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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Índice
Identidade do Direito Internacional Público ............................................................................... 3
Noção DIP .................................................................................................................................. 3
Terminologia e Intitulações....................................................................................................... 5
Um Direito difícil de conhecer................................................................................................... 5
Disciplinas Afins ......................................................................................................................... 6
Disciplinas Aliadas ..................................................................................................................... 6
Ordens Normativas não jurídicas .............................................................................................. 7
Comparação DIP e Direito Interno ............................................................................................ 7
Não há UM DIP .......................................................................................................................... 8
Evolução Histórica DIP ................................................................................................................ 10
Longo período Gestação ......................................................................................................... 10
Período Clássico: Paz de Vestefália (1648-1815) ................................................................... 14
Período Moderno (1815-1945)............................................................................................... 17
Período Contemporâneo (1945 - dias de hoje) ..................................................................... 19
Juridicidade do DIP ..................................................................................................................... 24
Fundamentos Teóricos ........................................................................................................... 24
Correntes Doutrinárias quanto à origem do DIP................................................................. 24
Posição Marilu ..................................................................................................................... 25
Funções Sociais ....................................................................................................................... 26
Fontes do DIP .............................................................................................................................. 28
Art. 38º ETIJ ............................................................................................................................. 28
Fontes Tipificadas .................................................................................................................... 29
a) Convenção Internacional................................................................................................ 29
b) Costume Internacional ................................................................................................... 33
c) Princípios gerais de Direito ............................................................................................. 36
d) Jurisprudência e Doutrina .............................................................................................. 37
2. Equidade – ex aequo et bono......................................................................................... 38
Fontes não tipificadas ............................................................................................................. 39
Atos Unilaterais .................................................................................................................. 39
Soft Law............................................................................................................................... 43
Codificação e Desenvolvimento DIP........................................................................................ 43
Hierarquia de Fontes e de Normas ......................................................................................... 44
Direito dos Tratados ................................................................................................................... 46
Nascimento ............................................................................................................................. 46
Negociação, adoção e autenticação do texto (art. 9º e 10º, CVDT) ................................. 46
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Manifestação de Consentimento ....................................................................................... 47


Entrada em Vigor .................................................................................................................... 49
Depósito, Registo e Publicação .......................................................................................... 49
Vida do Tratado ....................................................................................................................... 50
Morte dos Tratados ................................................................................................................. 52
Nulidade dos Tratados........................................................................................................ 53
Cessação de vigência e suspensão da aplicação ................................................................ 54
Vinculação Portuguesa a Convenções Internacionais ................................................................... 56
Distinção Material entre Tratado e Acordo ............................................................................. 56
4 fases do procedimento de vinculação .................................................................................. 57
1. Negociação e ajuste ......................................................................................................... 57
2. Aprovação ........................................................................................................................ 57
3. Ratificação e Assinatura.................................................................................................... 59
4. Publicação ........................................................................................................................ 60
Procedimento interno de desvinculação ................................................................................. 60
Vinculação a convenções no quadro da UE ............................................................................. 60
Articulação DIP e Direito Interno .................................................................................................. 63
CRP e Eficácia Jurídica nas normas Internacionais e Eurocomunitárias......................................... 66
Art. 8º/1 – DIP Geral ou Comum ............................................................................................. 66
Art. 8º/2 – DIP Convencional ................................................................................................... 67
Ratificações Imperfeitas (art. 46º CVDT vs. art. 277º/2 CRP) ................................................ 68
Art. 8º/3 – DIP das OI ............................................................................................................... 68
Art. 8ª/4 – DUE ........................................................................................................................ 69
Sujeitos DIP ................................................................................................................................. 71
Estado ...................................................................................................................................... 71
Reconhecimento do Estado.................................................................................................. 72
Organizações Internacionais .................................................................................................... 74
Indivíduo .................................................................................................................................. 74
Organizações Internacionais......................................................................................................... 75
ONU ......................................................................................................................................... 76
Proteção Internacional dos Direitos Humanos ............................................................................. 79
ANEXOS: ....................................................................................................................................... 82
Aula Marilu .............................................................................................................................. 82
EUA c. Nicarágua ..................................................................................................................... 84

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Identidade do Direito Internacional Público


Noção DIP
Disciplina jurídica que corresponde à expressão de um ordenamento jurídico próprio –
objetivo de tutelar a comunidade internacional
 DIP é o conjunto de normas e princípios1 gerais definidos no quadro da ordem
jurídica global que visam regular a existência e o funcionamento da
comunidade internacional
Caracterização depende da abordagem metodológica. Ridruejo sistematiza em
3 ângulos:
 Análise técnico-jurídica – objeto de análise são as regras jurídicas
(codificadas ou princípios gerais) vinculativas pelo seu enunciado e
integradas no corpo jurídico complexo do ordenamento jurídico-
internacional
 Análise axiológica – resulta da relação necessária com o leque de
valores que enquadram a vida social no plano internacional; principais
valores como a paz e a dignidade da pessoa humana, cujas
representações orientam e enriquecem a análise estritamente jurídico-
formal
o Ius cogens – direito imperativo e insuscetível de derrogação,
orientado por critérios axiomáticos que se podem sobrepor à
autoridade dos Estados e à norma positiva
o Carta ONU – art. 1º/1 objetivo de manter a paz e a segurança;
guardiã do valor máximo da paz
o Direito Internacional dos Direitos do Homem – afirmação da
importância e autonomia, quer no plano regional quer no plano
universal (conceção humanista que privilegia a dimensão
universal e comum da dignidade da pessoa humana); visão
articulada e finalística das normas internacionais de proibir
comportamentos contrários à dignidade da pessoa humana
 Análise histórico-sociológica – necessária aproximação entre a norma e
a realidade, entre a norma e os factos que condicionam a sua aplicação
efetiva (a realidade pode atrapalhar a aplicação do mais perfeito dos
regimes jurídicos)
 As três perspetivas são complementares – Visscher sublinha a
componente valorativa e sociológica da norma jurídico-internacional
(correspondência do seu conteúdo com as necessidades sociais e a
exatidão da sua expressão formal com o respeito pela prática dos
Estados); e o papel da doutrina na demonstração do equilíbrio entre
direito e poder
o DIP reflete uma tensão permanente entre a norma e o poder –
a norma jusinternacionalista é aplicada num determinado
contexto social e político que condiciona o seu enunciado –

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Pluralidade de fontes

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não se pode reduzir à dimensão blindada de um sistema


normativo puro e tem que estar aberta uma dinâmica entre a
dimensão normativa e a dimensão social (Bos: atonia
metodológica em que é mais estreita a promiscuidade entre a
norma e o facto)

 Define-se como o estatuto jurídico da comunidade internacional2 – logo, os critérios


jurídicos que definem a norma internacional são:
1. Origem – criadas pelos processos próprios de produção jurídica da comunidade
internacional -> convenções; outros procedimentos de manifestação da
vontade jurídica por parte da agremiação internacional
2. Destinatários/Sujeitos – é em função dos destinatários que se traçam as linhas
da sua identidade reguladora; passou a disciplinar as relações no seio da
comunidade internacional que tem uma pluralidade de entidades
3. Função – enquadrar e disciplinar as matérias relacionadas com a existência da
comunidade internacional e o seu funcionamento enquanto realidade
institucional de exercício de poder; função social da norma de regular as
relações de natureza jurídico-pública no seio da comunidade internacional3

2
É um verdadeiro ordenamento jurídico que coexiste com outros – realidade de ordenamentos jurídicos
cada vez mais plural e com várias normas potencialmente aplicáveis à mesma situação e no mesmo espaço
– é uma pirâmide normativa de Kelsen independente

3
Comunidade Internacional ≠ Sociedade Internacional?
 Linguagem comum: não
 Linguagem jusinternacionalista: sim
o Diferença é na dicotomia sociológica (obra de Ferdinand Tönnies, finais do séc. XIX, em
que se abordam os agregados humanos) se, mutatis mutandi, entre os estados se
estabelece uma relação comunitária ou societária

Comunitária: aceita-se que abdiquem da liberdade em que uns podem exercer a


autoridade em nome dos interesses comuns – mais fácil de alcançar no plano regional
em que implica princípio ativo de confiança entre Estados. Permanecem unidos apesar
de tudo o que os separa. Supraestadualidade, autoridade, subordinação – integração
de soberania (1ª OI: CECA, 1951)
Societária: há relações de coordenação e não de subordinação. Permanecem separados
e livres apesar de tudo o que os une. Intergovernamentalidade – cooperação entre
Estados soberanos

Entre os Estados há os dois tipos de relação e a Carta da ONU tem ambos elementos
 Art. 2º, relações intergovernamentais em que na origem é societário
 Cap. 7, segurança coletiva em que há uma relação comunitária (pois os 15 do
conselho decidem pelos 193 e dentro desses 15, decidem 5 e desses 5, 1 pode
vetar)
Marilu: prefere a noção de comunidade internacional – os Estados aceitam abrir mão
de parte da sua soberania em nome do bem individual e coletivo – que leva à subsistência
do DIP
Mas ainda é de base intergovernamental com características mais societárias
que comunitárias.

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Terminologia e Intitulações
Bentham – 1780, “An introduction to the principles of moral and legislation” – International
Law regula as relações entre Estados (por contraste ao National ou Municipal Law)
 O termo público surgiu na edição Suíça (1802) e nos países francófonos e a eles mais
ligados (como Portugal) surgiu o termo Público – que traduz melhor a natureza e o
âmbito desta disciplina jurídica
Bentham preocupou-se que fosse suficientemente análogo à designação tradicional de Direito
das Gentes – que sobreviveu na Alemanha por ser mais abrangente na perspetiva de direito
comum às “gentes”, incluindo povos e pessoas e não apenas nações e Estados)
Outras propostas:
Jessup – 1956 – Direito Transnacional: transcende fronteiras e está acima dos Estados impondo-
se (Marilu: ideal comunitário que é mais exercício de vontade do que realidade)
Cassese – Direito Global: função de ius commune

Um Direito difícil de conhecer


Há uma dificuldade em identificar claramente a norma internacional devido a:
1. Pluralidade das Normas – e relação incerta entre as várias formas de revelação da
norma jurídica (convenções internacionais; costume; princípios gerais; atos unilaterais);
Gera incerteza sobre o sentido a dar ao quadro normativo aplicável e ambiguidade das
decisões na necessidade de fundamentar uma solução a partir de um conjunto
descosido e até conflituante de normas e princípios gerais. Ex: parecer do TIJ sobre a
legalidade da ameaça ou uso das armas nucleares (1996) – armas nucleares são
proibidas salvo nos casos em que são proibidas; refugiados – há convenções (Genebra,
1945), protocolos que vieram atualizar, na UE há direito de Dublin – duplicação de
normas mas também vazio com um desajuste e desuso
2. Dispersão das Normas – ausência de um decisor normativo de âmbito universal
havendo uma sobreposição e coexistência de vários tratados; a comunidade
internacional não tem um estatuto jurídico único ou codificado e a codificação tem um
longo caminho a percorrer (Carta ONU só parcialmente funciona como tal) e muita
codificação tem base costumeira resultante da prática diplomática dos séc. XVII e XVIII
3. Fragmentação do DIP – diferentes regimes específicos;
Entre o plano universal e regional – multiplicação das ordens jurídicas regionais com
base nos respetivos tratados institutivos e com autonomia em relação à autoridade
universal; há vários tribunais internacionais encontrando-se o DIP fragmentado com a
coexistência de diferentes fontes, vigência de normas gerais e normas específicas (qual
se aplica? A mais favorável)
4. Natureza/ Abordagem Metodológica – perspetiva estrita (dura lex sed lex) em que há
exercício de subsunção, embora o método exegético possa ser inadequado e
potencialmente perigoso se contribuir para cavar a distância entra a norma jurídica e as
condições efetivas da sua aplicação e garantia (rigidez pode resultar em violação)4; vs.

4
Cassese – admite a oposição entre a facilidade enganadora da interpretação literal e os riscos de uma
legalidade emergente e de contornos ainda incertos, cuja base tradicional e sólida foi o Estado soberano

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perspetiva flexibilizadora em que há preocupação de apurar quais os valores principais


da comunidade internacional

Disciplinas Afins
Direito Internacional Privado – regula relações jurídico-privadas resultantes de situações de
vida plurilocalizadas que põe em contacto várias ordens jurídicas potencialmente competentes
para regular o litígio.
 Distingue-se pela natureza privada
 Distingue-se por ter normas indiretas (técnica das normas sobre conflitos de lei) – sendo
que no Público são diretas
 Tem-se vindo a aproximar do público através da aprovação de convenções
internacionais que vinculam. Ex: Convenção de Haia (1954) sobre processo civil;
Haia e Luxemburgo (1980) sobre guarda de menores – sobretudo ocorre na UE
numa harmonização, Convenção Roma (1980) sobre a lei aplicável às obrigações
contratuais)
 Aplica-se às relações jurídico-privadas, ainda que envolvam Estados.

Direito da União Europeia – natureza atípica porque não é Direito Estadual nem (ainda é) Direito
Internacional – Conjunto de regras e princípios que regem a existência e o funcionamento da
UE; exprimindo ordem jurídica própria e autónoma.
 UE e Comunidade Internacional são distintas
 Na UE há objetivos de integração económica com recurso a instrumentos de integração
jurídica (como tribunais comunitários) – emancipação do DUE em relação aos modelos
tradicionais de criação e aplicação do DIP
 Internormatividade em que existe uma relação de influência recíproca –
“comunitarização” do sistema de proteção dos direitos do homem (desde o
Protocolo 11 e a partir de 1998 com o sistema da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem) poderá influenciar a jurisdicionalização e aperfeiçoamento
dos instrumentos de garantia dos direitos humanos no plano regional, e
porventura universal; fontes DUE é também o DIP através de convenções e
normas não pactícias, sendo uma questão controverdida a conciliação da
vinculação às resoluções do Conselho de Segurança e os standards europeus de
proteção direitos do homem (ex: terrorismo)

Disciplinas Aliadas
Cumplicidade científica em que influenciam o raciocínio técnico-jurídico relevante para a ciência
do DIP – aproxima-se da perspetiva flexibilizadora.
Ciência das Relações Internacionais/Teoria das Relações Internacionais – DIP congrega no
dever-ser das normas jurídicas enquanto a Teoria das Relações Internacionais lida com a
realidade internacional na sua expressão fáctica do que é e do que acontece.
 Partilham da mesma matéria-prima mas não são regras jurídicas e si, regras de atuação
previsível em função de uma realidade internacional – definem regras sobre as quais
assentam teorias, cenários e modelos de explicação

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 Muitas vezes socorrem-se do DIP para “inglês ver” e com efeito retórico em
situações de conflitos assimétricos entre Estados com expressão militar e/ou
económica desigual5 – avaliam-nos à luz de uma perspetiva que hegemoniza a
história dos factos e aceita a autoridade absoluta da força – perigo está em
convocar o DIP para apoiar e legitimar essas construções teóricas ou estratégias
de política externa (uso forçado e artificioso da argumentação jurídica, com o
intuito de legitimar uma decisão já tomada). Ex: invasão do Iraque (2003) que
apesar da recusa do Conselho de Segurança da ONU, invocando DIP, legitimou
a invasão; ataques à Síria e crimes de guerra da Rússia, que não assinou Estatuto
de Roma que a sujeitaria ao TPI, EUA acusam, mas também não são membros
 DIP como expressão de uma legalidade que se define pelas condicionantes
idiossincráticas da comunidade internacional, orientada pela pauta axiomática
que se ajusta em função dos valores primordiais da paz e da dignidade da pessoa
humana.
 Não é pelo dever-ser do DIP não ser respeitado que deixa de ter juridicidade

Proximidade com o Direito Constitucional, Administrativo e Judiciário.

Globalização das relações económicas desenvolveu o ius commune e cuja aplicação depende
dos instrumentos normativos próprios do Direito Internacional.

Ordens Normativas não jurídicas


Moral Internacional – TIJ excluiu a Moral do seu raciocínio jurídico, mas não descartou a
relevância dos princípios morais no contexto das relações entre Estados.
 Utiliza princípios postulados por Ulpiano para uma boa conduta moral nas relações
internacionais: honeste vivere (para lealdade, moderação e ajuda mútua), alterum non
laedere (não causar dano a ninguém sem demonizar ninguém), suum quique tribuere
(dar a cada um o que é seu num princípio de solidariedade)

Cortesia Internacional – Comitas Gentium – regras de trato social que ajudam e promovem as
relações entre os indivíduos no plano internacional; muitas vezes na condição específica de altos
dignitários do Estado e de outras entidades internacionais (protocolo por razões de tradição,
conveniência, respeito mútuo). Ex: receber Chefe de Estado no aeroporto com tapete vermelho;
mandar flores quando um Chefe de Estado morre.
 TIJ: Não têm natureza vinculativa de comando jurídico mas podem facilitar a resolução
de um litígio

Comparação DIP e Direito Interno


Não podemos comparar um gato a uma águia apesar de terem muitas semelhanças. Só podemos
“comparar o comparável” – Aristóteles

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DIP foi muito desenvolvido por pequenos Estados (escola Austríaca) que têm do seu lado o Direito e a
esperança que a norma se imponha; não contando com o poderio bélico

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A comparação tem que ser num sentido mais exigente de encontrar e interpretar analogias e
equivalências.
Céticos chegam a conclusões radicais que não existe por não ter legislador, polícia e juiz.

 Legislador – tem centros de decisão normativa mas não sob a forma estadual típica. Há
um multilateralismo à escala universal com importantes conferências (ex: Rio de
Janeiro, 1992, donde surgiu Protocolo de Quioto; Organização Mundial do Comércio,
1986-94, com vários acordos firmados).
No plano das organizações internacionais de âmbito regional a decisão normativa
compete a órgãos de composição restrita (ex: Comissão Europeia) ou de natureza
parlamentar (ex: Parlamento Europeu) – sob a forma de atos jurídicos unilaterais em
tudo equivalentes a atos legislativos dos Estados
 Polícia Internacional – poderes de controlo e de sanção no caso de violação da lei
internacional estão confiados pela Carta da ONU, no cap. VII, à ONU (nunca foram
utlizados e são insuficientes); acabam por ser os Estados que impõe a paz pelo uso ou
ameaça da força (ex: superpotências, NATO).
 Polícia ad-hoc, de funções interinas, cuja legitimidade e o fundamento jurídico
dos seus poderes se questiona. A sua atuação suscita, por outro lado, fundadas
preocupações sobre o efeito de desautorização e enfraquecimento da ONU.
 Juiz Internacional – desde o Tribunal Permanente de Justiça Internacional no quadro da
Sociedade das Nações em 1921, que se têm instituído instâncias jurídicas próprias;
desde tribunais de âmbito universal ou regional, de competência genérica ou
especializada – Tribunal Internacional de Justiça (1945), Tribunal Internacional do
Direito do Mar (1994), Tribunal Penal Internacional (2002) e etc.
 Fragilidade de terem caráter facultativo (jurisdição facultativa) dependendo de
uma aceitação dos Estados.
 Tem crescido a adesão ao modelo de tribunal de competência obrigatória – ex:
TEDH (1998) funcionando como tribunal permanente e de jurisdição obrigatória
Poderes têm aumentado na sequência do crescente abandono gradual do dogma da
soberania dos Estados – tendência mais recente é a da jurisdicionalização das relações
internacionais.

Não há UM DIP
Há várias áreas de incidência da lei internacional – tendo diferentes classificações e divisões de
forma a ordenar a pluralidade do DIP.
Como DIP exprime uma ordem jurídica própria e autónoma, tem as consequências de se dividir
em vários ramos do Direito – havendo fenómenos de internacionalização das matérias que
propicia a expansão do espetro material de aplicação do DIP

Pai do DIP, Hugo Grócio, em 1625 fundava a distinção entre Direito da Guerra (ius ad bellum) e
Direito da Paz (ius pacis).

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Em 1945, a guerra foi proibida pela Carta da ONU – DIP continua a regular o uso da força mas
não é apenas Direito dos Conflitos Armados porque a sua função de estatuto jurídico da
Comunidade Internacional alargou e diversificou o espaço de incidência normativa.

Configuração da sistematização em
Critério Geográfico – constata a existência de um Direito de aplicação Universal ou para-
universal e outro Direito de âmbito não universal (Regional)
Pode o Direito Regional derrogar o Direito Universal? Podem definir regimes
normativos diferentes e mesmo de alcance derrogatório, salvo se tais matérias forem
objeto de “normas imperativas de direito internacional geral” (ius cogens)
Critério relativo ao Objeto de Regulação – temos de distinguir o
1. DIP Institucional: regras e princípios que definem a estrutura da ordem jurídica
internacional e o funcionamento das organizações internacionais
2. DIP Material: desdobra-se num conjunto vasto de ramos e sub-ramos, ora resultantes
de necessidades específicas de regulação das relações internacionais ora refletindo a
projeção no plano internacional de ramos do Direito de génese estadual.

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Evolução Histórica DIP


Longo período Gestação
Há uma autonomização do DIP como direito de relação entre Estados europeus e soberanos a
partir do séc. XV – surge nesta altura com o aparecimento do Estado em sentido moderno.
 Centra-se no contexto europeu que é a realidade histórica que testemunha o nascimento
e desenvolvimento do DIP ao longo dos séculos – Matriz Europeia
o Tendências vanguardistas também são europeias: 1) no plano institucional com
as organizações internacionais de integração; 2) no plano substantivo de defesa
dos direitos humano
o Este eurocentrismo não é limitação para o alcance atual universalista

Manifestações Antigas
 3010 a. C. – primeiro tratado internacional entre Lagash (e o seu soberano Eannatum)
e Umma – acordo de paz entre cidades da Mesopotâmia rivais
 1279 a. C. – Tratado de Qadesh entre o Faraó Ramsés II do Egito e Hattusi III, Rei dos
Hiitas – símbolo antigo do espírito de paz selado através de tratados
o No mundo antigo os tratados traduziam uma política de alianças entre os cinco
grandes reinos ou impérios6 e versavam sobre a guerra, as condições de paz e
as regras de exercício do comércio
o Os tratados invocavam as divindades supremas que castigariam o
infrator/incumpridor – mais tarde, nos países de credo cristão assinava “em
nome da Santíssima e Indivisível Trindade” como ainda se pode ler na ata final
do Congresso de Viena de 1815.

 Outras culturas também desenvolveram instrumentos de natureza jurídica para definir


as relações dentro do império ou estabelecer fronteiras com os reinos vizinhos – China
em 221 a. C. e o Império do Centro; povos da América pré-colombiana; povos da
Polinésia; tribos da África negra; reinos no subcontinente Indiano

 Grécia Antiga – adotou os tratados e a arte da diplomacia (criando as primeiras


instituições de arbitragem internacional e a proxenia que estabelecia os direitos e
princípios dos estrangeiros através do contrato de hospitalidade pública7 entre cidades
gregas)
o Apologia do direito do mais forte – Tucídides (séc. V a. C.) – “direito aplica-se
aos iguais em poderio, enquanto que o forte faz o que quer e o fraco sofre o
que deve”
o Guerra – Platão defende uma humanização da guerra cruel travada entre
cidades gregas – a condução das hostilidades passou a obedecer a exigências de
humanidade, com regras de armistícios definidas por tratados
o Alianças/Confederações das Cidades-Estado – manifestação embrionária das
organizações internacionais – anfictionias eram criadas para gerir em comum
santuários religiosos8; simachias e epimachias eram associações federais
fundadas por tratado de aliança para assistência militar9

6
Babilónia, Egito, Reino Hiita na Ásia menor, Reino Mittanni na Mesopotâmia, Assíria
7
Antecessor do atual regime de proteção consular
8
Séc. VI a. C – 12 cidades-estados na anfictionia do santuário de Delfos
9
Liga de Delos, 476 a. C.

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 Roma – inspirada pela Grécia, regula a situação jurídica dos estrangeiros


o Ius fetiale: caráter religioso para o estrito cumprimento de regras cerimoniais
num colégio de sacerdotes (irmãos fetiais), que vão influenciar a distinção entre
guerra justa e injusta (incorporada no Direito Canónico medieval)
o Ius gentium: aplicado pelo pretor peregrino para estrangeiros nas suas relações
com os romanos (o ius civile era só para os cives de Roma). A partir do Édito de
Caracala (extensão da cidadania a todos os habitantes do império 212) o ius
gentium era uma versão menos formalista d ius civile, baseado nos usos
comerciais mediterrânicos e no princípio da boa fé.
 Era direito flexível e tinha pretensão de ser identificado com o Direito
Natural – Gaio: “Direito estabelecido pela razão natural entre todos os
homens” – natureza humana da razão impõe certos padrões de
comportamento necessariamente ligados à representação de valores
e princípios comuns, denominador comum nas relações
internacionais.
 Cícero: “Lei verdadeira é sem dúvida a reta razão, conforme à natureza,
em todos gravada, constante, sempiterna, que chama ao dever com
suas ordens e com suas proibições afasta o engano. Lei única,
sempiterna e imutável que abarcará todas as nações em todos os
tempos” – conceção jusnaturalista
o Controlo hegemónico de povos submetidos à pax romana10

 Queda do Império Romano (476) – invasões dos povos bárbaros em que só no séc. XI
estabilizaram os reinos cristãos, aprofundando-se as relações comerciais com o exterior,
verificadas as condições políticas e económicas para o estabelecimento de relações
internacionais.

 Idade Média – disputa entre o Papa e o Santo Império pelo poder supremo da Civitas
Christiana. Visão cristã do mundo de igual dignidade humana por serem todos “filhos
do mesmo Deus”
o Carlos Magno em 800 aceita o Império Romano do Ocidente
o Ceptro Imperial é alcançado por Otão I, em 962 formando o novo Império
Romano-Germânico, que desafia o poder do Papa no seio da Respublica
Christiana (era a cabeça da comunidade cristã e superior ao dos monarcas)
 Instabilidade devido à incerteza dos limites entre o poder espiritual e
temporal
 Até ao séc. XIV – Direito Canónico como direito comum – limita o poder
do monarca e há uma fragmentação do poder (disperso pelos senhores
feudais e depois as funções centralizaram-se no Estado)
 O Ius Commune11 (também com influências do Direito Romano) era
elemento fundamental de unidade funcional e na sua dimensão
internacional aplicava-se em dois regimes normativos
1. Lex Mercatoria: regulava as trocas comerciais no âmbito da Liga
Hanseática (associação de cidades germânicas e de Veneza e
Génova); decisões expeditas em tribunais formados por
mercadores, aplicando usos corporativos e a boa fé

10
Versão contemporânea e altamente contestada nos fundamentos e eficácia: pax americana
11
Não é ainda DIP pois é de fonte e ação unilateral do Papa

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2. Lex Rhodia Romana: lei marítima de fonte consuetudinária era


confirmada por códigos vigentes ao longo da bacia
mediterrânica12

 Tensões na comunidade de nações cristãs – profundas divergências sobre a fronteira


do poder espiritual e temporal levaram ao declínio e colapso da Respublica Christiana
coincidindo com a afirmação do Estado como soberano13. Colapso definitivo da ordem
dual e assimétrica verifica-se com o movimento da Reforma Protestante que dará
origem a uma nova ordem europeia negociada na Paz de Vestefália.

Evolução Histórica do DIP em dois planos paralelos: factos e doutrina14


Que coincidem e convergem em torno de questões concretas que são respondidas pelos
labores doutrinários de reputados jurisconsultos.

