra um cravo no dia 25/4 – é geral, para todas, mas pode-se dizer em concreto que
lojas têm de o fazer.

Ambos correspondem a normas jurídicas daí que se deve dizer ato geral ou abstrato. Tem que
haver uma delas. Basta uma das características, portanto o regime do regulamento pode aplicar-
se a toda a realidade administrativa.

Discussão dos sinais de trânsitos – geral (conjunto de destinatários definidos


abstratamente), mas só aos destinatários das pessoas que se encontrem naquela única situação
de estar parada naquele sinal.
➢ Se estivesse lá o polícia sinaleiro é um ato administrativo.

O poder regulamentar é poder normativo e não encaixa na lógica tradicional da separação de


poderes.

Relação dos Regulamentos com a Lei:


• Regulamentos Complementares/de Execução – desenvolvem ou aprofundam uma
disciplina jurídica constante de uma lei. Completam a lei e viabilizam a sua aplicação ao
caso concreto.
o Podem ser: espontâneos ou devidos
• Regulamentos Independentes/Autónomos – elaborados pelos órgãos administrativos
no exercício da sua competência, para assegurar a realização das suas atribuições
específicas, sem cuidar de desenvolver ou completar nenhuma lei especial.

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o Não concretiza lei anterior mas necessita de fixar a competência objetiva e


subjetiva da sua emissão (competência do órgão e em determinada matéria –
art. 136º/3 CPA).
o Tem de se reconduzir a certa matéria de forma a saber quais os órgãos
competentes para aprovar o regulamento e se isso se reconduz aos seus fins
(atribuições)

Portaria – regulamento administrativo de um ou mais ministros em nome do Governo


Decreto regulamentar – mais solene do Conselho de Ministros e é forma necessária para
Governo aprovar regulamentos independentes.
Resolução Conselho Ministros – aprovado por todos os ministros e não só um
Despacho – aprovado por um ministro em nome do seu ministério.
➢ Ver art. 138º/3

Regulamento pode ter uma forma especial de invalidade (VPS) e tem um regime próprio suis
generis – art. 144º CPA.

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Contratos Públicos/Administrativos
Acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica
administrativa.

Conceção Tradicional: contratos administrativos são diferentes de contratos direito privado


Conceção Nova: não faz sentido a dicotomia entre contrato de direito público e direito privado
e o que se deveria criar era regime comum a toda a contratação.
➢ UE deixou de autonomizar essas categorias e decidiu criar regime dos contratos
públicos, estabelecendo uma realidade unitária.
➢ Em Portugal, legislador transpôs as diretivas e criou Código Contratos Públicos mas em
relação a uma espécie de contratos chamou-lhes “contratos administrativos” – mas
todos os contratos públicos são regulados pelo CCP e são da competência dos Tribunais
Administrativos.

Contratos Administrativos – todos os contratos que, à luz do direito administrativo, criem,


modifiquem ou extingam relações jurídico-administrativas.

Contratos Públicos – contratos celebrados pela Administração Pública, quer sejam regulados
pelo direito administrativo, quer pelo direito privado, que a lei submeta a um especial
procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do DUE.

Código dos Contratos Públicos


Contratos que despertam interesse da concorrência
Âmbito da contratação pública é delimitado por um conceito de matriz comunitária – critério de
qualquer contrato celebrado por uma entidade adjudicante (2 requisitos: influência dominante
da Administração pública; prossecução de atividade de serviço público e não de concorrência e
etc.)
• Art. 200º CPA – remete para o art. 1º/6 do código dos contratos públicos
• Art. 200º/3 – lei habilitante exigida pelo princípio da legalidade para a reserva de lei

Formas de atuação administrativa que não têm dimensão jurídica


Atuações que não são jurídicas – ex: limpa ruas, vigia existência de fogos, limpeza de praias e
vigilância, empresas públicas.
Todo um conjunto de atuações que correspondem ao exercício da função administrativa e são
realidades que não produzem efeitos jurídicos, mas não são juridicamente irrelevantes.
• Atuação administrativa não se esgota numa atuação jurídica e é preciso procedimentos
técnicos para se regular essas atividades.
• VPS: CPA só se preocupou com atuações jurídicas e não se interessou pelas atuações
materiais e a atuação extrajudicial da Administração. Elas têm vindo a ser realçadas com
a noção de que a atividade da Administração é Administrar e para tal não é preciso agir
juridicamente.

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