A. Impacto do movimento dos Descobrimentos marítimos – trouxeram novas questões a


que os juristas tinham que dar resposta – querela entre mare clausum vs. mare liberum
B. Fundamento e os limites da guerra, com a oposição delineada entre guerra justa e
guerra injusta
C. Fundamento do poder de reis e príncipes fora da alçada tutelar do Papado e do
Império

Pensadores na transição da Idade Média para a Idade Moderna


Surgem muitos pensadores com conceções jusnaturalistas que dispensam uma autoridade
supraestadual – pensam o DIP como direito inter-gentes (entre os povos)
Francisco Vitoria (1483-1546) – Universidade de Salamanca onde publicou sobre a relação entre
o Direito Interno e o Direito das Gentes; sobre o estatuto dos índios recentemente descobertos;
sobre o direito da guerta.

12
Bem como o Libre del Consolat de Mare, de Barcelona no séc. XIII até séc. XVI foi instrumento de
formação de um Direito marítimo europeu, quase comum.
13
Séc. XV em que há uma evolução de um período feudal para um período de poder institucionalizado –
institucionalização do poder com limitação e separação de poderes rompe com o paradigma feudal

Doutrina da institucionalização do Estado:


Jean Bodin (1530-1596) – Respublica deve deter e exercer a força soberana sendo isso o poder supremo
na ordem jurídica interna e independente e igual na ordem jurídica internacional; atributo absoluto do
poder mas obrigado a respeitar Direito natural e das Gentes
 Conceito de soberania com duplo alcance: plano interno (relação Estado e poderes
interestaduais em que a soberania é una e indivisível, perpétua e suprema) e plano externo
(estatuto de independência)
 Ilimitada apenas no direito positivo, estando limitada nas relações com outros Estados que
estavam sujeitos ao Direito Natural e das Gentes

Maquiavel (1469-1527) – objetivo maior de preservar o Estado contra as alianças e ataques dos inimigos
externos justificava certos meios, mesmo contrários à lei natural, devido à “razão de Estado” (que ganhou
afloramentos para as violações dos Estados e hoje em dia ainda tem aplicação restrira se as causas de um
Estado justificarem a cessação de vigência de um tratado – cláusula rebus sic stantibus

14
Devido ao desenvolvimento de estudos jusinternacionalistas e florescimento das universidades

12
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Comunidade internacional tinha por base, como a comunidade política interna, o Direito
Natural – orbis possuía caráter próprio à qual se aplicava um direito natural de sociedade
e de comunicação que regulava as relações recíprocas (Direito entre as gentes).
 Os valores comuns prevalecem sobre as comunidades políticas particulares,
sublinhando cariz universal desta entidade e do direito aplicável.
 Direito das gentes faz parte do Direito natural destacando-se a vontade humana para
criar direito positivo sob a forma de leis justas que convenham a todos

Francisco Suarez (1558-1617) – Universidade de Coimbra, discípulo de Vitória e em 1612 retoma


a expressão de ius gentium e assume a distinção entre direito natural (necessário e imutável) e
direito positivo das gentes (evolutivo e contigente)
 Resulta do juízo dos povos sobre o que deve ser o conteúdo do direito aplicável, se bem
que este não pode contrariar o direito natural

Alberto Gentil (1552-1608) – Universidade de Oxford, convertido ao protestantismo e numa


obra de 1598 usa a expressão do Direito Natural de inspiração divina
 Regime jusinternacionalista de defesa do estatuto de imunidade dos
embaixadores e do caráter público da guerra
 Natureza justa e injusta da guerra não altera os direitos dos beligerantes,
embora devendo ser conduzida com sentido de humanidade e especial atenção
com as populações civis

Frei Serafim de Freitas (1570-1633) – Universidade de Valladolid, em 1625 tem a obra Do Justo
Império Asiático dos Portugueses
 Defende a tese do mare clausum – como resposta direta ao opúsculo de Grócio15 –
embora defendendo que o mar é coisa comum16
 Defendeu os direitos privativos de navegação como prerrogativa dos Portugueses17 na
Índia, reconhecida por delegação pontifícia, baseada em títulos de ocupação, de
descoberta e de alianças com os poderes locais – pretensão portuguesa e ibérica do
domínio das terras descobertas18
 A opinião de Serafim de Freitas foi contrariada pelo equilíbrio de forças europeias e o
princípio da liberdade dos mares prevaleceu a partir de 1648 e tornou-se pedra angular
do Direito Internacional do Mar

Hugo Grócio/ Huig de Groot (1583-1645) – nascido em Delft na Holanda e evadiu-se para França
onde teve um papel determinante na secularização do fundamento jusnaturalista do DIP19
 Em 1625 publica De Iure Belli ac Pacis que passa a ser uma obra de alicerce teórico para
o tratamento sistemático e integrando várias questões do DIP moderno

15
Parecer jurídico encomendado pela Companhia Holandesa das Índias Orientais
16
Diferente de Selden que no livro Mare Clausum sustenta tese de direitos territoriais e exclusivos de
navegação mas na zona marítima fechada e patrimonial britânica.
17
Defendia o monopólio das rotas marítimas do Atlântico Sul e Índico
18
Como corolário do Tratado de Tordesilhas de 1494 e do princípio de partilha do Mundo, energicamente
contestado pelas demais potências marítimas e impossível de manter no contexto do séc. XVII
19
A perspetiva secular completou a construção do DIP sendo um homem de génio que aproximam uns
dos outros os elementos já existentes de uma ciência, insuflando-lhes o sopro da vida (Marcello Caetano)

13
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Jusnaturalista de base racional (em nome da própria razão humana) na esteira de Bodin
com o Estado Soberano como “aquele cujos atos são independentes de qualquer outro
poder superior e não podem ser anulados por vontade humana”
o As potências soberanas não se podem fechar sobre o seu próprio império da
vontade, porque necessariamente integram uma sociedade regida pelo
Direito
o E esse é o direito natural de raiz secular e modelado pela razão que “consiste
em certos princípios da razão reta que nos fazem reconhecer que uma ação é
moralmente honesta ou desonesta consoante a conveniência ou inconveniência
necessária que ela evidencia com uma natureza razoável e sociável”
 Base racional laica e sem fundamentação divina ia ao encontro do apoio
teórico duma necessidade do seu tempo de conciliar as facções
religiosas em confronto.
o Ideia poderosa de um Direito das gentes aplicável a todos os aspetos das
relações entre nações – passando o DIP a ter uma maturidade e autonomia,
afirmando o modelo europeu do Estado soberano (Jomi)
 Aprofunda doutrina de Suarez sobre a distinção entre direito natural e direito
voluntário
o Direito voluntário era resultante da vontade das nações sob a forma de acordo
com o princípio essencial pacta sunt servanda
 E apesar disso não podem contrariar direito natural – condicionando os
seus comportamentos e as respetivas escolhas políticas nas relações
dos Estados
 Fala do respeito do direito da guerra pois os Estados têm essa legitimidade porque não
existe autoridade superior que os possa substituir nessa decisão
o Retoma os conceitos de guerra justa e injusta – achando-a justa quando o
Estado procura reagir a uma injustiça e cabe ao direito natural determinar as
causas possíveis de legítima defesa dos direitos e de existência de identidade dos
próprios Estados
o Aos povos oprimidos assistia o direito de resistência contra os tiranos e o direito
à independência
o Na defesa do Direito da Guerra consagrou regras a respeitar enquadradas pelo
princípio fundamental de temperança e humanidade.

Período Clássico: Paz de Vestefália (1648-1815)20


Enfraquecimento do sistema internacional da Idade Média, baseado no poder dual do Papa e do
Imperador, havendo uma grande instabilidade e sucessivas guerras.
 Rivalidade França e Casa de Áustria (Carlos V); Inglaterra e Espanha
 Alianças improváveis (ex: 1531, Francisco I de França acordou com os príncipes
protestantes da Alemanha e em 1535 escolheu Solimão I como aliado contra Carlos V)
 Lutas religiosas entre católicos e protestantes

20
Periodificação Marilu com base em guerras – que provocam rasgão entre os Estados e ao fazer a paz
cosem o rasgão com novo tecido (mudança de paradigma)
Jomi tem outra periodificação e diz que DIP surge no séc. XV e o Clássico vai até 1945 começando
aí o Contemporâneo

14
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) – longa e intensamente devastadora teve origem
religiosa e política
o 1) Luta de influência entre França e Espanha (a partir de 1635)
o 2) Imperador Fernando II pretendia aniquilar os hereges protestantes e
restaurar a autoridade do Sacro Império Romano-germânico
 Foi oposto pelos Estados protestantes, Holanda e Suécia, e França (que
no campo católico não aceitava a pretensão da hegemonia germânica)
 Termina em 1648 com os Tratados de Osnabrück e de Munster – dois tratados
bilaterais21 que estabeleceram a Paz de Vestefália
o Derrotados: Fernando II e Príncipes alemães
o Vencedores: Rainha Cristina da Suécia e França com Luís XIV
o 5 anos de negociações de paz com um enquadramento pactício assente em
regras costumeiras

o Reconhecimento da independência dos Países baixos e Confederação Helvética


o Ultrapassa-se largamente a importância de um tratado de paz entre
beligerantes – linha primordial do DIP era a manutenção da paz

Surge um novo quadro geopolítico na Europa com o domínio da França.


Simboliza o fim da Respublica Christiana22 e coloca uma nova ordem europeia inter gentes
baseada na existência de Estados soberanos – reconhecimento da centralidade do Direito nas
relações internacionais.
 Novo quadro de relações entre os Estados europeus, instituindo-se uma nova ordem
europeia com princípios de articulação coerente no plano jurídico e político.
 Primeira configuração pactícia de corpus iuris gentium europeo

Assenta em vários princípios vestefalianos que presidem ao DIP clássico:


1. Respeito pelas fronteiras dos Estados
2. Autoridade legislativa, administrativa e judicial dos Estados baseada no critério da
jurisdição territorial e não da jurisdição pessoal
a. Princípio da Territorialidade
3. Igualdade soberana dos Estados
4. Tolerância religiosa23 e igualdade confessional
5. Não intervenção em assuntos internos ou domésticos de outros Estados, incluindo o
credo religioso dos seus súbditos
a. Princípio da Resolução Pacífica dos Conflitos

Munindo-se de vários instrumentos que se tornaram aspetos e meios normativos clássicos de


DIP24:

21
Tratato Bilateral entre duas partes (Alemanha com Fernando III e França com Luís XIV) pois há dois
grandes polos de interesses, mas, com muitos signatários (aliados + aderentes)
22
Passagem do modelo dual de obediência feudal para o modelo dos Estados soberanos
23
Liberdade religiosa como a liberdade de cada monarca escolher a religião do seu reino
24
Surge primeiro modelo jurídico do DIP europeu e que a doutrina qualifica como Carta Constitucional da
Europa

15
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

A. Pacta Sunt Servanda – observância dos tratados pelos Estados celebrantes que os
devem respeitar e cumprir
B. Negociação político-diplomática – como via de ultrapassar conflitos que ameaçavam a
paz
C. Direito da Guerra – uma guerra iniciada sem justa causa seria contrária ao Direito e os
Estados partes nos tratados de paz deviam zelar pela reposição da ordem (incluindo o
uso da força contra o Estado infrator)
 Não se proíbe a guerra mas acordou-se num sistema de regulação da guerra em
que só os Estados soberanos25 a ela podem recorrer para resolver conflitos com
outros Estados soberanos (ius ad bellum)
 Princípio do equilíbrio no plano político e geopolítico das relações externas dos
estados – objetivo de garantir uma relação equilibrada e negociada entre as
várias Potências.

Associado a dois aspetos que enformam a compreensão do DIP:


I. Desenvolvimento da doutrina jusinternacionalista no sentido de dotar DIP de um
fundamento próprio independente de fatores religiosos e morais ou de pura
identificação com o direito natural – fundamento voluntarista em que a prática dos
Estados surge como fonte do Direito das Gentes (Zouch, Bynkershoek, Moser)
 Pufendorf, Thomasius – continuam visão fiel ao jusnaturalismo racionalista e
abstrato
 Vattel – preserva conceção de Grócio baseada na síntese entre direito natural e
comportamento dos Estados
II. Paz perpétua como convicção humanista dos juristas, filósofos e políticos na eliminação
da guerra – planos utópicos e visionários26 incompatíveis com a realidade. Determinação
primordial na construção de DIP em torno da garantia duradoura e institucionalizada
da paz que vai influenciar a evolução da jusnormatividade internacional
 Sully, Saint-Pierre, Rousseau, Bentham
 Kant – princípio da paz não dependeria de pacto de federação entre os Estados
europeus (propõe “Federação de Estados livres” de acordo com a constituição
republicana, baseada na separação de poderes e na igualdade perante a lei) e
põe ênfase que a forma democrática do poder estadual é a garantia de paz entre
os povos (Estado de Direito, democracia política e respeito pelo DIP). Conceito
de Direito Cosmopolítico inscrito no contrato de livre e permanente associação
entre os Estados e no qual podemos a premonição sobre Direito Comunitário e
Direito Global

No período clássico surgem ainda acontecimentos origem de fatores de mudança no DIP:


1º. Criação dos EUA (1776) com o reconhecimento do direito à autodeterminação dos
povos e princípio das nacionalidades – implicações nacionalistas e secessionistas no séc. XIX
na Europa e na América do Sul e depois de 1950 com a criação de novos Estados com a
descolonização
2º. Revolução Francesa (1789) e proclamação dos direitos do homem sob uma perspetiva
universalista, enquadrada por valores fundamentais da liberdade, igualdade e

25
Titulares de suprema potestas
26
Inspirados por movimentos pacifistas que surgiram de base às comunidades europeias

16
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

fraternidade – defesa de um direito objetivo aplicável, no quadro duma solidariedade


internacional, a todos os povos livres.

Síntese:
 Sujeitos – Estados
 Matérias versadas – Armistícios
 Fontes predominantes – Costume; surgimento do Tratado Bilateral (na sua maioria, pois
havia uma lógica de isolacionismo como afirmação da soberania)

Período Moderno (1815-1945)


Acalma a Europa após vendaval Napoleónico.

Após a derrota definitiva de Napoleão Bonaparte, que prolongou por 25 anos, ciclos sucessivos
de guerras de conquista na Europa27, sela-se a paz nos Tratados de Paris e de Chaumont.
O Congresso de Viena (1814-1815) é epílogo em que se aprova a Ata28 Geral do Congresso de
Viena – tratado multilateral sob a forma de declaração subscrita pela Áustria, França, Grã-
Bretanha, Portugal, Prússia, Rússia, Suécia e Espanha (em 1817).
 Tratado multilateral passa a ser o instrumento privilegiado nas relações internacionais,
pois adequa-se melhor à regulação das questões de cooperação internacional no
contexto de uma comunidade internacional que alberga um número maior de Estados
e tem um leque mais alargado de interesses comuns – exigência básica da
institucionalização das relações internacionais.29
 Negociações pela via informal de contactos com os representantes das potências
(Portugal tinha lá Pedro de Sousa Holstein, António Saldanha da Gama e Joaquim Lobo
da Silveira)
 Anfitrião com autoridade negocial: Metternich; Mestria diplomática do representante
de França que coloca o país derrotado no grupo dos vencedores: Talleyrand

Aprofundamento da linguagem normativa das relações internacionais:


1. Política de Alianças com consultas periódicas – Santa Aliança (Grã-Bretanha, Áustria,
Prússia e Rússia + França a partir de 1818) daria lugar ao Concerto Europeu30 que foi um
mecanismo eficaz de prevenção de conflitos em larga escala na Europa; consulta
periódica para ajustar interesses (diplomacia preventiva multilateral)
 Estados europeus reuniam-se periodicamente para discutir problemas
transfronteiriços que a todos afetavam (lógica multilateral)
2. Reforço da negociação diplomática – com a celebração de tratados multilaterais sobre
o regime de navegação de rios internacionais (embrião das primeiras organizações
internacionais), abolição da escravatura e sucessiva extensão das matérias suscetíveis
de regulação internacional com um aumento exorbitante de tratados

27
Portugal: 1807-1808; 1809; 1810-1811
28
= Tratado = Pacto = Estatuto = Protocolo; Acordos de Vontades -> Convenção
29
O Estado já tem perceção que há problemas que não consegue resolver sozinho e tem que cooperar
entre Estados.
30
Primeira experiência informal de uma organização internacional e primeira tentativa de instalar
comunidades europeias com projetos federalistas e pan-europeus

17
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

3. Desenvolvimento da fonte convencional – impulsiona o movimento de codificação das


normas consuetudinárias e das normas aplicáveis às missões diplomáticas (1815);
aparecimento de organizações privadas de âmbito académico e não-governamental
cujo intuito é favorecer o progresso do Direito Internacional (1873, cria-se na Bélgica o
Institut de Droit Internacional e no mundo anglófono a International Law Association)
4. Estrutura interestadual – comunidade internacional composta por estados soberanos,
crescente em número de membros (15 Estados em 1815 para 44 em 1907); comunidade
muito heterógena
 Alargamento do DIP com a independência das colónias da América do Sul –
começa a haver uma maior heterogeneidade cultural com a afirmação destes
novos Estados (que tinham, no entanto, matriz europeia)
o Liszt propõe a distinção entre Estados Civilizados (Europeus ou de
matriz Europeia), Semicivilizados (China, Pérsia e outros ligados a
civilizados por tratados) e Estados não civilizados (Árabes, Africanos e
outros que não integravam a comunidade internacional e em relação os
civilizados tinham apenas obrigações de natureza moral)
o Preconceito cultural e visão eurocêntrica que ainda hoje está no art.
38º/1/c do Estatuto do TIJ

Celebração de tratados para acudir aos problemas concretos e reais contribuiu para alentar a
componente positivista – reforço da corrente filosófica do positivismo de Comte e da doutrina
jusinternacionalista de filiação positivista (Holtzendorf e Bluntschli).

Nas vésperas da I Guerra Mundial, o DIP correspondia ao sistema jurídico que regulava as
relações entre Estados civilizados numa comunidade internacional insuficientemente
institucionalizada que não incluía todos e porque não admitia autoridade superior aos Estados
cuja independência era sinónimo de soberania ilimitada.
I Guerra Mundial31 leva à queda e desmembramento dos grandes impérios centrais: Alemão,
Austro-Húngaro, Otomano, Russo.
 Derrota da Alemanha e perda de território + pagamento de avultadas indemnizações de
guerra aos países vencedores (vítimas de agressões da Alemanha e aliados)
 Conclui-se a paz no Tratado de Versalhes (28/6/1919)
o Tem vários anexos e um deles era a concretização dum objetivo do Plano dos
Catorze Pontos (presidente Woodrow Wilson ao congresso dos EUA em 1918) –
aprovação do Pacto da Sociedade das Nações32 (em vigor a 10/1/1920
 SDN já era Organização Internacional de âmbito universal e de atuação
política. Apesar de ter falhado, começou a metamorfose do DIP.
o EUA não participaram nessa Liga das Nações (pois o Senado não o ratificou) que
prometia oferecer garantias recíprocas de independência política e integridade
territorial dos grandes e pequenos Estados
o Primeira organização de segurança coletiva com vocação universal – criou a
Organização Internacional do Trabalho que ainda hoje existe como organização
especializada no sistema da ONU

31
“Guerra que acabou com a paz” – Margaret MacMillan
32
Outro anexo era o tratado que cria o Tribunal Permanente de Justiça -> Estatutos do Tribunal
Permanente de Justiça

18
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 OIT: Onde já há representação sindical – o indivíduo começa a ganhar


relevância

 Transição dum recorte interestadual que regula relações entre Estados e interesses
dos Estados para um DIP que alarga a sua esfera de proteção à pessoa humana, na sua
dimensão individual e na sua dimensão social e coletiva
 Criação Tribunal Permanente de Justiça Internacional em 1921, em Haia – percursor do
atual Tribunal Internacional de Justiça
o Esgrime conflitos entre os signatários do Pacto

No período entre guerras importa destacar:


A. Pacto Briand-Kellog (27/8/1929), Tratado de Renúncia à Guerra – anuncia futuro
regime da ONU da proibição da guerra e do uso da força como meio de resolução de
controvérsias – proibição do ius belli (retirando-a como uma das prerrogativas dos
Estados que além desta têm: ius tractum, ius legationes)
B. Sistema de mandatos internacionais – confiavam a um estado sob supervisão da SDN a
administração de territórios antes integrados como colónias nos impérios derrotados
da Alemanha e da Turquia (Iraque e Palestina ao UK; Síria e Líbano à França); conceção
da responsabilidade da comunidade internacional e reconhecimento do direito à
independência. Os deveres da potência mandatária, agindo em nome de todos e em
prol do bem-estar dos povos ainda incapazes de se governarem tinham a “missão
sagrada da civilização”.

Sociedade das Nações chegou a integrar 57 Estados (entre eles Portugal como membro
fundador) e teve função relevante na prevenção e solução de alguns conflitos mas, sendo uma
cooperação administrativa em que não há um papel político eficaz, não conseguiu impedir as
políticas belicistas e de agressão da Alemanha nos 6 longos anos da II Guerra Mundial em que
a barbárie ocupou o lugar do Direito.

Síntese:
 Sujeitos – Estados
 Matérias versadas – problemas transfronteiriços
 Fontes predominantes – Tratado Multilateral; codificação do costume (influência
positivismo jurídico.

Período Contemporâneo (1945 - dias de hoje)


Resposta dos homens e dos Estados às vicissitudes a que estiveram sujeitos – reação ao período
de não-Direito.

Entrada em vigor da Carta das Nações Unidas33 (24/10/1945) cria a organização internacional
como o projeto de uma nova ordem jurídica mundial com um sistema de segurança coletiva,
em que concretiza a proibição do ius belli (cap. VII sobre o Conselho de Segurança – órgão de
composição restrita e poderes inigualitários entre os membros) com poderes de autoridade

33
Tem também vários anexos sendo que um deles é a convenção que cria o Tribunal Internacional de
Justiça -> Estatutos do Tribunal Internacional de Justiça, que espelham mais DIP moderno do que
contemporâneo pois foram recuperados muitos preceitos do ETPJ

19
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

supraestadual em caso de violação da paz e segurança internacionais – reforço de poderes face


à SDN em que já não há só uma cooperação mas sim uma integração de soberania
 Tem uma dimensão ética da ação internacional tendo em conta o “respeito dos direitos
do homem e das liberdades fundamentais para todos” (art. 1º/3 CNU) – arquétipo
ontológico da condição humana que reconhece a dignidade inerente a todos os
membros da família humana
 Já não é apenas o direito de e entre Estados – é o Direito que protege os direitos das
pessoas, baseados em princípios gerais que dão testemunho dum sentimento jurídico
partilhado pela comunidade internacional ou decorrentes de convenções internacionais
livremente aceites pelos Estados

Surge uma estrutura institucionalizada como um “governo mundial” que tem uma atuação
política (já não apenas administrativa) num âmbito muito vasto.
 Não resistiu às dificuldades do antagonismo bloco de leste vs bloco ocidental – Guerra
Fria provocava uma cisão de natureza político-ideológica no seio da comunidade
internacional (refletida em momentos críticos de beligerância – ex: Guerra da Coreia,
Guerra do Vietname, crise dos mísseis de Cuba)
 Recuperou o equilíbrio e desanuviou voltando a um coexistência pacífica da política –
tendo em conta outras cisões como o Norte rico e desenvolvido e o Sul pobre e
dependente dos outros países (marca histórica da desigualdade inscrita na matriz
eurocêntrica das relações internacionais)34

Com a queda do Muro de Berlim (9/11/1989), cai também a lógica tendencialmente bipolar de
afiliação dos Estados e povos.
 O colapso da URSS e desagregação da Jugoslávia voltou a colocar na agenda
internacional a questão clássica das nacionalidades articulada com o principio da
autodeterminação dos povos
 Na geopolítica internacional os EUA surgem como potência hegemónica que prejudicou
o multilateralismo das relações internacionais e enfraqueceu o papel da ONU – embora
tenha triunfado com a Organização Mundial do Comércio desde 1995, sendo as
negociações do Uruguay Round as maiores e mais importantes na liberalização do
comércio mundial.

Surge uma definição do quadro jurídico fundamental da globalização na sua expressão de


economias em rede integrada, com os critérios de competitividade económica a tomarem o
lugar dos clássicos critérios de fronteira e de proteção das políticas estaduais –
macrocentralidade do mercado em detrimento da regulação exercida pelo Estado (questão
negativa, como se viu nas consequências da crise de 2008)
 Fator de maior erosão das soberanias não é o DIP como fonte de obrigações comuns mas
a dependência dos credores e dos mercados financeiros
o Solução é estratégia internacional de regulação definida por convenções
internacionais de forma a restaurar a soberania económica e política dos
Estados

34
Reação por parte da Conferência de Bandung (1955) surgindo Movimento dos Não-Alinhados (1961)
cujo objetivo fundamental era acabar com a ordem internacional da miséria através do Direito
Internacional do Desenvolvimento

20
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

o Através de instrumentos de auto-vinculação (convenções) ou hetero-vinculação


(princípios gerais de Direito) o DIP limita e condiciona a soberania dos Estados,
mas, com isso garante a soberania e a liberdade

Os primeiros tratados de DIP contemporâneo e que dão direitos aos indivíduos são os Pactos
de Direitos Económicos Sociais e Políticos celebrados pela ONU na década de 1960.
 Ainda não torna os indivíduos sujeitos de DIP e só em 2000 com o Tratado de Roma, que
aprova Estatuto do Tribunal Penal Internacional – elenca um conjunto de crimes em que
os indivíduos podem ser demandados como réus
 Entra em vigor em 2002 e o indivíduo já é passível de ser sujeito de DIP à luz do ETPI
o Tribunal com estrutura permanente e diferente dos tribunais ad-hoc que antes
se experimentou (em que depois de acontecer é que se instituía uma estrutura)

Na Europa, há uma maior proteção do indivíduo como sujeito de DIP – TEDH aplica Convenção
Europeia dos Direitos do Homem – órgãos no seio do Conselho da Europa.
Multilateralidade regional com 2 orientações face às linhas de institucionalização:
I. Federalista/Supraestadual – método comunitário ou de integração; desde 1951 com a
criação do CECA -> CEE -> UE
II. Unionista/Intergovernamental – método de cooperação internacional; desde 1949
com o Conselho da Europa em que o caráter vanguardista é só na proteção do indivíduo
(aprovam CEDH e criam TEDH).

Uma nova evolução?


Certos acontecimentos internacionais (Queda Muro Berlim, 11 de Setembro35, Internet em
1991) levam a questionar se já não chegámos a um “turning point” no DIP.
 Marilu: não – ruturas no DIP são raras e surgem associadas a soluções de reorganização
de poderes e de interesses na sequência de guerras prolongadas e de derrotas
fragorosas. Temos uma dinâmica de mudança e uma fase de transição no quadro
normativo internacional mas não é suficiente para considerarmos o fim de um ciclo.

Características do ciclo:
1. Institucionalizado e Multilateral – criação de um número cada vez maior de
organizações internacionais com papel decisivo, de tipo comunitário, com participação
e colaboração dos Estados (com caráter universal ou regional). Estados assumem
obrigação de prestar contas pelo exercício das suas competências perante órgãos de
controlo político, judicial ou administrativo. Criação de tribunais internacionais
competentes para exercer poderes.
2. Democrático – oposição ao pendor oligárquico do DIP clássico e moderno; temos um
direito de base multilateral e inclusivo tendo a sociedade civil global um papel
interventivo (através de ONG) mantendo abertos canais de negociação entre os Estados
e os restantes atores internacionais.
3. Expansivo – regulamentação internacional estende-se às mais variadas áreas de
relevância jurídica transnacional verificando-se um movimento de codificação.
4. Internormativo e Prevalecente – sem prejuízo da autonomia inerente a uma ordem
jurídica própria, DIP é parte integrante destas ordens jurídicas assegurando (por

35
Jonatas Machado define como término de um período e início de outro

21
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

mecanismos internacionais ou por critérios de subsidiariedade) a aplicação da regra


internacional e a sua primazia em caso de conflito com o Direito Interno
5. Humanista e Social – centralidade do princípio da Dignidade da pessoa Humana (na
Declaração Universal dos Direitos do Homem) que foi aprofundado por vastas
convenções internacionais que possibilitaram a criação de tribunais (TEDH) e órgãos de
controlo (Comité dos Direitos Humanos). Objetivo de paz é dependente de políticas
internacionais de desenvolvimento económico e social dos povos no contexto dum
modelo democrático de governo dos Estados; ligado ao reconhecimento do indivíduo
como titular de direitos e deveres de fonte internacional e que os exerce no quadro
internacional
6. Global – resposta às necessidades específicas de uma comunidade de Estados em
processo acelerado de partilha de interesses, de problemas e de riscos, profundamente
interdependente, cuja dimensão transnacional escapa às soluções clássicas do tratado
bilateral (ou mesmo do multilateral) e justifica o desenvolvimento de mecanismos
internacionais de cooperação administrativa, judiciária e policial de ação rápida e meios
sofisticados de atuação36.
7. Universal – ordenamento jurídico que tem por base o conjunto dos Estados (acima de
193 membros da ONU), que são o elemento estruturante, embora não único, da
comunidade internacional e a sua cooperação voluntária é fundamental para garantir o
respeito e aplicação das normas. Normas internacionais configuram-se normativamente
como tendo uma supralegalidade que, sob a forma de direito cogente (ius cogens) e
obrigações gerais (erga omnes), impõe a todos os Estados deveres em relação à
comunidade internacional tendo em conta valores comuns e internacionais (paz, DPH)
geradores de direitos e deveres de âmbito geral que refletem, em determinado
momento histórico, o consenso da comunidade internacional.
8. Assimétrico – fragilidade do ordenamento jurídico internacional tem por base fatores
extrajurídicos, com graus de diferenciação, regulação e efetividade à luz das matérias
ou do âmbito regional

Síntese:
 Sujeitos – Estados e Organizações Internacionais
 Matérias versadas – Direito Humanitário e afirmação do ius cogens (identificam-se pela
fundamentalidade material do seu conteúdo como 1) concretização do princípio da
DPH, sendo 2) princípios estruturantes em relação aos Estados): a Declaração Universal
dos Direitos do Homem surge como fonte mediata pois é ato jurídico que espelha a

36
Hoje em dia questiona-se se o princípio clássico da não ingerência nos assuntos internos dos Estados
ainda deve ser estritamente seguido. Mais do que um direito de soberania, há um dever de soberania que
se pode traduzir num dever de ingerência por razões humanitárias.
 Responsability to Protect – conceito importante do DIP contemporâneo que funciona como
exceção ao princípio da não ingerência
o Comunidade Internacional intervém para proteger os cidadãos dos Estados que estão
a violar os Direitos Humanos
o DIP contemporâneo vai além do previsto no cap. VII CNU e desenvolveu “targeted
sanctions” (alvos são pessoas e congelam-se bens e etc. para limitar os sujeitos) como
resposta para os conflitos armados que ainda surgem

22
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

vontade dos Estados (AGNU não produz atos normativos embora a aderência a esses
valores possa ser considerada como costume)37
 Fontes predominantes – Convenções (Tratado Multilateral): período contemporâneo
marcado por uma forte sistematização e codificação do costume – pela Comissão de
Direito Internacional (na ONU).

37
Não é tratado pois não houve vontade dos Estados se vincularem no seu exercício de ius tractum. É
apenas o ato produzido por membros de 1 órgão que por acaso representam Estados.

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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Juridicidade do DIP
O DIP existe mesmo?
Há autores que assumem que o DIP não existe;
Marilu discorda – existe porque tem de existir: alternativa seria um não-Direito, caos e violência.

Fundamentos Teóricos
A justificação existencial encontra-se no plano filosófico.
Não se deve confundir o fundamento teórico da juridicidade do DIP e o problema relativo às
suas características de obrigatoriedade e efetividade.
 Autores que negam o DIP, assumem que a existir é ius imperfectum (fundamento no
direito romano da falta de coercibilidade) – mito normativo que nos separa da
verdadeira natureza do DIP como um espaço de juridicidade.
i. Uma norma jurídica não perde sua natureza vinculativa, como fonte de direitos
e deveres, em virtude da sua violação e/ou insuficiência de mecanismos
institucionais de garantia da efetividade
ii. Coercibilidade é característica do sistema jurídico e não de cada norma ou
regime normativo que o compõe
iii. No direito Interno também há normas destituídas de sanção específica
iv. Deve-se relativizar o incumprimento das normas internacionais pois na
generalidade dos casos, as regras são respeitadas – a censura internacional
(mediática) associada à violação de normas funciona com caráter preventivo e
substitutivo da sanção coerciva (se bem que tem havido uma evolução no
sentido de instituir-se sanções contra os Estados agressores e contra indivíduos
e organizações não estaduais)

Correntes Doutrinárias quanto à origem do DIP


Nasce sobre o signo jusnaturalista de inspiração divina ou secular e com Vateel passa a que
corrente maioritária seja a do positivismo.
Ao longo do séc. XX a doutrina confronta-se com as questões de: qual o papel do Estado e da
sua vontade na formação do DIP?
Nascem teorias voluntaristas e não voluntaristas.

 Voluntarismo jurídico – as normas jurídicas são produtos da vontade humana e existem


por causa desta vontade e em função dela.
 Voluntarismo estatal – identifica essa vontade como a vontade do Estado, refletindo
Hobbes com a autoridade centralizada e necessária do Estado Absoluto ou Hegel (séc.
XIX) como a natureza do Estado sendo a de comunidade suprema e protetora
o Direito positivo – direito posto (e imposto) pela vontade única do Estado
 Anzilotti: dependendo da vontade do Estado, o Direito internacional
não teria autonomia relativamente ao Direito Interno e seria Direito
Estatal Externo

 Positivismo voluntarista e estatista entre o conteúdo e a forma escolhe a forma e tem


preocupações sistemáticas – tarefa principal é a de determinar as regras vigentes e a
avaliação sobre o conteúdo justo ou injusto é extra-jurídico pelo que não deveria intervir
com o caráter juridicamente vinculativo da norma e coerência do sistema

24
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Positivismo voluntarista e estatista postula a vinculação do Estado quando quer e se


quiser (contrariando a própria ideia de sociedade internacional e Direito das Gentes)
o Jellinek: teoria da autolimitação – na ordem internacional, o Estado não
reconhece autoridade superior mas a prerrogativa soberana da
autodeterminação implica a autolimitação; nas relações com outros Estados
aceita autovincular-se e aplica DIP correspondente ao próprio interesse.
o Triepel: teoria da vontade comum – parte da distinção entre vontade isolada
(direito interno) para a vontade comum, que se expressa em tratados ou através
do costume; apesar da ausência de autoridade superior aos Estados é possível
a conjugação de uma vontade comum, distinta e acima das vontades
particulares dos Estados (hipótese que não prejudica o facto do DIP não poder
ser indiferente aos princípios éticos e morais)

Qual a relação das normas internacionais com o mundo dos valores e com o conjunto das
condicionantes sociais, políticas e conómicas?
Teorias Não voluntaristas
 Teoria Normativista – Kelsen, Verdross e Kunz – proposta de modelo de compreensão
do Direito que é autorreferencial e sistematicamente autossuficiente. Assimila-se a
existência do Estado a um complexo ordenado de normas (ordenamento jurídico) pelo
que a função primordial do Estado é a unificação e aplicação do Direito, sendo que
Estado e Direito não se distinguem e a força vinculativa do Direito é a da ordenação
hierárquica das normas. Fundamento jurídico convencional é o princípio pacta sunt
servanda enquanto que o costume retira a sua obrigatoriedade de regra hipotética ou
pressuposta
 Teorias Substancialistas
o Fileira sociológica: rejeita a noção dogmática e explicativa da soberania e
interpreta DIP como expressão da relação de solidariedade que se estabelece
entre os membros da sociedade internacional e que são, na sua dimensão
sociológica e biológica, os indivíduos.
o Fileira jusnaturalista: identifica DIP com o direito natural (como a escolástica
divina de S. Tomás de Aquino e a origem racional para Grócio) e adapta a outras
fontes axiomáticas de relevância omnicompreensiva de base institucionalista
(Santi Romano, Hauriou), de base objetivista (Le Fur) ou de base humanista e
personalista.
 Reconduzem os fundamentos do DIP a um conjunto de valores
suprapositivos, pauta axiomática que justifica a sua autoridade e
orienta os seus conteúdos normativos – dominante na doutrina
jusinternaconalista (por cá: André Gonçalves Pereira, Fausto de
Quadros, JOMI, Jónatas Machado, Bacelar Gouveia)

Posição Marilu
Fundamento do DIP é social, contratual e racional
 DIP é consequência necessária da natureza social do Homem (ubi homo, ibi societas) e
das exigências normativas, no plano organizatório e substantivo, da sociedade humana
(ubi societas, ibi ius) – negar o seu fundamento era pressupor a aceitação da
comunidade internacional como expressão de mera correlação de forças entre atores
internacionais em risco permanente de desagregação (caos ou anarquia)

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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

o Oposição entre “estado natureza” e “estado sociedade” (Hobbes, Locke,


Rosseau) passando da desordem à ordem legitimada através do contrato38 que
fundamenta a existência do Estado e da autoridade social exercida e mantida
porque é o Direito.
 Organização social entre Estados e outros sujeitos internacionais, baseado em critérios
de segurança, previsibilidade e justiça, depende de um quadro jurídico coerente e
funcionalmente adequado.

Estados cumprem porque devem, não porque querem


 Obrigação existencial de fundamento ético e de natureza heterovinculativa como no
imperativo categórico de Kant – é o dever, racionalmente entendido, não mera vontade
conjuntural ou conveniência prática
 Só o Direito como linguagem normativa pode defender os Estados das pulsões
destrutivas e aventureiras de lideranças pouco lúcidas – que poderia retornar ao
unilateralismo e eventual ostracismo numa conduta antissocial.
 Não flutua ao sabor das políticas externas de cada Estado e da avaliação que é feita do
interesse imediato em desaplicar e violar a norma numa situação de litígio concreto.
 Obrigatoriedade do tratados resulta do princípio pacta sunt servanda e o conteúdo
resulta da negociação dilomática e da concertação de vontades que pode sofrer
limitações em virtude da eventual oposição com regras imperativas de direito geral (ius
cogens)

Conceção pós-moderna e neo-contratualista, base racional e humanista


 Fundamento DIP não se dissocia a questão da obrigatoriedade jurídica que resulta tanto
da necessidade de garantir existência da comunidade internacional no plano político-
institucional como da ambição da CNU de definir e concretizar um determinado
programa de ação de desenvolvimento da sociedade internacional
 Tendo sempre em conta os princípios gerais de direito, que vinculam e limitam a
vontade dos sujeitos internacionais, como o dever civilizacional e humanista de
obedecer a valores suprapositivos da garantia da paz e do respeito pela DPH
o Pode-se reconduzir ao valor agregador da dignidade individual e social da
pessoa humana – através de vetores interdependentes de realização das
condições objetivas de afirmação e exercício dos direitos humanos.
o Valores superiores da paz e da DPH, na sua conhecida função axiomática,
identificados ou não com a versão atual do Direito natural, não são intemporais,
abstratos e evanescentes na sua formulação – cabe ao intérprete o raciocínio
de descoberta de critérios impositivos dos valores superiores em função de
exigências concretas de operatividade social.

Funções Sociais
Sendo o estatuto jurídico da comunidade internacional, vincula os destinatários mediante vários
tipos de regras.

38
Contrato social da comunidade internacional faz abdicar da liberdade e soberania para as garantir.

26
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

a) Regras de tipo Societário: aplicáveis no quadro de relações de igualdade entre Estados


num cenário clássico de coexistência de soberanias e de tratados bilaterais ou
multilaterais destituídos de enquadramento institucional – função de cooperação na
base da criação de organizações internacionais e outras formas de agregação
institucionalizada que conferem um grau superior de eficácia à realização de interesses
comuns
b) Regras de tipo Comunitário: motivado pelos interesses comuns, não se expressa
diretamente a vontade soberana dos Estados e adquire uma função de integração de
interesses e de autoridade – as normas preveem sanções para os que desafiam a ordem
internacional e também contra indivíduos que praticam crimes internacionais.

Três dimensões – coexistência, cooperação, integração – presentes no DIP de forma


complementar e simultânea (caso da ONU)

27
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Fontes do DIP
Formas de criação e revelação de normas jurídicas.
 É um dos critérios de identificação de uma ordem jurídica autónoma – nos diversos
sistemas jurídicos há diferentes formas de se revelar normas (a diferença surge na
relação e relativa importância de cada fonte)

Conceitos distintos quanto à forma mas funcionalmente próximos e interdependentes no que


respeita à produção de efeitos jurídicos:
1. Fontes: procedimentos e modos de criação do DIP.
a. Formais – sistema jurídico reconhece a propriedade de criar Direito
b. Materiais – alheias ao reconhecimento mas que influenciam e modelam o
sentido da norma jurídica – contribuem para a erosão entre a criação e aplicação da norma
c. Gerais – normas e princípios revelados pelo costume ou princípios gerais
d. Convencional – normas reveladas por convenções de âmbito geral
i. Convenções para-universais
ii. Convenções regionais de âmbito específico
2. Obrigações: criadas e reveladas pelo sistema de fontes. Podem resultar de relações
bilaterais ou multilaterais.
a. Normas dispositivas – passíveis de substituição
b. Normas imperativas – protegem valores e interesses e não podem ser
derrogadas – obrigações erga omnes
3. Atos Jurídicos: aplicam as normas internacionais e a sua concreta expressão depende
da natureza da obrigação que vincula, ou não, o respetivo sujeito. Têm eficácia jurídica,
eventualmente normativa, que condiciona o impacto regulador da norma aplicada.
a. Exige a articulação entre o procedimento contratual de formação de vontade
das partes e o mecanismo unilateral de aprovação interna do acordo conforme
as Constituições dos Estados.
i. Relação de interdependência necessária entre fonte internacional e
fonte interna com relevância internacional

Art. 38º ETIJ


Referência para a inventariação, modos de identificação e criação de normas jurídicas
internacionais – projeta e fundamenta uma teoria geral das fontes de DIP.
Apenas vincula os membros da ONU mas é lido como disposição de alcance geral – âmbito para-
universal da ONU releva para que os Estados não membros podem estar abrangidos pelo
Estatuto no caso de autorização do Conselho de Segurança.

O art. 38º remonta ao texto do Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional e foi
escrito em 1920 (quadro da Sociedade das Nações)
 Muitas características de DIP moderno – visão Estado-cêntrica
 Não foi pensado como norma sobre normas – daí não ter o rigor técnico-jurídico que
lhe seria exigível sendo essa a função originária (que era a de ser roteiro para o juiz
aplicar normas e resolver litígios)

28
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Deve ser lido atualisticamente, desconsiderando anacronismos, desatualização e


incompletude de fontes.

Críticas:
A. Desatualização: faltam as fontes em sentido formal que são os Atos Jurídicos Unilaterais
das Organizações Internacionais com Caráter Normativo (ex: resoluções Conselho de
Segurança)
B. Falta de rigor conceptual: associação fontes formais (convenção e costume) e fontes
materiais (princípios gerais, jurisprudência e doutrina – alínea d) é apenas meio auxiliar
para aplicação imediata do Direito) + confunde “verdadeiras fontes” com “pretensas
fontes” –> ex aequo et bono, que é critério extra-jurídico, moral ou social (North Sea
Continental Shelf, TIJ, 1969)
C. Falta de rigor terminológico: anacronismo da alínea c) + alínea b) em que o costume
não é prova de nada

Marilu: Não se pode exigir mais do art. 38º do que este pode dar – é fruto de negociações e
compromissos, concluindo uma disposição de alcance geral, mas cuja relevância no respeitante
a uma teoria geral das fontes do DIP é mais indicativa que impositiva.
Irrelevância prática da classificação das fontes – pois ao intérprete é pedido que identifique a
norma positiva sobre a matéria em apreciação (de fonte convencional ou costumeira) e procure
a solução mais justa e integrada com as “tendências” (Tunísia c. Líbia, TIJ).

Fontes Tipificadas
Fontes Imediatas – fontes de normas; criam normas sendo atos gerais e abstratos
Fontes Mediatas – olham para as normas e observam a sua radiação normativa; vêm o seu
âmbito – doutrina e jurisprudência39

a) Convenção Internacional
Instrumento contratual típico do DIP.
Têm múltiplas designações em que muitas são equivalentes embora algumas sejam específicas
 Concordata – acordo Santa Sé e Estado
 Modus Vivendi – acordo temporário e provisório ou regime de alterações/adaptações
de tratado base (ex: protocolos adicionais à CEDH).
Convenção é o termo mais abrangente – embora é equivalente de Tratado

39
Nos sistemas de common law seria fonte imediata mas no DIP não

29
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Definição de Tratado, art. 2º/1/a, CVDT-I, 1969:


 “(…) designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo
Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou
mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular.”

o Acordo – pressupõe manifestação de vontades convergentes e coincidentes por


parte dos sujeitos de DIP (consensos ad idem)
o Acordo Internacional – regulado pelo DIP que determina o regime aplicável
(procedimento de celebração e modalidades de vigência e eficácia)40
o Concluído por Escrito – requisito de forma escrita, mas não se proíbe acordos
verbais, cujo eventual valor jurídico não é excluído (art. 3º/a CVDT) embora não
se aplique as regras da CVDT e não possam ser invocados perante órgãos da
ONU, incluindo o TIJ (art. 102º/2 CNU)41
o Entre Estados – à luz da CVDT-II, de 1986, deve ler-se entre Estados e
Organizações Internacionais ou só entre Organizações Internacionais
o Número de Instrumentos – corpo do tratado pode ser um ou vários acordos
conexos em que se pode designar o conteúdo do acordo entre as partes e o
instrumento que formalizou e aprovou o acordo. Pluralidade de instrumentos
não prejudica a unidade do acordo, principalmente no momento de o aplicar e
interpretar.42

Produção de Efeitos Jurídicos


Não consta da definição registada pela CVDT e a doutrina entende-a como integrando a noção
relevante de tratado, implicitamente acolhida na versão codificada “regido pelo Direito
Internacional”.
Eficácia jurídica pode ser a criação de direitos e obrigações ou a confirmação de situação jurídica
previgente (com o aspeto distintivo de envolver caráter obrigatório e não meramente político
ou exortatório)
 Raros instrumentos internacionais afastam de modo expresso a sua natureza jurídica
– Ata Final da Conferência de Helsínquia sobre a Segurança e Cooperação na Europa,
1975
 Carecem de efeito obrigatório os “gentlemen’s agreements” cuja natureza é extra-
jurídica e o seu significado limita-se às intenções políticas com eventual relevo no
processo formativo das regras jurídicas.
 Cimeiras de Chefes de Estado que resultam em compromissos, cuja relevância jurídica
é controvertida (ex: Declaração de Yalta, 1945)

Quanto aos efeitos, o TIJ analisa e valoriza as especificidades do caso concreto de acordo com
a natureza o ato, nos seus termos e condições em que ocorreu (Plataforma Continental do Mar
Egeu, Grécia c. Turquia, TIJ, 1978)

40
Existem instrumentos de base jurídica contratual que não são tratados, na medida em que a respetiva
base jurídica é o direito interno, ainda que aplicado num quadro de transnacionalidade.
41
Movimento codificador para se ultrapassar dúvidas
42
Na prática, há dúvidas sobre a natureza jurídica ou política de alguns dos elementos que compõe o
acordo e sobre a relevância consensual ou meramente unilateral de atos imputáveis aos Estados.

30
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Convenção tem a essência fundamental de ser um acordo vinculativo para as partes – princípio
pacta sunt servanda de origem consuetudinária e explicitado no art. 26º CVDT – é um contrato
no contexto internacional.
 Figuras Afins: diferentes na sua natureza e regime jurídico – questão importante na
determinação das regras aplicáveis (qual o órgão competente do Estado para aprovar e
etc.)
o Importância crescente destas figuras contratuais atípicas devido: 1) ao peso dos
interesses económicos globais na definição de relações externas
(mercantilização das relações internacionais); 2) direito aplicável
convencionado é preferencialmente de direito privado e jurisdição interna ou
arbitral privada (privatização das relações jurídicas internacionais); 3)
complexidade técnica que alterou as circunstâncias de negociação saindo dos
tradicionais canais diplomáticos e passando por funcionários e técnicos
mandatados para celebrar acordos de natureza administrativa
(administrativização do procedimento de vinculação internacional)
 Pode ocorrer entre Estados ou entre Estados e outras coletividades de direito público
internacional ou interno – decide-se expressamente aplicar o direito interno de um dos
Estados contraentes ou de um terceiro Estado.
o Outorgantes têm personalidade jurídica internacional mas agem como
contratantes privados excluindo o DIP
 Pode ocorrer entre Estados e pessoas de direito privado – pode ser contrato
internacional privado que remete para o DIPrivado ou um contrato privado
internacional que define como aplicável um direito interno; pode ser também um
tratado se remeter para o DIP que é o “ordenamento regulador em bloco do acordo”
o TPJI, 1929 – qualquer contrato que não é um contrato entre Estados na sua
qualidade de sujeitos DIP é regulado pelo Direito interno dum Estado.

Prática diplomática prefere os MOU (Memorandum of Understanding) – modelo informal de


acordo que remete para compromisso meramente político; facilita o entendimento entre partes
desavindas e, no plano interno, caberia na ação do Governo e evitava a intervenção dos
parlamentos nacionais (contorna-se o procedimento constitucional e de vinculação
internacional).
Varia em função do convénio em causa cujos elementos de análise, equacionados por esta
ordem e de modo subsidiário são:
1. Acordo entre entidades com capacidade jurídica para celebrar tratados (Estados e OI
dotados do “ius tractum”) numa projeção típica da personalidade jurídica internacional
é, em princípio, um tratado
2. Presunção de tratado não é afetada pelo objeto do acordo
3. A intenção das partes é relevante se excluir a qualificação de tratado e afastar o DIP

Caso do Memorando da Troika


Será verdadeiro ato contratual ou resultado da convergência de vários atos unilaterais?
Marilu: não aceita tese dos atos unilaterais devido às intensas negociações que precederam o
acordo e à forma como as partes assumem os respetivos direitos e obrigações, que exprimem
compromisso no cumprimento de metas.
 É verdadeiro ato contratual.

31
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

O seu fundamento é o DIP?


1. Convenção entre Estado Português com entidades públicas de DIP (FMI) e de DUE
(Conselho e Banco Central Europeu) com personalidade jurídica internacional
2. Objeto do acordo é ajuda financeira – matéria de relevância internacional
3. Não existe intenção das partes de excluir o DIP, aplicável no quadro dos financiamentos
contratualizados pelo FMI43
 Características sui generis que não prejudicam a qualificação como convenção
internacional em sentido próprio, se bem que a aprovação deveria ter seguido
os trâmites Constitucionais – presunção de convenção (in dúbio pro tractatus)

Características dos Tratados


Exercício ilimitado de classificações e desdobramento de modalidades dos critérios aplicados e
das especificidades que são consideradas para o efeito.

Classificação Material – incide sobre o conteúdo e a função jurídica da convenção


I. Tratados-lei: estabelece regras gerais para as partes; Tratado de Paris (instituiu CECA
em 1951) regula de maneira precisa as condições de funcionamento do mercado
siderúrgico e carbonífero.
Tratados-quadro: enquadramento geral que depois é regulado; Tratado de Roma (criou
CEE em 1957) limita-se a enunciar objetivos gerais e fixar as competências para os
realizar.
Trato-misto: TFUE
II. Tratados-gerais e Tratados-especiais: com base no art. 38º/1/a ETIJ, a ambiguidade da
noção não tem correspondência prática no regime normativo definido pela CVDT
III. Tratados-lei: estabelece regras gerais para as partes; Convenções relativas à proteção
dos Direitos Humanos, art. 60º/5 CVDT-I nega o caráter de sinalagma e diz que não
podem deixar de ser aplicadas por violação da outra parte
Tratados-quadro: conteúdo subjetivo e numa base sinalagmática; não se aplica a Direito
Humanitário devido às exigências de ius cogens

Classificação Formal – aspetos externos e formais da convenção internacional


I. Qualidade das Partes: desde a CVDT-II que se tende a aproximar e uniformizar o regime
jurídico às várias categorias, sem prejuízo de inevitáveis especificidades de cada uma –
entre Estados, entre Estados e OI, entre OI
II. Número das Partes:
a. Tratados Bilaterais – entre dois sujeitos; obrigações numa lógica de
reciprocidade
b. Tratados Multilaterais – vinculam mais que dois sujeitos, na modalidade de
plurilaterais universais ou tendencialmente universais; obrigações numa lógica
erga omnes porque relativas a interesses públicos internacionais comuns a
todas as partes do convénio44

43
Correia Baptista: “tratado entre um Estado e uma OI que corporiza um mútuo”
44
Regimes diferentes (dos bilaterais e dos multilaterais) quanto às reservas, derrogação e suspensão por
tratados escritos, invocação de causas de invalidade ou extinção dos tratados.

32
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

III. Em função do procedimento de conclusão: distinção nasceu da prática do Senado EUA


de subtrair a atividade presidencial em matéria de relações externas ao controlo
parlamentar.45
a. Tratados sob forma solene – pela AR
b. Acordos sob forma simplificada – pelo Governo

b) Costume Internacional
 Escola Voluntarista – Triepel, Anzilotti, Tunkin – norma só pode existir como
manifestação da vontade dos Estados: expressa num acordo e tácita se for costume.
o Fundamento do costume seria o acordo tácito – natureza próxima da
convenção e sem se poder impor a um Estado se da sua prática não se pudesse
deduzir a aceitação da regra em causa como jurídica.
 Teoria do Objetor Consistente – afastar-se-ia a aceitação dum Estado se
existisse da sua parte uma oposição expressa e reiterada a essa norma
o Rejeitada pela maioria da doutrina pois 1) a norma costumeira pode vincular
um Estado mesmo na ausência da sua participação ou aceitação, 2) formação
do costume quanto ao apuramento da convicção do Estado não depende da
manifestação de vontade dos órgãos competentes, 3) costume é de aplicação
direta e imediata a todos
 Escola Objetivista – Scelle, Vissgher (período entre Guerras) – costume é resposta a
necessidade social que nasce do tipo de relações existentes entre os membros da
comunidade internacional e que os leve a atuar entre si sob o império de certas regras
jurídicas de sedimentação social.
o Marilu: resposta cultural e construída – justificada por uma pauta de valores e
princípios de estruturação societária, absorvida pelo tecido social – a uma
necessidade identificada de regulação normativa
 Costume subordina a vontade dos Estados e demais sujeitos
internacionais

O conjunto de normas costumeiras representa uma espécie de base ou pano de fundo sobre a
qual se desenvolvem as relações internacionais – permite a formação de um regime jurídico,
geral e uniforme, que exprime o consenso historicamente assumido pela comunidade
internacional sobre o conteúdo dos direitos e deveres dos seus membros.
 Eficácia erga omnes sem procedimentos de receção ou aceitação pelos Estados
 Função primordial de criação de normas
 Necessita do elemento material/objetivo + elemento psicológico/subjetivo

Teoria dos Dois Elementos – apoiada pela jurisprudência internacional


Elemento objetivo – “prática geral”/usos – tem que haver uma uniformidade de ação e na falta
de atuação, só tal seria relevante no caso de resultar da “consciência de um dever de abstenção”
(contrário ao caso Lottus, TPJI, 1927)

45
Também no caso das OI há diferença: se é “sob os auspícios” da organização que promoveu e facilitou
o processo negocial, ou se é “no seio” da OI quando um dos seus órgãos elaborou projeto do tratado (art.
5º CVDT)

33
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Elemento subjetivo – “aceite como Direito”/convicção de juridicidade – reconhecimento de


obrigação jurídica (Plataforma Continental Mar do Norte, 1969, TIJ), sendo insuficiente as
práticas de cortesia cerimonial diplomáticas
Teoria confirmada em jurisprudência recente (Imunidades Jurisdicionais de Estado,
Alemanha c. Itália, 2012) em que a verificação sobre a convicção de obrigatoriedade recai
sobre factos ou indícios cuja reiteração constitui a prática geralmente seguida – mais
do que o número de repetições, exige-se a mesma conduta sempre que a situação se
coloque (comportamento uniforme).
Não obedece a um período de tempo mínimo ou máximo de repetição dos atos (há
um processo formativo que pode resultar de jurisprudência), mas, é incompatível com
um critério de formação instantânea do costume (não se pode confundir com a
positivação do costume, que tem por base a prática).
TIJ: provando-se a prática reiterada, presume-se a convicção de obrigatoriedade46
Prova-se averiguando comportamentos e elementos objetivos de ação ou
omissão desse Estado ao longo do tempo: fontes evidenciárias de costume47

Nem todos os Estados precisam de revelar um comportamento em sentido concordante – há


muitos Estados que não estão em condições de participar na formação da norma costumeira.
Ex: Suíça, Áustria ou Bolívia, como não têm costa marítima não participam na formação de
costume sobre direito marítimo.
O peso de cada Estado na balança internacional também conta, sendo que alguns deixam uma
marca mais profunda em função do seu peso e porque fazem mais vezes o trajeto (Visscher)
 Potências são decisivas na formação do costume e na sua garantia – resulta mais do tipo
de Estado que o adotou do que do número de Estados. Ex: em matérias de conflitos
armados o papel central é dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança
Teoria do Objetor Persistente – a objeção reiterada de um Estado pode não ser suficiente para
impedir a formação de costume, mas garante a sua não vinculação.48
 Impede a formação de norma de DIP geral ou permitirá que apareça sem vincular o
objetor persistente (Pescas – Reino Único c. Noruega, 1951, TIJ)
 Se se tratar de uma norma consuetudinária de proteção de valores comuns ligados ao
fundamento normativo da comunidade internacional (DPH, garantia da paz e etc.), a
objeção de um Estado pode não ser suficiente para travar o aparecimento da norma
geral e imperativa – caráter imperativo de obrigação erga omnes que resulta de ius
cogens.
o Se fosse possível, deixava-se ao arbítrio dos Estados o reduto mais importante
do DIP: proteção da DPH.
o JOMI afirma que ius cogens nunca pode ser modificado ou afetado por costume
pois ele impõe-se, e o costume postula a prática.
 Critério do objetor persistente só vigora antes da formação da norma – depois da
norma, a contestação confunde-se com a violação da norma (Nicarágua c. EUA, 1986, TIJ)

46
Presunção ilidível pelos próprios Estados: caso Haya de la Torre
47
Elementos objetivos de análise para a prova: prática diplomática, jurisprudência (internacional e
interna), doutrina, legislação nacional, convenções internacionais celebradas, recomendações e
declarações na AGNU, tomadas de posição e etc.
48
Com o desacordo de autores jusnaturalistas

34
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Por se positivar “prática geral”, não se exclui a existência de costumes regionais, locais e
bilaterais.
 Ex1: direito asilo nos países América Latina, TIJ reconheceu costume regional ou local
(Colômbia c. Perú, 1950, TIJ)
 Ex2: costume bilateral foi reconhecido no caso Portugal c. República da Índia (1960)
sobre o direito de passagem – único caso em que se reconheceu “explícito e categórico
costume formado pela prática de apenas 2 Estados e só eles vinculando”
o Alguma doutrina defende que tem uma natureza mais convencional de acordo
tácito e que no futuro se deve resolver criando obrigações jurídicas recíprocas
através de atos unilaterais.

Relação Costume e Convenção


Princípio da Equivalência Paritária – norma costumeira pode ser substituída por norma de
conteúdo diferente dada pela prática ou pela celebração de tratado internacional; pode deixar
de estar em vigor por desuso
 Se for norma de ius cogens, os Estados estão impedidos de aplicar normas
convencionais contrárias, feridas de nulidade (art. 53º CVDT-I) – só pode ser afastado
pelo processo consuetudinário de renovação de ius cogens
 Relação de vigência sujeita aos critérios gerais de sucessão de normas respeitando os
limites impostos por ius cogens.
o Proteção mínima não impede que, por tratado, se aprove um regime especial
que adapte o regime geral contido na norma consuetudinária. Ex: norma
costumeira proíbe Estados de estender a sua jurisdição a outros mas na UE,
através de tratado, há cooperação judiciária e policial em matéria civil e penal e
os Estados obrigam-se a reconhecer força executória às decisões proferidas
pelos Tribunais dos outros Estados (Convenção de Bruxelas, 1968).

Costume e mutações da Comunidade Internacional


Importância do Costume varia em função de fatores extrajurídicos como a maior ou menor
coesão política e cultural dos Estados.
 No séc. XIX e XX a comunidade internacional era suficiente homogénea para gerar o
consenso requerido pela formação consuetudinária das normas.
 Em 1945, com o objetivo mundialista da ONU surge uma fratura social em que os novos
Estados contestam o fundamento do costume tendendo a vê-lo como expressão de
regras antigas, anacrónicas e em cuja formação não participaram – crise do Costume
intensifica-se com a tendência da regionalização (reforçam a cooperação no plano
regional com base em interesses geoestratégicos, ideológicos ou económicos).
 Aprofundamento das estruturas de institucionalização das relações internacionais em
que se favorece a opção pelo tratado – preferência pela negociação multilateral como
espaço privilegiado de recomposição dos interesses divergentes, codificando normas
costumeiras (como aconteceu com CVDT)
o Costume tem a desvantagem da incerteza quanto à existência da norma (o que
potencia a violação) mas tem a vantagem de ter eficácia erga omnes.
 A Globalização renasce o Costume, havendo convergência de soluções previstas –
indício de “prática geral” potenciada pelo efeito de reconhecimento através das
declarações finais de cimeiras internacionais.
o Estados partilham o espaço de decisão com outros atores internacionais, não
seguindo método diplomático da negociação e sim um processo tecnocrático de

35
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

consensualização cujos resultados são exteriorizados por recomendações (e


outras modalidades de soft law).
o No campo dos direitos humanos tem havido a sedimentação do regime da
ingerência humanitária – Right/Responsability to Protect49
 Não surge costume em áreas repudiadas valorativamente pelo DIP (art.
53º CVDT, mutatis mutandis) – não há juridicidade nas armas químicas
da Síria, assassinato de ditadores e etc.

c) Princípios gerais de Direito


Anacronismo na expressão “nações civilizadas” – já contestada em 1920 nos ETPJI, mas,
identificava o conjunto de estados que reproduzia o modelo europeu e vestafaliano de Estado
soberano que integravam a comunidade internacional.
 Nos nossos tempos seriam os Estados democráticos ou liberais, identificados com o
respeito pelos direitos humanos e o programa internacional de segurança coletiva
o Rawls: Estados liberais (amantes da liberdade) vs. Estados não liberais
(autoritários – que mesmo assim não devem de ser excluídos dos fóruns
internacionais)
 Interpretação atualista e intrassistemática remeteria para o art.4º CNU (“amantes da
paz”)

Asseguram a autonomia e autossuficiência normativa dum ordenamento jurídico, cuja falta de


um poder legislativo concentrado, evidencia a função interpretativa e integrativa dos princípios
gerais de direito que acudem às necessidades específicas de regulação.
 No DIP não há inflação normativa (em que os princípios disciplinariam e
uniformizariam), portanto, a inexistência de normas (que surgem de forma
descentralizada) exige intervenção vital dos princípios.
 Enquadram a comunidade internacional e têm importância na interpretação das
normas e sua hierarquização

Prática dos Estados e jurisprudência invocam, amiúde, os princípios gerais reconhecidos pelo
DIP – 1970, Resolução 2625 da AGNU, Declaração de princípios de DIP que devem reger as
relações de amizade e de cooperação entre os Estados em conformidade com a Carta.

Princípios Aplicáveis: generalidade pressupõe que sejam comuns, sem exigir a universalidade.
Conclusão favorável ao caráter geral depende das circunstâncias do caso concreto e da
apreciação do tribunal internacional sobre o elemento relevante de conexão ou de analogia com
o direito interno.
TJUE considera como princípios gerais os comuns à generalidade dos Estados-membros
e outros que, não sendo comuns, se afiguram mais adequados a dirimir o litígio em torno
da aplicação das normas eurocomunitárias, sendo compatíveis com o “quadro e
estrutura dos objetivos da Comunidade” (Acórdão TJ, 1970) – adequação funcional.

Princípios Transponíveis: Estados reconhecem, aplicam e amadurecem in foro domestico e são


aplicáveis ao DIP num fenómeno de transposição ou de internacionalização
Caso Barcelona Traction, TIJ, 1970 – aplica as regras internas após transposição
internacional que depende do fator de analogia ou de conexão ao direito interno.

49
Que desconstrói o princípio da não ingerência vestefaliano

36
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Ex: OI cujo funcionamento e organização está próximo do modelo estadual de


orgânica e procedimento da decisão pública; como a implicação de poderes
nascido nos EUA e absorvido pela generalidade dos Estados (Parecer TIJ, 1949,
Prejuízos sofridos ao serviço da ONU)
Nos domínios novos tendem a prevalecer as soluções inspiradas pelos direitos internos
através dos princípios gerais de Direito (seja do de direito público ou privado).
Pode rejeitar um princípio, também, por considerar que não tem as
“características únicas do procedimento penal internacional” (caso Blaskic, TPI,
1997)
Longa lista de decisões do TIJ e de outros tribunais que invocam os princípios gerais de
Direito como elemento fundamental da identificação do regime normativo aplicável ao
caso concreto.

Importante função de suporte normativo dificilmente chegará para lhes reconhecer um


estatuto de fonte autónoma – contexto de codificação e de exigências de regulação
internacional acabam por encontrar o selo da autonomia sob a forma de norma costumeira ou
norma convencional.

d) Jurisprudência e Doutrina
Considerados meios auxiliares pois não criam novas normas e cabe-lhes propor uma abordagem
das normas.

Jurisprudência – sentenças e decisões judiciais têm valor obrigatório inter partes (art. 59º ETIJ
+ art. 94º CNU).
 Princípio do precedente jurisprudencial – não é reconhecido no DIP e a jurisprudência
configura-se um precedente atípico, passível de invocação mas apenas como
manifestação de determinada interpretação de norma convencional ou
reconhecimento de princípio jurídico geral (TIJ cita frequentemente sentenças e
pareceres proferidos no sentido de jurisprudência constante – aplicada e uniforme)
o Sem prejuízo do efeito relativo ao caso, afeta a situação jurídica de outros
Estados.
 Áreas recentes – lugar decisivo, substituindo em certa medida a falta de acordo entre
os Estados para avançar com novos instrumentos normativos. Ex: Órgão de Resolução
de Litígios no seio da OMC; jurisprudência europeia na proteção de direitos
fundamentais em que o papel do juiz pode ter um alcance inovador (quase equivalente
à função normativa) na determinação e interpretação da norma.
 Abrange também a jurisprudência dos tribunais nacionais – atendível na prática
estadual a considerar para a formação de norma costumeira.

Criou-se tribunais internacionais de âmbito parauniversal e de âmbito regional – amplificou-se


o âmbito da justiça internacional, o que potenciou a expressão e o significado da jurisprudência
na determinação do DIP à luz de uma perspetiva progressista e integradora, num movimento
de judicialização da ordem jurídica internacional.

Além da jurisdição dos processos contenciosos, o TIJ também tem a função de dar pareceres
consultivos – art. 65º ETIJ + art. 96º CNU.

37
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Doutrina – no final do séc. XIX eram frequentes as remissões para as obras dos juspublicistas
clássicos do séc. XVII e XVIII; nos dias de hoje o desenvolvimento jurisprudencial do DIP limitou
a necessidade e conveniência de procurar amparo na doutrina consagrada e reverenciada50.
 Função apreciável no respeitante à interpretação e determinação de estratégias de
prevalência da norma internacional:
o Declarações de voto dos juízes publicadas junto das decisões judiciais
o Trabalhos Comissão Desenvolvimento de Direito Internacional: órgão auxiliar da
AGNU com tarefa de estudo, codificação e preparação de projetos de
convenções
o Trabalhos Institut de Droit International + International Law Association +
Instituto Hispano-Luso-Americano de Derecho Internacional: associações
criadas para estudo e divulgação do DIP, desenvolvendo o DIP e cujas
considerações são ponderadas no iter argumentativo das instâncias judiciais
internacionais
o Conclusões fundamentadas dos advogados-gerais no TJUE: intervêm no
processo como jurisconsultos e o seu contributo doutrinário também se
estende ao DIP. Ex: Conclusões Advogado-Geral Yves Bot, 2013

2. Equidade – ex aequo et bono


Equidade – ideia concretizada de justiça; função de dar a solução pela justiça do caso concreto
(Aristóteles).
 Não cria Direito e não é fonte
 Artigo nem refere esta equidade

Princípio ex aequo et bono – as partes escolhem que o juiz não julgue pela regra escrita e sim
pelo critério do que é igual e bom, critérios pessoais de avaliação e eventualmente
extrajurídicos para se determinar a solução mais justa.
 Nunca foi celebrado um acordo destes no TIJ (nem no antecedente TPJI)51 – Correia
Baptista: óbito por desuso da norma; Marilu: a mera ausência de prática não é
suficiente para ditar a extinção da norma convencional cujo fundamento é vontade
pactícia dos Estados.
 ≠ Princípios Equitativos: critério geral de aplicação do Direito para uma solução justa e
equilibrada, segundo o “prudente arbítrio” do juiz orientado por critérios de
razoabilidade, temperança e boa fé, num terreno impreciso de “margem de apreciação
livre”. Caso Plataforma Continental do Norte, sobre delimitação marítima, juiz recorre à
ideia de equidade para amparar a flexibilidade dos critérios objetivos – equidade infra
legem – não é a equidade como representação da justiça abstrata, mas a aplicação da
regra jurídica que postula o recurso aos princípios equitativos
o Equidade, sob a forma de princípios equitativos, é vinculativa no DIP como
princípio geral de Direito (Plataforma Continental Tunísia c. Líbia, 1982, TIJ)

50
Muito raro de acontecer – em 139 decisões até 2012, TIJ mencionou doutrina em 22 delas que eram
essencialmente remissivas para o CDI, Institu de Droit International e International Law Association. É
frequente nas opiniões individuais dos juízes.
Ex: El Salvador c. Honduras, 1992, TIJ; referiu a obra de Vallejo, Oppenheim, Gidel
51
Embora a equidade seja frequente nos “contratos internacionais” entre Estados e empresas
estrangeiras sendo os poderes de eventuais tribunais arbitrais

38
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

o É referida de modo expresso nos trabalhos internacionais de codificação e em


convenções sobre várias matérias (Ex: art. 44º/3/c CVDT-I).
o Relevante em domínios como Direito Internacional do Desenvolvimento com o
método da negociação permanente e aberta que facilita a construção de um
regime normativo equilibrado e evolutivo.

Fontes não tipificadas


Atos Unilaterais
Declarações de vontade do sujeito jurídico internacional do qual emanam que, por referência a
princípios e regras de DIP, produzem efeitos jurídicos de âmbito geral e de modo autónomo.
Elementos:
i. Sujeitos jurídicos – entidades dotadas de personalidade jurídica internacional (Estados
e OI52)
ii. Caráter unilateral – adotado por um só sujeito de DIP e apenas a este pode ser
imputado. Ex: declaração de Chefe de Estado numa cimeira
iii. Efeitos jurídicos – vinculativos para os autores e, eventualmente, para terceiros,
dependendo neste caso do seu caráter normativo, de conteúdo geral e abstrato.
 Certas declarações não passam de proclamações políticas e não criam direitos
nem obrigações – qualificação suscita dúvidas apenas ultrapassáveis pela
interpretação do ato em causa e do contexto.

Jurisprudência reconheceu que declarações feitas pelas autoridades dum Estado podem criar,
em certas condições, obrigações jurídicas para esse Estado – caso Ensaios Nucleares, as
declarações das autoridades francesas pelo Presidente e MNE eram vinculativas para a França
(Austrália c. França, 1974, TIJ) – favorabilidade à relevância jurídica vinculativa da declaração
unilateral em que há presunção de vinculatividade, como ato de Estado quando feito por um
representante internacional de altas funções do Estado.

CDI, 2006 – aprovados os “Princípios orientadores aplicáveis às declarações unilaterais dos


Estados suscetíveis de criar obrigações jurídicas e seus comentários”

Efeitos jurídicos podem resultar de atos unilaterais com base em norma internacional (externos
ou internacionais, ex: reconhecimento, protesto) ou de atos unilaterais internos (adotados
pelos órgãos de soberania competentes com projeção internacional).

O ato jurídico unilateral pode integrar um processo de formação de outro ato jurídico
internacional (não autónomo – sujeitos ao regime aplicável ao ato subordinante) ou não
(autónomo).

Atos Unilaterais das OI


As Organizações Internacionais são dotadas de personalidade jurídica e exprimem vontade
própria de decisão, atuando na ordem jurídica internacional autonomamente.

52
Pode também ser o indivíduo no quadro do processo de investigação e de acusação de crimes
internacionais

39
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

O âmbito dos poderes de cada OI e a forma de os exercer dependem das regras inscritas no
pacto fundacional.
 Caso de omissão: recorre-se aos poderes implícitos e à prática institucional reconhecida.
 Modelo CNU.
o Em alternativa: Comunidades Europeias -> UE

As OI’s têm processo de criação e aplicação de normas internacionais e importa determinar é se


tais atos, apesar da variação terminológica e conceptual53, são juridicamente relevantes e qual
a natureza e extensão dos efeitos jurídicos que produzem no ordenamento internacional e qual
a contribuição no processo difuso de génese e afirmação do DIP.

No exercício das competências atribuídas pelos tratados institutivos, OI’s exercem função
normativa direta em que os seus atos são obrigatórios, criando direitos e obrigações na esfera
jurídica de um conjunto plural e aberto de destinatários.
I. Atos de regulação da vida interna – destinatários são os próprios órgãos e funcionários
II. Atos de natureza mista – orçamentos
III. Atos de incidência externa – destinatários são os Estados membros, outras OI’s e
eventualmente Estados não membros (art. 2º/6 CNU)
a. ONU tem poder (art. 2º/6 + art. 25º CNU) de obrigar os estados não membros a
aceitar as decisões do Conselho de Segurança em matéria de segurança coletiva.
Ex: Resolução 1373 (2001) sobre terrorismo internacional; Resolução 1540 (2004) sobre
proliferação de armas de destruição maciça
b. As agências especializadas que integram o sistema de governação multilateral e
parauniversal da ONU são detentoras de poderes de regulação jurídica
internacional (OACI, OMM)
i. Tratados institutivos reconhecem a estas instâncias internacionais os
poderes normativos de limitação da competência soberana dos
Estados, introduzindo mecanismos de salvaguarda:
1. Permitem aos Estados, manifestando essa vontade, ficar fora
do sistema regulado (opting out system) ou garantir que as
regras não lhe são aplicáveis (contracting out system) –
modalidades de combinar poder normativo da OI com a
soberania dos Estados-membros.

Resoluções de âmbito geral das OI não têm eficácia jurídica direta, mas, dependendo do que
está em causa, pode ser muito mais que um mero ato político (como resoluções AGNU).
 Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), 1948, resolução codificadora de
direito costumeiro
 Resoluções interpretativas da Carta, votadas por maiorias esmagadoras, exprimem o
acordo dos Estados em torno de uma determinada interpretação que se torna
obrigatória – Resolução 2625, 1970
 Reconhecimento constitutivo de direitos e obrigações por parte da comunidade
internacional – Resolução XV, 1960, “Magna Carta da Descolonização”

53
Desde decisões (art. 18º CNU sobre AG; art. 25º a 27 sobre CS), recomendações (art. 13º CNU, sobre
AG, art. 36º sobre CS) e resoluções (maior parte dos atos – forma típica dos atos normativos com
preâmbulo dispositivo – pode ou não ter natureza vinculativa)

40
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Simples resolução implica o dever genérico da boa fé aos Estados que os obriga a
examinar e considerar o ato adotado pela OI que integram e com a qual devem
cooperar
 Resoluções de conteúdo programático e prospetivo que podem antecipar ou anunciar
futuras normas internacionais54

Desvalor da invalidade – nos sistemas institucionais mais sofisticados de decisão internacional,


com grau superior de integração das soberanias dos Estados, existem tribunais ou órgãos de
natureza jurisdicional aos quais compete o controlo centralizado de validade dos atos da OI. Ex:
UE
 Sistema ONU – não está previsto o controlo jurisdicional centralizado de validade de atos
a OI – TIJ não tem poderes de controlo jurisdicional e apenas toma posição sobre o
problema através de parecer consultivo; o TIJ tem também um princípio de presunção
da validade do ato (Parecer 21 junho 1971)
 Controlo jurisdicional pode ser exercido por tribunais dos Estados ou tribunais criados
no âmbito de outras OI (TEDH, TJUE)
 Art. 25º CNU apresenta insindicabilidade contenciosa das resoluções do CS e sobre os
Estados impende o dever de garantir a execução interna das obrigações previstas nas
resoluções.

Atos Unilaterais dos Estados


Os Estados podem, através de uma manifestação unilateral de vontade, produzir efeitos
jurídicos, relativos à invocação de direitos, à assunção de obrigações ou à declinação de deveres.
1. Reconhecimento: declaração unilateral através da qual um Estado avalia a existência
de factos (ex: proclamação de novo Estado, novo Governo, estatuto de movimento
independentista, alteração de fronteira) à luz das regras internacionais existentes,
expressando a aceitação dos correlativos efeitos jurídico-internacionais – vincula o
Estado e impede-o de contestar o que reconheceu.
2. Protesto: ato mediante o qual um Estado explicita a sua oposição à legitimidade ou
licitude de uma determinada situação ou pretensão invocada por terceiros – impede a
formação de costume e salvaguarda a iniciativa do Estado sobre eventuais decisões de
impugnação da situação contestada.
3. Renúncia: declaração pela qual um Estado assume a vontade de não exercer um direito,
abandonar a sua titularidade ou transmitir o respetivo direito a outro sujeito – efeitos
irrevogáveis em que a renúncia deve ser expressa/inequívoca e não implícita ou
presumida
4. Notificação: ato através do qual um Estado comunica a outro sujeito de DIP, de modo
oficial, a existência de certos documentos, atos ou situações, de modo a que o notificado
não possa alegar que os desconhecia.
5. Promessa: declaração através da qual um Estado se compromete, para o futuro, a atuar
em determinado sentido – fundamento e conteúdo de eventual obrigação para o Estado
promitente não fica dependente de aceitação porque se trata de ato unilateral.

CDI identificou princípios orientadores aplicáveis à forma, interpretação e eficácia dos atos
unilaterais dos Estados.

54
Doutrina anglófona interpreta como “soft law”

41
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Princípio da boa fé: surge o caráter obrigatório das declarações unilaterais em que se
pode exigir do Estado o cumprimento das obrigações decorrentes da declaração
 Qualquer Estado tem capacidade de assumir obrigações jurídicas através de
declarações unilaterais
 Determinação do âmbito jurídico depende do conteúdo, circunstâncias e reações
 Deve emanar de autoridade interna competente, em virtude da função que exerce ou
do mandato especial que lhe foi conferido
 Forma escrita ou oral
 Destinatário pode ser comunidade internacional no seu conjunto, um Estado ou vários
e outros sujeitos internacionais
 Cria obrigações para o Estado se tiver sido formulada com objeto claro e preciso:
interpretação deve ser restritiva sobre o alcance impositivo da declaração
Também se identificaram limites:
 Nula se contrária a ius cogens
 Não gera obrigações para outros Estados, salvo se existir, da parte deles, declaração de
aceitação clara.
 Não pode ser arbitrariamente revogada pelo Estado declarante (se gerar obrigações)

A conduta unilateral do Estado está sujeita ao Princípio do Estoppel


Limitação decorrente de uma conduta anterior unilateral e imputável ao Estado – princípio do
postulado geral da boa fé subjacente a uma exigência de coerência, consistência e
continuidade por parte dos Estados no que respeita ao comportamento sobre determinada
situação55.
Tem uma multiplicidade de aplicações:
 Estoppel by representation – quando um Estado, em virtude do seu comportamento,
permite a representação ou perceção por outro Estado que existe determinada situação
que leva este segundo Estado a alterar a sua posição convencido da existência da
situação percecionada, o primeiro Estado não pode alegar que tal situação não existia
ou era diferente – comportamento do primeiro Estado gera efeito de auto-vinculação
em virtude da tutela jurídica das expetativas legítimas do segundo Estado, que confiou
na aparência da aceitação ou reconhecimento de determinada situação jurídica:
Comportamento por ação.
 Estoppel by Aquiescence – quando um Estado toma conhecimento de uma situação e
não reage, a inação ou silêncio mantidos durante um período razoável de tempo,
poderão ser interpretados como aceitação ou aquiescência, o que preclude o seu
direito de oposição – quem cala consente; não há efeito automático de aceitação,
tornada irreversível por estoppel, mas pode conferir-se a um Estado o direito de opor
ao Estado silente os efeitos jurídicos da sua conduta (ex: disputas fronteiriças,
delimitação marítima e etc.) que não contestou e não se opôs à consolidação da
situação. Tolerância da comunidade internacional permite supor que o comportamento
dos Estados terceiros também conta na apreciação de efeito inibidor de estoppel por
aquiescência, embora os seus efeitos jurídicos operem na base de relação bilateral.
Comportamento omissivo ou por inação.
Estado perde o direito a invocar o art. 46º CVDT.

55
Não se pode “querer sol na eira e chuva no nabal”

42
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Soft Law
Conceito versátil e elástico de manifestação de normatividade em áreas jurídicas em que a
formação da norma é mais difícil e a qualificação de eficácia normativa não é fácil.
 Não é inteiramente vinculativo – compreende vasto leque de situações (desde
resoluções de órgãos deliberativos, declarações, acordos políticos, guidelines,
declarações de princípio) o que justifica um tratamento equivalente de quase-direito.
o As normas programáticas ou de conteúdo impreciso previstas num tratado ou
em qualquer tipo de suporte jurídico são vinculativas pelo que não são regras
de soft law – o enunciado genérico e programático (ex: normas direitos
humanos, económicos e sociais) não altera a natureza e função de norma
jurídica
 Acelera e favorece o potencial normativo das “efetividades em ação” que poem em
marcha um processo de divulgação e de reiteração de um projeto normativo.
 A orientação programática do soft law faz com que os sujeitos DIP assumam um
compromisso que os une a esse conjunto de objetivos
o Há casos de normas precisas constantes de atos que não serão vinculativos56 –
mas há presunção do valor normativo e da inerente eficácia jurídica (apenas
cede se se demonstrar que não era essa a vontade do autor do ato)

Codificação e Desenvolvimento DIP


Compilação e sistematização, sob forma escrita, das regras preexistentes a respeito de certa
matéria, dispersas e reveladas pelo costume57.
Já vem desde a SDN (Conferência de Haia, 1930) e a ONU criou a Comissão de Direito
Internacional, no art. 13º/1/a CNU, de forma a codificar e promover o desenvolvimento
progressivo do DIP.
Art. 15º Estatuto CDI aponta duas funções:
1º. Codificação – formação precisa e sistematizada das normas de DIP em matéria que já
exista uma prática considerável dos Estados, assim como precedentes e doutrina
a. Método da Declaração (restatement) – normas costumeiras são transcritas
b. Método da Cristalização – garante à norma costumeira autoridade que ainda
estava em processo de formação
c. Método da Fertilização – ponto de partida para o reconhecimento da opinio
iuris
2º. Desenvolvimento progressivo – elaboração de projetos de convenções sobre temas que
ainda não tenham sido regulados pelo DIP ou a respeito dos quais ainda não esteja
suficientemente desenvolvido pela prática dos Estados.
a. Dar forma escrita a norma conseutudinária não é juridicamente neutro, pelo
que existe uma tendência de inovação e adequação da norma às exigências
sociais, justificadas pelo objetivo político do desenvolvimento progressivo do
normativo internacional. Ex: utilização dos cursos de águas internacionais para

56
Ex: Cimeira de Paris – não foi verdadeiro acordo e sim compromisso com diretrizes programáticas (a
serem concretizadas por acordos específicos.
57
Se bem que já no Congresso de Viena de 1815 se regulou o regime de navegação dos rios internacionais,
proibição da escravatura e estatuto dos regulamentos diplomáticos – empenho codificador por parte de
instituições científicas desde 1873.

43
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

outros fins que não a navegação sofreu um trabalho de codificação e inovação


pela CDI
b. Método de trabalho baseado na representação de valores e princípios comuns
através da linguagem própria do Direito, delimitando e concretizando
perímetro dos interesses comuns da comunidade internacional

Em 1949, CDI definiu na sua primeira sessão um plano de trabalho sobre 14 pontos que os
cumpriu quase por inteiro, elaborando ainda projetos sobre outros tópico – é difícil encontrar
um tema no DIP que ainda não tenha sido objeto de trabalho pela CDI (omnipresença jurídico-
científica)
 Contribuiu para elaboração de importantes convenções: CVDT-I e II, Convenções ONU
sobre direito do mar que precederam Convenção de Montego Bay.
 Nem sempre a preparação e celebração de convenções multilaterais tem finalidade de
codificação do costume – pode ser por exigências de regulação, promovendo
negociação sobre regras novas. Ex: 1967 com o Estatuto jurídico do espaço extra-
atmosférico; hoje fala-se na regulação da Internet cuja iniciativa de negociação devia
partir da ONU

Função da codificação é complementar e recíproca entre o costume e o tratado – havendo


oportunidade para clarificação a respeito da opinio iuris com a vantagem comummente
reconhecida da certeza jurídica sobre o conteúdo e o âmbito de vinculação da norma
internacional.

Hierarquia de Fontes e de Normas


A ordenação das fontes pelo art. 38º ETIJ tem uma ótica puramente judiciária na lógica pela
qual o juiz internacional conhece o direito aplicável ao litígio concreto, referindo as fontes
principais por ordem de consulta.
 Não existe hierarquia de fontes.
 Existe é hierarquia de normas58 - encontra-se no art. 53º e 64º CVDT-I
o Relação entre convenção e costume é de paridade hierárquica

Em caso de conflito de normas não podemos recorrer ao critério hierárquico, nem ao funcional
e sim recorremos ao critério cronológico.
 Só não funciona se o costume for expressão de ius cogens, pois as normas nesse caso
são valorativamente superiores, tendo uma autoridade impositiva independente da
fonte formal.

Prevalência de norma internacional resulta do funcionamento autónomo e confluente dos


seguintes critérios:
1. Natureza de ius cogens – norma impositiva, imperativa e insuscetível de transgressão, tendo
autoridade reforçada devido ao seu conteúdo ético-valorativo59 que condiciona a existência da
comunidade internacional, que aceita a sua fundamentalidade.

58
Princípios prevalecem hierarquicamente sobre as regras – princípios não se derrogam e coexistem
mutuamente (em concordância prática); as regras podem derrogar-se e há situações que resolvem o
conflito positivo de regras.
59
Ex: interdição da agressão entre Estados, proibição da escravatura e etc. – regras fundamentais de
direito internacional humanitário e regras na relação entre Estados

44
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Art. 53º CVDT determina a nulidade para tratado incompatível, paralisando efeitos de
qualquer norma contrária
 É limite absoluto à vontade soberana dos Estados e ao livre arbítrio de outros sujeitos
DIP, incluindo os sujeitos
 Jurisprudência tem recorrido a conceitos próximos – embora TPI integrou na sua
fundamentação para a ex-Jugoslávia o caráter expresso de ius cogens da proibição da
tortura; alargando também ao genocídio mas ficando-se por aí
 Prevalência hierárquica depende da importância do seu conteúdo e da aceitação
universal da sua superioridade
o Corrente Formalista – exige acordo de todos os Estados
o Outra doutrina – é suficiente a aceitação por maioria expressiva de Estados

2. Âmbito das obrigações jurídicas – decorrentes de normas imperativas de DIP, sendo erga
omnes (podem não resultar necessariamente de ius cogens)
 Obrigações erga omnes – perante todos; obrigações da comunidade internacional no
seu todo e que prevalecem sobre as demais obrigações e direitos embora com limites
(Timor-Leste, TIJ, 1950); integram as “normas fundamentais” garantidoras da existência
normativa da comunidade internacional60
 Obrigações omnium – de todos

3. Determinação pactícia – art. 103º CNU estabelece primado da Carta sobre outras obrigações
de fonte convencional e admite-se que possam mesmo prevalecer sobre normas costumeiras,
com exceção do ius cogens61.
 Aplica-se às decisões da Carta, decisões vinculativas CS e ao direito formado com base
na CNU – alargando a Estados membros e não-membros. Ex: prevalência DUE, art. 351º
TFUE – funciona impedindo os Estados de aplicar normas internas ou internacionais
contrárias a DUE; isto resulta de construção jurisprudencial TJUE e Declaração 17 anexa
a Tratado de Lisboa

4. Diferenciação material de funções – o tratado institutivo de uma organização internacional


funciona como a sua carta constitucional, sendo o estatuto jurídico que delimita e fundamenta
a atuação da OI.
 Na realização de fins está limitada aos poderes previstos no pacto constitutivo, sendo
inválidos os atos unilaterais a ele contrários

60
Havendo ainda uma dissociação entre a natureza imperativa da norma e o caráter facultativo do
controlo jurisdicional, o que resulta na inexistência de mecanismo judicial ou equivalente de tutela em
caso de violação.
61
Tribunal de Primeira Instância da UE/ Tribunal Geral, 2005: “ius cogens é entendido como uma ordem
pública internacional que se impõe a todos os sujeitos de DIP, incluindo instâncias da ONU, o qual não é
possível derrogar”.

45
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Direito dos Tratados


Objeto de codificação, cujo projeto foi elaborado pela CDI, na Convenção de Viena (entre
Estados, 1969 – CVDT-I; entre Estados e OI ou entre OI’s, 1986 – CVDT-II).
 Antes de 1969 exigia-se uma identificação de precedentes e o direito dos tratados era
expressão de normas costumeiras
 Instrumento de codificação da CVDT-I foi mesmo interpretado assim antes da sua
entrada em vigor.

Define as condições de validade dos tratados e o regime de normas de ius cogens


 Tratado dos Tratados – embora não esgote o ciclo biojurídico do nascimento, vida e
morte dos tratados, é o núcleo essencial do Direito dos Tratados, sem prejuízo de
regimes normativos integrativos ou especiais, de fonte consuetudinária ou
convencional.
o Art. 73º ressalva certas matérias
o Preâmbulo admite existência de questões não reguladas ainda regidas pelo
costume

Nascimento
Art. 6º CVDT – todo e qualquer Estado tem capacidade para celebrar tratados, dado possuir ius
tractuum como elemento da sua soberania – o titular deste poder é o Estado soberano62 que o
exerce de forma livre, limitado apenas pelo DIP e Direito Interno.

Representação na negociação (art. 7º) -> 1. plenipotenciário com carta de plenos poderes (art.
2º/1/c); 2. estatuto de representante presumido em virtude das funções que exerce:
 Chefe de Estado, chefe de Governo, MNE – podem praticar todos os atos relativos à
conclusão de um tratado
 Chefes de missão diplomática – podem praticar atos para a adoção do texto de um
tratado (entre Estado acreditante e Estado recetor)
 Representantes acreditados dos Estados – podem praticar atos para a adoção de um
texto

Celebração de tratados é um procedimento que depende de vários fatores63 (número de


Estados, necessidade de aprovação pelos órgãos internos, natureza das matérias e etc.), sendo
que o procedimento-padrão é o seguinte:
Negociação, adoção e autenticação do texto (art. 9º e 10º, CVDT)
1. Negociação não está regulada, mas decorre segundo prática diplomática conhecida.
 Bilateral – negociação entre missão diplomática e órgãos do Estado acreditador ou no
quadro de cimeiras bilaterais
 Multilateral – no âmbito de conferências diplomáticas ou no seio de OI (em que o
procedimento dos trabalhos é aprovado e negociadores contam com apoio logístico e
burocrático da OI anfitriã)

62
Eventuais Estados não-soberanos (federados) participarão dependentemente da previsão da
Constituição do Estado.
63
Reuter distingue quatro tipo de tratados com base no critério procedimental: bilateral de procedimento
longo, de procedimento curto, por troca de cartas e multilaterais de procedimento longo e curto

46
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

2. Adoção do Texto significa a sua redação definitiva, que exige muitos cuidados e todos os
Estados (art. 9º/1) devem participar na elaboração do texto e no caso de conferência
internacional, CVDT prevê maioria 2/3 dos Estados presentes e votantes salvo se aplicar regra
diferente (art. 9º/2)
3. Autenticação do Texto é o reconhecimento como verdadeiro e definitivo. Tem 3
modalidades possíveis (art. 10º/b):
 Assinatura – pode também ter efeitos de vinculação nos acordos ultrassimplificados
(art. 12º), o que é proibido pela CRP
 Assinatura ad referendum e Rubrica – efeito de autenticação é provisório, exigindo
confirmação órgão estadual

No seio de OI, há distinção entre os plenos poderes para negociar e o mandato para assinar –
pois são competências atribuídas a órgãos diferentes64 (art. 7º/3)
Tratados multilaterais tem vários instrumentos negociados e reunidos na Ata ou Ato Final.
Depois de autenticado o texto só poderá ser modificado por acordo das partes ou por erro e
gralha (art. 79º)

Estrutura interna variável, mas o mais comum é:


 Preâmbulo – enumeração das partes e fundamentos
 Corpo dispositivo – artigos relativos ao regime jurídico e cláusulas definidoras de
aspetos específicos que produzem efeitos desde a adoção do texto (art. 24º/4)
 Anexos – disposições técnicas que fazem parte integrante do tratado e têm idêntica
força jurídica (art. 51º TUE)

Manifestação de Consentimento
Antecede o nascimento do tratado – o acordo tem de ser manifestado de modo juridicamente
adequado, seguindo a regra da escolha livre65.
Depende das cláusulas constitucionais e das regras previstas nos tratados institutivos das OI.
Assinatura – nos acordos simplificados pode vincular o Estado.
Ratificação – ato através do qual a autoridade do Estado que é titular de competência
de conclusão de tratados manifesta, de modo solene, que o Estado se considera
vinculado e se compromete, nos termos do princípio pacta sunt servanda, a dar
execução ao tratado.66
Ato de confirmação formal – caso das OI (art. 11º/2 CVDT-II)

Ato de manifestação do consentimento produz efeitos no momento (art. 16º):


 Da troca de instrumentos entre os Estados
 Do depósito junto do depositário
 Da sua notificação aos Estados Contratantes ou ao depositário

64
Como no caso da UE em que a negociação pertence à Comissão mediante autorização e diretrizes do
Conselho (art. 218º TFUE)
65
Podendo adotar a forma de: assinatura, troca de instrumentos constitutivos dum tratado, ratificação,
aceitação, aprovação, adesão.
66
Expressão da vontade soberana dos Estados – que é livre exceto se houver pacto ou referendo interno
que obrigasse

47
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Consentimento refere-se ao tratado no conjunto das suas cláusulas (princípio da unidade


material) salvo se se admitir soluções de vinculação seletiva67 (art. 17º CVDT).
 Desvio ao princípio da unidade material é a figura das reservas (art. 2º/1/d).

Reservas
Art. 19º a 23º - é uma declaração unilateral, feita no momento da vinculação, pela qual o Estado
manifesta a vontade de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado
na sua aplicação a esse Estado.68
 Só faz sentido em acordos multilaterais (inviabilizaria um bilateral)
1. Admissibilidade da reserva – depende de previsão do próprio tratado, de modo expresso ou
implícito (art. 19º)69, estando sujeita a limites
 Limites materiais: enunciação expressa pelo tratado que proíbe a reserva em relação a
certas disposições ou implicitamente quando a reserva é incompatível com o objeto e
fim do tratado.
o Consequência – ineficácia/nulidade da reserva no caso de pretender excluir ou
modificar alcance inderrogável de ius cogens ou sobre matéria regulada por
norma imperativa
o No caso de se codificar regras costumeiras deve-se questionar o fundamento e
não aceitar no caso de normas garantidoras de ius cogens70
 Limites temporais: deve ser comunicada durante o processo de conclusão do tratado
(momento da assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação).
o Após a conclusão, Estado só poderá limitar invocando art. 46º
 Limites procedimentais: exige-se forma escrita e comunicação por escrito aos Estados
Contratantes e outros que possam vir a ser parte (art. 23º).
o Se tratado autoriza reserva – não precisa ser aceite pelos outros (salvo exceções
art. 20º/1)
o Se não autorizar – declaração unilateral tem efeitos dependente da expressão
de vontade das restantes partes.
o Art. 20º/5 – relevância jurídica do silêncio, em que a reserva é considerada
aceite por um Estado quando não formulou objeção à reserva em 12 meses
o No caso de OI, reserva exige aceitação dos órgãos competentes dessa
organização.

2. Efeito das reservas – dependem da reação dos outros Estados; sendo apenas juridicamente
relevante se for aceite pelo menos por 1 Estado Contratante (art. 20º/4/c)
 São relativos/relacionais porque apenas se projetam na relação entre o Estado autor
da reserva e os Estados que a aceitaram ou rejeitaram (art. 21º/2)

67
Como no caso da UE tem havido cláusulas de opt-out.
68
É ato unilateral em que um Estado clama para si um regime de exceção face ao regime geral. Mecanismo
em que tratado tem regras que valem para todas as partes menos para uma.
Art. 2º/d CVDT – reserva não é ato jurídico unilateral NORMATIVO, pois não cria direitos nem vinculações
diretas (já que exige a aceitação da contraparte, ou a sua não objeção)
69
Tem havido uma evolução no sentido de flexibilizar e admitir o regime aplicável às reservas.
70
Na Europa, CEDH autoriza reservas no art. 57º mas proíbe reservas de caráter geral

48
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Aceitando, o Tratado funciona na medida do previsto por essa reserva, excluindo a aplicação de
uma parte desse tratado – não podendo exigir ao Estado com reserva o cumprimento das
obrigações inerentes ao regime jurídico afastado.
 Se objeção foi acompanhada por manifestação inequívoca de vontade contrária à
entrada em vigor do tratado, o tratado não se aplicará nas relações entre os dois Estados
(art. 20º/4/b)
 Se objeção não for interpretada no sentido de oposição à vigência do tratado, este
aplica-se na relação entre ambos os Estados, salvo na parte prevista na reserva (art.
21º/3)

3. Reservas e figuras afins – como as cláusulas de opt out; declarações interpretativas que
precisa ou clarifica o sentido ou alcance ou fazem depender o seu consentimento da aceitação
de uma interpretação específica sobre o tratado ou algumas das suas disposições (reserva
imperfeita que se transforma numa reserva verdadeira se prevalecer a interpretação que o
Estado declarante não pretende aceitar).
 Reservas facilitam o processo de ratificação e potenciam a aceitação por um número
mais alargado de Estados – aprovando regimes jurídicos mais exigentes e avançados –
mas pode levar a um efeito de fragmentação do regime jurídico definido pelo tratado.
 Estado autor da reserva pode retirá-la a todo o tempo (art. 22º)

Entrada em Vigor
Momento é definido pelo próprio tratado ou em acordo ad-hoc (art. 24º/1).
 Na ausência de determinação específica, entra em vigor depois da ratificação de todos
os Estados que tenham participado na negociação (art. 24º/2)

Bilaterais – entrada em vigor conclui-se com a troca de notas.


Multilaterais – dependente de uma condição (nº mínimo de ratificações) ou de um termo.

Para um Estado que adere a um tratado que já está em vigor, a data de início de vigência é a
data que ocorreu ato de consentimento (art. 24º/3)

Aplicação a título provisório (art. 25º), incompatibilidade com procedimentos internos devido à
urgência – pelo que o tratado produz efeitos antes da sua entrada em vigor. CRP proíbe (art.
8º/2 CRP)71

Depósito, Registo e Publicação


Formalidades diferentes, mas unidas pelo propósito de assegurar ao tratado a devida
publicidade e resguardo seguro.
 Multilaterais – designa-se um depositário: ou o Estado do território em que foi
negociado, uma OI, ou o seu SG (art. 76º)

71
No entanto, a oposição expressa do representante português pode não ser suficiente para impedir a
aplicação provisória se esta resultar de disposição transitória do próprio tratado, adotado por maioria de
2/3 (art. 9º/2 + art. 24º/4)

49
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Tem encargo de caráter internacional, devendo agir com imparcialidade na obrigação de


custodiar o texto original do tratado, fazer comunicações às partes e tratar do registo junto do
Secretariado da ONU72 (art. 77º + art. 80º/2)
 Registo – não afeta eficácia inter partes (que ocorre nos termos art. 102º/2 CNU), mas
dele depende o direito de uma parte invocar “perante qualquer órgão” da ONU
(nomeadamente o TIJ).

Vida do Tratado
Assim que nascem, as convenções estão sujeitas ao Princípio Pacta Sunt Servanda (art. 26º
CVDT)
 Princípio geral de DIP que enquadra e comanda todos os tratados numa conduta
pautada pela boa fé em que as partes cumprem as obrigações inerentes ao
compromisso pactício.
o Não se pode invocar o direito interno para se descartar das obrigações
convencionais – art. 27º CVDT
 Art. 46º - Ratificações Imperfeitas – mitiga o princípio geral do art. 27º;
preenchidas as duas condições (violação notória de normas internas e
de importância fundamental) não se verifica necessariamente a
nulidade e pode ser a mera ineficácia ou inaplicabilidade.

Efeitos do tratado repercutem-se sob a forma de direitos e obrigações na esfera jurídica das
partes contratantes a partir dos critérios:
I. Temporal – regra da não retroatividade do acordo, salvo por vontade das partes (art.
28º CVDT)
II. Espacial – obrigatoriedade estende-se à totalidade do território das partes, salvo se
outra regra for ressalvada (art. 29º CVDT)
III. Material – é autónomo e autossuficiente, mas não impede os “tratados sucessivos”
(existência de regimes internacionais sobre a mesma matéria em momentos diferentes
e com soluções distintas); prevalência CNU (art. 103º CNU) e art. 30º CVDT estipula
regras de resolução de conflitos de tratados sucessivos incompatíveis
a. Mesma identidade das partes: prevalece tratado posterior, salvo se não houver
relação antónima ou incompatível (art. 30º/3)
b. Não há identidade das partes: nas partes comuns prevalece o posterior; se uma
das partes está num tratado e outra está noutro, para esses Estados resultam
direitos e obrigações ao abrigo do qual ambos fazem parte

Critérios de vinculação interpretativa na CVDT:


A. Interpretação como operação intelectual – orientada pela boa fé, combinada e
articulada com os diferentes elementos da função interpretativa (art. 31º)
B. Interpretação como resultado – base objetivista e teleológica (art. 31º/2 e 1); sem
prejuízo do sentido particular que as partes quiserem dar (art. 31º/4)
C. Interpretação em harmonia com o contexto – compreende articulado, preâmbulo e
anexos; considera-se também acordos posteriores para interpretação, prática posterior
de aplicação e normas de DIP aplicáveis relação entre as partes.

72
Exigência dada pelo art. 102º/1 CNU – A ONU assegura a publicação de uma coletânea oficial de tratados

50
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

D. Meios complementares de interpretação – função subsidiária que confirma o sentido


apurado nos termos da cláusula geral (art. 32º)73
E. Interpretação de tratados autenticados em duas ou mais línguas – partes podem
selecionar o que prevalece (art. 33º)74

O dever de considerar acordos e prática posteriores ao acordo (art. 31º/3 CVDT) remete para
uma visão dinâmica do texto em conformidade com a vontade atualizada das partes, tendo
por referência o momento da interpretação (parecer TIJ, 1971).
 Relevância do princípio da integração sistémica – de normas convencionais ou
costumeiras aplicáveis inter partes.

Tratados e Terceiros Estados (art. 34º CVDT)


Relatividade dos tratados como corolário da soberania dos Estados e da autonomia da vontade
dos outros sujeitos DIP – está sujeita a limites.
 Pode criar direitos ou obrigações se consentir o que foi estipulado a seu favor (expresso
por escrito se obrigações, art. 35º; presume-se no caso de direitos, art. 36º75)
 Acordo colateral – teoria de que o consentimento do terceiro Estado gera uma espécie
de acordo triangular com efeitos logo após esse consentimento (art. 37º vem de acordo
e art. 38º não é exceção)
Haverá exceções?
 Tratado aplicável a situação objetiva ou estatuto territorial – acordo sobre regimes
jurídicos de neutralidade ou desmilitarização produzem situação objetiva e oponível a
toda a comunidade internacional; bem como há natureza erga omnes sobre tratados de
delimitação de fronteiras
 Art. 6º/2 + 103º CNU – impõe a não-membros da ONU o respeito de certas obrigações
Aqui vemos obrigações de fonte heterovinculativa, baseadas numa ideia comunitária e
integradora do DIP (incompatível com dogma da vontade soberana dos Estados)

O que não deve ser tratado como exceção ao princípio do efeito relativo:
1. Cláusula da nação mais favorecida – comum em tratados comerciais e aduaneiros em
que a aplicação das vantagens preferenciais resulta de disposição convencional entre 2
partes, não se desviando ao consentimento de 3º
2. Sucessão de Estados em matéria de tratados – convenção própria que procurou conciliar
princípios; CVDT tem duas soluções (tábua rasa do art. 16º e vinculação do sucessor no
art. 31º/1 – aqui não há exceção pois o Estado sucessor não deve ser considerado
terceiro)
3. Tratados sobre direitos humanos – criam direitos para os cidadãos nacionais dos
Estados, que os podem invocar em tribunais domésticos ou internacionais criados para
tal efeito; é apenas instrumento de garantia da aplicação efetiva e refere-se ao elenco
dos destinatários das normas.

73
Não sendo consensual na doutrina o valor dos trabalhos preparatórios; TIJ admite necessidade de os
analisar
74
Epítome é a Europa: TJUE, devido ao princípio fundamental da equivalência das línguas nacionais como
corolário do respeito pela igualdade dos Estados-membros, prefere soluções sistemáticas e finalísticas
com um método de conciliação linguística – interpretação é o que o autor pretendia com base na versão
em todas as línguas (TJCE, 1969)
75
Quando há direitos e obrigações -> Marilu: deve exigir-se manifestação escrita

51
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

4. Tratados sobre criação OI e seu funcionamento – em relação ao tratado institutivo, OI


não é parte nem terceiro e sim o objeto do tratado.

Revisão e Modificação dos Tratados


Pode estar regulado pelo tratado ou supletivamente pelos art. 39º a 41º da CVDT.

Revisão
Art. 39º - é positivação de regra costumeira do princípio geral que a revisão é por acordo das
partes.
Revisão pode ser adotada por acordo entre a maioria dos Estados partes, mesmo que tratado
inicial tenha sido aprovado por unanimidade – acordo de revisão só aplicável entre os Estados
que o ratificaram
Como ficam as relações bilaterais dum Estado com revisão e doutro sem? Soluções no
art. 21º, 30º/4/b e 40º/4 CVDT.

Previsão de limites materiais em cláusulas expressas tem um significado político apenas – se


os limites em causa não gozarem de vinculatividade reforçada (em virtude do costume ou
imperatividade de ius cogens), uma norma convencional não pode impedir a sua própria
alteração.
 Eventual violação destas cláusulas expressas não inquinaria a validade do tratado e
podia-se resolver à luz do princípio gerla Pactum posterius derogat priori.

Modificação
Pode também haver modificação implícita sem revisão – resulta de prática subsequente dos
Estados ou da superveniência de novas regras DIP
 Prática ulterior de eficácia modificativa de regras convencionais: caso do art. 27º CNU
(valor da abstenção)
 Via consuetudinária forma-se nova regra DIP que muda a aceção dos termos
o Permite a maior adaptação do tratado, cuja revisão seria muito difícil em certos
tratados.
o Modificação informal acarreta riscos de incerteza.

Morte dos Tratados


Orientados pelo princípio pacta sunt servanda, os tratados são garantidos como estáveis e
previsíveis nas relações internacionais.

Nulidade, Cessação de vigência e Suspensão da aplicação dos Tratados


Causas objetivas suscetíveis de excluir a aplicação dos tratados.
 Caráter irretroativo (art. 4º CVDT) para que a invocação de uma das causas da invalidade
não rompa com compromissos e equilíbrios contratuais.
 Garantia de equilíbrio entre os deveres de vinculação e o direito à desvinculação – no
conjunto há uma presunção de validade e vigor jurídico favorável aos tratados:
a) Tipicidade das causas de invalidade – causas da invalidade são de enunciação
taxativa (art. 42º/1), mas em relação à extinção podem-se considerar outras,
desde que previstas pelo tratado (art. 42º/2)
b) Princípio da irrelevância das violações do direito interno aplicável ao processo
de vinculação internacional do Estado (salvo exceções; art. 46º)

52
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

c) Invalidade e outras vicissitudes não afetam dever geral de Estado respeitar


obrigações do DIP – vinculado por via do costume ou regras convencionais (art.
43º)
d) Invalidades e outras questões afetam o tratado no seu todo (art. 44º/1) –
admitindo-se algumas exceções desde que compatíveis com a divisibilidade das
disposições do tratado
e) Estado não pode invocar a nulidade após ter aceite expressamente a validade
e vigência dos tratados ou, devido à sua conduta, conclui-se que aceitou a
validade do tratado (art. 45º)76

Nulidade dos Tratados


Combina os efeitos jurídicos típicos da nulidade e pressupostos pela anulabilidade.
 Ato jurídico não produz efeitos desde o início da sua vigência (ex tunc) – disposições
carecem de força jurídica (art. 69º/1) e não podem ser invocadas pelos Estados77
 Fundamenta direito de solicitar restabelecimento da situação que existiria sem os atos
praticados (projeção retroativa limitada – art. 69º/2)

Causas da invalidade estão enumeradas e tipificadas pela CVDT (art. 46º a 53º)
 7 referem-se a vícios de consentimento e a última a uma violação de norma substantiva
e imperativa de direito internacional geral
2 modalidades78:
1. Nulidade relativa – causa da invalidade só pode ser invocada pela parte cujo
consentimento foi manifestado ou obtido de modo contrário ao DIP – vício sanável (art.
45º) que não afeta vigência de tratado multilateral
a. Violação de disposições de direito quanto à competência para concluir tratados
(art. 46º)
b. Restrição específica dos poderes de manifestação do consentimento – apenas
invocável se a restrição em causa tiver sido notificada aos outros Estados que
participam na negociação (art. 47º)
c. Erro relativo ao conteúdo79 sendo base essencial do consentimento (art. 48º)
d. Dolo de uma das partes da negociação (art. 48º)
e. Corrupção do representante (art. 50º)
2. Nulidade absoluta – pode ser invocado a qualquer altura pelo Estado prejudicado, por
qualquer parte no tratado e por Estados ou entidades (como um Tribunal internacional)
que não estão vinculadas ao tratado (mas que exercem direito de proteção de interesses
públicos internacionais) – vício não é sanável (art. 45º exclui os art. 51º a 53º) e há
proibição da divisibilidade do tratado (art. 44º/5)
a. Coação sobre representante de um Estado (art. 51º)

76
Consequência do princípio do estoppel
77
No entanto, alguns atos praticados e efeitos produzidos poderão ser mantidos – art. 69º e 71º
78
Marilu: Não excluindo o desvalor máximo da inexistência jurídica, aplicável a casos em que o
representante era intelectualmente incapacitado
79
Os de redação são no art. 79º

53
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

b. Coação sobre um Estado com ameaça do emprego da força (art. 52º), podendo
esta coação ilícita ser estendida a situações que não só a ameaça militar
(também pode ser a económica80)
c. Violação de ius cogens originária (art. 53º)
Violação de ius cogens superveniente, com introdução de nova norma (art. 64º
- estende o regime da nulidade a um momento posterior, sendo que as partes
têm de ponderar o que podem manter ou não pelo art. 71º, que contraria art.
44º/5 e parece admitir divisibilidade)

Em suma, a eficácia jurídica pode sofrer diferentes graus de inibição:


 Ineficácia jurídica, limitada à inoponibilidade perante ONU – falta de registo (art. 102º
CNU)
 Nulidade, absoluta e relativa (art. 69º)
 Inexistência jurídica

Cessação de vigência e suspensão da aplicação


Além das causas de cessação referidas a propósito das nulidades, há ainda outras 2 modalidades:
A. Causas internas – 1) previstas no próprio tratado (art. 54º/a) incluindo situações típicas
de caducidade que põe fim à vigência do tratado; 2) por vontade comum das partes (art.
54º/b) efeito abrrogante ou substitutivo; 3) por vontade unilateral de uma parte
(denúncia – bilateral; retirada – multilateral, art. 56º); 4) por violação do tratado (art.
60º)
B. Causas externas81 – 1) impossibilidade superveniente de execução (art. 61º); 2)
alteração fundamental de circunstâncias (art. 62º)

Desvinculação por denúncia/recesso – manifestação típica da vontade soberana dos Estados82,


questionada a extensão da competência de desvinculação e os riscos para a estabilidade das
relações jurídicas entre as partes – art. 56º

Desuso – a violação do tratado por prática continuada e reiterada pode ditar a sua extinção com
a consequente substituição pela norma resultante do costume contra legem; na prática pode
também ocorrer pela sua não aplicação

CVDT não regula de modo autónomo e específico a questão das implicações da beligerância
armada na vigência e aplicação dos tratados (art. 73º a 75º)
 Rutura de relações diplomáticas entre Estados não obsta a conclusão de tratados, mas,
um tratado concluído nestas circunstâncias não produz efeitos no que diz respeito às
relações diplomáticas e consulares.

A extinção de um tratado só opera para o futuro (art. 70º)

80
Longa discussão doutrinária em que Marilu tem esta posição de acordo com Klabbers – não enquadram
nestas situações a pressão para o respeito dos direitos humanos (cláusula democrática)
81
Reuter: factos estranhos à vontade das partes e que a elas não podem ser imputados
82
Marilu: Que não poderia ser proibida pois tal seria contrário ao princípio da autonomia da vontade dos
Estados soberanos

54
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Suspensão de um tratado ocorre:


 Por vontade de todas as partes (art. 57º/a)
 Por vontade de algumas partes com efeitos suspensivos limitados às relações mútuas
(art. 58º)
 Por vontade das partes por meio de acordo posterior (art. 59º/2)
 Alternativa à cessação em caso de violação (art. 60º/1 e 2) e em caso de impossibilidade
temporária de execução ou alteração fundamental das circunstâncias (art. 61º/1 e
62º/3)

Efeitos da suspensão são temporários e limitados (art. 72º) – sujeitos sempre à boa fé.

Princípio da jurisdição facultativa torna impossível a exigência da arguição judicial das nulidades
e das causas de caducidade e suspensão de aplicação.
 No entanto, a boa fé impõe aos Estados partes o respeito de certas regras de
procedimento – art. 65º a 67º que refletem princípios procedimentais e de direito
costumeiro baseados na boa fé (TIJ, 1997)

55
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Vinculação Portuguesa a Convenções Internacionais


CRP tem cuidado particular com a definição das regras aplicáveis ao procedimento de conclusão dos
tratados.

Distinção Material entre Tratado e Acordo


Para o DIP, a designação própria e específica do convénio em específico é irrelevante face ao
regime jurídico de celebração.
Para o Direito Português dos Tratados, por razões históricas confirmadas pela CRP 1976, o
género de convenção internacional desdobra-se em duas categorias:
1. Tratado solene = tratado
2. Acordo em forma simplificada = acordo

Critério de distinção é o procedimento aplicável:


Tratado – mais pesado institucionalmente e Acordo
com vinculação mais exigente 1. AR pode aprovar e Governo
1. Só AR pode aprovar (art. 161º/i) também – ato de vinculação (art.
2. Exigência de ratificação pelo PR - 197º/1)
ato de vinculação (art. 135º/b) 2. Exigência de assinatura pelo PR (art.
3. AR pode confirmar por maioria do 134º/b)
art. 279º/4 se TC declarar 3. Caso de inconstitucionalidade pelo
inconstitucional Governo não há possibilidade de
confirmação; em relação aos da AR
há lacuna constitucional que Marilu
preenche aplicando o que se aplica
aos tratados83

Além dos casos expressos no art. 161º/i, há outros de reserva material de tratado?
JOMI: sim – as matérias dos art. 164º e 165º
Marilu: não – as matérias mais importantes, do art. 164º e 165º, seja sob a forma de
tratado ou de acordo são da reserva parlamentar, logo, estas matérias passam sempre
na AR e isso é que é essencial.

O Governo, como órgão responsável pela negociação internacional deve ter possibilidade,
respeitando art. 161º/i, de decidir sobre a forma de vinculação mais adequada.
 Evolução tem sido no sentido de se escolher formas mais simplificadas.
o Não há risco de governamentalização pois as matérias mais importantes são de
reserva da AR.

TC aborda a questão no Acórdão 494/99 e admite a existência de duas alternativas de


interpretação da CRP – uma de pendor parlamentar (favorável à reserva material genérica de
tratado) e outra de pendor governamental (contrária a este tipo de reserva material de tratado)
– TC defende uma aplicação equilibrada do modelo constitucional de repartição de poderes
neste domínio e descarta a opção que leve a optar por uma das alternativas.

83
Justificado pela incerteza da distinção material entre tratado e acordo.

56
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

4 fases do procedimento de vinculação


1. Negociação e ajuste
CRP dá competência ao Governo para “negociar e ajustar convenções internacionais” – art.
197º/1/b – monopólio do Governo
 Regiões autónomas também podem participar nas negociações de convenções
internacionais que lhes digam respeito – art. 227º/t – matérias do art. 227º/i, h, r, s.
o Participação pode compreender representação na delegação Portuguesa, o
direito de ser notificada sobre tudo o que é relvante, ser ouvida e etc
o À violação das prerrogativas de participação regional corresponde
inconstitucionalidade formal relevante em sede de fiscalização preventiva, mas
irrelevante de impedir a aplicação interna da convenção (art. 227º/2)

PR não participa diretamente84 mas deve ser informado do andamento das negociações (art.
201º/1/c) – concertação entre Governo e PR (interdependência dos órgãos de soberania do art.
111º/1)
Governo tem ainda deveres de informação genérico face aos grupos parlamentares (art.
180º/2/j e 114º/3)
Incumprimento tem significado e consequência política, mas sem qualquer desvalor
jurídico

O art. 7º CVDT considera quem pode ser representante em virtude das funções que exercem
(plenos poderes funcionais).
 Fora destes, qualquer um pode ser representante do Estado Português, desde que tendo
carta de plenos poderes assinada pelo PR e MNE
 Regulado pela Resolução Conselho de Ministros nº 17/8885 – a decisão cabe ao PM

Também regula a Assinatura.

2. Aprovação
Art. 8º/2 CRP não permite que Portugal se vincule internacionalmente com acordos em forma
ultrassimplificada – vinculativos após assinatura do Estado.86

A aprovação impende sobre a AR ou sobre o Governo – é da competência da AR ou do Governo


em função da matéria que se discute – diferença material em que a doutrina diverge. CRP dá a
AR ou Gov. a competência, em função das matérias, de decidir se Portugal fica vinculado – é o
órgão de soberania que pondera. Se for AR a vincular Portugal há uma certa fungibilidade entre
decidir se é por acordo ou tratado.

84
Apesar de ter um papel importante e ativo no domínio das relações externas e garante da
independência nacional (art. 120º CRP)
85
Articula-se com art. 197º/1/b; DIP: art. 10º e 11º CVDT ficando vinculado à boa fé do art 18º
 Boa fé surge como uma obrigação de non facere
86
DIP admite que os Estados fiquem vinculados com a assinatura, há 3 modalidades de convenções:
1. Ultrassimplificados – CRP proíbe no art. 8º/2 que só admite 2 formas; se Portugal
internacionalmente disser que se vincula por este mecanismo há inconstitucionalidade (questão
interna que não pode ser oponível no DIP – art. 27º) e no DIP há ratificação imperfeita (art. 46º
para tratados em vigor) – art. 11º CVDT
2. Solenes – implica assinatura, aprovação e ratificação (procedimento mais exigente) – Tratado
3. Simplificados – implica assinatura e aprovação – Acordo

57
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 AR aprova tratados e acordos (art. 161º/i) – através de resolução (art. 166º/5)


 Marilu: devia de se exigir maioria qualificada equivalente à revisão
constitucional (art. 286º/2) para a aprovação de tratados de
aprofundamento e construção UE; não faria sentido que a AR aprovasse
por maioria simples um tratado cuja aplicação prevalece, em princípio,
sobre a própria CRP (art. 8º/4)
o Procedimento suspende-se com dissolução da AR (art. 172º)

 Governo aprova acordos (art. 197º/1/c) – através de decreto (art. 197º/2)


o É apreciado e votado em Conselho de Ministros (art. 200º/1/d)
o Demissão do Governo não afeta o procedimento de vinculação internacional
pois CRP nada diz, mas, está impedido de tomar decisões de ajuste e de
aprovação (art. 186º/5)87

Referendo
Pode haver referendo sobre convenções internacionais – art. 115º/3
 Apenas sobre questões de relevante interesse nacional88 (com matérias do art. 115º/4
e 589 excluídas) – versa sobre matérias e não sobre a convenção no seu todo90
 Acórdão TC 531/98 – exige-se objetividade, clareza, precisão e dalmaticidade

Iniciativa de referendo deve ocorrer antes da aprovação da convenção internacional pela AR ou


Governo, mas, não se pode convocar referendos sobre tratados cuja negociação ainda está em
curso.

Só terá efeito juridicamente vinculativo se respeitar o art. 115º/11 – se não, pode considerar-
se politicamente indicativo – sendo que sobre o PR impende a obrigação de concluir o processo
de celebração da convenção internacional em causa.
1. Obrigação de meios a cumprir no quadro das competências constitucionais dos órgãos
vinculados, pelo que a conclusão do processo interno de ratificação não é garantia da
efetiva entrada em vigor da convenção internacional, esta dependente de fatores
ligados à vontade das outras partes contratantes
2. Observância substancial da vinculatividade do referendo, de modo que a aprovação com
a formulação de reservas e etc., não abrangidas pelo referendo, não pode servir de
pretexto para esvaziamento do resultado do referendo
3. Referendo vinculativo favorável não prejudica a competência fiscalizadora do TC91, em
sede de controlo preventivo e posteriormente em controlo sucessivo

87
Só em situações de Estado de Necessidade: como o Governo demissionário que assinou Acordo da
Troika
88
JOMI: interpretação restritiva do art. 115º/3 pois só diz respeito a tratado – ele acha que todas as
matérias de interesse nacional são reservas de tratado
89
Certos tratados sobre o orçamento podem originar referendos: caso do Tratado Orçamental, que
instituiu mecanismos de disciplina orçamental e roteiro de políticas de austeridade; em virtude do
levantamento parcial da restrição material do art. 115º/5
90
Exceção do art. 295º relativo a tratados europeus – embora interpretação restritiva do TC impediu os
referendos nos casos do Tratado de Amsterdão e da Constituição Europeia
91
Embora ele já se tenha pronunciado quando escrutinou a propósito da constitucionalidade da proposta
do referendo.

58
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

3. Ratificação e Assinatura
Ao PR compete ratificar tratados (art. 135º/b) e assinar resoluções da AR ou decretos do
Governo que aprovam acordos (art. 134º/b).

Nos ACORDOS: Decreto do Gov. e resolução da AR são, ASSINADAS pelo PR (art. 134º/1/b) –
não é o momento da vinculação, esse foi com a aprovação de Decreto ou Resolução, a assinatura
do PR vale para dar existência jurídica interna (art. 137º); porque externamente considera-se o
Estado como vinculado a partir da aprovação (art. 14º CVDT).

Para que serve a assinatura do PR?


 Motivos jurídicos de haver alguém a nível máximo de olhar para o procedimento e para
a convenção e verificar se respeita a nossa constituição.
 Pode pedir fiscalização da constitucionalidade ao TC (art. 278º/1).
 Há doutrina que entende que tendo em conta a função de garante da Constituição do
PR, ele não tem liberdade de não submeter a fiscalização se achar que pode ser
inconstitucional.

Nos TRATADOS: PR é politicamente livre de RATIFICAR – por razões jurídicas é obrigado a pedir
fiscalização da constitucionalidade ou fazer veto jurídico;
 Assinatura é ato politicamente vinculado, não pode recusar por razões políticas, pode
apenas recusar por razões jurídicas, uma vez que a CRP, com esta exigência de
assinatura, quis que fosse o PR a garantir a constitucionalidade.
o JOMI: defende que PR pode recusar a assinatura (não estando vinculado
politicamente) se o que foi acordado lesa relevantes interesses nacionais
(porque ele é o garante da tutela do interesse nacional)

Pode requerer ao TC apreciação preventiva (art. 278º/1) da constitucionalidade de certas


normas da convenção.
 Art. 279º: 1) se não houver inconstitucionalidades PR decide; 2) se houver
inconstitucionalidades, como não há expurgo da norma, PR deve vetar ou recusar
assinatura, mas, pode ratificar o tratado se este for confirmado pela AR (art. 279º/4)92
o Estado pode formular reservas, se admissíveis à luz do Direito dos Tratados
 Art. 279º/4: caso dos Tratados em que PR não é obrigado a vetar juridicamente,
recusando ratificação. Ele é obrigado a deixa a AR decidir por maioria agravada.
Havendo aprovação pela AR, PR não está obrigado a ratificar pois a ratificação é livre.

Ratificação é ato livre do Chefe de Estado.


CRP não estipula prazo para a ratificação pelo que se deve aplicar um critério de prazo razoável,
para não contrariar o princípio da cooperação leal. Tem apenas consequências políticas.

Assinatura tem função certificativa/declarativa e vinculada.93

92
Mais tarde, em fiscalização sucessiva o TC pode reiterar a inconstitucionalidade e obrigar Estado
Português a desaplicar a convenção internacional, com eventual violação do art. 46º CVDT
93
Embora ele possa recusar a assinatura por motivos de discordância política o que geraria confusão
jurídica pois internacionalmente o Estado já estaria vinculado.

59
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Estes atos do PR estão ainda sujeitos a referenda ministerial (Marilu: que não pode ser recusada
porque tem natureza certificatória), sob pena de inexistência jurídica (art. 140º).

A vinculação de Portugal aos acordos ocorre quando há aprovação (no caso dos tratados, a
vinculação dá-se com a ratificação do PR) – geograficamente é em Portugal que acontece, para
ter projeção externa, tem de haver depósito ou notificação (art. 16º CVDT + art. 76º e ss CVDT)
 Atos praticados por órgãos de soberania ganham projeção internacional pelo art. 16º -
quando um nº mínimo de Estados já aplicam o art. 16º entra em vigor o art. 24º.
É preciso cumprir-se art. 16º e 24º CVDT para valer a convenção em Portugal, pelo art. 8º/2.

Vinculação é diferente da entrada em vigor – art. 24º CVDT conjugando com o nº1 e nº3 pode
definir o número mínimo.

4. Publicação
Nos termos do art. 8º/2, as convenções só vigoram na ordem interna após a publicação, pelo
art. 119º/1/b (e enquanto a convenção vigorar internacionalmente).
Sem a publicação, há ineficácia jurídica da convenção (art. 119º/2)94

Procedimento interno de desvinculação


Ausência de regras constitucionais quanto à desvinculação de convenções internacionais, mas,
um regime jurídico pode ser traçado a partir da teoria do ato simétrico.
 Procedimento para a vinculação aplica-se mutatis mutandi à desvinculação.
 Competência de decisão sobre a desvinculação cabe ao órgão que detém, nos termos
da CRP, o poder de aprovar.
o Por ser uma decisão política, não cabe ao TC fiscalizar a constitucionalidade
preventiva ou sucessiva – no entanto, os tribunais portugueses ainda poderiam
utilizar essas normas à luz do art. 8º/3

A denúncia/ retirada de um Estado enquanto parte contratante (art. 54º a 56º CVDT) é uma
prorrogativa de soberania dum Estado.95
 Se a convenção estabelecer procedimento de desvinculação, deve articular-se regime
convencional especial e a CRP, apurando quando devem intervir os órgãos de soberania
competentes. Ex: art. 50º TUE

Governo, condutor da política externa do País (art. 182º e 201º/1/a), exerce as suas
competências de aplicação e execução das convenções que vinculam o Estado Português quanto
à cessação de vigência ou de efeitos com fundamento em causas jurídicas.

Vinculação a convenções no quadro da UE


Muitas das normas jurídicas portuguesas vêm de tratados celebrados no quadro da UE, em que
Portugal participou como Estado-membro desta organização internacional.

94
Ineficácia na ordem interna, podendo já vincular o Estado português a nível internacional. Caso do
Acórdão do TC 32/88
95
Mariulu: aceita-a mesmo se for proibida pelo tratado ou contrária à sua natureza; podendo haver
responsabilidade internacional do Estado por ato ilícito

60
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Têm-se levantado problemas sobre a aplicação provisória de convénios internacionais


negociados no “quadro da UE” e rapidamente aprovados por decisão do Governo sob a forma
de acordo simplificado.
 Tese Constitucionalista: intervenção de Portugal tem de seguir estritamente a CRP na
celebração de convenções internacionais
 Tese Eurocomunitária: invoca-se princípio do DUE e a suprema vinculatividade das
obrigações enquanto Estado-membro, a CRP não deveria ser obstáculo à aplicação de
modalidades Procedimentais de decisão da UE em questões internacionais.
 Marilu: o procedimento é distinto conforme as matérias que regulam. Há duas
modalidades:
o Acordos da UE – dotada de personalidade jurídica (art. 47º UE) tem ius tractum
nas matérias de sua competência exclusiva ou partilhada. Vinculam as
instituições europeias e os Estados-membros (em Portugal, art. 8º/3).
 Portugal tem um ius tractum que é exercido em comum com a UE (art.
7º/6) e participa nesse exercício através do Conselho, pela voz do
respetivo representante ao nível ministerial96 - Governo Português
toma posição e essa é aprovada em Conselho de Ministros (art.
200º/1/c), devendo sempre informar AR (art. 161º/n; art. 197º/1/i e
etc.) que tem poderes de pronúncia, acompanhamento e apreciação
(Lei 43/2006). O Conselho é o órgão principal de decisão de vinculação
internacional.

o Acordos da UE e dos Estados-membros – fórmula de acordo misto, parte


contratante com terceiro é a UE e outra parte são os Estados membros. Há
matérias que ainda permanecem na esfera reservada ou residual da
competência dos Estados-membros, pelo que a vinculação é complexa e envolve
ius tractum da UE e dos Estados-membros segundo as suas normas
constitucionais.
 Apesar da CRP não prever a aplicação provisória do acordo ou que a
assinatura tenha efeito de vinculação, tal cai na margem de decisão do
Governo como órgão de condução da política geral do país informando
a AR.
 Se estiver em causa assuntos de relevante interesse político ou
económico (ex: CETA), relativos a competências de reserva nacional, a
posição portuguesa deve ser salvaguardada através de uma declaração
a anexar à ata da reunião do Conselho dizendo que apesar da aplicação
provisória do acordo, Portugal só se vincula após procedimentos
internos de vinculação em conformidade com CRP. Europeização do
procedimento de celebração que reforça o Executivo.
 Isto não prejudica objetivo eurocomunitário de decisão célere e
preserva liberdade de vinculação do Estado Português.97 Não há
interpretação do art. 7º/6 que obrigue à aprovação de acordos mistos

96
Marilu: tem um 1 voto dentro dos 28. Se a convenção versasse sobre matérias da competência da AR,
esta deveria aprovar resoluções não vinculativas, mas que deviam ser acatadas por força do equilíbrio
institucional, para o Governo nas negociações internacionais (que deve transmitir à AR a documentação
relativa às diretrizes da negociação)
97
Marilu: princípio da cooperação leal (art. 4º/3 TUE) mas como todos os Estados são soberanos e agem
ao abrigo do DIP, podem-se vincular ou não (ratificação é livre segundo CVDT)

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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

62
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Articulação DIP e Direito Interno


Debate doutrinário:
DUALISMO – séc. XIX – Triepel, Anzilotti
 DIP e Direito Interno são 2 realidades normativas autónomas que não se reconhecem
mutuamente – não existe comunicação direta e aberta entre fontes internas e fontes
internacionais.
 Duplo mecanismo: receção e transposição – norma internacional não tem autonomia
o Receção por ato interno específico
o Transposição por ato normativo interno
 Tudo se passa como se fosse norma interna, então
 Ideia formalista de unidade sistemática e prevalência da vontade soberana do Estado –
põe em causa o fundamento autónomo e heterovinculativo do DIP

MONISMO
 Unidade fundamental entre ordenamento internacional e ordenamento interno – com
vasos comunicantes – apesar da autonomia de cada ordenamento, eles são realidade
única.
 Correntes Monistas:
o Monismo com primado do Direito Interno – afirma a falta de autonomia do
DIP, reduzindo-o à dimensão auxiliar de Direito Estadual Externo. Relevância do
DIP depende do grau de tolerância da Constituição e legislação de cada Estado.
Assenta no dogma da autoridade normativa do Estado no quadro das relações
internacionais. É contrariado pelo art. 27º CVDT.
 Monismo com primado do DIP – parte importante dessas normas têm existência
objetiva e independente da vontade dos Estados. Kelsen: “primado DIP desempenha
papel decisivo na ideologia política do pacifismo”. Devido às ideias de Kelsen
prevalecem hoje as soluções de modelo moderado: Monismo moderado porque nas
eventuais situações de conflito, a garantia do primado da norma internacional,
enquanto regra preferente, é resolvida através da ineficácia da norma interna contrária
e devido ao art. 46º CVDT
o Art. 46º CVDT – vontade geral da comunidade internacional, se violada, viola o
DIP em geral
o CRP adota primado moderado (art. 8º, 277º/2, 204º)
o Art. 227º/2 – interpretação sistemática e teleológica inclui os acordos e só se
desaplica este artigo se a convenção aprovada for contrária a valores da CRP.

Oposição dualismo vs. monismo introduz 2 técnicas na incorporação da norma internacional no


ordenamento interno:
1. Transformação/Transposição – norma internacional sujeita a processo interno que
“nacionaliza” o seu conteúdo e transforma-a em norma interna. Ex: transposição
diretivas UE, art. 112º/8 CRP
2. Receção – norma internacional vigora no ordenamento jurídico como norma
internacional (sem necessidade de procedimentos prévios de reconhecimento,
validação ou qualificação)

63
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

a. Cláusula de Receção Automática Plena – permite a vigência interna da regra


internacional por força do simples instrumento normativo ou fonte donde
constem – art. 8º/198
b. Cláusula de Receção Automática Semiplena/Parcial – limita o campo de
aplicação a setor material definido da normatividade internacional.

DIP não regula esta matéria. Galvão Teles: “Estados têm o dever de assegurar o respeito interno
pelo DIP mas é-lhes lícito, em primeiro lugar, escolher o modo de o conseguir”.
Marilu: se um Estado tiver um modelo de transformação com forte condicionalidade,
pode haver problema de violação de obrigações internacionais, gerador de
responsabilidade internacional.99
Maioria das Constituições adota modelo da receção automática – resistência, por
motivos históricos, em Itália e Reino Unido.

Qual o lugar da norma internacional na ordem jurídica interna como parte integrante do direito
aplicável?
CRP reconhece valor supralegal aos tratados, de tal modo que a norma interna de grau
infraconstitucional não a pode contrariar, alterar ou revogar – maioria dos países.

Tribunais Internacionais e primado DIP


Consagrado no art. 27º CVDT com a exceção do art. 46º.
 Nas normas de fontes não pactícias, não existe positivação equivalente, mas, resulta de
documentos como CNU e Resoluções AGNU.
 A jurisprudência de tribunais internacionais também tem construído a ideia do primado
do DIP, vindo a ser reiterado desde a época da SDN com o TPJI – ex: Tratamento dos
Nacionais Polacos em Danzig (1932); Acordo relativo à sede da ONU (1988); Caso
LaGrand e Avena (2001 e 2004)

 Na Europa há o primado do DUE e acórdão TTJUE de 1964 reconduz a obrigação de


aplicar a norma comunitária, ainda que contrária à legislação interna posterior.
 Ao contrário do DIP, conta com meios jurídicos de efetivação do primado,
nomeadamente a ação por incumprimento contra os Estados-membros. Os particulares
podem aceder aos tribunais comuns que devem desaplicar a norma interna contrária a
norma DUE se tal se revelar necessário para garantir o exercício dos direitos dos
particulares consagrados nas fontes eurocomunitárias.

DIP e tribunais internos: efeito direto


Efeito direto100 da norma internacional permite ao particular a invocação da disposição
normativa junto dos tribunais nacionais – invocabilidade contenciosa.
 Se (e apenas se) a norma internacional apresenta uma formulação clara e precisa,
equivalente à norma interna que é fonte de direitos para os particulares, não deve ser a

98
Pode depender de normas internas de execução. Pode surgir a dúvida se se deve apelidar de
automática, uma vez que depende de exigências como a da publicação, reciprocidade ou vinculação
internacional. Canotilho, Moreira: cláusula receção condicionada. Marilu e JOMI: não adotam pois estas
são meras condições de eficácia e nada têm a ver com a origem.
99
Ex: Reino Unido aderiu em 1951 à CEDH mas só em 1998 é que, com o Human Rights Act, a Convenção
foi integrada no ordenamento jurídico inglês.
100
Associado a outros termos como o self-executing (aplicabilidade imediata)

64
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

sua origem internacional a razão de excluir ou limitar a garantia fundamental de tutela


judicial.
o Revolução coperniciana na articulação sistemática DIP e Direito Interno – norma
internacional que resulta da vontade contratante dos Estados produz efeitos
jurídicos que ultrapassam a conceção clássica de regulação de direitos e deveres
dos Estados; cidadão tem estatuto de destinatário ativo e direto nas normas
internacionais.
o Marilu: em função da natureza da norma garantidora de direitos, pode haver
uma presunção favorável ao efeito direto. No entanto, o texto pode ter como
destinatário o decisor interno e não o particular.
o Tendência para fazer do efeito direto uma regra de eficácia da norma
internacional provoca, em certos casos, reações de defesa nos Estados que, fiéis
ao dualismo, pretendem a separação entre a dimensão externa e a dimensão
interna das suas obrigações normativas e rejeitam este efeito de modo
expresso.
 Apatheid normativo que denota a rejeição do standard internacional do
bloco de legalidade ou “rule of law”.
o Já esteve previsto no DUE (ex-art. 34º TUE) mas foi afastado pelo Tratado de
Lisboa.
 Se os Estados da UE excluem efeito direto, não é acertado concluir que
a invocabilidade contenciosa da norma internacional possa representar
ou implicar, em si, uma limitação negativa da soberania do Estado –
poderia até ser mais favorável para o Estado, pois os particulares já não
recorriam a tribunais internacionais (que condenariam os Estados) e
podem encontrar esse grau de proteção a nível interno.

DIP e Direito Interno no espaço da Internormatividade global


Afastado o dualismo embora ainda subsistam procedimentos constitucionais de incorporação
da norma internacional que replicam o modelo de duas ordens jurídicas distintas e separadas.

Tendência para o “novo dualismo” no mundo aglo-saxónico em que alguns autores defendem
a soberania jurídica dos Estados que devem “filtrar” a entrada da norma internacional no
ordenamento interno.
o Argumenta-se a favor com casos como Kadi (TJUE, 2008) em que a norma
internacional é menos favorável que a interna face à proteção dos direitos
humanos.

Hoje em dia há uma vocação do DIP expansiva com ambição de regulação sobre todas as
matérias relevantes.

Rede de comunicação aberta entre normas de fonte internacional, interna e eurocomunitária


(na UE) – havendo 3 critérios em caso de conflito:
1º. Hierarquia – prevalência DIP nas normas de ius cogens
2º. Competência – remissão para o âmbito de aplicação das normas em conflito; vinculação
não pode extravasar os limites do consentimento do Estado
3º. Subsidiariedade – em áreas de sobreposição material, quando incompatíveis, deve
aplicar-se a norma que assegure uma proteção mais elevada dos valores ou interesses
visados pelo regime jurídico em causa. Limita também a preferência pelo DIP nos casos

65
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

em que a resposta no plano nacional ou regional não seja suficiente para alcançar os
objetivos definidos pela comunidade internacional.

CRP e Eficácia Jurídica nas normas Internacionais e Eurocomunitárias


CRP é exemplo de abertura ao ordenamento jurídico internacional e aos respetivos valores
fundamentais – modelo da CRP é cosmopolita, no reconhecimento dos princípios e finalidades
das RI (art. 7º), procedimental e diferenciador, pela forma como especifíca as regras de
incorporação e de eficácia das várias fontes de DIP e DUE (art. 8º) – tem uma forte expressão
positivista e exaustiva do enquadramento constitucional.
 Tem subjacente voto de confiança no DIP e no desenvolvimento virtuoso dos alicerces
da comunidade internacional como comunidade de Direito. Ex: princípios do art. 7º,
abertura aos DIP dos Direitos Humanos no art. 16º.

Art. 8º é o pórtico da CRP – no qual se garante a entrada e a eficácia das normas internacionais
e eurocomunitárias no ordenamento português.

Art. 8º/1 – DIP Geral ou Comum


Adota-se pela ordem jurídica de acordo com o sentido e relevância normativa que o
ordenamento internacional lhe atribuir (sendo também renovado ao sabor das transformações
da realidade internacional).
 Normas e princípios de alcance geral partilhados pela comunidade internacional –
costume e princípios.

Cláusula de Receção Plena – incorpora toda e qualquer norma, ato ou princípio de DIP e DUE
(critério da exaustividade)
 Tem função supletiva.
 Também se aplica a costume regional, local ou bilateral por interpretação extensiva,
teleológica e sistemática
 Produz efeitos jurídicos de forma automática sem necessitar de ato expresso de
aceitação ou aprovação – vinculação imediata e transversal das entidades públicas e
das privadas101
 Dá indicações para apurar a posição do DIP na estrutura escalonada da ordem jurídica
portuguesa, tal como o art. 7º/1 e 3 que prevê princípios gerais de autoridade
imperativa e art. 16º/2 em que as normas garantidoras da DUDH, dotadas de força de
ius cogens, terão relevância supraconstitucional – CRP deve ser interpretada no sentido
da conciliação prática com os valores fundamentais da comunidade internacional.

101
E em caso de conflito deverá prevalecer sobre o direito interno

66
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Art. 8º/2 – DIP Convencional


Condições de vigência interna e eficácia das normas de fonte convencional.
Cláusula de Receção Automática e Plena – automática porque observando-se pressupostos de
vigência internacional e da sua eficácia na ordem interna, vigora de modo automático como
norma internacional, dispensando atos de intermediação102; plena porque se aplica a todas as
convenções internacionais (tratados e acordos, bem como atos atípicos de natureza análoga).
Nos casos de convenção como membro de OI, Portugal está obrigado a aplicar as convenções
internacionais celebradas pela OI – vinculatividade resulta do tratado institutivo da OI, celebrado
no âmbito do art. 8º/2.
 Conjunção da cláusula de receção do art. 8º/2, que enquadra a aceitação por Portugal
da capacidade jurídica da OI + cláusula de receção do art. 8º/3 que determina vigência
automática e direta dos atos adotados por OI.

Nestes casos, Portugal não pode por reservas nem se desvincular (ele não é parte contratante)
– essas decisões terão de ser tomadas nos órgãos competentes da OI.

No caso dos acordos mistos há duas cláusulas de receção constitucionais distintas que devem
ser aplicadas como instrumento normativo integrado e interdependente nas soluções que
define.

Vigência interna depende da vigência no DIP em condições que vinculem o Estado Português.103
 Exigência de “regularmente ratificadas ou aprovadas” deve ser interpretada
sistematicamente com o art. 277º/2 (que foi inspirado no art. 46º CVDT)

Norma internacional de fonte convencional não tem estatuto supraconstitucional – princípio


fundamental da parametricidade máxima da CRP.
 Art. 277º/2 exprime a autoridade superior da CRP que se permite reconhecer valor
positivo e eficácia interna a uma convenção internacional cujo procedimento de
conclusão não respeitou CRP.
 Se não for possível interpretação de conciliação prática entre normas contrárias, então
cumpre aceitar o critério da prevalência hierárquica da CRP, sem prejuízo de eventual
responsabilidade do Estado Português.

Convenção internacional tem valor infraconstitucional mas supralegal – devido ao princípio


geral da boa fé (basilar no Direito dos Tratados) integrante do ordenamento jurídico português pelo
art. 8º/1 que impede o Estado de violar ou limitar os compromissos assumidos;
 Receção é automática e plena; art. 8º/2 tem pressuposto que a vinculação existe e
permanece; art. 119º tem as convenções seguidas às leis constitucionais; recursos de
fiscalização concreta com base na ideia de autoridade paramétrica do DIP (art. 70º/1/i
LTC)

102
Há cláusulas normativas non self-executing que dependem de aprovação de regulamentação interna
para que os particulares as possam invocar
103
Se deixar de vigorar no DIP, a legislação interna adotada na sequência da celebração do tratado
continua vigente na ordem jurídica e, desligada do compromisso internacional, depende da vontade do
legislador que a pode livremente alterar ou revogar.

67
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Desconformidade à CRP tem o desvalor da ineficácia (pelo que não pode ser aplicada pelos
tribunais).
 Mas, pelo art. 277º/2104, nem todas as inconstitucionais devem ser desaplicadas. Só
podem estar em causa desvios menos graves à regra da competência e à tramitação do
procedimento de vinculação internacional. Ex: aprovação de tratado pela AR por lei em
vez de resolução; aprovação pelo Governo de tratado, e não acordo, sobre matéria
compartilhada.
Desconformidade com norma legislativa resulta em ineficácia e desaplicação da norma legal
contrária ao pacto internacional.

Ratificações Imperfeitas (art. 46º CVDT vs. art. 277º/2 CRP)


Artigo é válvula de escape para “salvar a pele” de Portugal, quando estamos vinculados a
cumprir internacionalmente.
 Marilu: aplica-se também a Acordos por identidade de razão. Perspetiva Monista
apenas!

Art. 277º/2 – para continuar a cumprir internamente


Sede de fiscalização sucessiva que mantém a convenção em vigor quando haja
inconstitucionalidades orgânicas e formais em tratados já ratificados, funcionando na
contraparte

Art. 46º CVDT – para deixar de cumprir internacionalmente


Com fundamento em inconstitucionalidade orgânicas ou formais (Marilu admite materiais, para
proteger os direitos fundamentais), manifestas e de normas com importância fundamental.
Marilu: aplica analogicamente o art. 46º a inconstitucionalidades materiais (que se o DIP
reconhecer podem estar ao abrigo do art. 53º) que digam respeito a direitos humanos
– isto acontece pois, ao fazê-lo, viola o mandato político constitucional que tem.

Art. 46º CVDT: 1 – requisito formal e de competência; 2 – manifesta por outros Estados
(vítimas dessa nulidade) –“objetivamente” não necessita prova e deve ser detetável por
qualquer Estado; 3 – norma violada tem de ser de caráter jurídico-constitucional mas
doutrina exige mais que a dignidade constitucional (exige que esteja a ser violado o
equilíbrio dos órgãos de soberania no processo internacional – repartição de poderes;
tem que ser face a momento importante).

Art. 8º/3 – DIP das OI


Receção automática dos atos adotados pelas OI de que Portugal faz parte.
Dependente de:
1) atos adotados pelos órgãos competentes das OI;
2) vigência direta e automática na ordem jurídica dos Estados membros esteja
estabelecida nos tratados institutivos.

Atos normativos das OI, podem ser convenções que as próprias OI se vinculam ou atos jurídicos
unilaterais com caráter normativo – só aqueles que sejam NORMATIVOS; os atos não normativos

104
Que é extensível aos acordos, por interpretação extensiva e sistemática coerente com o art. 8º/2

68
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

das OI podem entrar no nosso ordenamento jurídico mas pelo art. 8º/1, como princípios gerais
que os Estados aceitam

Ex: “smart sanctions” (vindas do CS) seria incompatível com os direitos fundamentais da CRP e
o primado da CNU (art. 103º), não legitima a violação de princípios constitucionais basilares
que positivam direito internacional geral e imperativo (ius cogens)

Conflito com convenção internacional – tende a prevalecer a norma ou princípio de DIP

Art. 8ª/4 – DUE


Fundamenta a eficácia direta das normas e atos jurídicos da UE nas suas várias dimensões de
interseção com a ordem jurídica portuguesa:
1) norma eurocomunitária prevalece sobre a interna (em situação de colisão);
2) norma eurocomunitária é diretamente aplicável no caso dos regulamentos (e
transponível no caso das diretivas);
3) verificados os pressupostos do efeito direto (natureza clara, precisa e incondicional) é
fonte de direitos e deveres para os particulares, que os podem invocar no âmbito dos
tribunais nacionais.

“nos termos definidos pelo direito da União” é vago o suficiente para consentir primado DUE –
verdadeira cláusula europeia está no art. 7º/6.
 É muito importante a imposição de limites com o “respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de Direito Democrático”.
 Primado DUE não engendra relação típica de infra e supra-ordenação entre normas –
norma eurocomunitária prevalece sobre a interna porque é materialmente competente
para regular o litígio concreto105.
o Princípio contratualista (Caso Costa c. Enel, 1964) como alicerce do primado
(pois a ideia de autolimitação interna é fundada neste princípio) não põe em
causa as Constituições dos Estados-membros.
o CRP em relação ao primado tem duplo efeito: efeito habilitador e legitimador e
efeito limitador ou de reserva.
o No domínio dos direitos fundamentais é muito residual e mesmo improvável o
risco de colisão.
 Art. 53º CDFUE proíbe a interpretação das normas garantidoras no
sentido de restringir ou lesar direitos humanos mesmo que de outras
fontes. Art. 4º/2 TUE impõe à UE e aos seus tribunais o respeito pela
“identidade nacional” em que se consagram as opções constitucionais.
Na aplicação do primado TJUE tem diálogo aberto e dinâmico com os
TC e TEDH.

Não é cláusula de “suicídio constitucional”. O verdadeiro risco para a autoridade normativa das
Constituições nacionais não é a exigência e aplicação do primado DUE, mas os constrangimentos
de natureza financeira e orçamental, embora apresentados como corolário do primado e da
exigência jurídica da prevalência dos Tratados.

105
Relação DUE e Direito Interno constrói-se com base no princípio da competência atribuída e por
referência ao princípio da colaboração ou da complementaridade funcional entre ordenamentos
autónomos.

69
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Ex: Tratado Orçamental, entra pelo art. 8º/2. Não estando a regra de ouro (do limite dos 0,5%
do PIB para o défice estrutural) inscrita na CRP e não beneficiando da autoridade reforçado de
um tratado constitutivo da UE ao abrigo do art. 8º/4, é falaciosa argumentação falar da
relevância supraconstitucional ou paraconstitucional do Pacto orçamental. Não pode ser
invocado para derrogar ou suspender os direitos fundamentais ou princípios constitucionais.

Nas questões administrativas, art. 266º/2, nas referências à lei fala-se de um “bloco de
legalidade” que integra as normas eurocomunitárias.

Há pouca jurisprudência do TC face às obrigações jurídico-constitucionais derivadas da


integração na UE.
 Decidiu: não conhece os pedidos de fiscalização de normas internas por alegada
violação do DUE derivado, seria ilegalidade indireta e TC não se deve pronunciar; afasta
a sua competência em relação a pedidos resultantes de alegada desconformidade entre
norma interna e normas de tratados institutivos – no fundo, limita-se a aplicar a
doutrina definida pelo TJUE no caso Simmenthal.
 TC não está impedido de exercer a sua função de guardião da CRP quando a ameaça ou
ofensa resultarem de norma de DUE, mas deve, antes de decidir, dar oportunidade ao
TJUE para se pronunciar sobre questões que são da sua competência exclusiva (as
relativas à interpretação e à apreciação da validade do ato jurídico da UE em causa.106

Caso norma prevista numa instituição europeia for contrária a convenção internacional ou
decisão de OI?
 Art. 8º/4 indica que a prevalência está do lado da norma eurocomunitária pois remete
para os termos definidos na ordem jurídica eurocomunitária.
o Tribunais nacionais devem garantir essa prevalência com base em norma de
DUE, paralisando a eficácia jurídica das normas DIP (o que não afetará a sua
vigência em casos futuros que não envolvam norma eurocomunitária
prevalecente).

TC deve procurar o sentido da norma constitucional que se mostre mais adequado à garantia da
eficácia plena na regra eurocomunitária – por força do art. 8º/4 e do princípio da cooperação
leal (art. 4º/3 TUE)

Cidadão pode requerer a Câmara Municipal para que ela cumpra uma diretiva da UE ainda não transferida
e com requisitos mais exigentes que os atuais?
 Art. 8º/3: efeito direto (aplica-se diretamente) exceto as diretivas (art. 112º/8 – transposição
diretivas para OJ portuguesa) que em rigor não são diretamente aplicáveis. Se prazo de
transposição já passou, então a norma pode ser invocada em litígio nos tribunais (art. 266º).
Particular pode invocar, mas se não estiver transposta, a Câmara deve respeitar a lei portuguesa

Diretiva pode contrariar CRP? Podia haver diretiva para aplicação de número único contrariando art.
35º/5
 Art. 8º/4 – primado DUE subordinado a EDD: princípio da separação de poderes e respeito a
direitos fundamentais tal como as CRP os prevê. Aqui não poderia acontecer essa transposição
pois viola CRP nos seus direitos fundamentais.

106
“Diálogo juiz a juiz”

70
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Sujeitos DIP
Entidades com personalidade jurídica internacional – suscetibilidade de ser titular de direitos e
sujeito a deveres, previstos e impostos pelo ordenamento jurídico internacional107.

Com a personalidade vem a capacidade:


 Capacidade de gozo: medida da suscetibilidade
 Capacidade de exercício: aquilo a que o sujeito está especificamente sujeito
 Tem que ser percecionada de ponto de vista dinâmico de interação, movimento
e comunicação.

Pluralidade de sujeitos com realidades diferentes – assimetria neste quadro jurídico


internacional: Estado, OI, Indivíduos e outros (Santa Sé, Ordem Malta, Cruz Vermelha – sujeitos
por razões históricas);
ONG – com influência e peso mas com uma atuação interna e, mesmo que atuem
transnacionalmente isso não lhes confere personalidade jurídica internacional
 Diferença entre sujeito internacional e ator internacional (que pode ter personalidade
jurídica ao abrigo de direito interno (Greenpeace é holandesa)
o Sujeito – conceito jurídico
o Ator internacional – qualquer entidade que tenha influencia mundial
o Art. 71º CNU – ONG estão a ser reconhecidas como sujeitos DIP pois têm direitos
reconhecidos de observador (meio caminho entre ator e sujeito)
Multinacionais influenciam governos e doutrina anglo-saxónica reconhece uma evolução e
fala numa personalidade jurídica internacional embrionária.

Atributos da personalidade jurídica internacional


 Classicamente: ius tractum, ius legatione, ius belli108 (que o DIP contemporâneo proíbe
e deixou de fazer parte da personalidade jurídica internacional – art. 4º/1 CNU com
exceção no art. 51º CNU e cap. VII da Carta)
o Não faz sentido tais atributos para o indivíduo – faz sentido é atribuição de
direitos e sujeição a deveres.

Estado
Estado Soberano é paradigma de sujeito DIP e pode coincidir com plenitude de direitos e
deveres – na ordem internacional é o Estado soberano que beneficia de personalidade e
capacidade jurídica genérica, podendo ser titular de todos os direitos que essa ordem venha
a prever.
 Sujeitos de capacidade plena – Estados Soberanos
o Plano interno: exerce poder supremo que se sobrepõe a todos os outros
poderes – surgimento histórico do Estado como afirmação face a poderes
internos concorrentes e ao externo do Papa/imperador; monopólio do exercício
da força (Weber)
o Plano internacional: Estados independentes e iguais (modelo vestefaliano)

107
JOMI: Podendo entrar em relações jurídicas sendo destinatário direto de normas.
108
JOMI: Acrescenta-se novo direito aos Estados que é o da reclamação ou impugnação
internacional, destinado à defesa dos interesses dos Estados perante os órgãos políticos e
jurisdicionais de entidades internacionais.

71
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Sujeitos de capacidade limitada – Estados com Soberania Reduzida109


o Estados Vassalos – adstritos a outros Estados não podendo exercer alguns dos
seus direitos sem autorização desses
o Estados Protegidos – sujeitos a supremacia territorial de outro
o Estados Exíguos – delegam/confiam a outros Estados as responsabilidades de
certas matérias na negociação no plano externo110; não têm plena capacidade
internacional pela sua exiguidade e estão dependentes dos Estados limítrofes
ou vizinhos
o Estados Confederados– mantêm soberania no plano interno e abdicam no
plano externo
o Microestados – dificuldades na representação e dependentes dos vizinhos
o Estados Ocupados e Divididos – situações excecionais decorrentes da guerra e
outras formas de limitação político-militar
o Estados Não-Soberanos – sem acesso à vida internacional que só têm
soberania na ordem interna e não externa. Ex: Estados federados

Ao lado do Estado temos as Entidades Pró-Estatais:


 Rebeldes Beligerantes – objetivo político de obrigar a substituir-se o regime político do
seu Estado através de rutura constitucional, controlando já partes do território
o Diferentes dos insurrectos que não são sujeitos de DIP pois ainda não têm
controlo efetivo sobre uma parcela do território
 Movimentos Libertação Nacional - age em nome de um povo que pretende erigir em
Estado e não exercem efetivamente poder efetivo sobre todo o território, querem criar
um novo Estado

Ao lado Estado temos, também, as Entidades Não-Estatais111:


 Comungam de formação independente de tratado, natureza não político-temporal dos
seus fins, independência em relação aos Estados, base não territorial e caráter
comunitário e institucional.
o Santa Sé; Ordem de Malta; Cruz Vermelha

Reconhecimento do Estado
Como sabemos se um Estado existe? Qualidade de Estadualidade (statehood)
Reconhecimento – ato jurídico unilateral em que um sujeito de DIP constata a existência de
determinada situação suscetível de produzir efeitos jurídicos e afirma-a como conforme ao
Direito.
Pode ter natureza Constitutiva ou Declarativa:
 Constitutiva – O reconhecimento dá ao Estado a qualidade de sujeito de DIP, eventos
anteriores são irrelevantes
 Declarativa – Estado existiria desde que efetivamente se achassem reunidas as suas
condições de existência sendo que se limitaria a verificá-las, havendo efeitos retroativos

109
JOMI: Regiões autónomas e seus poderes internacionais: poderes de prossecução (art.
227º/1/s, t, u, x) que são significativos mas que não tornam as regiões autónomas sujeitos de DIP.
Cooperam com entidades também desprovidas de personalidade jurídica internacional
110
Se não há delegação de competências são só pequenos Estados são soberanos
111
Que, como as Pró-Estatais, são sujeitos de DIP

72
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

o Esta é a que prevalece, em que o Estado é reconhecido verificando se os


preceitos da Convenção de Montevideo estão preenchidos

Sudão do Sul – reconhecido na ONU


República Turca Norte do Chipre, Kosovo, Palestina – não reconhecidos na ONU

O que lhes falta para o reconhecimento declarativo destes Estados?


Convenção de Montevidéu (1933) identificou critérios:
1. População permanente – não impede que seja nómada (caso das reivindicações
independentistas do Saara Ocidental desde 1965), nem que tenha uniformidade étnica
– no fundo, exige-se um povo112
2. Território determinado – exige-se um núcleo territorial (terrestre e marítimo);
acautelando os Estados com disputas territoriais
3. Governo – não como o Executivo mas sim como o conjunto de órgãos que representam
o Estado internacionalmente. Reconhecimento declarativo é fundamental
a. No caso do Sudão do Sul, todos reconhecem legitimidade, no caso da República
Turca do Norte Chipre apenas 1 Estado reconhece (a Turquia; os outros não
reconhecem porque se usou da força para criar Estado dependente da Turquia)
b. Mais de 100 Estados reconhecem o Kosovo, mas falta o reconhecimento
instantâneo da admissão na ONU e o reconhecimento geral da comunidade.
Declarou independência como ato unilateral (2008) mas Sérvia não reconheceu
pois violava respeito pelas fronteiras (utis possidetis), no entanto, isso colide
com o princípio da autodeterminação dos povos.
i. Parecer TJ sobre compatibilidade com DIP: não viola regras
ii. Mas houve países que não reconheceram, como a Rússia (que veta no
CS a entrada do Kosovo na ONU), aliada política da Sérvia, e a Espanha
(que reconhecer legitimidade a um movimento independentista noutro
país seria enfraquecer a sua posição face aos movimentos separatistas
internos)
4. Capacidade de se relacionar com outros Estados

Quando se justifica o reconhecimento?


 Teoria da Efetividade – quem pode, pode; ex: poder é assegurado
 Teoria da Legitimidade – quem deve, pode; ex: Governo no exílio que representa
democracia dum Estado que agora é dominado por grupo usurpador
Discussão fomentada por Rawls – que admite convivência de governos democráticos e
outros não-liberais.

Marilu: Tese da Legitimidade tem subjacente uma utopia nas relações internacionais (que se
deveriam basear em valores éticos e humanitários – cumprimento dum mínimo ético em que se
cumprem regras fundamentais do direito dos povos) e a Tese da Efetividade assenta no
realpolitik, em que não importa tecer juízo sobre se é legítimo ou sobre a natureza do
regime em apreço

112
Daí muitos questionarem se Vaticano é verdadeiro Estado, pois não tem um povo (e até não se
reproduz)

73
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Levada ao extremo a Tese da Legitimidade poderia levar a que Estados não se


relacionassem com outros porque houve golpe de Estado, mas, Estados relacionam-se
com Estados e não com Administrações.
o O reconhecimento de um Estado envolve a aceitação do seu direito
fundamental pelo que no domínio da mesma Constituição ou regime,
novos governantes não têm de ser reconhecidos. Mas, quando há fase de
rutura e transição constitucional, o novo regime tem de ser reconhecido,
por uma questão de segurança das RI, quais as condições que dispõe o
novo poder para cumprir os compromissos internacionais do Estado.
 Reconhecimento de Governo não faz surgir novo sujeito de DIP e serve
para reconhecer quem é que responsabiliza e quem representa esse
estado (casos de ruturas constitucionais)

 DIP dá abrigo à Tese da Efetividade devido à estabilidade das Relações Internacionais


e para não dar aso a um subjetivismo político.

Reconhecimento pode ser:


 Expresso
 Tácito – quando se envia embaixador, negoceia tratados e etc.
 de Má Fé – quando for prematuro, pois é ato de ingerência do Estado que perde o
Estado que estou a reconhecer.

Organizações Internacionais
Sujeito de DIP sem base estatal.
Capacidade Jurídica Plena está limitada pelos Tratados Institutivos – só podem fazer o que está
no pacto constitutivo (limitação da sua natureza).

Indivíduo
Indivíduos sempre tiveram relevância jurídica, que não equivale a personalidade jurídica.
 Para que tenha personalidade jurídica internacional tem que ser destinatário de
normas de DIP e poder relacionar-se com os outros sujeitos de DIP
estabelecendo-se direitos e deveres.

Desde DUDH, 1948, reconhecimento expresso da DPH – individuo ganhou dimensão que o
conduziu a ser sujeito ativo de DIP;
 Abandonando princípio da proteção diplomática (em que o Estado se compromete a
proteger os seus cidadãos nos outros Estados) – não como dever, mas como
prorrogativa/faculdade pois só o fazem na medida que o queiram ou possam fazer
(depende das Constituições internas).
o DIP Clássico: proteção ao indivíduo era como sujeito passivo e dependia do que
o Estado podia fazer e o que os outros deixavam fazer.
A partir de 1948 o Indivíduo torna-se:
 Sujeito de direitos
 Com projeção da sua esfera jurídica a nível internacional

74
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

 Sujeito a deveres (daí surge TPI, com tipificação de crimes – deveres de não adotar
certas condutas)
 Possibilidade de invocar esses direitos (acesso à justiça)
o Evolução no sentido de se criar comités (órgãos administrativos que servem para
receber queixas dos particulares e depois fazerem recomendações aos Estados,
que as analisam)
o Direito de acesso aos tribunais existe mais a nível regional – TEDH, TJUE e etc
onde já fora dos tribunais internos conseguem fazer valer a sua voz.

Organizações Internacionais
São pessoas coletivas de DIP113.
Elemento material/substrato é o agrupamento de Estados e, eventualmente, de outros sujeitos
 Congregação de Estados ou outras entidades de DIP – depende do tratado institutivo
Elemento formal é a personalidade jurídica internacional conferida pelo tratado institutivo).
 Criadas por tratado (ou outro instrumento de relevância no DIP) – estabelece os fins e
os meios da OI, relações com membros e outros sujeitos de DIP, âmbito geográfico,
caráter aberto ou fechado, sistema de órgãos e respetivas competências e formas de
agir
o Criadas para prosseguir objetivos comuns (atribuições), tendo para isso poderes
próprios
o Verifica-se o âmbito da OI, que só pode fazer aquilo que o tratado institutivo
permitir
o Organização funcional em órgãos comuns (estrutura funcional)
o O seu fundamento e regulação é o DIP
 Tratado institutivo é a origem e fundamento da ordem jurídica de cada organização.
Confere-lhes personalidade jurídica, a qual vale quer em relação aos Estados-membros,
quer em relação a terceiros Estados e outros sujeitos de DIP.

Origem
Séc. XIX em que a 1ª OI seria a Comissão de Navegação do Reno (1815) que resolvia questões
práticas; 2ª SDN evoluiu para resolver questões militares e económicas e após 1945 há uma
proliferação de OI.
Várias naturezas:
 Parauniversal – ONU, com 193 membros e 17 agências especializadas (família da ONU,
parauniversal e com objetivos específicos e relação umbilical de vinculação à ONU);
 Regional – de âmbito geral (Conselho da Europa); de âmbito específico (OPEP)

A sua estrutura também se distingue pela questão da gestão de soberania


 Clássica – intergovernamental, societário
 Supranacional – integração, comunitário
o Marilu: ONU é híbrida – casos de intergovernamentalidade na igualdade
soberana dos Estados e de integração nas decisões do Conselho de Segurança

113
Não se confundem com ONG que são pessoas coletivas de direito interno.

75
Sebenta DIP – DNB 2016/2017

ONU
Sucessora SDN e pensada quando a guerra ia a meio.

CNU é pensada na Conferência de S. Francisco – aprovada entra em 26/6/1945 e entrou em


vigor a 25/10/45 – cujos membros originários da ONU são os presentes nessa Convenção.
 Funcionamento inicial em Londres.

Convenção internacional que positivou muitas normas costumeiras e algumas de ius cogens
(art. 2º/6)
Tem estrutura vasta e aperfeiçoada (face à SDN) e foi investida de poderes jurídicos que lhe
permitem atingir todos os problemas mundiais, tendo sido construída como o repositório dos
grandes princípios das relações entre todos os Estados e tendo primazia sobre quaisquer outras
obrigações internacionais (art. 103º CNU)
 Art. 103º CNU – norma de conflitos – primado da Carta relativamente a todas as
obrigações internacionais adotadas pelos Estados.

CNU modificada até hoje, muito parcelarmente, 3 vezes – tema de discussão é o da reforma
institucional e administrativa da ONU em certos pontos.
 Sujeita a revisão – art. 108º e 109º - mas nunca foi revista em termos substantivos (só
sofreu adaptações menores) porque há procedimentos diferentes (comum: acordo
expresso de concordância de membros permanentes do CS)

Órgãos:
 Assembleia Geral – órgão de participação de todos os Estados em pé de igualdade e,
além do debate da política mundial, orienta a vida interna da ONU – cada Estado, um
voto (art. 18º/1)
 Conselho de Segurança – órgão político central de decisão, encarregado da manutenção
da paz e segurança internacionais.
 Secretário-Geral – tem poderes próprios e de cariz político.
 Art. 57º - “Família da ONU” – instituições/agências especializadas, em princípio
independentes da ONU e cada uma com personalidade jurídica internacional própria,
mas, ligadas à ONU através de acordos celebrados.

Art. 4º CNU – membros (só podem ser membros Estados, que têm vindo a aumentar desde as
descolonizações e etc.)
Recomendações CS (art. 27º) começou a vigorar a “porta aberta” e todos os Estados que
o possam ser, devem ser admitidos (situações como Kosovo e Palestina – que hoje é um não-
membro observador, desde 2012, pois não passou por deliberação do CS porque vem do costume
de se um Estado está numa agência especializada da ONU, pode ser observador)

Princípios conformadores: proibição do uso da força; igualdade soberana e proibição da


ingerência

Áreas de atuação: umas resultam da CNU e outras resultam de costumes (adaptação e evolução
vem de prática internacional, pois a Carta é difícil de rever) – direito onusiano vai além da CNU
Ex costume: operações de manutenção da paz (capacetes azuis) que são órgãos
subsidiários e não previstos na Carta (nem no cap. VI nem VII) – surge das necessidades
da prática. Natureza subsidiária que dá à ONU visibilidade.

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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Não se aplica cap. VII pois é muito difícil conseguir unanimidade nos membros permanentes no
CS. Mas, se há consenso no CS para criar operações de manutenção da paz, porque não se usa
cap. VII?
 Implicações para os Estados, pois está-se a ativar a atuação militar da ONU.
 Domínios de atuação em 4 pontos: segurança coletiva; autodeterminação dos povos
(não previsto na CNU pois na Convenção de S. Francisco havia membros com impérios coloniais
– não foi com base na CNU que se fez a descolonização mas sim com base na magna carta da
descolonização); proteção de Direitos Humanos; Responsability to Protect.
Instrumentos/meios jurídicos de ação
Estrutura institucional complexa, art. 7º

Relação dos órgãos – caso de crise internacional: art. 24º define principal responsabilidade
(não é competência exclusiva) do CS; art. 12º estabelece cláusula inibidora (lei travão) em que
AG não deve apreciar questões em que o CS esteja a exercer competências114 (critério da
prioridade: 1º CS e depois AG)

Atos jurídicos: recomendações AG e decisões CS – art. 25º (têm força vinculativa no âmbito do
cap. VII)

Questão do Duplo Veto


Afastamento do princípio da igualdade soberana dos Estados.
Carta consagra direito de veto aos membros permanentes do CS e na realidade há um duplo
veto pois a qualificação da questão como processual ou não processual é algo não processual,
logo, sujeita a veto.
 Art. 27º: votação CS
o 1ª coisa a fazer é qualificar se a questão a tratar é procedimental (e aplica-se
art. 27º/2) ou substancial (aplica-se art. 27º/3).
 Nessa primeira qualificação (definido pelo Regime de Deliberação do
CS) vota-se nos termos do art. 27º/3.
o 2ª coisa a fazer é votar conforme art. 27º/2 ou 3

 Distinção nos nº2 e 3 – regra do Duplo Veto: qualificação da questão em procedimento


e não procedimento é pelo nº3 e não pelo nº2, logo, sujeita também a veto.
o Fala-se num duplo veto pois os membros permanentes têm veto na decisão se
é procedimental ou substancial e depois têm também o poder de veto na
deliberação, em si, do art. 27º/3.

114
O que significa estar a exercer competência? Na Resolução Unidos para a Paz, Acheson (1950) – CS
quando não tem condições a AG delibera.
Marilu: disposição contra legem que alterna CNU à margem e adquire-se costume que altera art. 12º e
24º. Mas hoje esta invocação era inaplicável pois AG não tem maioria que ponha em causa CS.
Enquanto CS estiver a ocupar-se de qualquer conflito ou situação no exercício das suas funções,
AG pode discuti-lo mas não poderá emitir nenhuma recomendação sobre esse conflito ou
situação, a não ser que o próprio CS lho solicite (art. 12º/1). Prevalece, nesta hipótese, a
competência do Conselho.

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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Teoria dos Poderes Implícitos


Além dos poderes explicitamente declarados nos tratados constitutivos, deparam-se poderes
implícitos115 das OI – poderes que elas invocam para a prossecução dos seus objetivos, sejam
faculdades abrangidas nos poderes explícitos ou poderes conexos novos.116
 Caso das Operações de Manutenção da Paz, no âmbito do cap. VI-bis
 Cláusula expressa no Tratado da Comunidade Europeia (art. 308º).
 Aplica-se-lhe o princípio da subsidiariedade e uma exigência de equilíbrio.

ONU pode exercer não apenas os poderes da CNU mas também aqueles que, não estando
previstos, são necessários para manter a paz e etc. (princípios como os do preâmbulo) –
compromisso entre poderes necessários e soberania dos Estados.
 Há uma lógica de quem pode o mais, pode o menos.

115
Nasce no constitucionalismo dos EUA e no séc. XX passa para DIP e direito das OI sendo corroborada
por pareceres do TIJ (1. Parecer prejuízo, 1949; 2. Despesas da ONU nas operações de manutenção da
paz, 1962)
116
Mas o que é implícito são os poderes e não os fins!

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Sebenta DIP – DNB 2016/2017

Proteção Internacional dos Direitos Humanos


Enquadra-se a proteção de minorias, a proteção diplomática, a proteção humanitária e
a proteção dos refugiados.
 Tudo isto se entrecruza com a subjetividade internacional do indivíduo.

Proteção internacional da pessoa humana117 ainda quando não consiste na atribuição


direta e imediata de direitos internacionais aos indivíduos, visa assegurar direitos eles e
assegurá-los perante o próprio Estado de que são membros.

Proteção internacional no plano universal – deriva de uma matriz europeia, pois já há uma
proteção regional na Europa.

Fontes plurais:
 Carta internacional Direitos Humanos (consagra DUDH, 1948 – base e matriz para tudo
o que se seguiu tendo direitos civis, políticos, sociais e económicos) e 2 Pactos 1966
(Pacto Internacional Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional Direitos Económicos
e Sociais)118
o DUDH – foi a que foi mais longe em termos de direitos – art. 25º
 Não é convenção, mas vincula os Estados porque codifica os princípios
de direito assumidos como costume – princípios contidos ou
refletidos nos artigos da DUDH, quer se entenda que se reconduzem a
fontes materiais ou formais, são princípios gerais de DIP e eles projetam-
se sobre os Estados-membros da ONU e sobre quaisquer Estados.
 Foi a partir da DUDH que os princípios atinentes aos Direitos do
Homem se difundiram e começaram a sedimentar-se na vida
jurídica internacional, a ponto de alguns serem elevados a
princípios de ius cogens.

Numa declaração há dimensão de proclamação e dimensão de garantia.


 Há normas proclamadoras e outras que garantem – têm que estar relacionadas pois
“sem garantias de pouco serve a proclamação” (Marilu).
o O sistema internacional falha, pois na proclamação o sistema é completo mas
nas garantias há pouca certeza.
 Não há tribunais internacionais competentes para julgar violações de
DH e que esteja acessível ao indivíduo (não existe o “TIDH”)

O que há, então?


Basicamente há Garantias Administrativas: ACNUR, Conselho de DH (que pode seguir para CS e
que aprova resoluções), Comités119 (função de receber queixas e averiguar de forma a dirigir
recomendações) – não substituem tribunal mas são importantes porque garantem investigação
e publicidade120.

117
Direitos do Homem vem do Francês; Direitos Humanos vem do Inglês (mais abrangente porque
ultrapassa a questão de género)
118
Também a obra das organizações especializadas da “família” da ONU têm sido importantes
da proteção dos direitos do homem. E a existência de pactos é por razões pragmáticas de tornar
mais fácil ou maleável a vinculação dos Estados.
119
Comité dos Direitos do Homem surge na sequência do Pacto de Direitos Civis e Políticos
120
Não deixam o indivíduo sozinho contra o seu Estado.

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Na proteção penal existe TPI – criado pelo Estatuto de Roma (1998) e funciona desde 2002 – é
sucessor de tribunais ad-hoc.
 Justiça penal internacional assenta em princípios de complementaridade e
subsidiariedade121 (julga-se nos tribunais nacionais crimes de natureza transnacional –
se não se fizer, o TPI pode fazê-lo).
 Só pode julgar pessoas nacionais de Estados que ratificaram o Estatuto ou pessoas a
partir de uma resolução do CS no âmbito do cap. VII122 (mesmo que o Estado não tenha
ratificado o Estatuto – art. 27º/2 CNU)
o Jurisdição facultativa

Nível Regional
Conselho da Europa: não se confunde nunca com o Conselho Europeu nem com o Conselho da
União.123
 Tem ação política abrangente e cujo legado é proteção DH – matéria central é CEDH124
(assinada em 1950 e entrou em vigor em 1953 – Portugal só aderiu em 1978).
o É o texto da convenção + protocolos adicionais (processuais, de entrarem em
vigor e após todos ratificarem, e sobre direitos, entram em vigor após nº mínimo
de ratificações)
o Ex: protocolo 13º (2003) – está em vigor mas não vincula todos – proíbe pena
de morte e substitui protocolo 6º (que ainda admitia exceções) – dos 47 só 44
ratificaram
 É OI criada pelo Estatuto de Londres em 1949 e atualmente tem 47 Estados.
 Organização com ideal de democracia, DH e EDD – adesão é através de convite e não de
pedido, após averiguar-se os requisitos mínimos.
 Texto dinamizado por revisões e interpretações teleológicas, sistemáticas e ativistas do
TEDH.

Diferença da “grande Europa” do Conselho para a “pequena Europa” da UE (que para proteção
DH tem Carta Fundamental de Direitos, inspirada na CEDH – letra da carta foi-se adaptando;
ex: no ano 2000 a redação art. 12º do casamento já não fala em homem e mulher – anexa à
CEDH mas só vincula 28)
 Textos apresentam mínimo de coerência, mas podem divergir – art. 53º é cláusula
aberta como fundamento para o nível mais alto de proteção: aplica-se a norma que
para o caso garanta o nível de proteção mais elevado.
o Interpretação à luz do princípio do tratamento mais favorável;
interpretação à luz de um princípio de progressividade da aquisição dos

121
Qualquer tribunal internacional é complementar e subsidiário aos nacionais, que pelo art. 8º/2 CRP
são obrigados a usar normas de DIP e a julgar (sendo que DUDH tem valor constitucional pelo art. 16º/2)
em Portugal
122
Sendo que 3 dos 5 membros não assinaram o Estatuto e querendo constantemente bloquear
funcionamento do TPI, não parece plausível de acontecer
123
Conselho Europeu: é instituição da UE que reúne chefes de Estado e de Governo dos Estados-
membros. Instituição política de decisão e importante.
Conselho da União: é instituição da UE em que os representantes são ministros. Ex: ecofin e etc.
124
Foi o primeiro texto de proteção a nível regional e que introduziu o acesso direto do indivíduo a uma
instância internacional para defesa dos seus direitos contra o próprio Estado. Veio a ser complementado
por 14 protocolos adicionais (uns acrescentando novos direitos à Convenção e outros regulando matérias
organizatórias ou processuais)

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direitos e não regressividade; proibição de certos tratados e as reservas


face a normas de proteção têm de ser aceites pelos órgãos.
o Regra básica face ao direito interno é a da ressalva das disposições mais
favoráveis – o sentido da proteção internacional é o da máxima proteção
possível dos direitos da pessoa humana.

Dualidade de textos implica 2 mecanismos judiciais


 TEDH vincula 47 Estados, aplica e interpreta a convenção
 TJUE é só para os 28
 3º mecanismo: tribunais nacionais
o Relação triangular de coordenação: proteção nacional, europeia e euro-
comunitária

Problema da uniformidade de jurisprudência:


i. TEDH decide vinculativamente face aos nacionais125;
ii. Relação TEDH-TJUE há cooperação formal (remetem para a jurisprudência um do outro),
colidindo não haveria mecanismo e prevaleceria TEDH pondo em causa TJUE (numa
posição de subordinação, pois do TJUE ainda se poderia ir ao TEDH)

Pedido formal da UE aderir à CEDH – assim os mecanismos eram melhores.


 Acordo só se conseguiu após Tratado de Lisboa e perguntou-se a TJUE se UE poderia
aderir à CEDH e TJUE responde (de novo) não. 126
o TJUE tem o monopólio da interpretação dos Tratados da UE.
 Marilu: Objetivo simbólico, mas em que as negociações estão suspensas pois não há
vontade política nem expediência técnica.

Mecanismo de queixa – TEDH tem jurisdição obrigatória (desde 1998) e passa a ter instância
aberta às queixas dos particulares – sistema totalmente jurisdicionalizado em que qualquer
pessoa singular o pode fazer (estando sob a jurisdição de um Estado) - art. 24º.
 Limites no art. 35º em que só podem apresentar queixa se se tiver esgotado a
possibilidade de defesa nos tribunais nacionais – só não é assim se houver morosidade
na justiça interna e Portugal tem sido condenado por excesso de morosidade e por
violação da liberdade de expressão. Estado viola através dos seus tribunais.

125
TEDH pode receber petições de qualquer pessoa singular, ONG ou grupo de particulares que
se considere vítima de violação por qualquer Estado vinculado pela CEDH.
Não anula nem revoga as decisões dos Tribunais Nacionais. Decide se houve ou não violação dos
direitos garantidos pela Convenção e impõe que se conceda à vitima uma reparação razoável.
126
Não se fez a UE aderir à CEDH e preferiu-se fazer Carta de Direitos Fundamentais da UE, que alarga
substancialmente o acervo de direitos e oferece uma melhor sistematização, embora seja menos
pormenorizada. Nenhuma das suas disposições deve ser entendida como restrição à CEDH.

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ANEXOS:
Aula Marilu
20/9/2016 – Abertura da 71ª Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque; sessão prolonga-se
até ao Natal e inauguração tem a maior parte dos chefes de Estado (discussão de política externa
e multilateral de cada Estado)

Carta em vigor desde Outubro de 1945

ONU é organização internacional e tem 193 estados e uma natureza para-universal,


representando toda a comunidade internacional e do multilateralismo.
ONU é organização limitada e no centro das críticas:
 Impossibilidade de rever a carta – que necessita de uma revisão ao nível da estrutura
jurídico-institucional em relação ao conselho de segurança; necessita do acordo dos 5
membros permanentes (França, EUA, Rússia, China, Reino Unido) sendo que qualquer
um tem direito de veto127
 Texto da carta não é fechado e é objeto de interpretação criativa – através da prática
institucional (ex: abstenção deixou de ser veto); através do tribunal internacional de
justiça
 Ausência de instrumentos e argumentos que possibilitam ONU ocupar o lugar dado em
1945 – falta de efetividade impede que seja o “Governo Mundial”128
o Falhou na congregação de todos os Estados para garantir a paz e a segurança
internacional
o Preâmbulo tem objetivos muito amplos e faltam meios jurídicos efetivos de
ação – que deviam ser instrumentos integrados na sua ordem jurídica
 Carta só tem o cap. 7 que nunca foi exercido;
 Poder de “polícia do mundo” nunca exercido pois as superpontências
avançaram sempre em nome da ONU para a defender
 ONU não dava resposta pois estava bloqueada pelos membros do
conselho de segurança – fizeram-se coligações, maior parte lideradas
pelos EUA, com ou sem ratificação da ONU (ex: guerra no Afeganistão,
Síria e etc.)

Objetivos do Milénio foram feitos para mover a organização – o que move as instituições é o ter
objetivos
 ONU para e morre se não tiver uma agenda
 Foco até 2030 é o desenvolvimento sustentável

2016: 65 milhões de refugiados – exige-se uma resposta urgente e estrutural; para além da
resposta, tem que haver uma mostra de capacidade, já que há falta de vontade política dos
Estados
 Problema do Unilateralismo – sem relações com outros Estados

127
Poder de veto no art. 27º - sendo que uma norma costumeira derrogou o preceito que não permitia a
abstenção (e a tomava como veto)
128
Enorme expectativa atribuída nos anos 1940; após substituir a “Sociedade das Nações” que falhou ao
não impedir a guerra

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o Países Grandes: posso, quero e mando – EUA, não destroem as relações pois
não se importam de ter relações consigo mesmo devido a serem potências
económicas e militares
o Países Pequenos: Unilateralismo leva ao Isolacionismo
 Perigo de marasmo económico, fomes, subdesenvolvimento,
impossibilidade de viajar
 Pode evoluir para uma violação das regras internacionais com
movimentos belicistas – ex: Coreia do Norte

 Refugiados voltariam a casa se a paz fosse assegurada e houvesse recursos – há uma


desorientação europeia e fuga do realismo para o idealismo
o Conferência de Bratislava – cimeira informal com 27 países da UE
 Matteo Renzi (PM de Itália), faz uma leitura crítica e acertada das
prioridades da UE (= Marilu):
1. Maior solidariedade em relação ao acolhimento
2. Criação dum fundo de desenvolvimento dos países africanos de
forma a fixar a população
 Nada foi oficializado e no acordo final não se passou à ação
o Marilu: problema dos refugiados também é a austeridade.
 UE está demasiado preocupada com a austeridade, impondo travões
nos orçamentos sem permitir uma flexibilização de forma a acolher
 Alemanha tem recebido refugiados porque pode economicamente – o
problema deles é o superavit e falta de mão de obra barata,
encontrando a solução nos refugiados.

ONU tem posição delicada e frágil mas não quer ser tomada como débil e impotente pois se a
organização falhar, falham os acordos dos Estados.
 Pode apenas fazer aprovar acordos e declarações mas que só são aplicadas com vontade
política (que não devem ser aproveitadas por motivações eleitoralistas)

Missão de garantir a paz em muitos âmbitos de atuação: UNESCO, UNICEF, OMS, FMI, Conselho
de Segurança, ACNUR

6/10/16129 - António Guterres é nomeado Secretário-Geral da ONU


 Vem de Estados pequenos – escolhido de zonas de rotatividade (Europa de leste,
ocidental; África; Ásia; América latina
 Secretário Geral é o mais alto funcionário da ONU – é o topo de toda a pesada estrutura
administrativa tendo papel político de conciliação
 Roosevelt: “moderador do mundo”; Marilu: zelador do mundo (procura respostas
internacionais a problemas internacionais)
 Mandato de 5 anos renováveis (9 Secretários-geral desde 1945)
 Eleição passa mensagem de recuperação da autoridade
 Tem que ser independente
 Processo de eleição é por praxe/uso

129
Capicua

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EUA c. Nicarágua
1981 – os “Contras” (grupo armado, financiado e treinado pelos EUA) iniciam atividades de
guerrilha, na sequência da queda do ditador Somoza (apoiado pelos EUA) em 1979, estando no
poder a frente Sandinista de ideologia marxista.

O caso, acusando EUA de atividades militares e paramilitares, chega ao TIJ em 1984 (contexto
final de Guerra Fria com muitos conflitos)

O TIJ, tendo 15 membros em Haia, é tribunal de competência facultativa (art. 36º CNU)

EUA tinham aceite em 1946 mas com uma reserva de que litígios acerca de tratados multilaterais
todos os Estados tinham que estar envolvidos. 4 dias antes da entrada do processo, os EUA
retiram a aceitação (denunciam o tratado) e pedem para se tirar o caso da agenda.

Decisão de Medidas Cautelares

Maio 1984: TIJ votou por unanimidade (juiz americano também decidiu a favor) uma proteção
cautelar em que EUA tinham de parar de minar o mar e respeitar a soberania territorial e política

Decisão sobre a Competência

Novembro 1984: TIJ pronuncia-se de que é competente no processo – manifesto da importância


do TIJ e afirmação na cena internacional. “luta pela sobrevivência”

Decisão final

Junho 1986: EUA já em 1985 se tinham retirado do processo130; TIJ dá-lhes razão quanto à
reserva de 1946 (pois os outros Estados não estavam no processo, tendo sido persuadidos a não
estar) mas afirmam que o Direito não se esgota nas convenções – há direito costumeiro e é com
base nele que julgam o caso (numa asserção de ius cogens). Apesar de estar positivado, é por
ser costume que a todos vincula que se julga o caso.

Decidem que EUA cometeram ilícito ao violar a regra costumeira de proibição do uso da força,
da não ingerência, da violação de direito humanitário.

Dava-se razão à Nicarágua. Em 1991, com um governo de Direita, Nicarágua desiste de reclamar
a efetividade da decisão (justiça internacional instrumentalizada para a política externa dos
Estados)

Hoje em dia suscita-se a questão de qual o nível de ingerência que se deve ter para evitar
massacres (Responsability to Protect como um dever de soberania) – ainda não é norma
costumeira mas os autores dizem que é um nova realidade do DIP. Sobrevive na charneira entre
a soberania dos Estados (limitada pela segurança) e o princípio da não ingerência.

130
Eles tinham alegado legítima defesa coletiva (art. 51º CNU) – mas isso tem de decorrer de uma
agressão armada e tem que seguir trâmites internacionais, tendo uma gravidade tal que o ligue a um
comportamento de um Estado. Tem que ser proporcional à agressão e em princípio é empreendido pelo
Estado vítima.

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EUA violaram Princípio da proibição do uso da força (art. 51º CNU, exceção é legítima defesa a
atividade militar) e Princípio da não ingerência nos assuntos internos (proteção da soberania
estadual) – princípios vestefalianos que vêm desde o período clássico.

Os EUA também faltaram com o art. 18º CVDT pois violaram tratado de comércio, não agiram
com boa fé.

Para responsabilizar os EUA pela ação de particulares a apoiar os “Contras”, os Estados têm que
ter controlo efetivo sobre os particulares.

Decisão da vinculação é por distribuição de poderes, feita pela CRP – vários órgãos de soberania
que decidem, não há vinculação só com um órgão de soberania.

Desde o período entre guerras que se deu o virar da agulha para a mudança em que sega aos
Estados o ius belli – DIP contemporâneo em que há uma positivação das normas e princípios de
fonte costumeira.

Por haver tratados não significa que o conteúdo seja convencional. No caso, recorre-se a
costumes como critérios de julgamento (independentemente de estarem positivados ou não)

É importante saber quais as regras de costume e quais as novas do tratado para saber o alcance.

Fonte convencional – vincula inter partes

Fonte costumeira – vincula todos (âmbito de aplicação maior)

Todos os princípios de ius cogens são de fonte consuetudinária pois a realidade aflora à
consciência dos Estados nesses princípios que se consagram como costume antes de se verem
reconhecidos por qualquer convenção

Ex: CVDT vem de normas costumeiras e mesmo os Estados que não ratificaram estão vinculados
à maior parte das normas.

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